IX Coloquio Internacional de Geocrítica

LOS PROBLEMAS DEL MUNDO ACTUAL.
SOLUCIONES Y ALTERNATIVAS DESDE LA GEOGRAFÍA
Y LAS CIENCIAS SOCIALES

Porto Alegre, 28 de mayo  - 1 de junio de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

PAPEL DO ENSINO DE GEOGRAFIA NA COMPREENSÃODE PROBLEMAS DO MUNDO ATUAL

Vânia Vlach
Instituto de Geografia
Universidade Federal de Uberlândia
vaniarubia@netsite.com.br


Papel do ensino de geografia na compreensão de problemas do mundo atual (Resumo):

Considerando que a crise paradigmática da ciência repercute na educação, apresentam-se algumas propostas do Ensino de Geografia para a compreensão de problemas do mundo atual. Em primeiro lugar, porque tais problemas, geralmente, estão relacionados às disputas políticas que o território suscita; em segundo lugar, porque o estudo de temas da Geografia Política e da Geopolítica questiona a neutralidade científica. Pesquisa realizada em Uberlândia – MG, em 2006, nos ensinos fundamental e médio, indica que os alunos possuem alguns conhecimentos básicos sobre tais temas; porém, a formação inadequada do corpo docente e a precariedade do material didático comprometem a sua aprendizagem. Para promovê-la, propõe-se, entre outras alternativas, utilizar arte, música e teatro; realizar trabalhos de campo; organizar debates e mini-cursos; disponibilizar recursos auxiliares (Internet, kits didáticos, Atlas, livros atualizados e periódicos); paralelamente à formação continuada do professor.

Palavras-chave: ensino de geografia, território, geografia política, geopolítica.


The role of geography teaching to understand problems of the contemporary world (Abstract)

Considering that the paradigmatic crisis of science influences education, some proposals regarding Geography Teaching to understand problems of the contemporary world are presented in this discussion. Firstly, because such problems are usually related to the political disputes which are raised by the territory. Secondly, because the study of themes on Political Geography and Geopolitics, questions scientific neutrality. A research accomplished in Uberlândia - MG, 2006, in the elementary and high levels indicates that the students have some basic knowledge on such themes; however, teachers’ poor education and the precariousness of the didactic material impair their learning. To promote it, we propose, among other alternatives, to work with art, music and theater, accomplish field works, organize debates and mini-courses, and supply auxiliary resources (Internet, didactic kits, Atlas, updated books and newspapers) in parallel with the teacher's continuous education.

Key words: geography teaching, territory, political geography, geopolitics.


Papel de la enseñanza de geografía en la comprensión de problemas del mundo actual (Resumen):

Teniéndose en cuenta que la crisis paradigmática de la ciencia repercute en la educación, se presentan algunas propuestas de la Enseñanza de Geografía para la comprensión de problemas del mundo actual. En primer lugar, porque tales problemas, generalmente, se asocian a las disputas políticas que el territorio suscita; en segundo lugar, porque el estudio de temas de la Geografía Política y de La Geopolítica cuestiona la neutralidad científica. Investigación realizada en Uberlândia – Brasil, en 2006, en las enseñanzas primaria y secundaria, señala que los alumnos poseen algunos conocimientos básicos sobre dichos temas; sin embargo, la formación inadecuada del cuerpo docente y la precariedad del material didáctico comprometen su aprendizaje. Para promoverla, se propone, entre otras alternativas, utilizar arte, canción y teatro; realizar trabajos de campo; organizar debates y minicursos; disponer de recursos auxiliares (Internet, kits didácticos, Atlas, libros actualizados y periódicos); paralelamente a la formación continuada del profesor.



Palabras clave: enseñanza de geografía, territorio, geografía política, geopolítica.


Tal fato... (a negligência da sabedoria humana)..., vê-se agora, deveu-se à hegemonia incondicional do saber científico e à conseqüente marginalização de outros saberes vigentes na sociedade, tais como o saber religioso, artístico, literário, mítico, poético e político, que em épocas anteriores tinham em conjunto sido responsáveis pela sabedoria prática (a phronesis), ainda que restrita a camadas privilegiadas da sociedade.

Boaventura de Souza Santos

 

Tendo em vista o papel do Ensino de Geografia na compreensão de problemas do mundo atual, e entendendo que tais problemas têm, quase sempre, um forte componente territorial, investigou-se a abordagem de temas de Geografia Política e Geopolítica nas aulas de Geografia do Ensino Fundamental (7ª. e 8ª. séries) e no Ensino Médio, nos distritos do Município de Uberlândia – MG, Brasil.

Um conhecimento aprofundado do território onde se vive permite questionar a neutralidade científica, ao mesmo tempo em que fornece subsídios para a elaboração de “raciocínios geográficos”, algo não desprovido de importância na perspectiva da complexidade do Ser na Terra, a “morada do homem”. 

