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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona

EXPANSÃO URBANA E PERIFERIZAÇÃO DE SANTARÉM-PA, BRASIL:  QUESTÕES PARA O PLANEJAMENTO URBANO

Janete Marília Gentil Coimbra de Oliveira
Universidade Federal do Pará, Brasil
jangencom@hotmail.com; jangentil@ufpa.br


Expansão urbana e periferização de Santarém-PA, Brasil: questões para o planejamento urbano (Resumo)

Santarém é uma cidade média que tem servido como importante apoio para a intensificação da ocupação do oeste do Pará. Localizada estrategicamente, na confluência dos rios Tapajós com o Amazonas, entre Belém e Manaus, acabou desenvolvendo funções que se solidificaram historicamente, como a de entreposto comercial. Outros fatores contribuíram para que se tornasse importante centro urbano, como as rodovias, o porto, os garimpos do Tapajós, e mais recentemente, a soja, atraindo grandes fluxos migratórios. Sua área de influência atinge dezesseis municípios do Pará e Amazonas, possuindo extensa área urbana, caracterizada pela periferização, que tem se intensificado nas últimas duas décadas. A organização de seu espaço urbano apresenta precário planejamento urbano, pois dos seus 48 bairros, somente 22 são oficializados. Pretende-se analisar as características do processo de urbanização dos últimos trinta anos em Santarém, para se compreender de que maneira a “ilegalidade” dos bairros periféricos tem sido acompanhada pelo planejamento urbano nesta cidade.

Palavras-chave: expansão urbana, periferização, planejamento urbano


La expansión urbana y la periferización de Santarén-Pará, Brasil: cuestiones para el planeamiento urbano

Palabras clave: expansión urbana, periferización, planeamiento urbano


Urban expansion and peripheral flow of Santarém-PA, Brazil: matters to the urban planning (Abstract)

Santarém is an average city which has stood as an important support to intensify the occupation of the west of Para state. Strategically located on the confluence of Tapajós and Amazon rivers in an intermediate position between Belém and Manaus cities, Santarém developed a range of historical functions as a commercial center. Some other facts like roads, ports, the mine sites of Tapajós, and more recently, the soybean which attracted lots of migratory flows, contributed to make this city an important urban center. Its area of influence reaches 16 municipalities of Pará and Amazonas states, and holds an expressive dynamism remarking its urban importance in the Low Amazon region. The organization of its urban space presents characteristics of peripheral flow and an obvious lack of urban plan concerning to the territorial definition of the districts, as the city has 48 districts, out of those 22 are legal (PMS,2003). Therefore, the purpose is to analyze the characteristics of the urban process occurred on the last 30 years in Santarém, and this way understand how the “illegality” of the peripheral districts has not been included in the urban planning of this city. 

Key words: urban expansion, peripheral flow process, urban planning


A Amazônia brasileira teve seu processo de urbanização muito acelerado, a partir da abertura das rodovias, na década de 1960 e mais acentuadamente, na de 1970. A estratégia de inserir esta região à esfera capitalista foi um dos fatores responsáveis por este processo, pois a meta era usar os núcleos urbanos como pontos logísticos para uma rápida ocupação (Becker, 1987; Becker, Miranda, Machado, 1990). Assim, os núcleos urbanos e as cidades constituíram verdadeiros baluartes para o processo de ocupação efetiva.

A cidade de Santarém serviu como importante ponto de apoio para a ocupação do oeste do Pará. Localizada estrategicamente, à margem direita do rio Tapajós, na confluência com o Amazonas (figura 1) e numa posição intermediária, entre as metrópoles amazônicas, Belém e Manaus, ela acabou desenvolvendo uma série de atividades e funções que se solidificaram desde o período da coleta das drogas do sertão e da borracha, especialmente a de entreposto comercial.

É evidente que sua localização não é suficiente para explicar essa situação de primazia urbana de Santarém no Baixo Amazonas. Algumas outras circunstâncias, surgidas ao longo do processo de produção de seu espaço, também contribuíram para o estabelecimento desta primazia. A cidade desenvolveu uma série de atividades e funções que se solidificaram desde o período da borracha, especialmente a de entreposto comercial (Pereira, 2004). Esta função, aliás, foi uma das mais relevantes que ela exerceu. Em decorrência dela, surgiu na cidade uma sociedade bastante organizada do ponto de vista sócio-econômico, político e cultural, com acentuado domínio das elites locais, a ponto de elas se sentirem fortes o suficiente para passar a propor a formação de um novo estado, o do Tapajós.

