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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

SÃO PAULO: GLOBALIZACIÓN Y TRANSICIÓN METROPOLITANA

Paulo Cesar Xavier Pereira
Sociólogo, professor Doutor
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade de São Paulo, Brasil
pcxperei@usp.br


São Paulo: globalización y  transición metropolitana (Resumen)

Las recientes transformaciones socio-espaciales que han tenido lugar en la ciudad de Sao Paulo muestran como la presencia internacional y global se amalgama con la exacerbación de procesos de empobrecimiento y segregación.

En el desarrollo de la discusión de esas transformaciones se busca demostrar, como partes de un mismo proceso socio-espacial, tanto el proceso de globalización, que parece representar una transición, como el de segregación, que se presenta como una disolución de la condición urbana.

Se trata, así, de contribuir al conocimiento de la metropolización latinoamericana y, sobre todo, de caracterizar el proceso de globalización que se impone en las grandes ciudades contemporáneas como una transición metropolitana.

Palabras claves: globalización, metrópoli, transición


São Paulo: globalisation and metropolitan transition (Abstract)

The recent transformations taking place in the city of Sao Paulo show how the global urban dimension goes hand in hand with local deprivation and segregation.

Both globalisation trends and segregation dynamics orientate a social and spatial process of change which has as the main result the dissolution of the urban condition in Sao Paulo. The metropolisation dynamics currently at work in South American cities can be understood, taking into consideration evidences and facts coming from the analysis of Sao Paulo, as a transition resulting from the globalisation process which takes place in contemporary cities.

Key words: globalistaion, metropolis, transition


Hoje se tornou comum discutir a pertinência da denominação de cidade para se referir às atuais aglomerações urbanas: tão extenso se tornou o uso da palavra cidade e tão modificado está o espaço-construído por ela referido. Essa extensão e imprecisão do uso da palavra cidade evidencia a profundidade das transformações de estrutura, forma e função que ocorreram nessas aglomerações. Trata-se de uma transformação sócio-espacial que nas cidades mais globalizadas evidencia a formação de aglomerações informes e de uma urbanização generalizada. Nota-se, sobretudo no que diz respeito às cidades maiores, como São Paulo, o desenvolvimento de uma urbanização com espaços pouco delimitados, mas nem por isso menos segregados, que tendem a apresentar em sua diversidade uma mescla em que já não é tão contrastante nem mesmo a tradicional oposição entre a cidade e o campo.  Mas, embora seja algo mais perceptível nas cidades maiores, é uma mudança na urbanização que não pode ser reduzida à questão da escala ou a do tamanho da aglomeração ou da população.

Um sinal de que a percepção dessa mudança ganha força é de que desde a última década do século passado vem se falando dessas questões como crise da cidade ou de um impasse metropolitano cujas análises dos processos tem revelado o caráter tanto metropolitano como de crise dessas transformações urbanas. A meu ver a metropolização se configura como o processo novo senão o motor dessas transformações da cidade, se sobrepondo à urbanização e mudando a própria condição urbana como o elemento fundamental da vida nas cidades contemporâneas. Neste sentido, a atualidade da crise das cidades ou o impasse metropolitano não pode ser considerado como mero resultado do desenvolvimento linear do processo urbano ou de um agravamento dos processos de espoliação.

È conhecido que: “Desde 1970, o crescimento das favelas em todo o hemisfério sul ultrapassou a urbanização, propriamente dita. [...] As favelas de São Paulo – meros 1,2 % em 1973, mas 19,8% em 1993 – cresceram na década de 1990 no ritmo explosivo de 16,4% ao ano.” (Davis. 2006, p. 27) Mas, se o agravamento das condições urbanas que ocorreu nas últimas décadas em São Paulo e em outras  cidades deste hemisfério, pode ser visto dentro da linearidade das hesitações do moderno na América Latina, ele não pode ser perfeitamente entendido como um resultado linear das contradições da modernidade latino-americana.