Sociedade Moderna, Política, Ciência, Geografia, Educação, Ensino de Geografia

Desde a institucionalização da sociedade capitalista e moderna, a ciência produziu muito conhecimento sobre o mundo, aí incluída a civilização que o homem estava disseminando pela superfície da Terra. Porém, essa notável produção de conhecimento se fez a um preço: a ciência ignorou as motivações mais profundas do homem como Ser indiviso, que é razão e emoção (de maneira ambígua, contraditória, complementar, isto é, complexa). Por intermédio da força da razão, ela impôs um distanciamento quase intransponível entre o conjunto dos fatos científicos, definidos como verdadeiros e inquestionáveis porque passíveis de comprovação em laboratório, e o conjunto dos fenômenos políticos, variáveis conforme as relações entre homens e sociedades entre si e com a natureza, ao longo da História. A neutralidade científica é, talvez, o produto mais bem elaborado por tal distanciamento.

A organização do espaço geográfico na escala do Estado-nação europeu ocidental a partir do final do século XVIII, se configurou como uma necessidade do progresso, cuja ideologia – a melhoria das condições de vida de todos os habitantes – conclamava o esforço de todos para o “bem geral da humanidade”, sob o lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, embora apenas alguns pudessem usufruir dessas benesses.

Na verdade, a maioria era livre apenas para vender a sua força de trabalho, dado que as relações de produção capitalistas estavam reduzindo o homem à condição de mercadoria, de objeto da ciência e do poder (estatal, em particular). A valorização do território nacional por meio do processo de urbanização-industrialização, posteriormente levou à implantação de tais relações nos demais continentes, onde o imperialismo triunfante negou, à maioria de sua população, o atributo de humanidade.  

Nesse contexto, a Geografia moderna se afirmou. Afinal, a descrição científica do território e seu mapeamento cartográfico eram fundamentais para a organização do espaço geográfico, qualquer que fosse a sua escala. Entretanto, não se quis assumir publicamente o papel do geógrafo, por sinal muito antigo, como aquele que, a partir das representações cartográficas, propõe “raciocínios geográficos” (Lacoste, 1988). Preferiu-se deixar de lado o sentido estratégico da Geografia, em favor da ideologia:

...De fato, em certos Estados europeus, primeiro na Prússia, depois na França, os meios dirigentes foram levados a pensar que era preciso ensinar certos conhecimentos geográficos, não somente aos homens de ação – o que tinha sido o caso até então – mas também a largas categorias sociais e sobretudo aos jovens. A geografia se torna, então, disciplina de ensino destinada, primeiro aos jovens da burguesia, que iam ao liceu, depois a todos os alunos das escolas primárias, e esse ensino tinha por finalidade fazer com que conhecessem melhor sua pátria e os países que a cercavam. (Lacoste, 1988, p. 217, grifo do autor).

A necessidade de formar professores para ministrarem essa disciplina de ensino remete à educação, de uma maneira geral, e à universidade, de maneira particular. Talvez a neutralidade científica tenha adquirido proporções espetaculares entre nós, dado que, enquanto ciência moderna, a Geografia emergiria como uma das ferramentas da educação, com a função de formar o cidadão, entendido como o soldado pronto para honrar a pátria nos campos de batalha. Nos períodos de paz, cabia-lhe extrair e produzir riquezas a partir da exploração da natureza, de sorte a construir o progresso em seu território.

A função ideológica de formar o cidadão-soldado, indissociável da política do Estado, em e fora de suas fronteiras, foi escamoteada na forma de uma disciplina de ensino descritiva, mnemônica, de maneira que os “raciocínios geográficos” tornaram-se o apanágio do poder dominante, por sua vez tributário do papel da ciência como “o único farol” da humanidade.

As conseqüências disso se refletem até a atualidade: de uma maneira geral, o cidadão não consegue ver que a convivência social no mundo é uma questão ético-política, e não mera questão técnica. Em outras palavras, os “raciocínios geográficos” são importantes para a construção de uma cidadania plena em sociedades como a brasileira, o que depende do compromisso de cada um no processo de conhecer o seu território, para nele organizar atividades econômicas, lutas sociais e políticas, tendo em vista a constituição de uma sociedade democrática.  

Hoje, essa cidadania em âmbito nacional aponta para uma cidadania cosmopolita, o que depende da participação de cada indivíduo no esforço conjunto de viver-conviver-existir-coexistir com sabedoria humana, em um planeta cuja finitude vem sendo crescentemente aceita por alguns nas últimas décadas, quando as condições sócio-ambientais se agravaram muito, em um quadro político-social violento e permeado por ações terroristas, que atingem indistintamente a população civil, em qualquer lugar do mundo.

Porém, muito antes dos eventos de 11 de setembro de 2001, que mostraram especialmente à sociedade estadunidense a vulnerabilidade de seu território a ataques terroristas (Chomsky, 2002), o cidadão comum já vivia a experiência de uma relação política vertical diante do Estado nacional, cuja soberania o havia impelido a privilegiar a segurança, em detrimento de práticas políticas democráticas, interna e externamente. Pós esse 11 de setembro, a preocupação com a segurança nacional, às vezes fundida (ou confundida) com a segurança internacional, diminuiu consideravelmente os direitos civis onde existiam (a exemplo dos Estados Unidos da América), o que não tardou a repercutir no mundo inteiro. Paralelamente, o desenvolvimento tecnológico também contribuía para um maior afastamento das práticas democráticas, porque o seu uso ocorreu na contramão da sabedoria humana, isto é, em detrimento das necessidades, desejos e aspirações do conjunto da população.