Figura 1. Mapa de Localização de Santarém (Sede e Município)
Fonte: IBGE, 2005

Portanto, Santarém passou a desempenhar importante papel polarizador no Baixo Amazonas, numa área de influência que se estende por dezesseis municípios (Castello Branco, 2006), o que tem se reafirmado ainda mais nas últimas duas décadas, em virtude da alocação e melhoria de serviços e infra-estrutura, como a instalação de novas faculdades e universidades, além das que já existiam. Observa-se, também, a instalação do Hospital Regional do Oeste do Pará; a inauguração de conjuntos habitacionais e de serviços especiais como o do Centro do HEMOPA, de clínicas médicas com serviços especializados, de grandes lojas de departamentos e aumento do número de supermercados.

A inserção ou melhoria desses equipamentos e serviços tem sido acompanhada desde a década de 1980, por um intenso processo de descentralização comercial da área central tradicional para a área mais dinâmica, que fornece fortes indicativos de dinamismo e crescimento dessa cidade, que em 2007 totalizava uma população de 241.772 hab. (PMB, 2007).

 Na década de 1980 verifica-se um acelerado processo de expansão urbana em Santarém, acompanhando a orientação dos eixos das rodovias Santarém-Curuá-Una, Cuiabá-Santarém e Av. Fernando Guilhon (Santarém-Aeroporto). Esta expansão tem assumido grandes proporções, verificando-se, portanto, o espraiamento de sua periferia nas direções sul (Cuiabá-Santarém e Santarém-Curuá-Una) e sudoeste (Fernando Guilhon).

No bojo desse processo de periferização, identificou-se o surgimento de numerosos e populosos bairros “ilegais”. Em geral, caracterizados por uma precária infra-estrutura e serviços, ou seja, apresentam ruas sem pavimentação, ausência de rede de esgoto, precariedade no abastecimento de água, na coleta de lixo, na alocação de transporte público, e ainda, características de violência com a presença de gangues.

Pretende-se, portanto, analisar o processo de expansão urbana de Santarém, ocorrido nos últimos trinta anos, no sentido de se compreender de que maneira este processo tem reproduzido a formação de áreas periféricas, e de que forma o poder público tem acompanhado a regulamentação dos novos bairros e das áreas “ilegais”.

Características da urbanização de Santarém

Santarém, como a maioria das cidades tradicionais ribeirinhas da Amazônia, na sua origem, foi uma missão religiosa, tornando-se, depois, fortificação militar, erguida para garantir a posse das terras do Baixo Amazonas, das quais, mais tarde, extraíram-se as chamadas “drogas do sertão”.

Em virtude da grande distância da capital paraense, seu crescimento se processou de forma isolada. Em torno de 1828, já assumira a posição de maior centro urbano na mesorregião do Baixo Amazonas e funcionava como verdadeira capital da vasta hinterlândia[1], graças ao poder militar e religioso, nela sediado. Embora ainda mantivesse o status de vila, funcionava como uma espécie de centro urbano de transição entre o Pará e o Amazonas (Reis, 1979), pois tinha sob sua jurisdição um grande número de vilas. Sua afirmação política se deveu à capacidade de liderança de seus dirigentes (Pereira, 2004). 

O traçado da cidade foi-se estendendo, de modo lento, paralelamente ao rio Tapajós, a partir da área central (figura 2), em direção aos bairros da Prainha e da Aldeia, se adensando também em direção ao interior. Estes bairros se subdividiram:

“[...] na zona leste surgiram os bairros do Santíssimo e  Santana. A Aldeia, entretanto, foi a que mais se expandiu, e foram criados os bairros de Fátima, Aparecida, Rodagem, Laguinho, Liberdade, Salé e Caranazal.”(Amorim, 1999 apud Silva, 2001, p.36).

A grande expansão começou a ocorrer na década de 1970 com a abertura da rodovia Curuá-Una. Já a ocupação que acompanhou o vetor da antiga rodovia que ligava Santarém a Belterra (atual BR-163), é mais rarefeita, pois nela se concentravam muitas colônias agrícolas, constituindo-se numa importante área abastecedora de gêneros alimentícios da cidade (Pereira, 2004).