No Brasil, a modernização brasileira não se conclui e, historicamente, esta incompletude  do moderno nas cidades brasileiras pode ser visto na presença  das favelas ou contemporaneamente na generalização e agravamento da precariedade urbana que não resultam apenas de processos já seculares que excluem ou marginalizam grande parte da população da vida urbana moderna.  Assim, é que na cidade atual ao lado das sonhadas construções de vidro e aço de arquitetura pós-modernas continuam presentes e de forma cada vez mais generalizadas a favela, o cortiço e outras formas de habitação precária. Tanto que, hoje “São Paulo tem 1,1 milhão de pessoas que moram em favelas, 1,6 milhão que moram em loteamento ilegais, aproximadamente 500 mil pessoas em cortiços e 10 mil moradores de rua.” (idem, p. 223)

A globalização e a transição metropolitana

A hipótese que será explorada neste texto não é linear e nem da insuficiência da modernização que por suas hesitações permanece incompleta e tenderia a manter as situações de precariedade ou até a agravá-las dependendo da qualidade do alcance de propostas reformistas ou “civilizadoras” do próprio capitalismo. Ou seja, de que no desenvolvimento das cidades capitalistas há uma questão habitacional e urbana que tende a se agravar e que caberia ao Estado ou ao planejamento minorá-la.

Aqui, neste texto, se procura distanciar desse paradigma para explorar a hipótese de que com a globalização muda, na passagem para o século XXI, a relação entre urbanização e metropolização e com essa mudança se altera o sentido desses processos e, também, da questão urbana e da questão metropolitana. Essa mudança de sentido de processos e questões teria semelhança com a alteração que ocorreu na relação entre a questão social e a questão urbana a partir do avanço da industrialização e da urbanização, no inicio século XX. Nesta discussão consideramos primeiro que as questões sociais que emergiram com a indústria se transformaram na cidade, pela sua abrangência e ambientação em problemas da cidade. Por isso, não demorou a que os problemas sociais originados com a industrialização e a urbanização, durante o século XX, embora já viessem de antes, passassem a ser percebido propriamente como questão urbana.

Hoje, essas questões de forma nova estão sendo recriadas na cidade (e “fora dela”, no que seria o “campo”) pela metropolização e assumem maior gravidade como questão política emergente, pois nesse momento a crise da cidade e mesmo problemas da reprodução social que estavam latentes assumem outra dimensão, a de questão metropolitana. Até então se a questão urbana presente na produção social do espaço urbano se manifestava por uma lógica que diferenciava espaços destinados a reprodução da força de trabalho, por exemplo, o resultado era desigualdade de acesso a equipamentos e meios urbanos ou dificuldade para a integração sócioespacial na estrutura da cidade.  Atualmente, não é tanto pelo agravamento da lógica de separação dos grupos sociais (em outras palavras da segregação sócio-espacial), mas pelo deslocamento da própria lógica de reprodução que passa a presidir a produção social do espaço, agora com caráter metropolitano. Esta lógica imprime um significado aos conflitos na cidade contemporânea que em sua transição metropolitana parecem representar e ter o sentido de desagregação da sociedade. No sentido em que Jacques Donzelot (2006, 54) afirma :  «le problème n'est plus le conflit auquel la ville fournirait une enceinte et une scène, mais la partition de la ville... qui entraîne la désagrégation de la société.». 

Assim, nessa transição e nova lógica de separação dos grupos sociais há uma desagregação da cidade e da sociedade que têm por uma parte a dinâmica de investimentos globalizados e, por outra, a das populações pobres marginalizadas e relegadas à precariedade de guetos em áreas periféricas distantes ou centrais. E os espaços públicos, se persistirem o farão tal como a cidade, como afirma Donzelot (2006): persistirão mais como problema do que como solução.

Para ele, simultaneamente, a essa lógica de “separação que dá o tom” (idem) do processo nota-se que na arquitetura há também uma busca de espaços privilegiados e restritos, que seguindo Bordieu podem ser denominados de espaços de distinção, porque se apresentam como equivalentes a poucos e distantes. Por essa denominação se revela nas relações sócioespaciais a preocupação de ser distinto de tudo que está nas proximidades, no seu entorno. Poder-se-ia considerar que há a vontade de ir além do território, um desejo de estar além da cidade como se o transterritorial fosse a condição a ser atingida, uma exigência da dinâmica metropolitana. Mas, essa transterritorialidade não é a busca que generaliza o urbano, que vê a cidade apenas como problema?

