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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


MOVIMENTOS SOCIAIS DE LUTA PELA TERRA E PELA REFORMA AGRÁRIA NA PARAÍBA:
CONCEPÇÕES TEÓRICAS A PARTIR DO TRABALHO DE CAMPO

Edvaldo Carlos de Lima
Professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
edvaldo.edvlima@gmail.com

Caio Augusto Maciel Amorim
Professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
camorim3@terra.com.br

Antonio Thomaz Júnior
Professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Campus de Presidente Prudente
thomazjrgeo@stetnet.com.br


Movimentos sociais de luta pela terra e pela Reforma Agrária na Paraíba: concepções teóricas a partir do trabalho de campo (Resumo)

O campo brasileiro continua caracterizado pelos conflitos, cuja tipologia pode definir como diversa, porém essencial e radicalmente fruto da atual inexistência de uma política pública efetiva de Reforma Agrária. Esse fato constitui hoje o contraponto da Questão Agrária brasileira.

É neste contexto que comparecem os movimentos sociais de luta pela terra e pela Reforma Agrária, ocupando através de acampamentos, as terras devolutas e improdutivas de particulares que não são seus legítimos proprietários e da União, denominadas de latifúndios.

Palavras chave: Movimentos sociais, reforma agrária, realidade agrária, latifundiários, trabalho de campo.


Social movements of fight for the land and the Agrarian Reformation in Paraíba: theoretical conceptions starting from the work of field (Abstract)

The Brazilian field continues characterized for the conflicts, whose tipologia we can define as diverse, however essential and radically fruit of the current inexistence of one public politics effective of the Agrarian Reformation. This fact today constitutes the counterpoint of the Brazilian Agrarian Question.

It is in this context that appears the social movements of fight for the land and the Agrarian Reformation, occupying through encampments, vacant and unproductive lands of particular that they are not its legitimate proprietors and of the Union, called of large states.

Keys words: Social movements, agrarian reform, agrarian reality, large estate owners, work of field.


As informações que aqui se colocam resultam de um esforço coletivo a partir de reflexões que nos desafiou sobre a temática em pauta. Pois nossa compreensão vincula a importância do trabalho de campo para o ensino de geografia com todas as temáticas inerentes a esta ciência. Neste caso abordamos como temática os desdobramentos da questão agrária a partir dos acampamentos de reforma agrária que visitamos no interior do Estado da Paraíba, dentre eles: “Nova Vida I” no município de Aparecida/PB, “Mundo Novo” no município de Santa Isabel e “Patativa do Assaré” no distrito de Santa Gertrudes no município de Patos/PB (Figura 1). Mas, somente ao primeiro fizemos maior alusão neste texto.

Mas, nosso leque de análise não descarta a importância fundamental que essa mesma metodologia seja validada para os conflitos indígenas que acompanhamos no Estado de Alagoas, da mesma forma deve ser notado como instrumento metodológico para o estudo da Comunidade Remanescentes de Quilombos “Tabacaria”, ambas em Palmeira dos Índios/AL. São temas que valorizam o trabalho de campo como metodologia e apreensão teórico-conceitual para a relação do tripé ensino/pesquisa/extensão. Trata-se de uma proposta que dirige o intuito de conciliar nossas idéias, conceitos e teorias geográficas discutidas em sala de aulas com  o real concreto no trajeto percorrido (figura 1).

Figura 1
Itinerário do Trabalho de Campo

Nossa proposta inicial é fazer com que o aluno/pesquisador/observador reflita sobre os efeitos excludentes e de transformações socioterritoriais impostas pelos impactos da reestruturação produtiva do capital nos lugares (acampamentos e assentamentos), especificamente nos trajetos que percorremos para estudo. Que perceba na paisagem discutida que os agentes sociais excluídos do sistema econômico e social ainda são os principais alvos das políticas públicas paliativas (cestas básicas[1], bolsa escola e outras) de inserção social. E isso tem sido o foco dos debates entre alguns pesquisadores e a própria esfera política somente durante o pleito eleitoral. Mas ainda há toda uma trama social que precisamos conhecer e inseri-la efetivamente na agenda política do poder público em escala local, estadual e nacional. Em nosso entendimento é essa discussão que dá sentido e significado às reflexões intra e extra sala de aulas. Assim como em todo contexto das formas espaciais: agrário e urbano.