Figura 2. Mapa da Expansão Urbana de Santarém (1940-1994)
Fonte: Google Earth, 2008; Silva, 2001 (adaptado da Prefeitura Municipal de Santarém, s/d).

Observa-se no mapa de expansão urbana da cidade (figura 2), o eixo mais alongado à direita, que constitui a rodovia Santarém-Curuá-Una, vetor da expansão mais significativa. À esquerda verifica-se outra área de expansão já referida, acompanhando a orientação da rodovia Fernando Guilhon. Na parte mais central é quase imperceptível o eixo da rodovia Cuiabá-Santarém, pois a malha, além de mais contígua, está também integrada ao traçado desta rodovia.

Como explicar tal crescimento urbano? De forma resumida, ocorreram em Santarém alguns acontecimentos que tiveram conseqüências importantes para seu crescimento econômico. A vinda de imigrantes norte-americanos, oriundos da Guerra de Secessão, o boom da borracha, o cultivo do cacau, a produção e industrialização da juta e a exploração madeireira. O segundo, sem dúvida, foi mais importante, pois assegurou, definitivamente, a função de entreposto comercial para essa cidade, reafirmando seu papel de liderança na porção oeste do Pará. 

Como entender a forma alongada da malha urbana para o interior? Até o final da década de 1970, a expansão urbana de Santarém só se orientava no sentido sul (figura 2), em virtude dos igarapés [2] do Urumary, a leste e o do Irurá/Mapiri, a oeste servirem de obstáculos naturais para seu crescimento urbano. É somente na década de 1980 que estes igarapés foram ultrapassados, dando possibilidade ao surgimento dos bairros Jutaí, Maicá, Jaderlândia, Urumary, Livramento e Área Verde, no sentido leste. Na direção oeste, foi grande o número de bairros que surgiram em virtude do aterramento do Igarapé do Irurá, realizado para interligar o novo aeroporto à cidade. Assim, os bairros de Santarenzinho, Amparo, Conquista, Maracanã e Elcione Barbalho se originaram de ocupações às margens da Rodovia Fernando Guilhon. Já a expansão ao sul permitiu o surgimento dos bairros Ipanema, Matinha, Floresta, Nova República, Jardim Santarém e Cambuquira (Silva, 2001).

A reprodução dessa expansão urbana configurou a definição de algumas manchas urbanas. Ao longo da Cuiabá-Santarém, a mancha atingirá a Vila de São José. Na Curuá-Una a expansão se adensará até a área do planalto do Diamantino e pela Fernando Guilhon, até a Vila de São Braz, em direção à Vila de Alter-do-Chão (Pereira, 2004). Segundo alguns estudos, há estimativas de formação de área metropolitana, como se vê: “A dimensão da futura área metropolitana de Santarém poderá ser considerada, tomando como pontos essenciais, a partir de Santarém: para o leste a Vila de Alter-do-Chão e a sede do Município de Belterra; para o sul, a Vila de Mojuí dos Campos” (CPRM, 1997, p. 4). Acredita-se que este processo realiza-se, ainda, de forma muito incipiente, a não ser nas proximidades imediatas da cidade, onde a expansão se propaga intensamente, para os distritos contíguos.

Portanto, na década de 1980 a 1990, a expansão se adensou, incentivada pela intensa migração das áreas rurais para a cidade, estimulada fortemente pela introdução da cultura da soja, especialmente na década de 1990. Esta cultura promoveu grandes transformações, pois os empresários mato-grossenses provocaram desagregação na agricultura familiar, ao incorporarem grandes áreas agrícolas, forçando a vinda de migrantes das áreas rurais para a cidade (Pereira, 2004).

Deve-se ressaltar, ainda, que a corrida do ouro aos garimpos do Tapajós, principalmente entre 1980 e 1990 contribuiu, sobremaneira, para o “inchaço” urbano de Santarém, visto que esta cidade funcionou como um centro distribuidor de produtos para os garimpos e quando estes entraram em crise, o refluxo de pessoas que se dirigiram para a cidade foi considerável.    

