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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


MUDANÇA DE CONCEPÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CAMPO BRASILEIRO: O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)

Rosangela Ap. de Medeiros HESPANHOL
Docente da FCT/UNESP – Presidente Prudente – São Paulo - Brasil
rosangel@fct.unesp.br


Mudança de concepção das políticas públicas para o campo brasileiro: o Programa de Aquisição de Alimentos, PAA (Resumo)

Nos anos 1990, as políticas públicas para o meio rural brasileiro incorporaram a perspectiva territorial, além de incentivarem a participação e a organização coletiva dos beneficiários. Em 2003 foi criado o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) com o intuito de garantir a alimentação de pessoas em situação de vulnerabilidade social ou insegurança alimentar e de gerar trabalho e renda no campo por meio da compra direta de alimentos dos agricultores. Em pesquisa realizada nos municípios de Tupi Paulista e Dracena (SP), se constatou que o preço pago aos agricultores é superior à média regional e que em virtude desse fato os participantes têm interesse em ampliar a área cultivada e/ou diversificar os cultivos. Todavia, dois problemas foram detectados: i) o número reduzido de produtores beneficiados; e, ii) o favorecimento de parentes dos produtores já cadastrados e que tentam aumentar sua cota de produtos e o valor a ser recebido.

Palavras-chave: Políticas públicas; comercialização; geração de emprego e renda; espaço rural.


Change of the public politics conception for Brazilian fiel: the food acquisition program, PAA (Abstract)

In the 90, the public politics for the Brazilian rural way incorporated the territorial perspective, besides they motivate the participation and the beneficiaries collective organization. In 2003 the Food Acquisition Program (FAP) was created with the intention of guaranteeing the feeding of people in social vulnerability situation or alimentary insecurity and of providing work and income in the field through the direct buying of the agriculturists foods. In a research made in two São Paulo State’s towns: Tupi Paulista and Dracena, it was verified that the price paid to the farmers is higher to the regional average and because of this fact the participants have interest in enlarging the cultivated area and/or in diversifying the cultivations. Though, two problems were detected: i) the reduced number of beneficiated producers; and, ii) the furtherance of the producers relatives already registered that try to increase their quota of products and the value to be received.

Keywords: Public politics; commercialization; job providing and income; rural space.


Analisar as mudanças ocorridas na concepção de políticas públicas para o rural brasileiro a partir dos anos 1990 se constitui num dos objetivos do presente texto. Isso porque, até o final dos anos 1980 essas políticas eram fortemente centralizadas pelo Estado brasileiro e estruturadas numa perspectiva setorial, em que o espaço rural era apreendido apenas como o lócus da atividade agropecuária.

No decorrer dos anos 1990 o Estado brasileiro introduziu, pelo menos ao nível de concepção e estruturação geral, novos aportes às políticas públicas, como o enfoque territorial, o estímulo à participação dos beneficiários e/ou de suas formas de representação e a organização coletiva dos atores sociais.

Tendo esse cenário de alterações como pano de fundo, se enfocou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003 na gestão do governo Lula e concebido como parte de um conjunto de políticas estruturantes que compõem o Fome Zero.

O PAA tem como objetivo principal estimular e fortalecer a agricultura familiar por meio de um conjunto de ações relativas à aquisição da produção agropecuária e sua distribuição a grupos de pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar e/ou nutricional, contribuindo também para a formação de estoques estratégicos de alimentos no país.

Considerando o período relativamente curto de atuação do programa, realizou-se, com base em levantamento bibliográfico e pesquisa empírica, um estudo de caso enfocando a experiência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) nos municípios de Dracena e Tupi Paulista, que pertencem à Microrregião Geográfica de Dracena, localizada no extremo oeste do Estado de São Paulo.

Políticas públicas direcionadas ao meio rural brasileiro a partir dos anos 1990

As políticas públicas implementadas para o rural brasileiro até os anos 1980 se fundamentaram nos mesmos princípios e concepções que nortearam o Estado brasileiro no período 1920/1980. Nesse período, como observa Bacelar (2003, p. 02), o “essencial das políticas públicas estava voltado para promover o crescimento econômico, acelerando o processo de industrialização, o que era pretendido pelo Estado brasileiro, sem a transformação das relações de propriedade na sociedade brasileira”.