O fato é que, há cerca de 250 anos, a racionalidade científica preteriu a antiga sabedoria humana, que, sem dúvida alguma, se limitava a algumas classes sociais (Santos, 2000). Contudo, a ênfase nas condições que poderiam fazer do Ser humano o sujeito de suas ações, porque livre e dotado de vontade, explica porque a sabedoria considerava todos os saberes. Seu resgate, hoje imprescindível, demanda uma articulação entre todos os saberes (político, religioso, artístico etc.), de maneira que uma ruptura epistemológica com o status quo, não pode ignorar os demais saberes. Nem a democracia, inventada pelos gregos paralelamente à invenção da ciência (Latour, 2004).

A democracia remete ao direito à educação, uma das pilastras da sociedade capitalista e moderna. A escolarização de todas as crianças (obrigatória, gratuita e laica) no contexto de fundação e consolidação da identidade nacional, primeiramente na Europa Ocidental, trouxe benefícios ao cidadão (o sentimento de pertencimento a uma cultura nacional proporcionava segurança) e ao Estado que a regulamentava (a obediência militar e cívica servia aos diversos interesses da pátria, incluindo a exploração da força de trabalho). Gradativamente, porém, as autoridades governamentais deixaram de ver a educação como responsável pela transmissão e produção da cultura, e reduziram o ato de educar à escola, estabelecendo a sinonímia escolarização-socialização no que conhecemos como ensino primário e secundário, a partir de fins do século XIX.

Negligenciando o seu sentido cultural, a educação avançou muito como um instrumento a favor da dominação. Mas isso não quer dizer que ignorou a emancipação do Ser humano por completo. A esse respeito, é preciso registrar o papel singular da universidade na sociedade ocidental, cujos objetivos mais importantes e perenes Santos enumera a seguir, a partir das argumentações que Karl Jaspers já havia apresentado em 1965: 

... porque a verdade só é acessível a quem a procura sistematicamente, a investigação é o principal objectivo da universidade; porque o âmbito da verdade é muito maior que o da ciência, a universidade deve ser um centro de cultura, disponível para a educação do homem no seu todo; finalmente, porque a verdade deve ser transmitida, a universidade ensina e mesmo o sentido das aptidões profissionais deve ser orientado para a formação integral ... No seu conjunto, estes objectivos – cada um deles inseparável dos restantes – constituiriam a ideia perene da universidade, uma ideia una porque vinculada à unidade do conhecimento. Esta ideia que, além de una, é também única na civilização ocidental, exigiria, para sua realização (aliás, nunca plena), um dispositivo institucional igualmente único (Santos, 2001, p. 188).


E o Ensino de Geografia? Qual é o seu papel?

Deve proporcionar alternativas para a elaboração de “raciocínios geográficos” a todos os cidadãos na escola, na perspectiva de contribuir na compreensão de problemas do mundo atual, muitos dos quais estão ligados à convivência social no seu sentido mais amplo. Lembrando que a Terra é o planeta vivo e da vida, entende-se que tal convivência coloca em relação indivíduo-sociedade-natureza, com tudo o que isso comporta em termos de diversidade, desigualdade, contradição, harmonia etc. A complexidade do Ser humano na Terra, o planeta da “morada do homem”, não é passível de entendimento sem a Política, sem o Político: a Política, no sentido da atividade humana que busca elaborar o melhor regime na dinâmica das relações sociais para assegurar os direitos (e os deveres) de cada indivíduo na esfera pública, e o Político, como a atividade de indivíduos reconhecidos como cidadãos, que discutem na praça pública seus problemas, geralmente vinculados ao território (aí incluídos os desafios da questão ambiental). Apesar disso, persistem resistências à abordagem da Política e do Político na Geografia. E a Geopolítica continua “de fora”!

Ensino de Geografia no Brasil contemporâneo

No caso brasileiro, não há como negar que a violência interna de uma sociedade autoritária e escravista, resultante do processo de colonização de exploração, tanto tempo escamoteada, mas internalizada por aqueles mantidos à margem da “boa sociedade”, explode quase cotidianamente nas ruas das metrópoles (nacionais e regionais) e das cidades médias (Vlach e Braga, 2005) com toda a força da ira que, entretanto, ao longo de nossa História, não foi capaz de provocar a irrupção de um movimento revolucionário quando da emancipação do jugo de Portugal (1822), ou quando se desejou combater o denominado subdesenvolvimento econômico (antes do golpe militar de 1964), ou, ainda, quando se reivindicou o retorno da democracia (que acabou resgatando o Estado de direito, em 1985).

Entendendo que aqueles que fazem a ciência também precisam se comprometer com o resgate da sabedoria humana, e que tal resgate é indissociável da Política e do Político, defende-se uma ruptura epistemológica “colada” às transformações da prática social. Nessa medida, a prática social deve mudar também na escola.  Ou, sobretudo, na escola, porque a educação continua fortemente marcada pelo espírito do Iluminismo (Adorno e Horkheimer, 1985), isto é, a crença na possibilidade de se disseminar, por meio de sua universalização, a ideologia do progresso a todos os seres humanos, o que transformaria a Terra em um jardim paradisíaco (as diferenças sociais e as diversidades étnico-regionais-nacionais desapareceriam!).