Desta forma, Santarém tornou-se o município mais populoso do Baixo Amazonas, sendo o terceiro município mais populoso do Pará, superado apenas por Belém e Ananindeua, ambos da Região Metropolitana de Belém (RMB).

A área urbana de Santarém se apresenta atualmente bastante espraiada, com  sérios problemas de periferização, ou seja, com precária infra-estrutura urbana, assim como, precárias moradias. Nos bairros periféricos reside uma população de baixa renda, coabitando com a violência, muito presente nestas áreas e constituindo verdadeira expressão de exclusão e segregação (SERPA, 2002).

Ao inverso da periferia, a área central, é infra-estruturada, com exceção da rede de esgoto, mas possui serviços funcionando na normalidade. Ocupada pela classe alta, constituída por comerciantes, fazendeiros, políticos e por famílias tradicionais, descendentes de europeus (Amorim, 1999 apud Silva, 2001, p. 35) e norte-americanos. A área central apresenta ruas bem traçadas, pavimentadas, e em alguns bairros elas se alargam, como na Aldeia e nos bairros imediatamente contíguos à área central. Isto remete a processos semelhantes em outras cidades, como diz Corrêa, “[...] os grupos de renda mais elevada residem em imóveis mais caros localizados em bairros onde o preço da terra é mais elevado.” (1989, p. 26).

Ainda na década de 1980 observa-se uma nítida descentralização comercial do centro tradicional para o eixo mais dinâmico da cidade, o da rodovia Santarém-Cuiabá. Na Av. Borges Leal se instalou um novo centro comercial para atender novas demandas da cidade que se expandiu naquela direção, como também, para fora do centro comercial antigo, foram construídos os campi das universidades e até mesmo a sede da Prefeitura Municipal. Este processo indica franco crescimento da cidade de natureza capitalista, que precisa de novas áreas para expandir o setor comercial (Corrêa, 1989).

A formação de periferias em Santarém

A fim de se compreender a urbanização de Santarém, tentar-se-á trabalhar com a orientação de que o processo acelerado de expansão do seu espaço urbano deve ser explicado, provavelmente, pelo fato de ser esta cidade, o mais importante centro comercial do Baixo Amazonas, tendo uma atuação industrial e agrícola significativa, destacando-se a produção de madeira e grãos (Seicom apud Pereira, 2004), especialmente, a soja.

Deve-se acrescentar, ainda, que sua posição geográfica privilegiada, já referida, além de todo o conjunto de circunstâncias que se processaram a seu favor, acabaram propiciando as condições necessárias para prover à área de seu entorno, de serviços, informações, mercadorias, em virtude das grandes distâncias das principais cidades da região (Sposito, 2001) e das dificuldades de acesso da grande maioria da população, que usa o transporte fluvial e rodoviário para se deslocar.

 Portanto, trabalha-se com a hipótese de que a morfologia de sua malha urbana parece apresentar certa desorganização, no que diz respeito à definição territorial dos bairros. Dos 48 bairros que possui, apenas 22 são oficializados e 26 estão passando por um longo processo de legalização (PMS, 2003), que se encontra, finalmente, em fase final de aprovação pela Câmara Municipal, desde início de 2008, apesar de seu Plano Diretor ter sido aprovado em dezembro de 2006.             

Como entender as periferias em Santarém? O conceito de periferia tem sofrido redefinição, desde quando se referia apenas a áreas localizadas fora ou nas imediações de algum centro. Atualmente, muitas áreas afastadas dos centros das cidades não são concebidas como periféricas. O termo se redefiniu, significando, também, “[...] aquelas áreas com infra-estrutura e equipamentos de serviços deficientes, sendo essencialmente o lócus da reprodução sócio-espacial da população de baixa renda.” (Serpa, 2002, p. 12).

As periferias, de qualquer forma, se diferenciam do restante da cidade, pela precariedade da configuração espacial. Apresentam loteamentos clandestinos que indicam processo de exclusão (Paviani, 1994).

Serpa (2002) ainda chama atenção para o fato de que é preciso destacar o papel das periferias no espaço urbano, visto que estas apresentam uma dinâmica específica, produzida pelo acúmulo de processos singulares que se desenvolveram através de conflitos, gerados de diferentes sentidos de tempos.

