IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo - 1 de junio de 2007
Universidade Federal do Rio Grande do Sul


O ENSINO DE GEOGRAFIA E A IMAGEM:
UNIVERSO DE POSSIBILIDADES

Eugênia Maria Dantas
Departamento de História e Geografia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
eugeniadantas@yahoo.com.br

Ione Rodrigues Diniz Morais
Departamento de História e Geografia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
ionerdm@yahoo.com.br



O ensino de geografia e a imagem: universo de possibilidades (Resumo)

Estamos imersos no mundo das imagens. O ensino de geografia tem na iconografia um campo aberto a ser desbravado. Para além dos registros cartográficos que se revelam por meio de mapas ou imagens de satélites, forma-se um outro conjunto abrangente de dados e informações que podem ser perscrutados nas e pelas imagens. Levar a iconografia para a sala de aula se constitui uma possibilidade para ensinar geografia em uma perspectiva contemporânea e complexa. Este trabalho mostra estratégias téórico-metodológicas para o ensino de geografia por meio da imagem fotográfica, através da qual podemos compreender a relação homem/natureza como uma bricolagem de ações, tempos, interesses, desejos, utopias, estabelecendo o elo entre o conceito e a vida que pulsa nos diversos ambientes que formam o espaço geográfico.

Palavras-chave: ensino de geografia - imagem - fotografia


The education of geography and the image: universe of possibilities (Abstract)

We are immersed in the world of the images. The geography education has in the iconography an open field to be tamed. It stops beyond the cartographic registers that if disclose by means of maps or images of satellites, forms one another including set of data and information that can be perscrutados in and for the images. To take the iconography for the classroom if constitutes a possibility to teach to geography in a perspective contemporary and complex. This work shows téórico-metodológicas strategies for the education of geography by means of the photographic image, through which we can understand the relation man/nature as a bricolagem of action, times, interests, desires, utopias, establishing the link between the concept and the life that beats in the diverse environments that form the geographic space.

Key-words: geography education-image-photograph



Parece uma ousadia em um colóquio que tem o apelo geocrítico, iniciarmos um texto  trazendo à tona algumas reflexões de Paul Vidal de La Blache. Identificado pelas “trajetórias dos discursos geográficos” como o “pai” de uma Geografia positivista e descritiva, esse pensador é relegado a  segundo plano quando tratamos de contribuições que possam ajudar a compreender os problemas que afligem a contemporaneidade. No entanto, assumimos a ousadia e resgatamos La Blache para nos ajudar a pensar o ensino de Geografia, da nossa época.

Ao ser desafiado a falar a respeito das características dessa ciência, de definir os elementos que a distinguem das demais área de conhecimentos, ele nos chama atenção para o fato de que “a Geografia compreende, por definição, o conjunto da Terra”. Tal definição já havia sido evidenciada pelos matemáticos-geógrafos da antiguidade que enxergavam a “unidade terrestre” para além  das descrições empíricas das diferentes porções paisagísticas. Para La Blache, o germe da Ciência Geográfica encontra-se nesse princípio de unidade que envolve correspondências e solidariedades entre os fenômenos terrestres. Assim, o olhar sobre a Terra estava, inicialmente subordinado, a uma idéia de conjunto, de visão geral que fecunda o encontro com as particularidades. A fisionomia da Terra vai se desenhanda a partir do reconhecimento da unidade na diversidade das expressões paisagísticas, na medida em que estas são testemunhas das diferentes formas de interações que regem as imagens vivas da Terra.

Em La Blache a fonte da pesquisa geográfica está nas relações e combinações que compõem a trama fisionômica da Terra. O espírito do geógrafo deve se alimentar da ordem diversa do mundo, das proveniências heterogêneas e das combinações múltiplas. A partir daí é possível perceber que “o equilíbrio resultante dessas combinações não têm absolutamente nada de estável, que ela está a mercê de modificações cuja multiplicidade de fatores abrem uma ampla margem” (LA BLACHE, 1985, p. 43). Os estudos geográficos sobrevivem das transformações remanejadas no tempo, das misturas, dos resíduos que se incrustam nas formas espaciais, resultantes da indissociável relação entre o homem e a natureza. Afirma Vidal de La Blache que  “A obra do passado persiste através do presente como matéria sobre a qual se exercem as forças atuais. A partir daí, estamos em plena Geografia”. Desta feita,

