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X Coloquio Internacional de Geocrítica

DIEZ AÑOS DE CAMBIOS EN EL MUNDO, EN LA GEOGRAFÍA Y EN LAS CIENCIAS SOCIALES, 1999-2008

Barcelona, 26 - 30 de mayo de 2008
Universidad de Barcelona


A CIDADE DOS CORPOS TRANSGRESSORES DA HETERONORMATIVIDADE

Joseli Maria Silva
Departamento de Geografia - Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR
joselisilva@uol.com.br

A cidade dos corpos transgressores da heteronormatividade (Resumo)

Este texto explora as relações entre corpo, identidade de gênero e espaço problematizando a produção do conhecimento geográfico que tem, sistematicamente, contribuído para a ocultação e invisibilidade de pessoas que estão à margem das normas hegemônicas de gênero e que têm sido silenciadas na luta pelos direitos cidadãos. A operacionalização desta investigação desenvolveu-se durante dois anos de observação sistemática e de entrevistas realizadas com um grupo de treze pessoas que se auto-identificadas 'travestis'. Assim como vários outros grupos, como as drag-queens, drag-kings, transexuais, entre outros, as travestis são pessoas que transgridem a heteronormatividade, desalojando a pretensa ordem compulsória de organização binária dos corpos, das identidades de gênero, dos desejos e do espaço. Este estudo, além de tornar visível as vivências espaciais de pessoas que experienciam uma sexualidade periférica, contribui para a crítica à hegemonia da concepção heteronormativa do espaço.

Palavras-chave: espaço urbano, identidades de gênero, travesti.

The city's trangressors bodies of the heteronormativity  (Abstract)

This text explores the relations between body, identity of gender and space, considering the production of geographic knowledge that systematically has contributed to the occultation and invisibility of people who are on the margin of the hegemonic norms of gender and have been silenced in their struggle for citizenship. The procedure for this investigation has been developed in two years of systematic observation and interviews carried out with a group of thirteen people who haves male bodies and live their lives as women. Like several other groups such as drag-queens, drag-kings, transsexuals, among others, this group transgress the heteronormativity, removing  the pretense compulsory order of the body binary organization, of the gender identities , the desires and the space. Moreover, it contributes to a critique of the hegemony concerning the heteronormativity  conception of space. This study, besides making visible people’s spatial ways of living enduring a peripheral sexuality, contributes criticizing the hegemony of the heteronormativity conception of space.

Key-words: urban space, gender identities, transgender.

Este trabalho torna visível as experiências espaciais urbanas das travestis[1], pessoas com corpos biologicamente masculinos e identidades de gênero femininas. Peres (2007) problematiza as definições da língua portuguesa em relação aos termos travesti e travestismo e defende a idéia de que a travesti brasileira não corresponde às definições da língua e, ainda, argumenta para o sentido pejorativo da palavra travestismo, lembrando a alusão à farsa ou imitação e defende como definição as travestis como pessoas que se identificam com a imagem e estilo feminino, que desejam e se apropriam de indumentárias e adereços de sua estética, realizam com freqüência a transformação de seus corpos através da ingestão de hormônios e/ou da aplicação de silicone industrial, assim como, pelas cirurgias de correção estética e de próteses, o que lhes permitem se situar dentro de uma condição agradável de bem estar bio-psico-social. [2]

São seres que desafiam a ordem binária de organização do sexo, gênero e desejo, instituindo complexas relações espaciais. Em geral, as travestis são representadas pela beleza dos corpos transformados por hormônios e silicones, pela exuberância de seu gestual e performance corporal. Contudo, este texto retrata, através de suas memórias, as experiências e compreensões do espaço escolar, evidenciando a exclusão e a interdição ao acesso à educação por uma sociedade que prima pelo direito universal à escola. Nesse texto, o espaço escolar é compreendido como parte integrante da realidade socioespacial da cidade, que compõem relações e é por elas simultaneamente instituído.

No decorrer das pesquisas sobre as experiências espaciais urbanas do grupo de travestis[3], constatamos uma forte representação do espaço escolar. Se, numa primeira concepção, a escola é o local da inclusão, da convivência das diferenças, do acesso democrático ao conhecimento, para as travestis a escola é local de sofrimento, de violência e ataque cotidiano à sua auto-estima, abortando suas possibilidades de conquistas materiais e sociais futuras.

O espaço escolar reproduz o texto hegemônico da heteronormatividade já vivenciada na cidade. Contudo, segundo elas, em outros espaços da cidade em que são discriminadas elas podem se privar de freqüentar. A escola não, é uma obrigação a ser cumprida, é imposta pela família e pela sociedade como necessária, tornando-se um grande calvário.