Em decorrência do caráter centralizador do Estado brasileiro, as políticas públicas direcionadas ao meio rural se caracterizaram por seu caráter setorial, já que se destinavam, sobretudo, ao crescimento do volume produzido e dos índices de produtividade em decorrência da incorporação de inovações tecnológicas pelas atividades agropecuárias. O espaço rural, nesse contexto, era apreendido apenas enquanto locus para a realização das atividades relacionadas à agricultura. Além do seu caráter setorial, essas políticas eram concebidas a partir dos interesses (lobbies) econômicos dominantes – oligarquias rurais e urbano-industriais - envolvidos na agricultura, sem que houvesse qualquer tipo de discussão e/ou participação no âmbito institucional dos demais segmentos sociais (pequenos produtores, trabalhadores rurais etc.) que compõem o espaço rural e que ficaram à margem desse processo.

Essa situação, entretanto, começou a mudar em virtude de uma nova conjuntura política e social que teve como marco o processo de redemocratização do país e que favoreceu a intensificação de movimentos organizados na sociedade, reivindicando a sua participação. Em termos econômicos destacaram-se o aprofundamento da crise financeira do Estado brasileiro na década de 1980 e a adoção do modelo neoliberal a partir do início dos anos 1990. O desencadeamento do processo de descentralização político-administrativo, propiciado pela Constituição de 1988, foi outro elemento importante nesse cenário. Assim, temas como poder local, participação social, autogestão, desenvolvimento sustentável, representação e formas de organização coletiva ganharam destacada relevância no âmbito nacional.

A partir dos anos 1990, as políticas públicas de forma geral e, em particular, as direcionadas ao meio rural brasileiro, passaram a incorporar em seu escopo, algumas mudanças em termos de concepção, estruturação e formas de implementação.

No âmbito do rural, uma das primeiras alterações ocorridas foi a criação em meados dos anos 1990, de uma política nacional direcionada para a agricultura familiar, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF. Esse programa, além de contemplar crédito rural para custeio e investimento, trazia em seu bojo, pelo menos ao nível do discurso, a preocupação territorial, por meio da linha PRONAF Infra-Estrutura e Serviços Municipais (Hespanhol, 2006).

Essa mudança de perspectiva foi o resultado de um novo cenário internacional e nacional. Em escala internacional, destacou-se a forte influencia das políticas européias que passaram a valorizar o local como referência territorial. Essa valorização do local ocorreu, por um lado, em virtude da grave crise do modelo agrícola produtivista vigente na Europa - que resultou nas reformas da Política Agrícola Comum de 1992 e 1996 - e, por outro, o próprio questionamento da idéia de unilinearidade do processo de desenvolvimento, no qual as diferenças regionais antes vistas como negativas e que teriam de ser eliminadas, passaram a ser reconhecidas como características positivas a serem preservadas e valorizadas.

Para Oliveira (2002, p. 08), o principal impacto dessa mudança de perspectiva no âmbito europeu se deu no fato de se considerar as especificidades regionais como elemento de definição na formulação de políticas e de instrumentos de apoio, buscando serem “pensadas a partir da realidade econômica, social, cultural e institucional de determinado espaço”. Houve assim, a tentativa de dissociação entre o desenvolvimento rural e a agricultura, mudando-se o enfoque para uma lógica territorial e não mais apenas setorial[1].

Nesse sentido é importante que as políticas públicas se constituam em instrumentos para o fortalecimento do desenvolvimento a partir da escala local. Isso porque, de acordo com Santos (1996), é no lugar, um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições, que a cooperação e o conflito são a base da vida em comum.

Em escala internacional, outra mudança fundamental se processou nas agências de apoio à cooperação, fundos de financiamento e organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre outros, que, sob a forma de orientações, passaram a incorporar em seus programas, a perspectiva do desenvolvimento territorial como forma alternativa de competitividade.

De acordo com Favareto (2005, p. 03)

“Como se sabe, é enorme a influência destes organismos sobre a definição das políticas, sobretudo dos países da periferia e da semi-periferia do capitalismo mundial. O que se deve tanto ao papel de financiador de muitos desses organismos, como, talvez principalmente, pelo fato de funcionarem como uma espécie de pivô, através do qual gira uma articulação muito peculiar de interesses e competências envolvendo os campos acadêmico, político, econômico, em cuja dinâmica ocorre um movimento de legitimação recíproca entre os conhecimentos produzidos cientificamente, a definição de políticas no âmbito de países e governos locais”.