Como tem sido freqüente, observa-se em grande número de cidades, periferias de duas naturezas, uma com urbanização de status e outra com urbanização popular (Corrêa, 1989). No caso de Santarém, as periferias seguem a lógica da segunda.

Além da forma, ainda há outra questão a se considerar nas áreas periféricas. A legalidade ou ilegalidade dessas áreas. Segundo Maricato (1996), existe um profundo descolamento entre a ordem legal e cidade real. Isso acaba se refletindo nas práticas do aparelho de Estado, pois segundo esta autora,

“É intrigante perceber as estratégias desenvolvidas pelo Estado e pela sociedade para conviver com o ocultamento da cidade real, mas é no sistema jurídico porém, a quem compete oficialmente garantir a justiça e os direitos universais previstos na legislação, que as contradições são mais profundas.” (1996, p. 11).

  Em Santarém não é diferente. A “ilegalidade” assume grandes proporções, não só em se tratando da dimensão territorial dessas áreas, que constituem a maioria dos bairros, correspondendo a mais de 50% da área urbana, que persiste na ilegalidade, mas também, pelo fato de ter sérios prejuízos sociais aos moradores dessas áreas. Poderia se questionar, então, como Santos (1987): existe cidadão em áreas como estas?

Uma das explicações mais importantes para as áreas periféricas é dada por Abreu (1986). Para ele, a convivência de espaços legais e “ilegais” na cidade, se realiza na medida em que, para haver acumulação do capital é necessário que o ilegal exista, pois assim fica garantida a oferta abundante da força de trabalho, barateando-a. E ainda, permite ao Estado não tomar conhecimento oficial da existência dessas “periferias”, possibilitando, dessa forma, a sua atuação mais efetiva em outros locais ou setores mais “modernos” da economia.

Os bairros “ilegais”, periféricos e muito numerosos em Santarém, se adéquam àquilo que Serpa (2001) caracteriza como periferia urbana, ou seja, correspondem às áreas ocupadas por uma população de baixa renda, marcada pela precariedade da configuração espacial e das moradias, pelos loteamentos clandestinos, que traduzem a exclusão e a segregação deste espaço. No caso da área de estudo, apresenta grande expressividade.

Figura 3. Mapa da Expansão Urbana de Santarém e Localização dos Bairros Periféricos
Fonte: Google Earth, 2008; Silva, 2001 (adaptado da Prefeitura Municipal de Santarém, s/d).

Observa-se, portanto, no mapa da expansão urbana e localização dos bairros periféricos (figura 3), que as áreas periféricas correspondem àquelas delimitadas em vermelho, e se anexadas em seu conjunto, correspondem a uma área maior do que àquela expandida até 1977 (em azul), tal é a intensidade da expansão mais recente.

Planejamento urbano e Geografia  

Considera-se planejamento urbano, segundo a abordagem de Souza (2006),  um conhecimento abrangente, para cuja criação colaboram profissionais de diferentes áreas, e, não apenas arquitetos, como em geral se supõe. Daí a equivocada idéia de que os termos planejamento e urbanismo sejam sinônimos, quando, de fato, apenas o último termo designa uma área de atuação exclusiva do arquiteto. Quanto ao planejamento urbano, ele é um conceito que carrega a idéia de futuro, ao  prever a evolução do fenômeno ao qual se liga, pois, planejar é “[...] tentar simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor precaver-se contra problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios.” (Souza, 2006, p. 46).

Deste modo, será vital ao esforço de entendimento da problemática “ilegalidade” dos bairros de Santarém ensejar uma oportunidade – ainda encontrada com pouca freqüência – de um trabalho interdisciplinar entre as áreas de Planejamento Urbano e a Geografia, tendo em vista a complexidade que envolve essa questão.

Nela, um dos primeiros pontos a se destacar é o da delimitação territorial dos bairros. O planejamento urbano executado pela Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano (CDU), da Prefeitura Municipal de Santarém seguia uma orientação tradicional, presa a questões extremamente técnicas, decididas na prancheta. Por isto, os técnicos deste órgão enfrentaram grandes dificuldades na demarcação das fronteiras entre os bairros das áreas de ocupação, os quais deram origem a estas áreas periféricas. Os bairros criados, anteriormente, sem critérios claros de demarcação, terminaram se sobrepondo uns aos outros, necessitando de retificação, como os vinte listados (quadro 1). Atualmente o bairro da Rodagem foi simplesmente extinto da nova lista dos bairros que foram regulamentados pela Lei Nº 18.051/2006, em 29 de dezembro/2006. Entretanto, o processo encontra-se em tramitação na Câmara Municipal, desde o início de 2008, faltando somente a aprovação das poligonais, ou seja, os limites dos bairros, que legalizará vinte e sete bairros, conforme quadro 1.