Assim, mudanças da prática social dos professores de Geografia são, igualmente, necessárias. Por meio da abordagem de temas da Geografia Política e da Geopolítica, suas aulas certamente podem contribuir para a construção de “raciocínios geográficos”, essenciais na compreensão de problemas do mundo atual. Esse é o papel do Ensino de Geografia na formação de cidadãos brasileiros participativos, ativos e críticos!

Por outro lado, há algumas décadas, a Geopolítica está comprometida com os valores da democracia e da cidadania (Lacoste, 1993). Em outras palavras: deixou de ser apenas um instrumento de poder do Estado para o controle da população no território nacional (como aconteceu no Brasil durante o regime militar, de 1964 a 1985); para justificar uma política de expansão territorial (Estados europeus, entre fins do século XIX e começo do século XX, na África e na Ásia); para legitimar a hegemonia mundial (Estados Unidos da América e União Soviética, durante a Guerra Fria, do pós Segunda Guerra Mundial até a queda do Muro de Berlim, em 1989).

O resgate de valores como democracia e cidadania não é uma necessidade real, cada vez mais urgente, no contexto da crise paradigmática da ciência? Não é necessário trabalhar tal resgate na escola, estudando temas de Geografia Política e Geopolítica?

Isso é particularmente significativo no Brasil, um Estado cuja dimensão territorial colocou em tela, na concepção dos dirigentes políticos e das elites (econômicas, militares, culturais), a premência de torná-lo uma única unidade política, evitando a fragmentação que ocorreu na América Latina de origem espanhola, nas primeiras décadas do século XIX (Vlach, 2006).

No início do século XX, alguns lutaram para introduzir entre nós a Geografia moderna, antes de sua institucionalização universitária (em 1934): Manuel Said Ali Ida (1861-1953), Carlos Miguel Delgado de Carvalho (1884-1980) e Everardo Adolpho Backheuser (1879-1951). Por essa razão, são conhecidos como os proponentes da Geografia moderna no Brasil (Vlach, 2005). O entendimento do papel político e pedagógico da Geografia, por parte desses pioneiros, é extraordinário: tinham clareza do papel do Ensino de Geografia na educação do povo brasileiro, do caráter político da Geografia, da existência de relações entre Geografia e Geopolítica.

Entretanto, a Geopolítica ainda encontra, na academia, dificuldades para se desenvolver, e os trabalhos de Geografia Política continuam reduzidos. Esse é mais um desafio a ser enfrentado pelo ensino de nossa disciplina, em prol da construção de uma cidadania plena, democrática e cosmopolita. E, se se acredita que o papel da Geografia é cada vez mais relevante na gestão de uma cidade, de um Estado, e que o papel do Ensino de Geografia é o de compreender problemas do mundo atual, não se pode deixar de abordar temas de Geografia Política e Geopolítica nas escolas de Ensino Fundamental (7ª. e 8ª. séries) e Ensino Médio.

Abordagem de temas de Geografia Política e Geopolítica nos distritos de Uberlândia

Com o objetivo de despertar a criticidade dos alunos, e de levá-los a compreenderem a matriz política da organização do espaço geográfico no município onde vivem, investigou-se a abordagem de temas de Geografia Política e Geopolítica nas escolas dos distritos do Município de Uberlândia, Estado de Minas Gerais, na região Centro-Sul do Brasil, em 2006 (Gomes e Vlach, 2006). Considerando a estrutura político-administrativa da República Federativa do Brasil, é necessário lembrar que o município, a sua menor unidade territorial, é constituído pela cidade-sede, e por distritos. Esses têm caráter urbano e, em geral, estabelecem relações de dependência com a cidade-sede, que designa o nome do município (Marx, 1991).

Assim, aplicaram-se 110 questionários aos alunos de Ensino Médio, nos distritos de Martinésia e Tapuirama, e 96 questionários aos alunos de 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental, nos distritos de Tapuirama, Martinésia, Miraporanga e Cruzeiro dos Peixotos. Paralelamente, as quatro professoras responsáveis pela disciplina de Geografia, no Ensino Fundamental, e uma professora de Geografia do Ensino Médio foram entrevistadas.

Seguem os temas de Geografia Política e Geopolítica, trabalhados com esses alunos:

- a democracia;

- o Estado e sua organização, incluindo a escala do município onde os alunos residem;

- a corrupção nas dimensões da República Federativa do Brasil, do Estado de Minas Gerais e do Município de Uberlândia, e os meios de se enfrentá-la;

- a “guerra contra o terrorismo”, por parte da administração George W. Bush, nos Estados Unidos da América.

Considerando o propósito pedagógico de oferecer soluções alternativas para auxiliar no processo ensino-aprendizagem da Geografia, também se investigou a maneira como os alunos obtêm informações sobre conflitos políticos, étnicos e sociais no mundo contemporâneo, e em que medida os conteúdos de Geografia Política e Geopolítica, nas aulas de Geografia, são adequados, ou não, para uma formação cidadã crítica e democrática.