Nossa atenção também foi dirigida para a reflexão sobre o antagonismo da questão cidade-campo. Tendo em vista que essa separação entre cidade e campo é fruto da divisão social do trabalho, discussão tal, que compreende nossas pesquisas e disciplinas ministradas na Universidade Federal da Paraíba.

Outro objetivo do trabalho de campo é trazer para a sala de aulas algumas reflexões vistas e vividas in loco pelos alunos/pesquisadores/observadores participantes. Essa experiência permite compreender as inter-relações existentes no espaço, enquanto um dos conceitos chave da Geografia. Pois entendemos que “A observação no campo, denominada de direta, é tomada como o recurso indispensável para que seja viabilizado o trabalho do geógrafo. Mas, pouco, ainda, são discutidos os significados do trabalho de campo na produção do saber geográfico (Hissa & Oliveira, 2006).

Movimentos sociais de luta pela terra e pela reforma agrária na Paraíba: concepções teóricas a partir do trabalho de campo

O campo brasileiro continua caracterizado pelos conflitos, cuja tipologia pode definir como diversa, porém essencial e radicalmente fruto da atual inexistência de uma política pública efetiva de Reforma Agrária. Esse fato constitui hoje o contraponto da Questão Agrária brasileira.

É neste contexto que comparecem os movimentos sociais de luta pela terra e pela Reforma Agrária, ocupando através de acampamentos, as terras devolutas e improdutivas de particulares que não são seus legítimos proprietários e da União, denominadas de latifúndios.

Mas as diversas formas de ocupação desses territórios não se dão apenas na esfera dos acampamentos. Elas se materializam em fechamentos de rodovias, ocupações de instituições públicas e privadas como: (INCRA) Instituto de Colonização e Reforma Agrária, Bancos etc.

É a partir das várias formas de ocupações que emergem os conflitos entre as classes envolvidas: trabalhadores sem terra e latifundiários. Esta última amparada pelo braço repressor do Estado representado pela polícia especialmente nos processos de reintegração de posse das áreas ocupadas. É a partir desse quadro que se desencadeiam novos processos que desarticulam a concepção de Reforma Agrária. São desdobramentos como: dissidências no interior dos próprios movimentos, rachas, expulsões, interesses políticos e partidários, violência e a pobreza nos assentamentos e acampamentos. Esse ultimo é o tema principal que aqui queremos discutir a partir dos trabalhos de campo que realizamos periodicamente,  no contexto da pesquisa, ensino e extensão.

Analisamos neste contexto, acampamentos vinculados a (CPT) Comissão Pastoral da Terra e do (MST) Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Estado da Paraíba. Mas esse não foi o único tema que nos envolveu na realização do Trabalho de Campo, visitas a áreas de quilombos e áreas ocupadas por comunidades indígenas também guiaram nosso roteiro já proposto no projeto.

A realidade agrária e as ações políticas desses movimentos sociais de luta pela terra e pela reforma agrária tanto no Brasil quanto na  Paraíba se expressam hoje num contexto de complexidade que precisa ser analisado com mais profundidade pelo governo do estado, governo federal, sociedade civil e pelos próprios movimentos com objetivos comuns. Isso deve ser visto tanto em escala estadual, quanto federal. Trata-se de uma leitura de conjunto que vise a situação sócio-econômica e infra-estrutural dos assentamentos de reforma agrária já “consolidado”, assim como a observação da situacional de miséria que enfrentam os acampamentos (territórios que antecedem os assentamentos). Essa realidade agrária se expressa com maior ênfase nestes espaços (acampamentos e assentamentos).

