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REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XIX, nº 1072, 30 de abril de
2014
[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

SOBRE O POLÊMICO A VINGANÇA DE GAIA 

LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006. [ISBN: 978-85-98078-16-8 

Dalvana Brasil do Nascimento
Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul/Brasil.

Recibido: 26 de febrero de 2014; aceptado: 15 de abril de 2014


 

Palavras-chave: mudanças ambientais, Gaia, Lovelock 

Key words: environmental changes, Gaia, Lovelock


 

Constantemente somos bombardeados por informações sobre o aquecimento global, as mudanças climáticas, a extinção de espécies e até mesmo sobre o fim do mundo. Em face deste contexto, cabe uma boa leitura com fundamentos científicos, como a do livro do reconhecido autor e cientista James Lovelock, intitulado “A vingança de Gaia”.

Tal obra fora publicada no ano de 2006, e defende a Teoria de Gaia no âmbito da mudança climática global, tema contemporâneo e que ainda necessita de muitos estudos a respeito, portanto, a relevância desta obra. Com uma abordagem de fácil entendimento e uma visão multidisciplinar, o livro é composto por nove capítulos, sendo os seguintes: O estado da Terra; O que é Gaia?; História da vida de Gaia; Previsões para o século XXI, Fontes de energia; Produtos químicos, alimentos e matérias-primas; Tecnologia para uma retirada sustentável; Uma visão pessoal do ambientalismo; Além da estação final.

Inicialmente, sobre o estado do planeta, Lovelock alerta que temos abusado do mesmo, que tem comportado-se como um paciente febril. Esta analogia sobre a saúde planetária tem prosseguimento com uma referência ao clássico O médico e o monstro, onde o primeiro é o sábio, que visualiza a saúde da Terra. Já o monstro, corresponde ao mau uso da tecnologia e o abuso da energia por nós, assim como o superpovoamento que presenciamos na atualidade. Diante disto, não haveria possibilidade do desenvolvimento, nos moldes em que vivenciamos, esperando que o planeta permaneça no estado em que se encontra por aproximadamente mais meio século. A prática do desenvolvimento sustentável deveria ter iniciado há duzentos anos, enquanto a mudança era lenta.

O possível estado mais quente do planeta tumultuaria os mundos político e comercial. As importações de alimentos, combustível e matérias-primas tornar-se-ão difíceis, pois fornecedores poderão estar assolados por secas ou enchentes. Enfim, devemos enxergar questões além da extinção de espécies animais, o que comumente somos alertados. Somos parte do sistema, e assim como afetamos o meio, também somos afetados.

Agora, o que é Gaia? De uma maneira simplificada, esta seria como um invólucro esférico de matéria que envolve o interior incandescente do planeta, começando onde as rochas encontram o magma, cerca de 160 quilômetros abaixo da superfície e avançando outros 160 quilômetros para fora, até a fronteira com o espaço. Este invólucro inclui a biosfera e é um sistema fisiológico, mantendo o planeta adequado à vida há mais de três bilhões de anos.

Fala-se de um sistema fisiológico porque parece haver um objetivo inconsciente de regulação do clima e da química em um estado confortável à vida, como observado na década de 1960 durante estudos sobre a atmosfera. Gaia é um conjunto de partes animadas e inanimadas e se autorregula a favor da vida. A evolução dos organismos e a do mundo material é parte de uma só história, onde a vida e o ambiente físico evoluem como entidade única[1] .

O terceiro capítulo traz um histórico da vida de Gaia, fazendo uma breve retomada de algumas eras geológicas, do surgimento da vida e das transformações ambientais já ocorridas em nosso planeta. Neste, salienta-se que regimes climáticos diferentes ocorreram por diversas vezes, dependendo da organização dos astros do Sistema Solar e da própria atividade do Sol, porém, a autoregulação de Gaia para suportar tais acontecimentos, na atualidade, tem sido afetada pela humanidade. Ao substituirmos ecossistemas naturais por áreas agricultáveis e acrescentarmos gases de estufa ao ar, acabamos por interferir na manutenção da temperatura, no caso, aumentamos o calor ao mesmo tempo em que removemos os sistemas capazes de regular a mesma.

Frente ao exposto, o item quatro nos mostra algumas previsões para o século XXI, sendo essencialmente focado na mudança do clima, entre elas: o gráfico “taco de hóquei”, como ficou conhecido o trabalho de Michael Mann, demonstrando que flutuações de temperatura são naturais, mas a partir do início do período industrial, por volta de 1850, a temperatura começa a subir com uma aceleração crescente, atingindo quase 1ºC acima da média do estudo em longo prazo. Ainda, o Sol está 0,5ºC mais quente que há 55 milhões de anos e a metade da superfície florestada da Terra está transformada em terra cultivável, cerrado e deserto, reduzindo a capacidade de autorregulação.