(...) a Geografia, inspirando-se como as ciências vizinhas na idéia de unidade terrestre, tem por missão especial procurar como as leis físicas ou biológicas, que regem o globo, se combinam e se modificam aplicando-se às diversas partes da superfície. Ela as segue em suas combinações e suas interferências. A Terra lhe oferece, para isso, um campo quase inesgotável de observações e experiências. Ela tem como objetivo especial estudar as expressões mutáveis que revestem, conforme os lugares, a fisionomia da Terra. (LA BLACHE, 1985, p. 39/40). 

As lições lablachianas a respeito da Geografia nos legam caminhos importantes para olharmos e ensinarmos  a respeito do mundo que nos rodeia. Podemos extrair estratégias metodológicas que se movem pelos meandros da observação/descrição, dos resíduos e das combinações para perscrutar outras fontes e materiais, ampliando o escopo de intervenção do olhar sobre o meio. A tradição geográfica elege o ambiente como o laboratório da produção do conhecimento, sendo ele físico e concreto, e a atividade de campo como meio para aprender e ensinar sobre a realidade. Nesse caminho, precisamos fazer uso de diferentes registros, sendo a iconografia um deles. O registro das informações, através de desenhos e fotografias, é fundamental para a compreensão do espaço.  Não é só a iconografia gerada por meio da atividade de campo que deve interessar ao professor. É a iconografia que precisa ser incorporada ao seu trabalho, ampliando o universo de possibilidades para ler,  interpretar e interferir no espaço geográfico.

A iconografia se impõe à sociedade moderna como fonte inesgotável de revelações e possibilidades de aprendizagem, da anunciada unidade terrestre; e, o olhar como caminho para adentrar e compreender o labirinto espacial em que se transformou a Terra. La Blache ao eleger a observação/descrição como caminho para interpretar a realidade, transforma o geógrafo  em um sujeito privilegiado para olhar  e encontrar aquilo que apenas se mostra, sem jamais falar. Em outras palavras, o geógrafo está imerso no mundo das imagens, estejam elas grafadas em suportes diversificados, estejam elas disponíveis no grande cenário que é a paisagem. Ensinar a olhar as imagens do mundo se constitui o desafio do professor de geografia.

Na contemporaneidade não é mais possível negar que um grande patrimônio cultural legado do século XX para o XXI, é a imagem, a forma como é produzida e como interfere no cotidiano. Uma espécie de carimbo existencial que acompanha o educador em seu oficio, mesmo que não faça parte do seu repertório de ações e reflexões no exercício de leitura do mundo. A imagem ultrapassa o código da escrita e se instaura no seio do processo educativo, trazendo à  superfície o que já se sabia, mas pouco se explorava, ou seja, o fato de que “ver precede as palavras”. E mais: “o ato de ver estabelece nosso lugar no mundo circundante” (BERGER, 1999, p. 9), influenciado pela forma como vemos e  cremos.

Para Régis Debray (1993), a história da imagem não se confunde com delimitação dos períodos históricos (Antiguidade, Idade Média, Moderna, etc), mas segue uma temporalidade mais radical, combinando aceleração histórica e dilatação geográfica. Tem se, portanto, segundo Debray  três midiasferas (logosfera, grafosfera e videosfera) que comportam a evolução técnica do sapiens  e podem esclarecer sobre a trajetória da imagem no Ocidente. A logosfera  se estenderia da invenção da escrita à da imprensa. Nela o ídolo, na acepção grega do termo eídolon, representa a imagem de um tempo imóvel,  síncope de eternidade, corte vertical no infinito imobilizado do divino. À grafosfera vai da imprensa a TV a cores, é para ele a era da arte, momento em que as figuras começam a apresentar um certo movimento. E por último à videosfera, a era do visual, época em que vivemos, na qual o tempo é pura rotação, fluxo, rapidez e, instantaneidade. De forma resumida, pode-se dizer que essa classificação representa um “Alargamento dos espaços de circulação. O ídolo é autóctone, opressivamente vernacular, enraizado em um solo étnico. A arte é ocidental, camponesa, embora circuladora e feita para as viagens (Dürer, na Itália; Leonardo, na França, etc.). O visual é mundial (mundovisão), concebido desde a fabricação para uma difusão planetária” (DEBRAY, 1993, p. 207/208). No labirinto da educação, o legado imagético impõe-se com vigor. Sem dúvida elevá-lo a condição de fonte é um desafio, na medida em que guarda em si uma particularidade a de “mostrar sem jamais falar”. Daí decorre a importância do olhar para o ensino.