Com vistas do Trabalho de Campo, o que nos faz publicar fenômenos como esse é a urgência que se faz diante dessas realidades sociais no conjunto  do território que compõe as mesorregiões, tanto do sertão quanto das outras áreas do Estado. Neste circuito estão inseridos os movimentos sociais que lutam por terra e por reforma agrária no estado. Refiro-me aos seguintes movimentos: (MST) Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, (CPT) Comissão Pastoral da Terra e (MAB) Movimento dos Atingidos por Barragens, alem de outros com causas especificas como os indígenas e quilombolas. Todos  atuantes no Estado da Paraíba. Mas nossa proposta inicial é analisar somente os acampamentos do MST e da CPT, tendo em vista que somente acampamentos destes dois últimos movimentos foram analisados in loco, a partir do trabalho de campo.

Lembrando que, a conjuntura das ações políticas dos movimentos, especialmente na Paraíba passa por um estágio de morbidez em via da repressão policial e de jagunços, assim como a falta de uma política efetiva de reforma agrária projetada pelo governo federal e estadual.

A partir do processo de precarização dos assentamentos e acampamentos e do próprio trabalho dos agricultores surgem os conflitos entre as classes no campo seguidos pela violência. Dando formato ao constante processo de subordinação da classe trabalhadora do campo ao capital e aos latifundiários com a conivência do Estado. Diante desse cenário queremos salientar que estes movimentos de luta pela terra que direta e indiretamente estão envolvidos nos desdobramentos da Questão Agrária de maneira geral fazem parte originalmente de processos de fragmentação social induzidos pela sociedade do capital, assim como as dissidências e rachas políticos inerentes ao movimento camponês como um todo, criando e recriando novas frentes de luta na defensiva da Reforma Agrária e outras questões especificas, mas com desdobramentos desencadeados pela questão agrária.

Na discussão especifica sobre nossos relatos de campo abordamos todos os desdobramentos oriundos da questão agrária inerente à problemática social que envolve: conflitos pela terra representados pelos acampamentos da CPT, ocupações de indígenas “desaldeados” no interior do Estado de Alagoas e ocupações de remanescentes de quilombolas.

De maneira geral, essa relação de conflitos no campo brasileiro é fruto de um complexo processo de relações sociais, historicamente construídas, e ao mesmo tempo, sustentado pela estrutura agrária organizada em forma de latifúndios, a qual se fundamenta na apropriação privada da mesma. A terra neste caso se torna mercadoria, porque a apropriação privada lhe dá esse caráter. Trata-se da engrenagem própria do modo de produção capitalista, que segundo Oliveira, “(...) no modo capitalista de produção, o solo, a terra, embora não tenha valor, tem um preço” (1990, p.76). Diante dessa lógica capitalista, a terra mesmo sem características mercadológicas, ou seja, não havendo na sua produção uma só manifestação do trabalho humano se torna uma mercadoria como outra qualquer, porém com preço e significado especulativo de mercado, dependendo de seu uso no campo ou na cidade, e o dito “proprietário” da terra, sente-se no direito de cobrar daqueles que trabalham na terra, uma possível renda capitalizada.

Essa estrutura fundiária, caracterizada pela sua forte concentração, tem-se consolidado, ao longo da história política brasileira, sob interesses da elite latifundiária com a conivência do Estado. É nesse contexto que se colocam os movimentos sociais com o intuito de “descamuflar” o complexo ideológico montado sobre a sociedade alienada da questão.