Então, se pode sugerir que na transição metropolitana essa produção social de uma forma de espaço separado, distinto, e transterritorial pode ser interpretada como emergência  de um novo espaço homogêneo? Algo relativo a um estilo de vida metropolitana emergente. Algo que diria respeito à ideologia espacial de uma economia transterritorial que se insinua como ordem urbana, mas que na verdade seria uma (des)ordem porque representa a desagregação social da ordem existente. Uma proposta ideológica que respalda as propostas de uma nova sociedade construída por meio de aglomerações cada vez maiores, mais excludentes e segregadas. De certa maneira pode-se dizer que se trata de construir novas cidades, como se fossem ilhas, dentro da cidade já existente (ou por cima, da pré-existentes, tal como ocorreu com algumas cidades pré-colombianas na colonização). Assim, o sentido da transição metropolitana  pode não ser negar a cidade, mas negar a sua história e, com ela a ordem sócio-espacial existente. Fundamentalmente, a força dos fluxos da globalização na transição metropolitana subordina a cidade existente, preside a questão urbana pela ocultação dos problemas, sobretudo, da miséria da sua população e das mazelas da injustiça urbana, para promover globalmente espaços que, glamorizados e valorizados atinjam um mercado e preços maiores[1].

Os especialistas tendem a pensar a intensa homogeneização destes espaços que se formam na aglomeração metropolitana cada vez mais como ilhas de um arquipélago, cidades dentro da cidade, em que cada uma delas se comporta como um nó de uma rede (em expansão) que flutua sob fluxos de diferentes intensidades. Essa flutuação é que a força da rede de lugares (ou cidades)  que dão  origem a um conjunto de relações sócio-espaciais adequadas à nova ordem mundial. Assim, a dinâmica urbana fica subordinada à metropolitana, o que faz que mesmo a dinâmica dos processos localizados e mais próximos, nos quais os fluxos não estão diretamente conectados a movimentos distantes e globais do capitalismo, se altera. Na observação dessa dinâmica e de sua alteração verifica-se a emergência de nova relação sócio-espacial com dimensões e velocidades até então presentes apenas em álbuns de ficção científica[2].

Todo cuidado com a observação dessa dinâmica sócio-espacial é pouco, porque na análise das lógicas do território e do poder se esclarece a disputa dialética de onde está o centro, elas pela sua visibilidade se manifestam de maneira oposta ao das forças globais e fluxos imateriais da economia contemporânea que tendem a obscurecer a centralidades e ao mesmo tempo em que as multiplica. Mas, se é certo que os lugares desses fluxos tenderiam a escapar do Estado, até que ponto se poderia afirmar que é a transição metropolitana criando um espaço com a forma de arquipélago que representa uma economia globalizada e as suas centralidades?[3]

Transição metropolitana e urbanização generalizada

Se imaginarmos o espaço metropolitano como a representação de uma “economia de arquipélago”, muito mais se poderia problematizar sobre a urbanização contemporânea e representação do lugar de novos centros  na transição metropolitana. Tal como expõe Olivier  Mongin (2006, p. 233):

 “En el contexto de una economía de archipiélago donde las ciudades globales – y no ya los Estados – representan las nuevos centros de la red económica mundializada, ¿qué sucede con esas metrópolis, esas áreas urbanas doblemente caracterizadas por despliegue y la multipolaridad, que no son ni megaciudades condenadas a la anarquía y a la supervivencia, ni ciudades globales, sino que son conjuntos urbanos que participan en su nivel de la red global?”

Primeiro, se não se aplicaria à urbanização contemporânea as polaridades dicotômicas freqüentes nessa discussão, tais como cidade e campo, dentro e fora, centro e periferia. Quando na cidade se desfaz esse conjunto de oposições é porque não há fronteiras, há ausências de limites e isso resulta da perda de autonomia das cidades (dos lugares) que passam a ser determinado pelos fluxos[4]. Além dessa urbanização generalizada que resulta da globalização e reforça a importância da metrópole, como urbanização contemporânea, e da transição metropolitana com ênfase na sua negatividade e nos riscos da dissolução da condição urbana ou da desagregação da sociedade, como fala Donzelot (2006).  Também, deve ser observado que urbanização e metropolização são processos distintos em que desigualdades sócio-espaciais semelhantes continuam sendo criadas, mas não necessariamente da mesma maneira, a mudança na forma social de produção do espaço é o aspecto relevante a ser observado.