No âmbito nacional, a perspectiva do desenvolvimento local emerge em decorrência da conjunção de vários fatores, tais como: a) a crise financeira que atinge o Estado brasileiro a partir dos anos 1980; b) a conseqüente descentralização da administração pública ensejada pela Constituição Federal de 1988 que repassou aos governos municipais competências e atribuições antes delegadas às esferas estadual e federal; e, c) a expansão de Organizações Não-Governamentais (ONGs), que têm como estratégia de atuação o âmbito local em contraposição aos impactos dos processos globalizantes.

Assim, além da incorporação da perspectiva territorial, em que se procura considerar e valorizar a grande diversidade (econômica, social, política e cultural) que compõe o espaço rural brasileiro, se passou a considerar o município como a instância adequada para a implementação, a gestão e a fiscalização das políticas públicas.

Couto & Abrucio (1996) destacam, ainda, que diante dessas mudanças de funções e papéis da União, o Estado tornou-se evidentemente mais próximo ao modelo neoliberal, repassando, desta forma, atribuições antes de sua competência como saúde, educação, saneamento e habitação às esferas subnacionais de governo.

Associado à descentralização administrativa, o Estado condicionou o acesso às políticas públicas e a liberação dos recursos à participação organizada da sociedade “na gestão, acompanhamento e fiscalização das atividades da administração pública” (Oliveira, 2003, p. 03). Essa participação, representativa, se daria por meio da criação dos conselhos e das formas coletivas de organização, como os movimentos sociais, as associações, os sindicatos, as cooperativas, as Organizações Não-Governamentais (ONGs) etc.

Do ponto de vista operacional, tem havido também a incorporação de alguns princípios relevantes nas políticas públicas, como por exemplo, o envolvimento e a participação de vários ministérios e secretarias, sobretudo da esfera federal, na formulação e implementação das ações, bem como na tentativa de se integrar os programas, como é o caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi instituído pela Lei Nº 10.696, de 02 de Julho de 2003[2]. Juntamente com o Bolsa Família, o PAA compõe um conjunto de ações desencadeadas no âmbito da política agrária e de segurança alimentar do Governo Lula, objetivando a concretização do Fome Zero[3].

O PAA tem como objetivo principal assegurar o acesso aos alimentos em termos de quantidade, qualidade e regularidade a pessoas em situação de insegurança alimentar e/ou nutricional e, ao mesmo tempo, gerar renda e trabalho no campo por meio da aquisição direta de alimentos produzidos pelos agricultores do município.

Para participar do programa, os produtores rurais devem se enquadrar de acordo com os critérios estabelecidos para os grupos do PRONAF (A, B, C e D) e, preferencialmente, estarem organizados em cooperativas, associações ou grupos de interesse informais com, no mínimo, cinco agricultores. Segundo Balsadi (2004), com a adoção dessa medida, o governo federal pretende estimular a organização coletiva dos produtores rurais, estando em consonância com a concepção das políticas públicas mais recentes.

Isento de licitação, o Programa funciona de maneira a adquirir alimentos produzidos pelos agricultores familiares a preços baseados pela cotação do mercado regional[4] e fornecê-los a escolas e/ou instituições assistenciais que atendem grupos de pessoas carentes. Dessa forma, os produtos adquiridos pelo programa podem destinar-se à merenda escolar; à alimentação em creches, abrigos, albergues, asilos e hospitais públicos, restaurantes populares e cozinhas comunitárias; entre outros.

De acordo com Mattei (2007, p. 05), “os instrumentos do programa beneficiam tanto o agricultor familiar como os consumidores (...). Desta forma, busca-se uma associação entre a política de segurança alimentar e nutricional e as políticas de promoção da agricultura familiar.”

Em termos institucionais, o PAA é coordenado em âmbito nacional por um Grupo Gestor que envolve representantes dos seguintes ministérios: do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Planejamento, Orçamento e Gestão; do Desenvolvimento Agrário; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA); e, da Fazenda. A parte operacional do programa está a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)[5].

As ações do PAA são implementadas por meio do estabelecimento de convênios entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e as administrações estaduais e municipais. No caso dos convênios com os governos estaduais, prevê-se a constituição de uma coordenação do programa em nível estadual visando à articular os diferentes agentes e, no âmbito dos municípios, há a necessidade de que os projetos sejam aprovados por um conselho (Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável, Conselho de Segurança Alimentar etc.) (Mattei, 2007)

Os recursos utilizados no programa provem do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, originárias do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, repassados à CONAB através de convênio.