Quadro 1
 Situação dos Bairros quanto à legalização e delimitação

Bairros Legalizados

Bairros Retificados

Bairros Extintos

Bairros sem

Alteração

1. São Cristóvão

Ipanema

Rodagem

Centro

2. Maicá

Aeroporto

   

3. Amparo

Esperança

   

4. Jutaí

Caranazal

   

5. Nova República

Prainha

   

6. Livramento

Aldeia

   

7. Santo André

Liberdade

   

8. Urumari

Salé

   

9. Vigia

Santa Clara

   

10. Floresta

Aparecida

   

11. Área Verde

Santana

   

12. Novo Horizonte

Fátima

   

13. Matinha

Diamantino

   

14. Jaderlândia

São José Operário

   

15. Conquista

Laguinho

   

16. Mararú

Jardim Santarém

   

17. Vitória Régia

Santíssimo

   

18. Pérola do Maicá

Uruará

   

19. Cambuquira

Interventoria

   

20. Urumanduba

Santarenzinho

   

21. São Francisco

     

22. Mapiri

     

23. Maracanã

     

24. Maracanã I

     

25. Nova Vitória

     

26. Elcione Barbalho

     

27. Alvorada

     
Fonte: Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano-CDU/PMS, 2007.

Outro ponto importante a ser considerado é o da identidade do lugar e da conseqüente concepção de pertencimento dos moradores dessas áreas. As delimitações dos bairros que a prefeitura havia feito levaram os moradores daquelas áreas às sessões da Câmara Municipal, no final de 2007, onde eles sustentaram que elas não correspondiam à realidade física de seus bairros. Disseram que não se sentiam como moradores dos bairros em que tinham sido situados por aquele trabalho de delimitação. E reivindicaram delimitações que correspondessem à realidade de seus bairros.

Foi, então, instalado um procedimento de oitiva dos moradores de alguns bairros dos quarenta e oito bairros. Com isto, houve um retardamento na tramitação do projeto de regulamentação dos bairros, para que nele fossem absorvidas as sugestões dos moradores. Este procedimento, sem dúvida, representa um grande avanço na gestão municipal, hoje a cargo do Partido dos Trabalhadores (PT), o qual adota elementos de planejamento participativo, em suas prefeituras espalhadas pelo Brasil.

Quando a população não era ouvida, geralmente a prática mais adotada pelos técnicos da prefeitura na legalização de um bairro levava-os a considerar apenas os estudos técnicos, a avaliação de sua infra-estrutura (das ruas, áreas verdes, áreas comunitárias)  e o fluxo de pessoas e veículos. Após isto, o processo de legalização passava a tramitar na Câmara Municipal e, em seguida, no gabinete do prefeito, tendo em vista a sua aprovação.

Não havia espaço, portanto, para as contribuições da área da Geografia, conseqüentemente não se levava em conta as conconernecendo alguns eria congtrive  das ruas,  complexidade que envolve essa quest-se contra problemas ou, inversamente, com o fepções de território, territorialidade, lugar e espaço vivido, nem estas concepções poderiam ajudar nas delimitações, pois se privilegiava unicamente os critérios técnicos tradicionais. Talvez, por isto, a questão da delimitação dos bairros não foi resolvida há mais tempo, nem foram evitados os conflitos entre os moradores dessas áreas.

No caso da “ilegalidade” dos 26 bairros, como compreender a ação da Prefeitura Municipal de Santarém há, pelo menos, duas décadas? Percebe-se que, ao alocar as redes elétrica e de água, e executar serviços, como coleta de lixo, a prefeitura procedeu de forma completamente contraditória. Ao mesmo tempo em que não efetivava a legalização desse grande número de bairros, o que marcaria, dessa forma, sua presença oficial efetiva neles, ela optou por atuar de maneira descomprometida, ou seja, só através dos serviços muito básicos e de qualidade precária, embora cobrasse taxas por estes serviços.