Saber olhar é caminhar na realidade paradoxal da liberdade e do aprisionamento do mundo de significados. Datar a pedra, marcar o tempo, estabelecer limites, mas também subverter o estabelecido, impondo-lhe ressignificações, constitui a sua linguagem. As estratégias do olhar comportam as operações mentais de separar para religar, distinguir para contextualizar, num movimento que contém ordem, desordem e reorganização das idéias, do pensamento e do sujeito.

Ao nascermos, somos impelidos a abrir os olhos, ato que completa nossa chegada ao mundo. Do nicho uterino, reino predominante das sombras, damos um salto em direção às imagens mais luminosas do mundo circundante. No entanto, se estamos preparados biologicamente para o universo visual, precisamos ascender às centelhas de informações que circundam o mundo das metáforas, reino mais pleno da produção de sentido, para compreendermos o que está a nossa volta. À partida, temos os dispositivos capazes de identificar forma, cor e dimensão espacial, mas para percebermos tais dimensões da realidade precisamos, para viver, partilhar do universo dos significados construído antes de nós.

O neurofisiologista François Vital-Durand em entrevista concedida a Guitta Pessis-Pasternak (2001), afirma que o ser humano é capaz de memorizar cerca de cem mil imagens, que podem ser identificadas em fração de segundos. Células fotossensíveis colocam-nos no mundo das luzes, mas não nos livram do universo das sombras dos significados. É no contato com as imagens do mundo que aguçamos a nossa percepção, passamos a viver experiências e produzir uma linguagem que é simultaneamente verbal e pré-verbal. O fato é que ver é uma operação que emerge com a experiência do olhar por meio do contato com o ambiente. O ato de olhar impõe ao sujeito a tarefa de poder codificar e decodificar o mundo a sua volta. Se, por um lado, retira o homem da cegueira primordial, por outro, impõe a visão das dores, horrores e  sacrifícios que cercam a trajetória dos homens na Terra. Como uma máquina de produzir e armazenar imagens, estamos submetidos aos ritmos biológicos e culturais do nosso ser.

O olho, como dispositivo mecânico do sistema fisiológico, é o canal por onde trafega o cenário iconográfico do qual fazemos parte. Funcionando como um sensor que capta a geometria do mundo, o olho realiza a façanha de reter e codificar, através da película fina da retina, detalhes significativos do universo pelo jogo de luz, cor, sombra e  forma que delineiam a realidade sensível que nos cerca. Numa viagem ao fundo do olho, os neurofisiologistas perseguem a trajetória “codificada da luz reenviada pelos objetos, dentro das células da retina, ao longo das vias que se repartem pelas estruturas cerebrais” (VITAL-DURAND, 2001, p. 95). Descobrem que as projeções que fazemos refletem uma organização em forma de rede, presentes desde o nascimento e refinadas com a experiência.

Desse modo, as inscrições genéticas lançam os fios de possibilidades que serão tecidos e retecidos durante toda a vida. O olho aprende a olhar e ver a partir do contexto de interações que são simultaneamente biológicas e culturais. De outra parte, o olho é também um sensor do microcosmo chamado homem.  Ele denuncia os estados de alternâncias do viver provocados por estímulos internos ou externos aos sujeitos via dilatação, coloração e conformação da pupila. Os atuais diagnósticos dos estados de saúde por meio da análise da “íris” dão conta do olho como um narrador dos estados psicossomáticos e mesmo vegetativos do homem. A expressão “os olhos são a janela da alma” poderia ser ampliada para contar a dupla função desse órgão central na vida do sujeito: os olhos são a janela da alma e o portal do mundo.