O PAA subdivide-se em cinco modalidades: Compra Antecipada da Agricultura Familiar (CAAF); Compra Direta da Agricultura Familiar (CDAF); Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (CAEAF); Compra Direta Local da Agricultura Familiar (CDLAF); e, Incentivo à Produção e Consumo de Leite ou PAA Leite. Com exceção das modalidades PAA Leite e CDLAF, as demais são operadas pela CONAB que tem como função credenciar as entidades beneficiadas tais como creches, asilos, restaurantes populares, escolas públicas, hospitais, entidades filantrópicas etc., e os pólos de compras, sejam cooperativas ou associações de produtores rurais. Cabe à CONAB também repassar aos pólos de compra o padrão de qualidade dos alimentos produzidos pelos agricultores. Este padrão é estabelecido pelo MAPA.

Dessa maneira, o Grupo Gestor Interministerial atua com o objetivo de instruir as diretrizes a serem contempladas no programa e a CONAB diretamente no processo de execução da política pública, credenciando os pólos de compras para que possam efetuar a aquisição direta com os produtores.

Considerando a abrangência do programa e a importância que este pode assumir como uma política diferenciada em termos de segurança alimentar e de fomento à produção familiar rural, enfocaremos a Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (CAEAF).

Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (CAEAF)

Esta modalidade do PAA, também denominada de doação simultânea ou simplesmente PAA CONAB, objetiva garantir o direito à alimentação para pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social e/ou de insegurança alimentar e, ao mesmo tempo, gerar trabalho e renda no campo por meio da compra dos alimentos dos agricultores familiares do município.

Os agricultores que podem vender seus produtos à CONAB, intermediados por cooperativas ou associações de produtores rurais, devem estar enquadrados entre os grupos A, B, C ou D do PRONAF e apresentarem a Declaração de Aptidão (DAP).

Com relação às entidades beneficiárias, estas devem integrar a rede sócio-assistencial fornecedora de refeições ou entidades cadastradas nos Bancos de Alimentos, tais como creches, restaurantes e cozinhas populares, escolas públicas, abrigos, albergues, hospitais públicos, asilos etc.

As organizações coletivas de produtores e as entidades beneficiárias devem elaborar uma proposta de participação (plano) que alie a necessidade do consumo de alimentos do público atendido por essas instituições e a possibilidade de produção destes alimentos pelos agricultores do município. Esta proposta deverá conter a relação de produtores, os gêneros alimentícios a serem produzidos, a proposta de preço de venda e o local de entrega dos produtos. Depois de elaborada, a proposta deverá ser aprovada pelo Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do município ou, na falta deste, por um conselho local e encaminhado para o Conselho do programa em nível estadual ou à CONAB para aprovação.

Os recursos aprovados ficam retidos até a confirmação de que os produtos foram entregues com qualidade e na quantidade estipuladas, por meio de um termo de recebimento e aceitabilidade, assinado pela instituição que recebeu, seja uma cooperativa, associação ou até mesma a própria entidade beneficiária.

Entre agosto de 2003 e julho de 2006, o teto máximo de venda dos produtos foi fixado em R$ 2.500,00 por produtor/ano e, a partir de agosto de 2006, esse valor foi aumentado para R$ 3.500,00 produtor/ano (o equivalente a 1.944,00 dólares).

Para apreendermos as características, os resultados e os problemas que permeiam esse programa, analisaremos a sua implementação nos municípios paulistas de Dracena e Tupi Paulista que tem a CONAB como responsável pela operacionalização do programa.

O Programa de Aquisição de Alimentos nos municípios de Dracena e Tupi Paulista

Características sócio-econômicas dos Municípios pesquisados

Os municípios de Dracena e Tupi Paulista compõem a Microrregião Geográfica de Dracena (MRG) que se localiza na porção oeste do Estado de São Paulo (Figura 01), no Planalto Ocidental, e se caracteriza como uma das regiões mais carentes no âmbito estadual.

Em termos econômicos, essa microrregião apresenta baixa expressividade do seu setor industrial, assumindo significativa importância em termos de absorção de pessoal e de arrecadação de impostos, as atividades ligadas ao comércio e à prestação de serviços.