Essa questão pode ainda ser vista sob dois outros aspectos. O primeiro ligado à questão de natureza política. Muitas vezes a oficialização de bairros obedece a uma conveniência político-eleitoral. O segundo decorre de um fato muito conhecido dentro da administração pública no Brasil: o poder público só introduz infra-estrutura básica numa área de ocupação quando a luta pela introdução de melhorias sustentada por seus moradores, através de suas associações já se encontra em estágio bastante avançado.  

É evidente que um planejamento urbano restrito unicamente a questões técnicas nem sempre consegue dirimir os conflitos sociais, embora, no caso de Santarém a cidade disponha, desde 1975, de um Plano de Desenvolvimento Urbano (PDU) que diz em seu Art. 1º:

“[...] visa disciplinar de forma harmônica e racional o crescimento do território urbano, estabelecendo normas e diretrizes, que o orientam no sentido de dar à população local condições de vida equilibrada na paisagem urbana e demais meios que o circundam ou completam”.

Como já disse Maricato (1996), são profundas as contradições do Estado no que se refere à aplicação da justiça, dos direitos e da legislação.  

Finalmente, o Plano Diretor Urbano de Santarém elaborado no final de 2006 tem pouco tempo de aplicação, mas pelo menos, ele contempla as áreas de ocupação denominadas de “assentamentos espontâneos” e prevê a regularização dessas áreas, assim como, as considera como Zonas de Interesse Social (ZEIS). Quanto ao novo Plano Diretor, ele tem uma série de programas cujo desenvolvimento estava previsto para 2007, por isto, ainda não há condições de avaliar sua eficiência.        

Conclusões

Santarém é considerada oficialmente pelo IBGE como uma cidade média e centro sub-regional, que desempenha importante papel polarizador na mesorregião do Baixo Amazonas, e, conseqüentemente, na rede urbana amazônica. Sua área de influência alcança dezesseis municípios nos estados do Pará e Amazonas, pois a cidade possui um dinamismo resultante do processo de produção de seu espaço. Este processo remonta ao período colonial em que Santarém teve importante papel, inicialmente como base da expansão territorial portuguesa na região e depois como entreposto comercial. Mais tarde, a cidade foi um considerável suporte de atividades econômicas, relacionadas com a exploração da borracha, da juta, da madeira, do ouro etc. Santarém, além disto, acumulou diversificadas funções ao sediar representações de ordens religiosas e companhias militares, e, foi palco de movimentos políticos, como os ocorridos no período da Cabanagem, e, posteriormente na revolta de Jacareacanga. Atualmente abriga os movimentos emancipatórios que podem dar origem a um novo estado brasileiro, o do Tapajós.

Este dinamismo político-econômico de Santarém torna-se visível na sua intensa urbanização, com fortes características de periferização. A cidade se expandiu e se reafirmou como líder no oeste do Pará, mas, sua rápida e intensa expansão urbana apresenta um caráter de precariedade no que tange aos itens relacionados com infra-estrutura e equipamentos de serviços. Na cidade há loteamentos clandestinos, moradias precárias e acentuada violência urbana, fenômenos que são claras expressões da presença de áreas de exclusão e segregação sociais, em contradição com a área central, mais equipada.

As áreas periféricas, só em 2008 começaram a ser regulamentadas, ou seja, passaram a ser reconhecidas oficialmente como bairros, o que significa que seus moradores vêm sendo atingidos pelo descaso dos poderes públicos a, pelo menos, vinte anos.

O Planejamento Urbano de Santarém se tivesse assimilado conceitos e preocupações da área da Geografia poderia ter encaminhado o trabalho de delimitação de seus bairros periféricos segundo outros critérios, há vinte anos. Não teria ficado restrito às pranchetas dos arquitetos, teria considerado questões de natureza sócio-espacial que interferem na territorialidade da população moradora daqueles bairros, a qual não teria sido levada, na defesa de suas reivindicações, a  atrasar o processo de regulamentação, previsto no Plano Diretor Urbano da cidade.  

Notas

[1]  Território situado por trás de uma costa marítima ou de um rio; região servida por determinado porto.

 [2]   Denominação de origem indígena, atribuída aos pequenos rios da Amazônia.

 

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Referencia bibliográfica

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