Mesmo ocultadas, as travestis vivenciam estes espaços e a geografia pode dar voz à estes sujeitos silenciados e subverter a ordem instituída que tanto tem naturalizado as injustiças cotidianas provocadas pela ordem compulsória da heteronormatividade. Michel Foulcault nos lembra que o discurso hegemônico deve ser compreendido como

“uma multiplicidade de elementos discursivos que podem entrar em estratégias diferentes. É essa distribuição que é preciso recompor, com o que admite em coisas ditas e ocultas, em enunciações exigidas e interditas; com o que supõe de variantes e de efeitos diferentes segundo quem fala, sua posição de poder, o contexto institucional em que se encontra; com o que comporta de deslocamentos e de reutilizações de fórmulas idênticas para objetivos opostos. Os discursos, como os silêncios, nem são submetidos de uma vez por todas ao poder, nem opostos a ele.”[4]

Poder, identidades de gênero e sexualidades na abordagem geográfica

As tensões e poderes são elementos de compreensão do espaço para além da materialidade, conforme o geógrafo James Duncan (1990) e The city as text. Ele considera a paisagem urbana como um sistema de significados a qual, tal qual a linguagem expressa em texto, é depositária e transmite informações. A “paisagem/texto” é um discurso, uma estrutura social de inteligibilidade dentro da qual todas as práticas são comunicadas, negociadas e desafiadas. Assim, os discursos estão sempre permitindo recursos e limites dentro de certas direções de pensamentos e ações que “aparentemente” são naturais. A pretensa naturalidade da ordem do mundo e, portanto, da dimensão espacial da sociedade, para James Duncan, é resultante de vários embates e lutas entre os grupos sociais.

As interpretações das informações dependem dos sujeitos que atuam no processo de recepção e interiorização da informação que, por sua vez, é determinado e determinante dos valores culturais. Duncan (1990) nos oferece a compreensão de uma trama de relações em vários sentidos na análise da paisagem e privilegia o ato criativo dos sujeitos sociais através de sua leitura e interpretação, evidenciando tanto as interações entre diversos grupos, quanto a grande dificuldade de interação interpretativa da paisagem entre grupos que não participavam dos mesmos códigos culturais. Esse autor cria uma abordagem política da paisagem e afirma que esta deve servir como parte constitutiva da análise de como a vida social é organizada e de como as relações de força que a compõem são constituídas, reproduzidas e contestadas.

Importante, ao nosso ver, é o conceito de “intertextualidade” que denota as inter-relações de textos que se entrecruzam, instituintes e instituídos da “cidade texto”. Além disso, para o propósito desse trabalho, é fundamental evidenciar as condições gerais de produção do texto/paisagem hegemônicos e como eles se impregnam de forma naturalizada na sociedade.

Assim, a cidade texto de James Duncan define-se numa dinâmica relacional e processual entre sistema de significados e práticas que se transformam mutuamente ao longo do tempo. Os seres humanos são tanto agentes de mudança social e, portanto, espacial, quanto seus produtos. Ao considerar o aspecto da intertextualidade, o autor incorpora a construção de diferentes significados de um mesmo objeto assim como apresenta seus contrastes e assimilações e, além disso, admite que uma conjugação de forças que age sobre a produção simbólica do espaço, assim considerada enquanto forma de conhecimento que orienta as ações cotidianas.

A geografia proposta por Duncan (1990) e seus pares da Nova Geografia Cultural é uma abordagem aberta aos paradoxos, à pluralidade e, em certa medida, provoca a 'desordem' do discurso geográfico baseado na objetividade material do espaço e nas interpretações hegemônicas. O rico contexto de efervescência imaginativa da Nova Geografia Cultural potencializou as produções geográficas feministas que emergem a partir de 'fissuras' do pensamento hegemônico desde a década de 70. Mas é no contexto recente, a partir dos anos 90, que esta corrente 'científico-política' realiza importantes críticas à postura repetitiva da geografia, enquanto disciplina acadêmica, sua instrumentalização na manutenção e reprodução do poder e invisibilidade de vários grupos que compõem o espaço.

Espaço, poder e identidades são elementos presentes na Nova Geografia Cultural e também na perspectiva feminista. Dentre as várias abordagens teórico metodológicas presentes neste campo podemos apontar como importante influência a obra de Michel Foucault. Os estudos queer foram sustentados, em grande parte, nas proposições de Teresa de Lauretis com The Tecnology of Gender, de 1987, nos argumentos de Judith Butler contidos nos célebres Gender Trouble em 1990 e Bodies that Matter em 1993, e no pensamento de Donna Haraway expresso em Simians, Cyborgs and Women: the reinvention of nature, de 1991. O impacto das idéias dessas pensadoras nos últimos vinte anos foi bastante relevante na geografia. Entre as(os) geógrafas(os) manifestadamente inspirados nestas pensadoras podemos apontar Gillian Rose, Linda Mc Dowel, Nigel Thift, Jon Binnie, Gill Valentine, Clare Lewis, Steve Pile, David Bell, entre outros.

O pensamento acadêmico queer foi desenvolvido a partir de uma contestação ao movimento social homossexual norte-americano, de caráter conservador, que privilegiava a representação do homem branco, homossexual, de classe média alta e excluia a diversidade presente no movimento de luta pela liberdade sexual, também composto por não brancos, travestis, lésbicas e transexuais, etc. Os pensadores queer comungam as idéias que a heteronormatividade e as hierarquias sexuais precisam ser questionadas, a fim de que outras realidades sejam visíveis, e também, que não há linearidade entre sexo, gênero e desejo, pois as identidades instituídas de ilimitadas configurações entre estes elementos estão em permanente transformação e sempre abertas ao novo.