A centralidade que parece assumir o órgão da visão no processo de compreensão do mundo deve ser relativizada em favor das redes de conexões  e dependências nas quais está envolvido. Isso porque para ver não basta olhar, sendo esse ato um processo complexo que se estabelece no interior da dialógica cérebro-cultura-indivíduo. Na verdade, o saber olhar de que estamos tratando parte dessa concepção, ao mesmo tempo em que aposta nas emergências de complexidade capazes de suscitar novos patamares de ordenação do mundo pelo sujeito. Dessa perspectiva, saber olhar é descongelar sentidos estabelecidos, paradigmas já consagrados, interpretações cristalizadas, imagens congeladas e fixas.

O par congelamento-descongelamento deve ser entendido como uma estratégia metodológica; um artifício de uma epistemologia que absorve e trata, de maneira simultânea, a desordem das coisas; e, o imperativo humano de ordenar e estabelecer regras, conceitos, teorias e modelos de explicação. Como metáfora, o congelamento e o descongelamento são fontes de fabricação do real. Esses dois estilos de pensar, que se parasitam entre si, revelam formas de ver, vivenciar e interpretar a cultura; fixam padrões de estabilidade e repetição, ao mesmo tempo em que elaboram processos de ressignificações e desvios. Podemos compreender a cultura a partir dessas duas dinâmicas oscilatórias que se retro-alimentam e arquitetam filtros por onde trafegam correntes de informações, conhecimentos, linguagens e práticas históricas. Compreendidos de forma dialógica, em seus limites de antagonismo, concorrência e complementaridade, o congelamento está para a ordem e a repetição, assim como o descongelamento está para o desvio e a inventividade.

A fotografia como uma imagem congelada, se apresenta para o professor de geografia como uma revelação do que foi anteriormente anunciado, ou seja, o que vemos é a persistência do passado que atravessa o ritmo do presente, sendo o encontro dos tempos o campo de experimentação do geógrafo.

Para lidar com o encontro dos tempos nas formas espaciais o exercício de montagem é uma atitude de fidelidade aos limites impostos pelo próprio registro, mas também, é o desafio de saber guiar-se pelas fissuras, pelas manchas que o tempo impõe, borrando ou mesmo desbotando as imagens impressas. O espaço, o tempo, a razão e a emoção se conjugam para guiar o olhar do educador.

O educador ao manusear as fotografias como fermento das práticas educativas, não vê somente a leitura que foi feita de um tempo, de uma pessoa, de um objeto. Compreende também, a topografia dos espaços, dos olhares. Se imiscui na trama explicita que secreta histórias indizíveis, reconhecendo o passado, o presente, mas também a transcendência como condição para projetar o futuro. A fotografia congela, sem subterfúgios, os processos espaciais que a geografia analisa, em suas dinâmicas mecânicas e simbólicas, culturais e materiais. Descongelar o que está registrado é inventariar as formas de utilização do espaço, descrever as maneiras como o homem explora e transforma a natureza em recurso para atender as “necessidades” humanas. Mas também, significa captar o riso e a dor  que habitam os interstícios da cultura;  escutar o canto e o silêncio da paisagem; descobrir a festa e as crenças que transformam os espaços em cenários de comunhão e seletividade social; decodificar os signos e símbolos que alimentam a condição humana. Na imagem encontramos a força da natureza e da cultura como um  espetáculo que põe em diálogo a rede simbólica e material se espraiando em todas as direções.

Tecer o ensino de geografia nas linhas e entrelinhas do registro fotográfico é confeccionar o painel heteróclito da cultura. É recrutar práticas, estilos que denotam um estado de interpretação mais ampliado do conhecimento e do sujeito no mundo. Afirma Paul Claval (2002)  que “todos os fatos geográficos são de natureza cultural” e que estudar a cultura é abordar as relações que tramam a vida de uma perspectiva original, levando em consideração a inventividade e transmissão de representação para a compreensão da vida .

A fotografia é uma expressão da cultura que religa a invenção e a transmissão, anunciada por Claval quando inserida no exercício didático-pedagógico do professor. Este tem em mãos um material que é, simultaneamente,  conteúdo e  forma,  especulação e  objetivação, subjetivação e produção do conhecimento. Essa condição pode ser considerada levando-se em conta que toda fotografia, assim como a obra de arte, é um “modelo reduzido”[1] da existência humana. Desse fato decorre a sua leitura ancorada na sensibilidade estética, meio que permite maior mobilidade para olhar e manusear as imagens e, dessa forma, aguçar a criatividade, a curiosidade, a imaginação e o pensamento.