Os conflitos e a fragmentação dos movimentos inerentes à questão agrária no interior da Paraíba não se limitam à apenas a luta entre as classes e entidades envolvidas no processo: trabalhadores sem-terra e latifundiários, comparecem também no interior dos próprios movimentos sociais de luta pela terra e pela reforma agrária, como vimos no acampamento “Nova Vida I” ao longo da BR 230 no município de Aparecida - PB. Questão que possibilita o processo de fragmentação dos trabalhadores constituído pela própria organização do movimento. Na entrevista de campo que fizemos neste acampamento objetivou-se na fala da liderança o medo de agir com radicalidade nas ocupações e a obediência ao comando da CPT. Ela explica que

"Aqui a gente usa a forma de que não pode quebrar. A ordem da CPT é sempre essa quando a gente chega numa ocupação, a gente só ameaça. A forma de ocupação é diferente da do MST. O MST quebra logo. Quer quebrar logo. A gente não quer a experiência deles pra gente. Porque muitas vezes eles colocam a vida dos próprios companheiros em risco. Dizem que matam dentro dos acampamentos. É o que eu vejo dizer. Eu sei que eles quebram as coisas onde eles vão. Eu já vi reportagem que eles quebram vidro de carro. A gente foi no INCRA, mas de outro jeito. O máximo que fizemos lá foi pinchar um pouquinho as paredes, mas a gente não quebrou nada. A gente tem sempre cuidado. Eles (MST) quando vão querem quebrar as portas. Agora eu não sei de hoje em diante como é que gente vai agir numa manifestação" (Liderança da CPT, Trabalho de Campo, 2008).

Compreendemos que o que há em todo esse processo, é que, o conjunto dos trabalhadores (os movimentos organizados) não está articulada para agir num processo amplo no confronto contra os latifundiários e o Estado no processo de reforma agrária. Entendemos que uma unidade consolidada e articulada politicamente entre os grupos organizados de luta pela terra e pela reforma agrária, seria o ponto crucial para inserir na agenda política do Estado a urgência de se fazer a reforma agrária estrutural, principalmente num Estado que tem apenas 208 assentamentos em pleno inicio do século XXI. Seu espaço também é marcado historicamente pelo poder discricionário dos coronéis sobre os moradores , a perseguição e extermínio de camponeses e de lideres sindicais, inclusive na atualidade. Tudo isso em nome da manutenção do poder tanto no exercício da política quanto no exercício das praticas das formas de violências e do trabalho análogo a escravidão.

Notícias do campo através do trabalho de campo

A partir do conjunto exposto, elaboramos uma proposta de estudos para ir a campo. Mesmo entendendo os grandes desafios e complexidades que existem antes, durante e depois de todo trabalho de campo e uma infinidade de surpresas. Chamamos a atenção para um debate teórico-metodológico do trabalho de campo, principalmente no sentido de superar a idéia de que esse laboratório por excelência da ciência geográfica seja considerado como mera excursão, mas que seja visto como um exercício da práxis de complementação e comprovação da teoria, de maneira contemplativa na relação dialética entre teoria e prática. É uma reflexão que possibilita uma leitura geográfica do real concreto extra-sala de aulas, trazendo uma compreensão do concreto para além do plano teórico. Para Thomaz, Jr, defensor do trabalho de campo fica claro que

"[...] em defesa do trabalho de campo, torna-se necessário uma discussão que recoloque o debate num patamar teórico, que nos permita entendê-lo como um momento impar na produção de conhecimento alternativo, mediatizado através de uma pratica teoricamente orientada, momento consagrador do exercício da práxis teórica" (1991, p. 03).

Assim aquela compreensão tradicional da paisagem analisada com paradigmas superficiais torna-se insatisfatória para as novas exigências, tanto da sociedade contemporânea quanto da própria Geografia enquanto ciência da diversidade.