Na geografia este pensamento se manifesta nos estudos das chamadas “geografia feminista” e “geografia das sexualidades”. A influência queer se desenvolve nas pesquisas geográficas a partir dos anos 90, privilegiando um novo olhar para os enfoques de gênero e sexuais. As(os) geógrafas(os) desta tendência argumentam que não existem posições binárias entre gêneros, mas complexidades de relações que constróem identidades paradoxais. O ponto central de suas críticas é a “falácia” da oposição hetero/homo sexual que organiza o conhecimento e as ações dos sujeitos no mundo. Advogam uma política identitária de sujeitos que podem, de forma relacional e processual, transgredir e sustentar os sistemas explorando as relações entre a sexualidade e espaço para revelar a vasta disposição de negociação constante entre corpos e lugares.

Gênero para Butler (1990) não é uma categoria fixa e pré-discursiva, mas se constrói por atos repetidos e estilizados pelo sujeito generificado. Portanto, o gênero é compreendido para além da mera representação de papéis a serem desempenhados por corpos de homens e mulheres sob a hegemonia da heteronormatividade, é uma complexidade permanentemente aberta. Assim, gênero é uma representação que é vivenciada pelas performances dos sujeitos sociais que a experienciam através da vivência espacial cotidiana e concreta.

Nesse mesmo sentido, a geógrafa Gillian Rose (1993), em Feminism & Geography. The limits of Geographical Knowledge, constrói a perspectiva do 'espaço paradoxal' na qual chama a atenção às configurações de poder que se estabelecem entre o centro e a margem da configuração, assim como a plurilocalização dos(as) sujeitos(as). Para esta autora há uma simultaneidade entre poder e resistência na composição espacial. Assim, é preciso compreender tanto o que é 'visível' quanto o que é 'invisível' já que ambos fazem parte da mesma realidade espacial que é contraditória e complementar simultaneamente.

Duncan (1990), por sua vez, ao demonstrar que a paisagem da cidade de Kandy, no Sri Lanka, era interpretada e vivida de formas diferentes por vários grupos sociais, evidencia, que é a condição paradoxal dos vários textos interseccionados que possibilita a hegemonia. Afinal,

“o discurso veicula e produz poder, reforça-o mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo. Da mesma forma, o silêncio e o segredo dão guarida ao poder, fixam suas interdições; mas, também, afrouxam seus laços e dão margem a tolerâncias mais ou menos obscuras.”[5]

Em (Hetero)sexing space: lesbian perceptions and experiences of everyday spaces, Valentine (1993) argumenta que a habilidade para apropriar e dominar lugares e e influenciar o uso do espaço por outros grupos não é apenas produto da heteronormatividade, mas é também de sua força expressa no espaço. Portanto, o espaço compõe a realidade heteronormativa mas também pode subvertê-la. Binnie e Valentine (1999) realizam um importante resgate dos estudos da Geografia da Sexualidade que têm questionado as relações entre corpos, orientação sexual e espaço, evidenciando, desde os primeiros estudos envolvendo gays e lésbicas, até os mais recentes pautados pela teoria queer. Uma significativa parcela de trabalhos de geógrafas(os), notadamente aqueles vinculados às abordagens pós-modernas, estão investigando os caminhos em que certos corpos são marcados como sendo diferentes ou marginais e também os tem associado com locais particulares, enquanto outros corpos julgados normais e neutros podem ser onipresentes e podem desenvolver qualquer espacialidade.

Os transgressores da norma geral estabelecida são fadados às severas punições construídas pelas táticas eficazes e sutis da interdição. Do ponto de vista objetivo e legal a sociedade brasileira não pode mais exercer a punição física pela ordem do Estado. Entretanto, isso não quer dizer que as penalidades não estejam presentes e sejam responsáveis por inúmeras mortes de pessoas consideradas “anormais”. Luiz Mott, articulado ao Grupo Gay da Bahia, apresentou em 2003 um trabalho, intitulado “Matei porque odeio gay”, no qual explora as inúmeras manifestações homofóbicas de nossa sociedade e a violência desmedida impingida aos transgressores da heteronormatividade. Dentre muitas expressões apresentadas no trabalho de Mott (2003), tomamos emprestado duas delas, as quais chamam atenção de forma paradigmática para ilustrar o pensamento de reserva de espaços para determinados grupos sociais e as formas de linguagem à eles dirigidas. A linguagem, segundo Butler (2004), constitui os sujeitos, também pela exclusão. A ciência, tem o papel de incluir o “indizível” na esfera de discussão, como forma a contestar a posição de poder de certos sujeitos que têm o privilégio da legitimação de suas expressões homofóbicas. A linguagem e suas formas de expressão devem ser desafiadas:

“De hecho, cuando pensamos em mundos que un día se convetirán em pensables, em decibles, em legibles, hacer visible lo que há sido repudiado y decir lo que antes era inefable se convierte em parte de uma 'ofensa' que se debe cometer para ensanchar al dominio de la supervivencia lingüística. La significación del lenguaje requiere abrir nuevos contextos, hablando de maneras que aún no han sido legitimadas, y por lo tanto, produciendo nuevas y futuras formas de legitimación.”[6]

É no sentido de escancarar a posição que a sociedade brasileira tem tomado e relação aos seres trangressores da heteronormatividade que transcrevemos os trechos que se seguem:

“Bichinha só tem 3 opções: Inferno, cadeia ou hospício. O resto é resto. Um animal que nasce homem e tem medo de mulheres não merece sorte melhor na vida.Vai para o inferno que já é poluído!

Viado bom é viado morto! Morram bichas filhas da puta pervertidas. Não há lugar para bichas neste planeta ou melhor neste sistema solar. Aonde já se viu um barbado se ajoelhar e chupar um cacete de outro barbado e depois por no meio do cu?!!????!!! Só matando esta gentinha baixa e suja!”[7]

Estas expressões revelam claramente como a dimensão espacial compõe o discurso da heteronormatividade e é um de seus importantes elementos de poder, tal qual sustentado por Valentine (1993). Aos transgressores da ordem compulsória heterossexual, a sociedade decreta a pena da interdição, pois os espaços à eles destinasdos são o inferno, o hospício, a cadeia ou, ainda, a expulsão do planeta. Namaste (1996) em seu artigo Genderbashing: sexuality, gender, and the regulation of public space analisa como as pessoas que realizam a transgressão da norma sexo–gênero são vulneráveis às agressões e atos violentos e evidencia as normas dominantes vigentes na dimensão espacial do fenômeno em Montreal, no Canadá. A autora argumenta que tal dimensão da violência é diferenciada para cada grupo de gays, lésbicas e trangêneros. Entre os sub-grupos a autora destaca a violência sofrida pelos transgêneros[8] e associa a vulnerabilidade a sua atuação como profissionais do sexo e a sua presença nas ruas e outros locais públicos.

Embora as evidências apresentadas pela geógrafa sejam pertinentes, queremos chamar atenção para o fato de que as travestis sofrem maior violência e preconceito porque a marca da transgressão é nítida, visual e, portanto, afronta o poder heteronormativo, muito menos evidente no gay ou na lésbica. Estamos falando de um corpo biologicamente categorizado como masculino que possui uma identificação de gênero feminino, vivida em atos estéticos, gestuais, corporais e linguísticos, permanentemente em construção, tal qual sustentado por Butler (1990). Contraste e afronta maior se estabelece porque o uso, e abuso, destes corpos feminizados é realizado por homens cuja aparente heteronormatividade se sustenta em relações familiares conservadoras e posições sociais e profissionais que em nada revelam a busca pelo prazer em um corpo de outro homem que se apresenta como mulher.

A cidade que compõem suas narrativas espelham as penas de exclusão espacial sofridas pelas travestis como denuncia Dayana em vários momentos de sua fala: “Não tem lugar pra travesti.” Também Linda se emociona ao refletir sobre sua realidade de invisibilidade socioespacial afirmando: “Nós somos um grupo que não existe! Não existe espaço para travesti!”

O espaço por elas experienciado é composto de muitas feridas e rejeições. É comum que elas circulem pela cidade apenas no período da noite, mais associado às práticas sexuais comerciais que a maioria delas está praticamente condenada socialmente a desempenhar. As saídas durante o dia são bastante penosas e evitadas por elas, conforme relata Linda:

“Veja, tudo que é normal pra você ou qualquer pessoa pra mim é um verdadeiro sacrifício. Eu não saio quase de casa. Eu saio só de cada dois meses comprar uma roupa ou calçado. O resto tudo eu contrato moto-boy pra fazer pra mim. Quando quero ver um filme, peço para o moto-boy, quando preciso de remédio é ele, quando quero comer uma coisa diferente eu peço pro motoboy. Minha vida é dentro de casa, numa concha, eu só saio de noite. Eu só saí de dia quando precisei de ajuda quando estava com depressão. Eu não saio, não tenho vida social. Acho que tudo que eu tinha que sofrer eu já sofri. Agora me protejo, não saio de dia. Me sinto aceita na noite, na prostituição. Na rua, na prostituição não é legal, mas é o único lugar que eu posso ter minha identidade feminina. Lá por algumas horas eu consigo ser tratada como mulher, pelo menos por algumas horas”.

A vida adulta sustentada quase que exclusivamente do exercício da prostituição é gestada nas vivências da infância e adolescência, fortemente resgatadas na experiência do espaço escolar.