Figura 01
Microrregião Geográfica de Dracena – 2006

Do ponto de vista da agropecuária, a MRG de Dracena apresenta reduzida incorporação de inovações tecnológicas, predominando em termos de área, as pastagens (pecuária mista). A estrutura fundiária é marcada pela presença de grande número de pequenas propriedades rurais que são responsáveis pelo maior volume e valor da produção agropecuária regional.

A cafeicultura se constituiu, no início do século XX, num dos elementos centrais do processo de ocupação dessa microrregião. A procura por terras férteis que pudessem garantir a expansão dessa lavoura associada aos interesses de empresas colonizadoras, interessadas no loteamento de glebas, foi responsável pela incorporação produtiva de grandes parcelas do Oeste do Estado de São Paulo.

Com a decadência da cafeicultura na região a partir dos anos 1980, os pequenos proprietários tiveram que buscar alternativas produtivas e economicamente viáveis em pequenas áreas, tais como: a fruticultura, destinada tanto ao processamento industrial como ao consumo in natura; o cultivo do amendoim, da seringueira para a extração do látex e do urucum visando ao processamento industrial, além da pecuária de leite (Hespanhol, 2007).

Essas atividades, embora tenham garantido a manutenção da família – ou de parte desta – e da propriedade, têm apresentado limitações, já que em virtude da escala de produção ser pequena, leva à subordinação dos produtores aos interesses dos intermediários e do setor agroindustrial.

Para tentar minimizar o problema da pequena escala de produção, uma alternativa encontrada pelos produtores e, cada vez mais estimulada por meio das políticas públicas, foi a organização coletiva através das associações. Todavia, mesmo para os produtores rurais associados, uma das maiores dificuldades tem sido a comercialização da produção in natura devido à intensa presença de intermediários que atuam na região. Diante dessa dificuldade, a implementação do PAA, na sua modalidade Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (CAEAF), operada pela CONAB em parceria com as escolas públicas e as instituições assistenciais (creches, asilos, hospitais etc.) e as associações de produtores tem resultado em vários benefícios para a comunidade local.

No caso do município de Dracena, o PAA é realizado por meio de convênio estabelecido entre a CONAB e a Associação de Produtores Rurais desta localidade.

A operacionalização do programa neste município, que envolve desde a fase de elaboração do projeto (proposta) até a entrega dos produtos às entidades assistenciais de Dracena, é efetuada por meio da Associação que centraliza todas as atividades. Assim, os agricultores entregam seus produtos na sede da Associação que, por sua vez, fica incumbida de distribuir os alimentos às entidades sociais, sendo também responsável pela vistoria dos produtos, certificando-se de sua qualidade. Caso o produto não apresente condições em termos de qualidade, a entrega do produto à instituição pode não ser efetuada e, consequentemente o produtor não receberá o pagamento. De acordo com o presidente da associação entrevistado, o número de casos em que os produtos não são aceitos pelas entidades assistenciais devido à qualidade inferior é muito pequeno, pois o produtor associado sabe que corre o risco de não ser cadastrado novamente no momento de renovação do projeto junto à CONAB.

No ano de 2007, no município de Dracena, cinqüenta (50) produtores estavam cadastrados no programa, sendo que os principais produtos comercializados foram: acerola, alface, abacate, manga, mandioca, pepino e leite.

No município de Tupi Paulista havia no ano de 2007 duas associações de produtores rurais cadastradas junto à CONAB: a Associação de Viticultores da Região de Tupi Paulista (AVIRTUPI), envolvendo vinte e um (21) produtores de uva e a Associação da Microbacia dos Produtores Rurais do Barro Preto (AMPROBRAP), com vinte e um (21) produtores entregando produtos diversos às entidades assistenciais.

De acordo com o presidente da AVIRTUPI, uma das principais vantagens desse programa está na comercialização dos produtos contratados por um preço maior que o praticado no mercado local pelos intermediários. Essa diferença em termos de preços pode ser constatada no caso da uva de mesa da variedade benitaka, que na safra 2005/2006 foi comercializada no mercado local por no máximo R$ 2,30 o kg, enquanto que para o programa a uva foi negociada a R$ 2,72 o kg. Outra vantagem do programa apontada pelo entrevistado diz respeito à certeza do agricultor pelo recebimento do produto entregue, já que é relativamente comum a ocorrência de “calotes” praticados por intermediários que atuam na região.