A fotografia é a imagem que se faz na intersecção da técnica e da intuição, da razão e da emoção, da observação e da prática, sendo, portanto, um objeto de natureza singular. Como fonte para o fazer pedagógico insere o silêncio no universo da palavra, o que exige daquele que trabalha com esse material, saber lidar com o limite da narrativa, na mesma medida, em que a imagem se reserva o direito de se manter indelével, pois intensamente sentida.

Com esse perfil, a geografia tem a missão de ensinar um conteúdo que é uma orientação para o sujeito está no mundo. Encontramos o sentido da geografia “na frequentação do mundo e na paixão pelo mundo, na sua densidade e variedade fenomenal, ao mesmo tempo que é uma ciência do espaço. O geógrafo habita o mundo ao mesmo tempo que procura compreender-lhe as estruturas e os movimentos” (BESSE, 2005, p. 82). Essa perspectiva geográfica coloca em evidência  a problematização de Eric Dardel, apontada por Besse (2005, p. 85)  de que a geografia é uma “dimensão original da existência humana”.

Captar essa dimensão é trilhar as veredas abertas pelas vivências, experiências, dúvidas e  incertezas que transversalizam a condição humana de conhecer. Nesse sentido, a fotografia revela experiências diversificadas no tempo e no espaço. Compreendê-las  requer uma abertura para dialogar com outras áreas , conceitos e idéias. A transdisciplinaridade  se apresenta como possibilidade para aprendermos  a “realidade geográfica dos mundos vividos”, congelados em pedaços de papel.  Assim, a estratégia da  bricolagem apontada por Claude Lévi-Strauss, pode ser  estratégica para olhar e ensinar sobre os espaços vividos.

O educador seria um bricoleur que trabalha com o painel heteróclito da cultura, produzindo reorganizações nas leituras do mundo. Essa forma de proceder tem como ponto de partida a totalidade que instiga o olhar e o fazer educativo. Assim, a fotografia para o educador-bricoleur estaria alimentando formas de pensar e agir mais ajustada a percepção, a imaginação e a intuição sensível. Sob esta perspectiva, a vontade de conhecer e a aplicabilidade do conhecimento se realizam de maneira simultânea e indissociável. 

A fotografia estaria no caminho da intuição sensível ou estética do sensível. Acessada através dessa estratégia, o seu inventário, a sua classificação e a sua ordenação ganham outra dimensão. O olhar e o fazer ancorados na estética do sensível denunciam um estilo que preserva, no interior de sua produção, a natureza de pensar e ordenar o mundo a partir da pluralidade, diversidade e integração em contraposição a homogeneidade e a fragmentação. O belo está, justamente, na forma como se compacta essa diversidade, permitindo aos agentes envolvidos no processo, compor mosaicos, cuja geometria revela a dialogia possível entre os materiais envolvidos no contexto da produção.

Essa dialogia se realizará sem mediação entre o bricoleur e os materiais que dispõe. No entanto, existem medidas que auxiliam as tarefas dialógicas  do educador-bricoleur, dentre as quais podemos citar as de colecionar e inventariar os materiais que o cerca. A fotografia, como um dos objetos a ser inventariado e colecionado, possibilita investidas mais imaginativas no tecido educativo, ampliando o museu imaginal e material do educador-bricoleur. Nessa perspectiva, a narrativa educativa é um projeto semi-aberto, sujeito a reorganizações.

A lógica do sensível, a intuição estética ou o prazer estético são condições fundamentais para o exercício de olhar a ordenar as palavras e as coisas na produção do conhecimento, a partir da imagem. O conhecimento, nesse processo, não se produz pela renúncia do sujeito de si, mas a inserção é a condição de sua realização. Fazer e refletir são verbos que se rendem ao jogo de sombras, luzes, vozes, silêncios, imagens e palavras, que trabalham para compor a arquitetura visível/invisível presente na fotografia. A imagem fotográfica evidencia a importância de “reaprender aquilo que aprendemos, naquilo que vemos”. Esta é uma condição indispensável para a leitura do mosaico espacial que bricola as vontades do homem e os limites da natureza.