A saída da sala de aulas para o campo, nos insere empiricamente no contexto das realidades vividas pelos grupos sociais que visitamos. A realidade dos acampamentos que lemos com diversas abordagens teóricas no conjunto da questão agrária paraibana, apresentou na experiência prática uma gama significativa de divergências. No acampamento Vida Nova I, fizemos um estudo de caso que superou as informações que tínhamos previamente. Nesse campo do real concreto, pudemos distinguir com muita clarividência os conceitos que foram discutidos em sala de aulas pela geografia teórica: o confronto entre as classes, denominado de luta de classes as relações de trabalho no sentido da exploração e precarização as relações de poder no interior dos territórios – acampamentos, comunidades quilombolas, comunidades indígenas “desaldeadas” e grandes latifúndios o conceito de trabalho e gênero, o capital em suas diversas roupagens e maquiagens reproduzidas na cultura e na estrutura econômica dos acampamentos e das comunidades locais e a produção do espaço agrário e da miséria (bolsões de pobreza no campo) paraibana no conjunto da inexistência de políticas efetivas de reforma agrária. Trata-se de compreender as novas roupagens, nos velhos conteúdos do capital para redefinir e interferir nessa configuração espacial paraibana. Isso significa entender esses espaços agrários de miséria e pobreza, com a exploração do trabalho em regime análogo à escravidão. Prova-se aí o capitalismo “como um sistema de escravidão disfarçada, sob formas assalariadas e não-assalariadas, quer nas cidades ou nos campos”. (RIBEIRO, 2002, p. 2).

Pudemos perceber essa complexidade nas duas últimas viagens que realizamos para o interior de três Estados nordestinos: Paraíba, Pernambuco e Alagoas. A primeira entre João Pessoa/PB a Aparecida/PB e a última no trajeto de João Pessoa/PB a Palmeira dos Índios/AL passando por Escada na zona litorânea do Estado de Pernambuco. Utilizamos o trabalho de campo como procedimento metodológico para compreender a questão agrária a partir dos acampamentos de luta pela terra e pela reforma agrária. Tentamos a partir de então compreender essas complexidades pelo materialismo histórico-dialético marxista. Isso nos dá a razão para entender que os acampamentos de trabalhadores sem terra, indígenas e quilombolas como forma de ocupação dos territórios tornam-se processos inacabados, ou seja, em constante movimento, produzindo-se e reproduzindo-se pelas mazelas do modo de produção e reprodução do capital. O acampamento é um conceito gerado por uma determinada circunstancia político-econômica, fundamentada na luta de classes, sua incessante dinâmica territorial é gerada pela mudança qualitativa quando constitui-se em assentamento de reforma agrária. Na concepção dos entrevistados ao longo do trabalho de campo entende-se que é a partir da produção do assentamento que se caracteriza a qualidade e a produção da vida material.

Retornando ao primeiro acampamento “Vida Nova I” analisado (por apresentar múltiplas diversidades) o grande impacto na visão do grupo de estudantes, foi perceber a posição geográfica do acampamento, ou seja, este havia sido mudado para o outro lado da BR-230. De acordo com a resposta da liderança (Nete/CPT) isso foi realizado a partir de uma promessa política do (INCRA) Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, representado por Frei Anastácio (Superintendente), e também por um dos secretários do governo do Estado. A partir dessa promessa, todos os trabalhadores do acampamento entendem que aquela área é empresarial, ou seja, os trabalhadores não podem nela entrar. Mas enquanto os trabalhadores estavam ocupando a dita área empresarial, esta não era dita pelos representantes do governo como tal. O sentido de não dizer para os trabalhadores acampados que este era um território já prometida para os empresários, por tratar-se de um dos melhores solos agricultáveis do Estado da Paraíba, era eminentemente manter a ilusão de que os trabalhadores possivelmente conquistariam aquele território num futuro próximo. As afirmações do entrevistado são categóricas nos seguintes termos:

"Essa área é empresarial, então foi feito um negócio com a gente. Se a gente saísse dela, o nosso problema seria resolvido. Porque essa área foi comprada por um empresário. E só resolveria o nosso problema se a gente liberasse a área, mas até agora nada. Mas ainda vamos fazer um manifesto contra essa posição dos prometedores, (INCRA e governo do Estado). Com certeza vai ser feito manifesto" (Liderança da CPT, Trabalho de Campo, 2008).