Vejamos como os alunos avaliaram as questões acima arroladas.

A maioria dos alunos - 88% dos alunos de Ensino Fundamental e 76% dos alunos de Ensino Médio - mostraram que entendem a democracia como doutrina ou regime político baseado nos princípios de distribuição eqüitativa de poder. Esse é um fato positivo. Porém, não se deve desconsiderar a porcentagem de alunos que não souberam o que significa o termo; mesmo pequena, é preocupante: 3% dos alunos de Ensino Fundamental e 6% dos alunos de Ensino Médio responderam que democracia é o governo de um príncipe com poderes ilimitados e absolutos; 5% dos alunos de Ensino Fundamental e 3% dos alunos de Ensino Médio afirmam que democracia é um tipo de governo em que o poder pertence às classes ricas. Os demais - 4% do Ensino Fundamental e 15% do Ensino Médio - não se pronunciaram.

Ora, preparar o educando para o exercício da cidadania implica em trabalhar suas relações com a democracia!

No que concerne ao Estado brasileiro, 58% dos alunos do Ensino Fundamental e 65% dos alunos do Ensino Médio responderam que o país caminha rumo a uma democracia política, de que a realização periódica de eleições livres é apontada como exemplar. Isso não elimina a reivindicação de novos direitos políticos, sociais e econômicos. 22% dos alunos do Ensino Fundamental e 16% dos alunos do Ensino Médio afirmam viver em um país desigual e corrupto; contudo, se equivocaram ao declarar que não há democracia nem liberdade de escolha no Brasil. Essa liberdade existe, embora questionável devido às diversas influências ideológicas, geralmente vinculadas aos interesses dos diferentes grupos sociais, agravada pela desigualdade sócio-regional: malgrado ganhos recentes para alguns grupos desfavorecidos, tal desigualdade não cessa de aumentar, até porque outros vem lutando por seu reconhecimento na arena política brasileira (as minorias étnicas). De qualquer maneira, a cidadania implica em uma parceria entre direitos e deveres, dos indivíduos entre si e com as instituições que constroem, independente de etnia, idade, opção sexual, crenças etc. 

Por Estado, 71% dos alunos do Ensino Fundamental e 73% dos alunos do Ensino Médio concordaram com a concepção de Estado de Ratzel (1987), ou seja:

L’Etat est contraint de vivre du sol. Il ne tient fermement que les avantages que lui procure un sol dont il est assuré. C’est ce qu’exprime la science politique lorsqu’elle dit que le territoire appartient à l’essence de l’Etat. Elle désigne la souveraineté comme jus territoriale et pose la règle que les changements territoriaux ne peuvent se faire que par des lois. La vie des Etats nous fait découvrir des liens beaucoup plus étroits : au cours de l’Histoire, nous voyons les forces politiques  s’emparer du sol et par là même engendrer des Etats. C’est pourquoi j’appelle peuple un ensemble politique des groupes et des individus qui n’ont besoin d’être lies par la race (Stamm), ni par la langue, mais dans l’espace, par un sol commun.

Ordres et groupes souciaux, commerce et religion puisent à cette source force politique et durée, et deviennent ainsi formateurs d’Etat. S’y ajoutée, au XIXe siècle, l’idée nationale. Pour beaucoup, “politique nationale” désigne une politique fondée sur la comprehension de la valeur du sol ; ils dissent ainsi “nationale” au lieu de “territoriale”. (Ratzel, 1987, p. 60, grifos do autor)

Os dados apontam que a maior parte dos alunos consegue definir precisamente o Estado, fundamental na definição da Geografia Política, da Geopolítica e da Geografia, cujas origens, na Antiguidade ou nos tempos modernos, são indissociáveis do poder que, nos últimos séculos, se configurou, sobretudo, como o Estado-nação.

Nos tempos modernos, esse processo remonta aos tratados de paz de Westfália (1648), quando algo ganhou centralidade na constituição do Estado: o território, como Ratzel tão bem explicitou na obra “Politische Geographie”, publicada em 1897 (cf. excerto acima); por sinal, empregava mais o termo solo, no sentido de um espaço geográfico ocupado e organizado pelo povo (tem o mesmo sentido de nação), o que explica sua referência à “idéia nacional”. E, em decorrência do papel essencial do território na configuração do Estado, ele deixou claro como a soberania irrompeu na cena política, nacional e mundial.

No final do século XX, o princípio de territorialidade, entendido como o instrumento da ação política no/do mundo moderno (Vlach, 2005), foi e é caracterizado da seguinte maneira:

Le principe de territorialité devient ainsi politique non pas naturellement, mais em s’imposant comme instrument de domination au sein de la société. Il suppose que le pouvoir politique s’exerce non pas à travers le contrôle  direct des hommes et des groupes, mais par la médiation du sol. Loin d’être naturel, celui-ci est ainsi clairement instrumental, et loin d’être la projection géographique d’une communauté donnée il est, tout au contraire, un moyen de définir et de délimiter une communauté politiquement pertinente; loin d’appartenir au domaine de l’inné, il relève de la convention. (Badie, 1995, p. 12, grifo do autor)

Certamente aprofundando as reflexões iniciais de Ratzel, inclusive destacando a importância da cultura, ou a sua “força política”, Badie (1995) discute a conjuntura mundial no contexto de relativa fragilização do Estado na arena política mundial de fins do século XX, onde já estavam em curso os embates que levaram, dentre outros, aos eventos de 11 de setembro de 2001.