O espaço interdito da experiência escolar das travestis

Nos jogos da intertextualidade que produzem a cidade há o texto/cidade da experiência travesti e é esta experiência espacial que chamamos de 'produção do espaço interdito'. O texto urbano do qual fala Duncan estrutura-se tanto pelo visível, expresso na paisagem, como pelo seu contraditório complementar, o invisível. Afinal, “os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem”.[9]

Os relatos de vida das pessoas que colaboram com o presente trabalho são memórias construídas que articulam os acontecimentos passados interpretados à luz do presente, permanentemente negociadas intersubjetivamente na construção identitária, tal qual proposto por Pollak (1992):

"a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. Se assimilamos aqui a identidade social à imagem de si, para si e para os outros, há um elemento dessas definições que necessariamente escapa ao indivíduo e, por extensão, ao grupo, e este elemento, obviamente, é o Outro. Ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros".[10]

Os maiores sofrimentos rememorados pelas travestis na infância, por unanimidade, foram vividos na escola. Quando elas resgatam estas experiências, alertam para o fato de que ainda não haviam se tornado travestis e realizam evocações que se confundem com o masculino e o feminino. A expressão “eu ainda era uma gay” é bastante comum, assim como a percepção de que o ser travesti é “mais evoluído” do que o ser gay, como se houvesse uma trajetória a ser percorrida por todas as pessoas que não se encaixam no padrão da norma do gênero masculino.

O fracasso escolar é um dado comum na vida das travestis que colaboraram com esta pesquisa[11]. Elas relatam duas fases em que vivenciaram o universo escolar. Uma quando crianças e adolescentes, na qual evidenciam seus conflitos entre a identificação de gênero e o corpo biológico, e a fase adulta, na qual já haviam se constituído como travestis. Na fase em que resgatam a infância e a adolescência estão presentes a obrigatoriedade da freqüência à escola associada com o sofrimento da violência física e psicológica, majoritariamente, realizada por grupos de meninos que desempenham uma espécie de ritual de masculinidade, como pode ser evidenciado nos relatos de Paula e Linda:

Na escola era muito difícil porque os piás esperavam na saída pra me pegar e gritavam: vamo pegá o viado, vamo pegá o viado. E eu corria mas não adiantava. Então no final do expediente da escola eu já me preparava e saía correndo feito uma louca como se tivesse feito algo errado. Como uma bandida. Às vezes minhas irmãs me defendiam. Elas ficavam na minha frente e diziam: no meu irmão ninguém vai bater. Eu às vezes nem falava pra elas porque eu ficava com pena delas de terem um irmão viado. Eles sempre me pegavam em bastante assim em cinco ou seis. Nunca sozinhos.[12]

“Minha preocupação quando eu estava na escola não era estudar. Minha preocupação era correr dos piás depois, na saída da escola. Minha preocupação era me esconder durante o recreio. Era essa minha preocupação na escola. Eu não sei como é que eu consegui terminar o segundo grau, sinceramente eu não sei. Minhas notas eram péssimas, não sei como me passaram. Eu não conseguia estudar muito bem porque minha preocupação era sempre essa: como é que eu vou fazer pra não apanhar hoje? Eu não me preocupava em tirar dez na prova. Minha preocupação era não ser agredida. Minha cabeça estava sempre pensando, o que é que eu vou fazer? Às vezes matava a última aula no colégio (...). Uma vez eu apanhei até na frente de uma professora na sala de aula. Uma professora de história. Eu tinha 14 anos por aí. O cara me bateu na sala de aula. Essa foi a única vez que eu chorei na escola. Não chorava nunca na escola. Eu chorava muito em casa depois sozinha, mas na escola nunca. Não queria que ninguém me visse chorando. Ele me bateu e a professora perguntou: porque você está batendo no (...)? Daí ele falou: porque ele é viado. Daí ela virou para o quadro e ficou quieta. Daí eu não agüentei e chorei. Essa vez eu não agüentei segurar. Chorei muito.”[13]

A escola aparece como uma instituição que silencia a dor sofrida e legitima as normas e valores hegemônicos da sociedade heteronormativa, assim como a agressão aos seres que não se enquadram na ordem de gênero instituída. Os gestos e ações cotidianas expressam a mensagem de que o espaço educacional não os acolhe e isso impregna em sua auto-estima e acaba por produzir uma auto-imagem de ser anormal. Por sua vez, os educadores que possuem autoridade simbólica e poderiam mediar os conflitos que emergem, não estão preparados e também possuem valores e normas interiorizadas que são acionadas. Muitas vezes, alguns educadores procuram desenvolver um processo de socialização e aceitação desses indivíduos na comunidade escolar. Entretanto, há limitações no conhecimento das necessidades destas pessoas como relata Linda:

“Eu ia pra escola para estudar e os professores não estavam preparados para lidar comigo. Eu ia pra escola pra estudar, mas não conseguia por causa da violência. Eu nunca contava pra minha mãe. Eu tinha medo dela sofrer. Quando eu contei pra ela que eu ia ser travesti ela chorou muito. Não por eu ser travesti, mas porque ela sabia que eu ia sofrer. Na verdade eu tinha uns 10 anos e disse pra ela que eu não gostava de menina e ela sabia o que me esperava. Então eu não contava pra ela o que eu sofria na escola porque eu não queria que ela chorasse, sofresse. Eu fazia de conta que estava tudo bem, eu passava de ano não sei como mas eu passava. Quando eu tava na quarta série teve um professor que ia dar uma aula de educação sexual. Ele apontou o dedo pra mim e disse: você preste bem atenção no que eu vou te falar. Isso na frente de todos os alunos. Disse assim: tem meninos assim que ficam andando com meninos e quando crescem viram gay. Mas eu nem sabia o que era gay. Sei lá, eu nem podia virar um gay porque talvez eu já fosse gay desde pequeno. Sei lá, eu acho que a escola é importante e eu acho que eu estou na prostituição por causa da escola. Se eu não sofresse tanto na escola eu teria estudado mais, seria mais culta e vou te contar. Meu verdadeiro sonho mesmo era ser auxiliar de enfermagem na África assim, ajudar as pessoas, eu adoro ajudar os outros. Esse é meu sonho, mexer com saúde, esse é o meu sonho. É isso que eu queria ser na vida. Teve uma vez que uma professora tentou me defender. Mas veja, me xingaram de bichinha! Bichinha! Daí a professora disse: parem, não falem isso! Ele é homem! E olhou pra mim e disse: que você é homem? Vamos, diga pra eles que você é homem! Eu ficava mal porque eu não queria dizer que era homem. Porque eu nem me sentia homem. Daí eu dizia: É sou homem! Daí ela completava: é ele é um homem, só que ele é muito delicado.  Então veja como as professoras tratam disso”.

O espaço intra-escolar é vivenciado de diferentes formas e além da sala de aula, existem outras experiências vividas que são marcantes para as travestis, as aulas de educação física, o recreio no pátio e os momentos de idas ao banheiro. O espaço escolar aparece na vida das travestis como um local de treino para a vida em sociedade. Ao contrário do que a sociedade idealiza, a escola reproduz e reforça os padrões de exclusão que estão postos e naturalizados. Ela reforça as diferenças de renda, cor e gênero e educa para a reprodução dos padrões hegemônicos.

Nas aulas de educação física, momento em que são testadas as habilidades dos corpos, a divisão clássica das modalidades esportivas é realizada através da polarização entre meninas e meninos. Esse momento em que há uma imposição de linhas demarcatórias pelo professor é relatado com grande angústia e aflição, como segue:

“Na educação física dava muita briga porque eu gostava de vôlei e eles queriam que eu jogasse futebol e eu odiava futebol. E vôlei não dava porque o vôlei era para as meninas. Depois mudou, começou a ser mais misto mas no começo não era assim. E eu odiava futebol tinha que colocar shortinho curto e eu tinha perninha roliça de mulher. Daí gritavam alto: olha a gostosa chuta a bola pro gol! Foi, a bicha foi pro gol! Eles ficavam narrando em voz alta só pra provocar e eu odiava aquilo. Nunca atendiam meu pedido de não querer jogar. Só na oitava série, tinha um professor que atendia tudo que eu pedia, mas era uma maricona safada que depois me cantava na hora da saída. Essa é que é a verdade! Ele tinha uns 40 e eu uns 14”.[14]

As atividades em que os alunos não estão sob a influência direta da mediação dos professores aparece como momentos de intensa solidão e sentimentos de medo e rejeição:

“Se eu pudesse eu não teria estudado porque de toda a minha vida, o lugar que mais me fizerem sofrer foi na escola. Porque eu não conseguia passar por homem. Eu queria, eu tentava, mas não conseguia e isso era pior. Eu tenho fotos de mim tentando ser homem, mas eu era muito feminina, mais feminina do que agora que fiz plástica. Minha mãe ainda me colocou numa escola que era assim, tipo a casa do menor, que era só pra menino porque ela queria que eu fosse homem. Lá foi muito pior porque eles me surravam muito. Durante o recreio eu vivia escondida. Eu me escondia num lugar que era tipo um vestiário que os professores guardavam as bolas, as coisas de educação física. Eu ficava lá durante o recreio todo”.[15]

No espaço escolar os conflitos de maior intensidade relatados pelas travestis ocorrem nos banheiros. A rígida organização física de separação entre o masculino e o feminino marca a experiência destas pessoas tensionadas pela reprodução da heteronormatividade e pela resistência à ordem instituída. O papel que o banheiro desempenha na estrutura escolar é muito mais do que um espaço de realização de necessidades fisiológicas presentes para ambos os corpos categorizados como femininos ou masculinos. O banheiro é parte fundamental da reprodução dos corpos generificados. Gomes (1996) chama a atenção para as relações sociais e a normas que se produzem através dos significados culturais atribuídos aos banheiros e seus usos, utilizando-se como referencial de análise o Palácio de Versalhes:

“(...) uma esfera de intimidade, que deveria ser resguardada do contato com outras pessoas. Ao mesmo tempo, para que essa intimidade pudesse ser concebida e vivida, havia a necessidade de um novo desenho do espaço, que agora consagraria inéditas áreas e nova compartimentação, as quais exprimiriam esse novo valor e essa nova prática social. As ações que transcorrem nos banheiros aí se incluem”.[16]