O que colocamos em pauta com a idéia de trabalho de campo como metodologia de ensino e pesquisa, no sentido de superar as cansáveis aulas teóricas com “velhos” textos da geografia tradicional é possibilitar que o grupo de alunos/pesquisadores perceba não apenas a versão da realidade posta in loco, mas que veja também as formas com conteúdos manipulados pelo sistema midiático de rádio, televisão e jornais. A partir de então entramos numa discussão teórico-conceitual que nos conduz especificamente para a utilização e necessidade de releitura do conjunto das categorias geográficas, eminentemente: espaço, território e paisagem. Tendo em vista que não podem serem vistas como coisas iguais. Essa última por exemplo tornou-se a partir do seu significado tradicional “insatisfatória para preencher os requisitos do paradigma contemporâneo da Geografia Critica, sendo substituída pela noção de sistema espacial ou organização espacial, compreendendo a estrutura dos elementos e os processos que respondem pelo funcionamento de qualquer espaço organizado” (CHRISTOFOLETTI, 1985, p.81). Assim a relação essência e aparência vem a tona no sentido de se compreender que o conteúdo da paisagem (acampamento) é uma outra construção que inclui diferenças e diversidades sociais subjetivas que nem estão presentes nos textos discutidos na sala de aulas, tampouco na imprensa escrita ou audiovisual. É daí que surge o projeto “Noticias do Campo”[2], com o intuito de fazer com que o aluno/pesquisador/observador se relacione com o objeto dominando “um instrumento teórico de acesso ao entendimento da realidade posta – o método” (THOMAZ, 1991, p. 04). Método esse que aponte reflexões direcionadas para uma compreensão da totalidade do real com todos os seus processos: a vida social, política, espiritual, econômica e cultural. Tendo em vista que os objetos alocados no espaço geográfico se materializam, mas existem em constante movimento ao longo de sua construção realizada pelos agentes sociais – sujeitos.

Como podemos compreender, os relatos de uma camponesa (acampada) que entre um dos ocorridos de seu cotidiano, comparece uma circunstância de descaso? No histórico de seu acampamento comparece a situação de desapreço provida pelo próprio superintende do INCRA. Instituição que tem como missão implementar a política de reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional de maneira que contribua para o desenvolvimento rural e sustentável dos assentamentos. Em nosso entendimento este instituto também deve contribuir para a redução ou até mesmo a eliminação dos conflitos entre as classes envolvidas na questão. Entende-se também que o INCRA tem a missão prioritária de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União. Acrescentamos ainda que dentro das obrigatoriedades dessa autarquia federal, na realização da reforma agrária, cabe lembrar que o atendimento aos princípios de justiça social lhe é inerente. Mas, na pratica dos agentes representantes do INCRA, não é essa ação política que se propõe. Tendo em vista que nas colocações da mencionada camponesa o descaso veio a tona. Segundo a entrevistada[3],

"Quando o Frei Anastácio (Superintendente do INCRA) chegou aqui que viu ainda duas barracas nas terras empresariais nos disse o seguinte: Criatura você ainda está com esses barracos do outro lado? Peça logo aquele povo pra sair, porque o projeto do (DOT) Documento Oficial da Terra está dependendo disso pra ser realizado. É questão de dias pra começar o trabalho das casas de vocês. Mas, isso ele não disse aqui conosco, gritou de dentro do carro, nem se quer entrou no acampamento. Então fiquei aperriada e pedi para o povo se mudar imediatamente, mas até hoje nada foi feito em nosso beneficio. A gente vem tendo muitos problemas com essa empresa de Sementes Santana. Foi o dono dessa empresa que comprou uma boa parte da área das Várzeas de Sousa. Esses empresários querem as terras de Sousa. Eles querem por causa da água e terra  que são boas, e porque eles aqui tem um plantio de melancia" (Entrevistas digitais, Trabalho de Campo, 2008).