Considerando que o Estado-nação moderno, fundado sob o princípio da territorialidade, acabou se tornando a forma por excelência da organização política das diferentes sociedades, em quase todo o planeta, compreende-se porque a abordagem desse tema, que se funde com a conceituação de Estado, é indispensável nas aulas de Geografia. Do contrário, não é possível compreender os problemas do mundo atual, cujos conflitos políticos, étnicos, sociais, culturais derivam, geralmente, de disputas acerca de um território, reivindicado por mais de uma força política (ou grupo político), na escala interna de um Estado ou na escala da ordem/desordem internacional. Por isso mesmo, é urgente a abordagem de temas de Geografia Política e Geopolítica nas aulas de Geografia, desde as séries finais do Ensino Fundamental.

Contudo, 3% dos alunos do Ensino Fundamental e 10% do Ensino Médio não souberam explicitar o significado do termo Estado. Tais dados revelam o desinteresse dos alunos pelo assunto? Ou decorrem das dificuldades dos professores, de problemas na sua formação? 

Quanto à administração do Município de Uberlândia, é significativa a porcentagem de alunos descontentes com a atual administração: 75% dos alunos do Ensino Fundamental e 88% dos alunos do Ensino Médio alegam não conhecerem o destino dos recursos públicos arrecadados por meio da cobrança de impostos, ou consideram que os mesmos são mal distribuídos. Entendem que não há preocupação com os distritos, queixam-se da falta de investimentos no ensino, saúde e moradia, e que os recursos provenientes da arrecadação de impostos são gastos em algumas obras desnecessárias na cidade-sede.

A respeito da corrupção, 70% dos alunos do Ensino Fundamental e 72% dos alunos do Ensino Médio afirmam conhecer algum tipo de corrupção, seja no município ou na esfera da federação. Por si só, esses dados indicam que acompanham atentamente a realidade política do país. E citaram os exemplos mais comentados pelos diversos meios de comunicação em 2006: compra de votos; esquema de corrupção no Partido dos Trabalhadores, desvio de verbas públicas, “caixa dois”, “mensalão”, corrupção dos bingos e a máfia dos sanguessugas (o esquema de superfaturamento com compras de ambulâncias).

Alguns - 12% dos alunos do Ensino Fundamental e 30% dos alunos do Ensino Médio - admitem ser impossível combatê-la. Um aluno argumentou: “Para combater a corrupção no Brasil, teríamos que voltar no tempo, pelo menos uns 500 anos”. 4% dos alunos do Ensino Fundamental e 11% dos alunos do Ensino Médio não opinaram.

Todavia, 84% dos alunos do Ensino Fundamental e 59% dos alunos do Ensino Médio mostraram-se esperançosos e indicaram algumas alternativas para amenizar a corrupção. Seguem as mais freqüentes:

- Investir na educação para a formação de cidadãos críticos, que lutem por direitos e deveres;

- Eleger com responsabilidade os representantes do país;

- Diminuir o número de partidos políticos;

- Reivindicar mudanças na política brasileira;

- Fiscalizar rigorosamente a aplicação dos recursos públicos, exigir a comprovação do trabalho de cada um dos representantes do governo, e mostrar, com detalhes, para a população, o destino dos recursos arrecadados por meio de impostos;

- Punir os corruptos com maior rigor, confiscando todos os seus bens, além da cassação dos mandatos dos representantes do povo envolvidos nas fraudes.

Os alunos do Ensino Fundamental se destacaram em relação aos alunos do Ensino Médio, pois apontaram sugestões diversas e se mostraram mais interessados, apesar de a maioria deles não ter idade suficiente para participar diretamente da vida política do país (por meio do voto, a partir dos 16 anos de idade, ou candidatando-se para ocupar um cargo público a partir dos 18 anos).

De qualquer maneira, com algumas raras exceções, os alunos manifestaram muito interesse pelo assunto e o discutiram de forma crítica. Por quê?

Em síntese, porque, na escala do município, a prática política deixa de ser uma abstração e adquire “concretude”. Afinal, o município é a menor unidade político-administrativa do Estado brasileiro e é a base da estrutura de sua federação.  A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, tem autonomia político-administrativa, econômica e eleitoral. Entretanto, a autonomia do município não é irrestrita, mesmo quando ações públicas ocorrem em seu território (construção de rodovias etc.).

Paralelamente, sabe-se que o orçamento público do município não contempla, efetivamente, as demandas populares. Mas, na medida em que a população escolhe melhor os seus representantes, é possível colocá-las em debate, de maneira que, gradativamente, as políticas públicas incluam tais demandas. Isso atende à reivindicação de mudanças na política brasileira, uma das alternativas que os alunos apresentaram para o enfrentamento da corrupção.