A desigualdade na metrópole contemporânea dá lugar a áreas de extrema atonia social, que sem estar fisicamente distante dos espaços privilegiados, a eles, contraditoriamente, se mesclam quando não se envolvem em dinâmicas globalizadas. Assim, discutir a transição metropolitana será confrontar essas diferenças de processos, dinâmicas e verificar as oposições e unidade de suas relações como compreensão do todo. Trata-se de conhecer ou reconhecer a totalidade da aglomeração metropolitana cuja São Paulo transformação representa uma transição, que pode significar a dissolução do urbano. No contexto da América Latina, essa dissolução tende a ser não apenas profunda porque vem em reforço de desigualdades históricas e tradicionais da urbanização latinoamericana; daí, que a idéia de transição metropolitana quer significar nesse processo e que há também uma transformação da dinâmica em que hegemonia de um processo (o da metropolização) sobre outro (o da urbanização) tende a dissolver o urbano. Essa nova dinâmica e a mudança na hegemonia dos processos fazem desagregar as condições urbanas para a reprodução da força de trabalho. Nesse sentido, a metropolização não é apenas um aprofundamento das desigualdades da condição urbana, é uma dissolução do urbano, pois tende a suprimir a existência de tais condições que na América Latina sempre foram, historicamente, insuficientes.

Isso significa, que ao contrario da urbanização a transição metropolitana vem se opor  à reprodução da força de trabalho porque em sua dinâmica passa a impor na produção da cidade a hegemonia dos fluxo globais nos movimentos de reprodução do capital, como se o movimento de uma reprodução pudesse existir sem o outro: como se não houvesse uma mútua dependência entre o trabalho e o capital.  Nesse sentido, a transição metropolitana é mais do que a hegemonia do metropolitano sobre o urbano sendo, também, o de uma metrópole em construção por meio da afirmação de fluxos (globais) e lugares (centrais) na conformação de uma nova (des)ordem espacial.  Mas, a transição por ser a construção de algo novo se assemelha à uma força de desagregação da sociedade no sentido em que Donzelot (2006) foi citado, muito embora não possa ser confundida com dissolução urbana que é o de uma cidade que se desfaz.

No contexto desses processos, se intensifica a exploração do trabalho ao se exacerbar a reprodução do capital e se  radicaliza a espoliação ao se tender a extinguir as condições de reprodução urbana da força de trabalho. Não importa que, na América Latina a condição urbana foi sempre insuficiente e a modernização da cidade incompleta, cabe notar que apesar de restrita houve momentos e lugares em que essas condições foram necessárias à reprodução social do capital e até cumpriram, contraditoriamente, a função de resistência do trabalho à exploração. A questão é que embora o imperativo capitalista continue sendo a sua reprodução aquela condição urbana que favorecia o trabalho, agora, tende a extinção. Mas, a condição urbana contemporânea apresenta outra tendência, em que o urbano se generaliza e aquelas condições tendem a diluir. O que poderia significar o  desaparecimento dessas condições?  Para o capital, talvez pouco ou quase nada; mas para o trabalho certamente tudo.

Sabemos que, historicamente, sem nem mesmo ter se desenvolvido a condição urbana moderna, plenamente, o crescimento da cidade de São Paulo prestou enorme serviço à acumulação industrial[5].  Mas, hoje como veremos há um claro direcionamento das transformações sócio-espaciais, que delimitam e redefinem a nova condição para exacerbar a acumulação: uma transição metropolitana, como estamos argumentando, que desfaz a cidade e dissolve o urbano.

A urbanização generalizada da metrópole dissolve o urbano

A metrópole de São Paulo é, na atualidade, um grande complexo econômico industrial e de serviços financeiros cuja aglomeração em algumas direções alcança a distância de 250 quilômetros. A ocupação territorial neste aglomerado é densa, mas ao mesmo tempo, intermitente com descontinuidade no traçado urbano. A aglomeração é composta por municípios conurbados e extensas vias expressas ou estradas que movimentam veículos de carga e passageiros nos quais se intensificam os pendulos cotidianos das pessoas entre o habitar e o trabalhar em cidades diferentes. Note-se que as pessoas se mobilizam como se estivessem praticamente em uma só cidade já que a área construída tem combina elementos de continuidade e descontinuidade forjando uma ausência de limites, como se não houvesse nenhuma fronteira ou divisas oficiais.

Na verdade, esse aglomerado imenso com suas fronteiras em constante movimento se configura como produto de uma homogeneização intensa que aparentemente generaliza urbano, quando a rigor o dissolve. Isso, porque a urbanização generalizada em São Paulo ocorreu, num primeiro momento como expansão da metrópole pelo chamado padrão periférico de crescimento urbano e, depois, já nas últimas décadas do século passado e em pleno século XXI, ela avançou com o que estamos chamando de transição metropolitana  que parece estar se constituindo um “arquipélago”, como uma forma nova do espaço metropolitano e produto representativo da nova economia espacial que poderia ser caracterizada como um  padrão insular de crescimento metropolitano.