O exercício do pensar a problematização realizado pelo aluno/pesquisador/observador, é colocado nesse cenário de contradições aludidas entre o Estado (INCRA) e os trabalhadores sem terra, ou seja, insere  o interlocutor no contexto do real concreto. Da mesma forma que coloca em evidência o conflito da luta de classes. Trata-se aqui de um conflito tendencioso na defesa de uma classe social que domina territorialmente toda a região das Várzeas de Sousa. Aqui o Estado na figura do INCRA resguarda e está a serviço dos grandes fazendeiros (empresários).

Desse modo, como fazer entender uma questão como essa (desdobramento da questão agrária) senão através da leitura geográfica vista pelo trabalho de campo? Outra forma seria assistida pelo viés dos meios de comunicação gratuita de massa, mas de uma forma que camufla a realidade, ajeitando o favorecimento do Estado e dos fazendeiros (classe dominante). Leva-se em conta que esta é uma das formas mais recursivas de se veicular a informação pelo rádio, televisão e pelo jornal. Comunicação da informação entre o campo e a cidade de forma sensacionalista veiculada pelo viés midiático do radio e da televisão. Vamos um pouco mais além. É fato que o

"O discurso veiculado pelo jornal nos revela a tendência da imprensa em noticiar os fatos a partir de construções semanticamente negativas ao Movimento, o que por sua vez nos leva a indagar sobre as relações de poder estabelecidas pela imprensa. Na mesma medida em que noticia os fatos, a imprensa o faz a partir de "modalidades do dizer" que não permitem ao leitor uma interpretação favorável ao MST e outros movimentos de luta pela terra e reforma agrária, ao mesmo tempo em que expressa formas de violência contra os trabalhadores rurais sem-terra. Nesse sentido, o discurso jornalístico revela, em seus componentes lingüísticos, um tratamento discriminatório das ações de reivindicações dos movimentos, que muitas vezes são abordadas como caso de polícia e não questões sociais" (RIBEIRO DE SOUZA, THOMAZ JÚNIOR, 2002, p.02).

Entendemos esta como uma compreensão tendenciosa para a política de uma realidade agrária que diverge do que evidentemente foi apresentado em campo. Portanto vimos que a formação sociocultural de uma grande parte da sociedade paraibana é produzida pela indústria das imagens.

Além das questões já colocadas anteriormente, apontamos outras tantas que nos desafiam como professor/pesquisador de Geografia. Logicamente outras tantas comparecerão, mas o que realmente está em jogo é, como trabalhar conceitos, categorias e teorias geográficas da realidade agrária paraibana e brasileira, a partir de uma construção intelectual da sociedade capitalista já alienada pela mídia e pelo sistema político local, que além do capital? O desafio está posto, como geógrafos, só temos que aceitar.

Notas

[1] Para se ter uma idéia sobre a cesta básica que a (CONAB) Companhia Nacional de Abastecimento fornece aos trabalhadores acampados em todo Estado da Paraíba, achamos importante tornar público que esta CIA tem atrasado em até 90 dias o prazo de entrega da cesta de alimentos para os acampados. Confirma-se o processo de precarização da vida social dos trabalhadores e o esfacelamento dos acampamentos. Isso implica no abandono do acampamento e muitas vezes dos lotes. Indícios do processo de fragmentação e dissidência dos trabalhadores no interior dos acampamentos e do movimento como um todo.

[2] Este projeto é parte integrante da pesquisa de doutorado que desenvolvemos junto ao curso de Geografia da (UFPE) Universidade Federal de Pernambuco. O projeto está sendo utilizado também na Disciplina de Geografia Agrária que ministro na (UFPB) Universidade Federal da Paraíba – Campus de João Pessoa Departamento de Geociências.

[3] Optamos por não citar os nomes completos das pessoas entrevistadas por tratar-se de uma circunstância ainda bastante delicada principalmente por constatar que área ocupada pelos trabalhadores sem terra se encontra em litígio.

Bibliografia

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