Por conseguinte, os jovens estudantes mostraram que têm ciência da importância da educação para a formação de cidadãos críticos, participativos e ativos! E não dúvida de que o estudo dos temas de Geografia Política e Geopolítica, nas aulas de Geografia, também contribui para que esse objetivo seja atingido.

Em relação à “guerra contra o terrorismo”, por parte da atual administração George W. Bush, 40% dos alunos do Ensino Fundamental e 45% dos alunos do Ensino Médio afirmaram que se trata da guerra dos Estados Unidos da América contra os Estados que não se alinham à ordem política que os primeiros impõem ao mundo, e que resistem aos postulados da globalização.

Outros - 48% dos alunos do Ensino Fundamental e 45% dos alunos do Ensino Médio -  ponderam que os Estados Unidos pretendem combater o terrorismo nos chamados “Estados do eixo do mal”, para defenderem a segurança nacional. Isso implica combater o fundamentalismo islâmico.

Sem aprofundar, nesse texto, o fundamentalismo islâmico, questão fundamental na atual conjuntura, importa registrar que a imposição do Estado-nação europeu ocidental na África e na Ásia agravou as condições de vida de suas populações em geral, pois as lideranças políticas nacionais que impuseram tal forma de organização da vida política se afastaram dos interesses e necessidades populares, e não introduziram as mudanças econômicas prometidas antes de sua ascensão ao poder. Por essa razão, desde fins do século XX, muitas sociedades africanas e asiáticas renovam suas identidades em macro-conjuntos religiosos alheios a qualquer lógica territorial e, frente a um misto de desencantamento político, de dúvidas quanto à própria identidade, de ausência de perspectivas para o futuro (sobretudo entre os jovens), alguns decidiram fazer uma re-leitura do Alcorão, o livro sagrado do islamismo (fundado pelo profeta Maomé), segundo uma perspectiva político-religiosa radical, isto é, fanatizando os seus princípios, dentre os quais a fusão entre a religião e a política, na organização do Estado. Agindo assim, tornaram (ou tentam tornar) instransponíveis as diferenças entre a civilização ocidental e a civilização islâmica, o que, no limite, impediria uma convivência pacífica entre ambas (e as demais civilizações); não surpreende, pois, a incitação a uma “guerra santa”.

Por conseguinte, é fundamental não confundir os fundamentalistas islâmicos com o conjunto dos árabes (Osama bin Laden, a quem se atribuem os atentados de 11 de setembro de 2001, nasceu na Arábia Saudita), nem com o conjunto dos que professam a religião islâmica, em expansão significativa na África e na Ásia.

Diante desse quadro, a formação dos professores de Geografia é fundamental. Em primeiro lugar, porque tais questões - política internacional, terrorismo, paz mundial, fundamentalismos (religioso, político, econômico, étnico, em geral “alimentados” pela cultura) - acabam provocando conflitos políticos em diferentes escalas geográficas. A sua abordagem na sala de aula suscita a consideração do território enquanto tal (superfície, população, recursos, organização do espaço geográfico), o que expõe as disputas políticas que nele ocorrem. Essas questões, por excelência os temas da Geografia Política e da Geopolítica, questionam a neutralidade científica, a começar pelo fato de que o Ensino de Geografia não pode ignorá-los em sala de aula. Nessa medida, o Ensino de Geografia contribui para a compreensão de problemas do mundo atual.

Para tanto, é preciso que os professores de Geografia estejam preparados para levar os alunos a compreenderem que, quaisquer que sejam os embates entre os (e dos) Estados do mundo, a sua motivação (de qualquer natureza) nega a possibilidade de uma abordagem científica neutra.

Entre os estudiosos da Educação e das disciplinas escolares, há um consenso: a pesquisa é indispensável para o bom desempenho do professor e do aluno; quando realizada na escola, facilita e incentiva o ensino e a aprendizagem de todos os envolvidos.   Porém, 42% dos alunos do Ensino Fundamental e 58% dos alunos do Ensino Médio obtêm informações sobre as disputas políticas mundiais e os conflitos étnicos e sociais por meio do livro didático, da televisão e nas aulas de Geografia e História. Isso assinala a precariedade de recursos para o desenvolvimento da pesquisa nos distritos do Município de Uberlândia. Ao mesmo tempo, 41% dos alunos do Ensino Fundamental e 30% dos alunos do Ensino Médio têm acesso às informações sobre tais temas apenas pela televisão, o que acentua o problema, e ilustra a influência desse meio de comunicação, algo muito grave na formação da opinião pública, se se leva em conta o quase monopólio da TV Globo no Brasil.

Não surpreende, pois, que 52% dos alunos do Ensino Fundamental e 63% dos alunos do Ensino Médio manifestam insatisfação em relação ao ensino desses temas em suas escolas: a carga horária é insuficiente, faltam recursos didáticos e os professores não dominam os conteúdos. E apontam algumas sugestões para melhorar a aprendizagem de temas de Geografia Política e Geopolítica em suas escolas:

- Utilização de recursos auxiliares, como Internet, kits didáticos, atlas, mapas, livros atualizados e periódicos;

- Uso de procedimentos metodológicos das Artes (música, teatro);

- Elaboração de trabalhos de campo para trabalhar alguns temas na escala do município;

- Organização de palestras, mini-cursos e debates.