Durante o chamado padrão periférico de crescimento urbano a cidade moderna era um aglomerado que tinha uma área densa e central e diversas áreas dispersas, precárias e distantes. Assim, a aglomeração tinha áreas densas, e também, dispersas, fragmentadas e desiguais no seu conjunto, porque era impulsionada pela homogeneização industrial capitalista e, sobretudo pela iniciativa de construção da casa própria pelo trabalhador par a resolver seu problema de moradia.

Um rápido exame desse momento permite observar que, particularmente após 1930, a indústria impulsionou o crescimento da cidade São Paulo. Não seria errada esta observação, embora a relação entre urbanização e industrialização não seja unívoca, porque durante a maior parte do século XX, os problemas foram resumidos ao habitacional e a construção da casa própria construída pelo morador se impôs como solução urbana. Tratava-se de uma cidade que crescia concentrando a  indústria, mas era o urbano que impulsionava a acumulação industrial fundada na existência de uma grande massa de trabalhadores com baixos salários e espoliados. Por isso, a solução habitacional era falsa e se constituía num verdadeiro problema urbano: uma forma de produção imobiliária extensiva baseada na construção precária e de baixo custo que proporcionava o assentamento urbano acolhendo na cidade as grandes levas de população migrante em áreas sem nenhuma condição urbana. Essa solução/problema serviu principalmente ao trabalhador rural que se metamorfoseava em trabalhador industrial ao assegurar a provisão habitacional barata, apesar do alto custo para a cidade porque era uma urbanização que ocorria sem nenhum urbanismo. Trata-se de uma solução improvisada, sem plano e capacidade para prover moradias adequadas para o conjunto dos trabalhadores, apesar disso se tornou tradicional e um grande problema por tornar predominante a urbanização sem urbanismo. Essa forma de produção urbana extensiva e sem urbanidade explica como ocorreu tão grande expansão da mancha urbana de São Paulo entre 1930 e 1970, com destaque para os anos 50 e 60, conforme pode ser observado na  figura 1.

Figura 1
Evolução da mancha urbana da cidade de São Paulo

Fonte: INFURB

No período posterior perde força a solução periférica criada pelo trabalhador e começam a prevalecer os processos associados aos movimentos do capital, primeiro, sobretudo os da industria tais como o de desconcentração industrial, industrialização do interior, reestruturação produtiva etc. que dispersam a localização dos estabelecimentos de produção industrial e cria novas tipologias habitacionais tais como o condomínio horizontal na periferia e que constitui o que estamos denominando de padrão insular de crescimento metropolitano como uma manifestação da transição metropolitana.  Hoje, os movimentos do capital não estão mais associados a esses processos, mas são aqueles globalizados proporcionados pela circulação do capital a nível reestruturação  econômica sobretudo de caráter financeiro que se faz representar no espaço metropolitano produzindo múltiplas  centralidades como se São Paulo fosse um grande arquipélago.

Figura 2
São Paulo, e a sua dimensão metropolitana

Fonte: INPE. Instituto de Pesquisas Espaciais. Imagem de Satélite do ano 2001. Landsat 7. São José dos Campos: INPE, 2002 [CD-ROM] Escala: 1: 1000 m.

A imagem da urbanização contemporânea deste conglomerado revela a dimensão metropolitana com uma aparência de homogeneidade, mas obscurece as imensas injustiças, desigualdades e diferenças apresentadas pela fragmentação transição metropolitana que concentra e acumula em São Paulo a riqueza do país. A modo de exemplos, dessa imensa fratura social cabe ressaltar não só a enorme concentração econômica regional da economia nacional que esse aglomerado representa, mas indicar que dentro enorme desta aglomeração são cada vez mais significativas as inumeráveis urbanizações confinadas socialmente, que se segregam no conjunto do território metropolitano: os inumeráveis condomínios fechados, os espetaculares artefatos arquitetônicos de luxo destinado aos serviços administrativos, financeiros e comerciais e de expansão. E, igualmente, cabe lembrar como espaço de distinção a fratura que representam as centralidades pujantes que se desenvolveram no município de São Paulo, ao controlar os fluxos – materiais e imateriais - diretamente relacionados à globalização e centraliza-los no município da Capital como movimentos de concentração e centralização da cumulação capitalista. Por isso, certamente, acumulam além da riqueza e as misérias do capitalismo.