A fotografia pode ser considerada um “modelo reduzido” para a leitura da realidade, da cultura, da educação, porque ela inverte o processo de conhecimento, na medida que, mexe com a escala dos objetos e redimenciona a perspectiva de intervenção neles. Vejamos que, “quanto menor o objeto, menos temível parece ser sua totalidade; por ser quantitativamente diminuído, ele nos parece qualitativamente simplificado. Mais exatamente, essa transposição quantitativa aumenta e diversifica nosso poder sobre um homólogo da coisa; através dela, este pode ser tomado, sopesado na mão, apreendido de um só mirada” (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 39). Acrescenta Lévi-Strauss que esse fato é inverso quando tentamos conhecer uma coisa ou ser no seu tamanho real. Neste caso, tem-se procedido fragmentando as partes na tentativa de apreender o todo. Através do modelo reduzido “o conhecimento do todo precede o das partes”. “E mesmo que isso seja uma ilusão, a razão desse procedimento é criar ou manter essa ilusão, que gratifica e inteligência e a sensibilidade de um prazer que, nessa base apenas já pode ser chamado de prazer estético” (idem, ibdem).

Essa perspectiva aproxima técnica e imaginação para confecção do conhecimento. Não é, portanto, uma reprodução do real, mas se constitui numa experiência sobre o objeto. “Ora, na media em que o modelo é artificial, torna-se possível compreender como ele é feito, e essa apreensão do modo de fabricação acrescenta uma dimensão suplementar a seu ser” (idem, ibdem).

Com essa afirmação, apresentamos algumas imagens, visando proporcionar ao leitor uma interpretação geográfica. As imagens nos permitem trabalhar no jogo dialógico de oposições, concorrências e complementaridades que caracteriza o ato educativo. Assim, em um primeiro momento é possível o leitor ter  uma visão panorâmica, tomando a imagem como totalidade, e em um segundo momento refletir sobre as sensações que as mesmas despertam: curiosidade, indiferença, revolta, medo, prazer, desejo. São inicialmente as sensações que permitirão ao professor fazer a seleção de imagens que fará parte do repertório de questões problematizadoras no conteúdo geográfico. As imagens aqui apresentadas parte dessas “sensações geográficas”, possibilitando o encontro aberto incerto e incompleto do homem com a natureza. Desse encontro resultará a abordagem, as questões, as informações e as articulações que podem se estabelecer entre as experiências e as objetivações da realidade. A geografia possui um conjunto de idéias e conceitos  que podem ser apreendidos, dentre outras formas, através da imagem, onde as informações estão potencializadas exigindo do leitor saber olhar e encontrar os temas/conteúdos que contem. Nesta perspectiva, a imagem no ensino de geografia encerra um universo de possibilidades e comporta desafios que conduzem a questão: que geografia emerge dessas imagens, caro leitor?

 

 
 
 

 

 
 

 
 
 
 
 

 

 

 

 

 


 

Notas


[1]  Modelo reduzido é um termo usado por Claude Lévi-Strauss no livro o Pensamento Selvagem, p. 38. Diz ele que o modelo reduzido é uma característica da obra de arte e que está ligada a uma espécie de inversão na produção do conhecimento, pois consegue reduzir, por exemplo a Capela Sixtina, no que diz respeito a suas dimensões imponentes, por outro lado, pode-se perguntar se o efeito estético que uma estátua eqüestre maior que a natural não provém do fato de ela elevar  um homem às dimensões de um rochedo e não de reduzir as proporções de um homem o que , no início, é percebido de longe como um rochedo.


Referências Bibliográficas

BESSE, Jean-Marc. Ver a Terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia. São Paulo: Perspectiva, 2006.

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

CLAVAL, Paul. Campo e perspectivas da Geografia. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zenny (Org.). Geografia cultural: um século (3). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2002.

DEBRAY, Régis. Vida e morte da imagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.

LA BLACHE, Paul Vidal. As características próprias da Geografia. In: CHRISTOFOLETTI, Antônio. Perspectivas da Geografia. São Paulo: DIFEL, 1985.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas, SP: Papirus, 1997.

 

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