Entende-se que o conjunto de tais procedimentos implica em maior empenho do professor. Para tanto, a formação continuada, um direito do professor, deve ser respeitada, colocada em prática e renovada constantemente.

Das entrevistas realizadas com as professoras de Geografia, é pertinente registrar que três das quatro professoras do Ensino Fundamental e a professora do Ensino Médio admitiram dificuldades na abordagem de tais temas em sala de aula, bem como no acompanhamento da dinâmica política no Brasil e no mundo. Reclamam da carência de diversificação dos recursos didáticos, de sua falta de adequação, das condições de trabalho (os baixos salários exigem um número maior de aulas, o que reduz o tempo para pesquisarem), e da falta de cursos para o professor. Por isso mesmo, o livro didático ainda é o que orienta as suas aulas (os Atlas das escolas são antigos).

Por outro lado, não lhes escapa que o desinteresse e a ausência de conhecimento prévio acerca dessas questões, por parte de muitos alunos, são obstáculos para o ensino e a aprendizagem na sala de aula. Três das cinco professoras entrevistadas registraram que a sua iniciativa de discutir fatos políticos, a exemplo das eleições à presidência da República Federativa do Brasil em 2006, não provocou resultados mais significativos porque os pais não participaram dos debates promovidos pela escola. Em parte, isso é uma decorrência de suas limitações (o “tempo livre” dos pais acaba sendo empregado como alternativa para aumentar o rendimento da família). De qualquer maneira, o não acompanhamento das atividades propostas pela escola é mais um entrave à educação de crianças, adolescentes e jovens e à formação da cidadania.

Dentre as várias sugestões que as professoras expuseram para melhorarem o seu desempenho profissional e, assim, contribuírem para a formação de cidadãos sintonizados com os problemas do mundo e comprometidos com mudanças no território onde vivem, destacam-se a reivindicação ao seu direito à formação continuada, e a organização, por parte da direção da escola, professores e outros, de palestras e mini-cursos para a comunidade em que as escolas se situam.

Essa última sugestão representa um avanço importante, pois as professoras compreendem que a formação da cidadania solicita uma parceria entre todos os envolvidos na educação, e que a educação não se restringe à escola, nem aos órgãos governamentais que a regulamentam e a dirigem, dentro e fora do município. Isso não seria um sinal de que começam a ver que a prática pedagógica é, antes de qualquer coisa, uma prática social de caráter político?

Considerações finais

A pesquisa apontou que alunos e professores, de uma maneira geral, estão cientes da necessidade da abordagem de temas de Geografia Política e Geopolítica nas aulas de Geografia dos Ensinos Fundamental e Médio. Por isso mesmo, suas sugestões para a melhoria da aprendizagem e do desempenho profissional são pertinentes e significativas.

Os alunos enunciam a importância da realização de trabalhos interdisciplinares nas aulas de Geografia, por meio de atividades ligadas às Artes, em suas diferentes manifestações, a exemplo da música e do teatro. De um lado, tais atividades podem motivar aqueles que não têm interesse por tais temas, em parte uma decorrência dos preconceitos em relação à Política e ao Político, muito fortes na sociedade brasileira; de outro, contribuem para a aprendizagem de temas - reconheça-se isso - muitas vezes abstratos, isto é, que exigem o desenvolvimento do pensamento lógico.

Em relação aos problemas políticos na dimensão do município, reivindicam a realização de trabalhos de campo, um procedimento metodológico adequado e que pode - por que não? - ser a “porta de entrada” para uma compreensão diferenciada da Política e do Político, um desafio maior no trabalho de desmonte das concepções negativas que os acompanham há muito tempo. Por que não começar esse trabalho na escola?

Os professores sinalizam para um envolvimento de toda a comunidade por intermédio de atividades que definem a dinâmica da vida política, o que sugere uma tendência para a compreensão da prática pedagógica como uma prática social de caráter político. Isso é essencial para uma revalorização da escola. E do papel do Ensino de Geografia: as relações entre território, poder e cidadania, estão presentes nas aulas toda vez que se abordam os temas de Geografia Política e Geopolítica. Mais do que isso: contribuem para desmistificar a neutralidade científica.

Dessa maneira, caminha-se, ainda que timidamente, na perspectiva de que qualquer revisão dos paradigmas da ciência não pode eludir nem a Política, nem o Político. E pode-se resgatar o conjunto de saberes e de valores que configuraram o sentido cultural da educação, durante séculos.

Resgatar valores como a cidadania, para torná-la plena no Brasil e associá-la ao mundo (cidadania cosmopolita), e a democracia, para que “liberdade, igualdade e fraternidade” sejam reais, é possível por meio de procedimentos metodológicos que propiciem o desenvolvimento de “raciocínios geográficos”. A abordagem de temas de Geografia Política e Geopolítica, nas aulas de Geografia, é, pois, decisiva para que professores e alunos realizem o papel do Ensino de Geografia: compreender os problemas do mundo atual tais como se manifestam no território.

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