Em conclusão, a expansão metrópole de São Paulo durante a maior parte do século XX se propagou com precária condição urbana e pode ser caracterizada como uma urbanização sem urbanismo. Primeiro, porque foi uma solução habitacional fora do mercado que foi hegemônica e criou o seu próprio mercado por implicar em facilidades para o trabalhador obter sua própria casa, mesmo que em lotes ilegais, distantes e sem equipamento urbano. Agora se considera que o predomínio dessa solução habitacional predominante que tinha sido ungida pela “tradição”, pela valorização da periferia das cidades e institucionalizada como maneira de incorporar as massas populares ao urbano “está longe de representar a falta de planejamento, o padrão periférico corresponde a uma estratégia de máxima acumulação capitalista.” (SEMPLA, 1990, p. 77). Portanto, quanto a essa estratégia do capital não há novidade na transição metropolitana onde hoje persiste e hegemônica a dinâmica metropolitana como caráter dominante da “estratégia de máxima acumulação capitalista”. Atualmente, mais que antes a metropolização persiste e a precariedade da urbanização sem urbanidade se intensifica, agora, com a transição metropolitana e sobre as formas da urbanização generalizada com um padrão insular de crescimento metropolitano.

Notas

[1] Em São Paulo, as fotos dos edifícios  nas margens dos Pinheiros, mostra o impacto da produção desse espaço a serviço dos fluxos do capital, bem como o seu impacto sobre o urbanismo globalizado ou não. Por enquanto as tentativas de reproduzi-lo na renovação das áreas centrais embora mais freqüentes não tiveram o mesmo sucesso; a bibliografia recente debate sobre a importância do capital financeiro e estrangeiro em  sua relação com a propriedade da terra nas estratégias de máxima valorização imobiliária. 

[2] Essa dinâmica diz respeito aos processos de acumulação (em diferentes dimensões e escalas geográficas) que podem ser entendidos como a lógica territorial e a lógica capitalista do poder, como propõe David Harvey, cujo desafio em “análises concretas de situações reais é manter os dois lados dessa dialética em movimento simultâneo, sem cair no modo de argumentação puramente político ou predominantemente econômico”.(2004. p. 34)

[3] Para Olivier Mongin a cidade global simboliza a centralidade emergente de  uma representação da economia sob a forma de um arquipélago. “Aunque la ‘ciudad global’, que le confiere visibilidad a la globalización, se une a la temática del ‘fin de los territorios, también se inscribe en una economía representada por la forma de un ‘archipiélago’. Ciertamente, la dispersión geográfica de las actividades económicas exige que se reconstituyan ciertas ‘centralidades’, a saber, ciudades globales ‘que concentren las funciones de mando’, pero esta extensión geográfica se traduce en el advenimiento de una economía de archipiélago de características diversas. ” (Mongin. 2006, p. 223)

[4] “Ahora bien, la condición urbana contemporánea – y éste es sus segundo sentido – actualmente tiende a confundir-se con lo que se conoce ‘como lo urbano generalizado’, ‘la ciudad genérica’, vale decir, con una ausencia de límites y de discontinuidad que deshace la antigua oposición entre la ciudad y el campo, entre el afuera y el adentro.” (Mongin. 2006, p. 163)

[5] A chamada autoconstrução é um caso bastante claro em que havia uma produção da casa pelo próprio trabalhador que reduzia o custo de reprodução da força de trabalho, servindo à acumulação industrial. Porém, é sabido autoconstrução não ocorria com relações capitalistas de produção e nem era uma construção que estivesse subordinada a reprodução do capital. Hoje todos sabemos como se ampliam as restrições à realização da casa pelo próprio trabalhador. Estariam ou não em vias de extinção? Eu, pelo bem e pelo mal que significou a existência da autoconstrução nas cidades latino-americanas, creio que sim.

Bibliografia

Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006. 272 p.

Donzelot, Jacques. Quand la ville se défait. Quelle politique face à la crise des banlieues? Paris : Seuil, 2006. 186 p.

MONGIN, Olivier. La condición urbana. La ciudad a hora de la mundialización.  Buenos Aires: Paidos, 2006. 398 p.

São Paulo: Crise e Mudança. São Paulo, 2000. 223 p.


Referencia bibliográfica

Pereira, Paulo Cesar Xavier. São Paulo: globalización y transición metropolitana. Diez años de cambios en el Mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008 <http://www.ub.es/geocrit/-xcol/213.htm>


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