Os banheiros aparecem como espaços privilegiados para marcar de forma definitiva as fronteiras entre o feminino e o masculino e o exercício dos papéis atribuídos socialmente aos corpos sexuados. Os banheiros aparecem nas falas das travestis com detalhes marcantes de sua estrutura concreta e os sentidos e ações por elas desencadeadas. Os constrangimentos expressos pela organização dos mictórios abertos, a falta de equipamentos e de áreas privadas são componentes de suas narrativas. Elas evidenciam suas limitações em incorporar a ordem espacial imposta no banheiro escolar que vai desde um mal estar, até a exclusão e a violência.

Os conflitos de Bia no uso de banheiros escolares se estabelece na adolescência quando as diferenças dos corpos começam a se evidenciar: “Eu não sabia muito bem porque me sentia constrangida. Depois eu entendi. Eu não podia ir no banheiro feminino eu ia sempre no masculino mas eu não me sentia bem porque era todo aberto”.

O relato de sofrimentos físicos causados pela limitação ao uso dos banheiros é recorrente nas falas das travestis:

“Eu nunca fui no banheiro da escola. Eu não fazia xixi a aula inteira, ficava me segurando. Eu nem sei como era o banheiro dessa escola porque eu tinha medo, porque eu sabia: ou eu vou apanhar, ou os meninos vão querer me fazer alguma coisa. Eles me assediavam. Era essa a relação com os meninos ou eles me batiam ou me cantavam. Ou queriam se aproveitar ou me bater”.[17]

O que aparece em jogo nos banheiros são trocas simbólicas de exercícios de identidade de gênero que são fortemente desempenhadas entre os grupos. As pessoas que não se encaixam nos pólos separados e opostos da masculinidade ou feminilidade são excluído do ritual ou incorporados de forma subordinada, inferiorizada. No relato que se segue, Dayana descreve sua experiência de conflitos:

“Na escola o banheiro era complicado porque eu tinha que ir ao banheiro dos meninos e lá não tinha assim muita reserva e eu sempre ia assim naquela parte do reservado. Daí me chamavam de cagão porque pensavam assim: esse só caga , porque eu não queria fazer xixi na frente deles. E também no banheiro masculino não tinha espelho e eu ficava louca porque não tinha espelho no banheiro masculino. Era uma tortura porque eu passava e os meninos ficavam todos olhando. Eu levei duas advertências por usar o banheiro feminino. Quando não tinha ninguém lá dentro eu entrava lá fazia as necessidades me sentia bem mais à vontade lá dentro, me olhava no espelho, passava um gloss, dava um close. Depois das advertências eu me obrigava a ir no banheiro masculino. Eu vivia me soqueando com os piás dentro do banheiro porque eu passava e eles passavam a mão na gente, tipo assim, beliscavam, diziam: ô gostosa, viadinho gostoso, venha aqui, vamos ali no cantinho e tal. Isso não foi nem uma, nem duas, nem três, foram muitas vezes. Daí me atracava e saia rolando e já vinha o inspetor e lá ia a bicha pra diretoria. Eu vivia mais na diretoria. Eles me viam como marginal que gostava de brigar e agredir o povo. Achavam que eu estava na escola para fazer o fervo no banheiro”.

As performances construtivas da masculinidade heterossexual são reconhecidas pela travesti que se exclui do ritual a partir de dois constrangimentos. O primeiro diz respeito à sua identificação com gênero feminino que a impede de compartilhar com outros meninos os atos de sociabilidade como a exposição coletiva das genitálias. O segundo constrangimento está relacionado ao medo da atração ao corpo do outro já que isso rompe com os códigos presentes no ritual performático da masculinidade. As áreas abertas dos mictórios permitem tanto a socialização de práticas culturais como possibilita a vigilância da norma heterossexual. Por outro lado, estas mesmas áreas abertas incitam aos experimentos sexuais que têm a permissão de ocorrer nas áreas mais privadas das cabines.

A posição indefesa dessas pessoas, assumida no período da infância e da adolescência, se modifica quando elas assumem sua identidade travesti na fase adulta. O espaço escolar agora é vivenciado a partir de outras estratégias de exclusão menos nítidas, mas igualmente eficazes, conforme pode ser observado no relato de Bia, quando descreve uma conversa tida com a diretora de sua escola

“Ela chegou pra mim e disse: Olha não é que você não seja bem vindo, mas você não tem uma orientação normal para viver no meio dos alunos. Eu como travesti não podia ficar no meio dos alunos. Eu já me vestia de mulher. Já era uma mulher. Eu sempre me achei feminina e como eu era uma mulher eu não podia ficar ali. Ela me dizia: veja na chamada você é chamada com nome de homem, mas você está vestido de mulher. Eu vou chamar você de (...). Não posso chamar de outro nome. Ela continuou dizendo: você deve se retirar porque você vai ser muito mal tratada aqui. Você vai ser o alvo de todo mundo”.