No caso da Associação da Microbacia dos Produtores Rurais do Barro Preto (AMPROBRAP), os produtores cadastrados entregaram os seguintes produtos: mamão, manga, abóbora, quiabo, coco, banana, maracujá, mandioca, feijão, ovo, mandioca, café, abacate e uva. Segundo o presidente desta associação, em virtude dos preços pagos serem maiores que os praticados localmente, alguns produtores que fazem parte do programa têm demonstrado interesse em ampliar a área cultivada com lavouras alimentícias e/ou diversificar ainda mais os cultivos realizados em pequenas áreas. Outro aspecto interessante ressaltado, diz respeito ao fato das mulheres se envolverem indiretamente com o programa, dedicando-se ao processamento por meio da produção de derivados de leite (queijos, doces etc.), de compotas e geléias (frutas), de bolachinhas e pães caseiros, entre outros, que também podem ser comercializados no programa.

No caso do município de Tupi Paulista, os próprios produtores rurais ficam encarregados de levar diretamente a sua produção até as entidades beneficiadas, cabendo a estas, e não as associações envolvidas, a fiscalização pela qualidade dos produtos recebidos. Em caso de recusa dos produtos pelas instituições em virtude da qualidade inferior, as associações são imediatamente avisadas do ocorrido, devendo o agricultor ser notificado e o produto substituído, sob pena de não renovação do cadastro junto ao PAA.

Algumas reflexões sobre o PAA nas localidades pesquisadas

Como se pode observar, o PAA constitui-se num exemplo de política pública que estruturada de forma interministerial contribuí tanto para a segurança alimentar de parcela da população carente como no fortalecimento da produção familiar rural no âmbito municipal.

Constatou-se que nos dois municípios pesquisados, o programa favorece diretamente três agentes sociais importantes: os produtores rurais, garantindo a comercialização direta dos produtos agropecuários com preços mais justos que os praticados pelos intermediários que atuam na esfera local/regional; as instituições assistenciais, que podem oferecer ao seu público uma alimentação mais saudável, diversificada e de acordo com os hábitos alimentares regionais; e, as administrações municipal e/ou estadual, que tem reduzido seus custos com a manutenção das instituições devido à aquisição de gêneros alimentícios produzidos localmente.

Outro aspecto importante do programa se refere ao estímulo à diversificação produtiva e à melhoria da qualidade da produção de gêneros alimentícios para o autoconsumo, que acabam extrapolando para o comércio local. Em virtude da garantia de preços e da comercialização dos produtos, constatou-se que alguns agricultores pesquisados demonstraram interesse em ampliar a área cultivada com gêneros alimentícios e/ou diversificar ainda mais os cultivos realizados em pequenas áreas.

Com relação ao preço pago ao produtor cadastrado, verificou-se que por basear-se no mercado regional (no caso paulista, na CEAGESP), o preço pago pela CONAB acaba sendo mais vantajoso ao produtor justamente por não haver o intermediário no momento da comercialização. Isso porque, em virtude da pequena escala de produção, a comercialização sempre se constituiu para o produtor familiar num verdadeiro entrave.

No que tange à geração de renda no campo, o PAA tem se mostrado uma alternativa aos produtores familiares, sobretudo para aqueles mais descapitalizados, assegurando um valor de R$ 3.500,00 por produtor ao ano. Apesar de relativamente baixa (algo em torno de R$ 291,00 por mês), essa renda, quando combinada com outras - obtidas pela comercialização de produtos em feiras livres, agroindústrias, supermercados etc., com a aposentadoria, com o emprego não agrícola etc. - tem contribuído para a composição do orçamento familiar.

Destaca-se também que o PAA, ao considerar as particularidades locais/regionais, valoriza os hábitos alimentares diferenciados da população brasileira, estimulando a produção de gêneros alimentícios, ao mesmo tempo em que procura incentivar a organização coletiva dos produtores rurais por meio de grupos informais, associações e cooperativas.

Em termos operacionais, o programa apresenta certa flexibilidade ao permitir formas diferenciadas de distribuição dos alimentos às entidades, seja por meio das associações, que fiscalizam a qualidade dos produtos entregues, como dos produtores, levando pessoalmente os seus produtos às entidades sociais para serem avaliados. Destaca-se que, neste último caso, se favorece um contato mais próximo entre os produtores de alimentos e aqueles que o consomem, podendo facilitar “a adequação melhor dos produtos conforme suas exigências, fortalecendo relações de confiança e credibilidade entre as partes envolvidas” (Campanhola & Valarini, 2001, p. 76).