As dificuldades das travestis nas instituições educacionais adultas se evidencia na pesquisa empreendida por Andrade e Silva (2005). Investigando as representações sociais dos professores sobre os grupos excluídos do acesso à educação, estes pesquisadores constataram que as travestis são excluídas até mesmo das representações de exclusão. Apontam que, além de não serem lembradas pelos educadores, as travestis não constituem como grupo de interesse no desenvolvimento de práticas pedagógicas por parte de nenhum dos educadores entrevistados. Somado a esses fatores, estes profissionais da educação apresentam como justificativa de sua negativa ao trabalho com o grupo, posicionamentos ideológicos em que associam as travestis às condutas morais “não condizentes com sua forma de conceber a realidade”.

O espaço interdito se produz cotidianamente na existência das travestis e a escola é inegável elemento de contribuição da marginalidade social em que elas vivem quando adultas. A idílica representação da escola como espaço de solidariedade, igualdade, saber e inclusão é negada nas versões construídas por elas. A escola produziu dor, desrespeito e colaborou decisivamente para produção de representações sociais negativas que apenas reforçam a violência e hostilidade que as envolvem.

As travestis são culpabilizadas pela sua própria exclusão do direito à escola e o espaço se institui como um dos elementos mais eficazes da construção das táticas polimorfas de poder, para utilizar os termos de Foucault (1984), a fim de garantir a manutenção das normas compulsórias de gênero. Paradoxalmente, são estas mesmas experiências espaciais interditadas que questionam e desestabilizam a organização binária da sociedade heteronormativa.

 

Notas

[1] Durante este tempo foi estabelecido o grupo focal de interesse para esta investigação, composto de treze pessoas que se auto-identificaram como sendo 'uma travesti', utilizando a expressão no feminino. Embora a língua portuguesa classifique a palavra relativa ao sujeito masculino, preservaremos a linguagem utilizada pelo grupo. Além disso, é importante marcar algumas particularidades da cultura brasileira quanto à utilização do termo travesti, diferentemente utilizado na Espanha e nos países de língua inglesa. Enquanto na Espanha o termo travesti é entendido como pejorativo e considera que as pessoas retratadas neste trabalho podem ser classificadas como “transsexuais”, preservamos o termo por elas utilizado em sua autodefinição, já que elas próprias rejeitam o termo transsexual. Afinal, quem sou eu para definí-las?

[2] Peres, 2007, p. 04.

[3] A operacionalização desta investigação desenvolveu-se em dois anos de observação sistemática possibilitada por uma parceria realizada entre o Grupo de Estudos Territoriais da Universidade Estadual de Ponta Grossa e a Organização Não Governamental Renascer através do desenvolvimento do projeto de extensão: Para além da 'batalha' na rua: práticas de inclusão sócio-espacial e promoção de direitos humanos dos grupos em situação de vulnerabilidade social.

[4] Foucault, 1988, p. 111.

[5] Ibidem, p. 112.

[6] Butler, 2004, p. 73.

[7] Op.cit. Mott, 2003, p.7.

[8] Há um problema linguístico a ser evidenciado, quanto à não homogeneidade dos termos trangênero, travesti e transsexual. O termo “travesti”, utilizado neste artigo significa e nomeia seres que possuem um corpo biologicamente masculino e identidade de gênero feminina. Para atingir o ideal da aparência de gênero, essas pessoas tomam hormônios femininos, usam silicones e várias trnsformações corporais para poder manter e representar sua identidade de gênero. Contudo, a tradução de travesti para o inglês seria “transvestites” o que não se adequa aos sujeitos aqui enfocados, já que este termo é utilizado para nomear homens que se vestem eventualmente como mulheres. As pessoas que realizam intervenções no corpo são definidas como “transsexuais”. Contudo, essa definição remonta à uma pessoa que deseja mudar de sexo. Na medida em que elas convivem com a genitália masculina sem apresentar aversão à ela ou desejar a mudança de sexo, não há como enquadrá-las nesta definição. São “mulheres de pênis” e não desejam a cirurgia “transgenital” como as transsexuais. Assim, apesar de considerar o termo “transgênero” genérico e não apropriado para definí-las, optou-se por utilizar a expressão nesse contexto porque a palavra “travesti” no Brasil possui conotações diferentes daquelas encontradas em língua inglesa e espanhola e tememos reduzir as vivências dessas pessoas aos momentos eventuais de trocas de vestuário e/ou também imputar-lhes uma definição que não utilizam para auto-nomear-se.

[9] Foucault, 1996, p. 52-53.

[10] Pollak, 1992, p. 5.

[11] Todos os nomes utilizados no texto são fictícios a fim de proteger a identidade das pessoas que colaboram com esta pesquisa e daquelas citadas nos relatos.

[12] Paula.

[13] Linda.

[14] Dayana.

[15] Linda.

[16] Gomes, 1996, p. 45.

[17] Linda.

 

Bibliografia

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Referencia bibliográfica:
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