Entretanto, apesar dos vários aspectos positivos apresentados pelo programa nos municípios pesquisados, se constatou duas limitações. A primeira se refere ao número ainda reduzido de produtores participantes do PAA 2007, que como constatado em Dracena foi de cinqüenta (50) e em Tupi Paulista de quarenta e dois (42), representando 5,2% e 5,5% do total de propriedades rurais com até 100 hectares.

Alguns fatores podem explicar esse baixo nível de participação dos produtores, tais como: a) o programa ainda está em fase de consolidação em nível nacional e as informações oficiais disponíveis ainda são insuficientes devido aos precários canais de divulgação; b) na esfera dos municípios há a falta de entendimento sobre o funcionamento do programa e de pessoal qualificado nas associações de produtores para elaborar as propostas; c) entre os produtores rurais há o receio da falta de continuidade do programa e, como ressaltado por um entrevistado, os agricultores só entraram no programa após terem certeza de que os primeiros cadastrados receberam pelos produtos entregues; e, d) o privilegiamento de alguns produtores com nível sócio-econômico melhor no momento de realização do cadastramento, seja por motivos de amizade, parentesco e/ou interesses particulares, em detrimento daqueles mais descapitalizados.

O segundo problema constatado nos municípios foi o favorecimento, em alguns casos, de parentes dos produtores já cadastrados que tentam aumentar a sua cota de produtos a serem entregues por meio da inserção de parentes próximos (filhos, esposa, netos etc.), descaracterizando a proposta do Programa de gerar e distribuir renda no campo e não de concentrá-la.

Considerações Finais

Buscou-se neste trabalho, apresentar algumas reflexões acerca do papel das políticas públicas para o meio rural brasileiro a partir de 1990 e as mudanças ocorridas em termos de sua concepção e estruturação pelo Estado brasileiro.

Nesse contexto, analisou-se a experiência do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) criado pelo governo Lula em 2003, com o objetivo de: i) garantir o fornecimento de alimentos às populações em situação de insegurança alimentar e/ou nutricional; e ii) incentivar e fortalecer a produção familiar, na medida em que atua num dos principais entraves ao processo produtivo agrícola que é a comercialização. Utilizou-se como base empírica da análise desta política pública, a sua aplicação em dois municípios da Região de Dracena: Tupi Paulista e Dracena.

A partir da pesquisa realizada nesses dois municípios ficou evidente a importância que as políticas públicas podem assumir: a) garantindo a manutenção e viabilidade econômica e social dos produtores rurais, não apenas por meio do acesso ao crédito rural, mas também em termos da garantia de preços e de comercialização da produção; b) estimulando a diversificação produtiva e a produção de gêneros alimentícios para atender o consumo familiar e as necessidades do mercado local; c) viabilizando o acesso a produtos de qualidade e com custos mais baixos às instituições assistenciais; e, d) refletindo econômica e socialmente sobre a dinâmica dos municípios em que estão inseridos, já que direta e indiretamente, geram trabalho e renda à população local.

Constatou-se, no entanto, que por ter uma estrutura descentralizada e mais próxima do contexto político local, em que há diferentes e contraditórios interesses, o PAA pode ter limitado sua abrangência em termos do número de produtores beneficiados nos municípios pesquisados. 

Notas

1. Uma das iniciativas que passou a considerar as peculiaridades locais, adotando o enfoque territorial em substituição ao setorial, foi o Programa Ligações Entre Ações do Desenvolvimento da Economia Rural (LEADER), implantado na União Européia a partir dos anos 1990.

2. Para informações detalhadas sobre a trajetória institucional do PAA, consultar Delgado, Conceição & Oliveira (2005), Mattei (2007) e Zimmermann (2007).

 3. O Programa Fome Zero foi instituído pelo Governo Lula em 2003 tendo como objetivo principal erradicar a fome no país. Nesse sentido, têm sido promovidas ações tanto emergenciais (cestas básicas, cartão alimentação, merenda escolar etc.) como estruturais (barateamentos dos produtos, criando canais alternativos de comercialização, cooperativas de consumo etc.) para garantir a segurança alimentar e nutricional.

 4. No que diz respeito à regionalização destes preços de mercado, no Estado de São Paulo, esta cotação se baseia nos preços praticados pela Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP).

 5. A CONAB faz parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), sendo responsável pelas políticas públicas de abastecimento do governo federal desde a sua implantação em 1991.

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