Vários gases estufa, além do metano e do dióxido de carbono, aumentam o aquecimento global, entre eles os CFCs (clorofluorocarbonetos), óxido nitroso e outros que são produtos da agricultura e da indústria. Devemos esperar eventos meteorológicos de grandes proporções afetando apenas uma região, como enchentes temporárias e ondas de calor. Mesmo com tanto calor, alguns locais do planeta serão agradáveis, como as Ilhas Britânicas, porém, poucos dos atuais bilhões de seres humanos de hoje sobreviverão.

O quinto capítulo da obra merece destaque especial por conter a surpreendente defesa da utilização de energia nuclear. Nesse trata-se das mais diversas fontes energéticas, como os combustíveis fósseis e as fontes renováveis, mas o que chama atenção é o autor como um defensor da energia nuclear, temida, principalmente pelo desconhecimento a seu respeito. O acidente ocorrido na usina nuclear de Tchernobil, por exemplo, onde houve uma explosão de vapor e após um incêndio, liberando radioatividade, é muito lembrado e utilizado como argumento para a inexistência de usinas desta espécie.

O citado evento, segundo o autor, resultou em não mais que 75 mortes, e conforme um relatório suíço, a energia nuclear é 40 vezes mais segura que as fontes energéticas do carvão ou petróleo, e mais segura que hidrelétricas (fonte renovável).

Entre as vantagens do uso da fissão nuclear[2] como produtora de energia, expõe-se que ela gera 2 milhões de vezes menos resíduos que a queima de combustíveis fósseis, e que esses ocupariam somente 6 metros cúbicos após descartados e soterrados. Diferentemente, o uso de combustíveis fósseis produz 27 bilhões de toneladas de dióxido de carbono anualmente, o que formaria uma montanha de resíduos com mais de 1,5 quilômetros de altura por 19 quilômetros de circunferência em sua base. Ainda, as reações nucleares são milhões de vezes mais energéticas que reações químicas.

Os argumentos favoráveis à energia nuclear estendem-se no decorrer do livro, juntamente com esclarecimentos sobre a questão. Diga-se, tais escritos possuem forte capacidade de persuasão.

Ainda quanto às fontes de energia é válido comentar sobre um tipo em voga, tratado como “energia verde”, os biocombustíveis. Eles são tomados como uma fonte perigosa, pois são fáceis de cultivar e demandam uma área extensa para este cultivo. Então surge uma indagação: se já produzimos alimentos em mais da metade da terra produtiva do planeta, o que acontecerá com Gaia se utilizarmos o restante para produzir biocombustível?

Seguindo no “contexto radioativo”, no capítulo que segue há uma boa discussão sobre alimentos e radioatividade. O autor cita o grande medo que temos do câncer, mas conclui que se sobrevivermos ao aquecimento global olharemos para trás e veremos que um de nossos maiores erros foi a preocupação com esta doença. Nosso temor quanto à radiação emitida por produtos químicos da comida e de telefones celulares ou linhas de transmissão de energia não é importante, pois pelo menos 30% de nós morreremos vítimas do câncer, e o fato principal disto é a respiração do oxigênio! Mesmo assim, viveremos mais que os nossos antepassados.

Sobre a produção agrícola, uma importante informação, que nos dá um parâmetro para pensarmos sobre nosso modelo: destinando habitat naturais para esta prática causamos uma extinção de espécies comparável à morte dos grandes répteis há 65 milhões de anos. A eminente mudança climática intensificará tais extinções, então, como fazer uma retirada sustentável?

A palavra “retirada” parece inapropriada, mas seria hipocrisia não usá-la, pois necessitamos de recursos ambientais para nossa sobrevivência. Lovelock recorda brevemente de um encontro científico em 2004, na Universidade de Cambridge (Inglaterra), intitulado “Opções de Macroengenharia para a Mudança Climática”. Nesse, apresentou-se várias propostas tecnológicas para reduzir a quantidade de calor que o planeta recebe do Sol, como para remover o dióxido de carbono e demais gases estufa do ar ou de fontes de combustão. Mas a reunião deixou de mencionar que o clima é apenas uma parte da problemática, tão importantes quanto à redução das emissões de gases ou atenuação do calor recebido pelo astro rei, são os ecossistemas naturais, que regulam o próprio clima e a química do planeta.

O autor ainda tem certo “delírio” ao pensar em diferentes formas de alimentação, chegando a citar que alimentos pudessem ser sintetizados a partir de alguns elementos químicos, assim, seria possível sustentar a existência de cerca de oito bilhões de indivíduos. Desta forma, a agricultura poderia ir sendo abandonada, sobrando mais espaços para Gaia regenerar-se.

Um adequado planejamento urbano também seria de grande valor, já que 75% da energia é consumida no transporte e em prédios. Cidades densas, pequenas e bem planejadas ocupariam menos espaço e incentivariam a caminhada como método de locomoção. No mesmo item faz-se uma observação sobre os telefones celulares, chamando-os de uma das mais “verdes” invenções de todos os tempos, já que exploram a tendência humana de falar bastante e durante horas por dia! A um custo mínimo de energia, acabamos por resolver muitas pendências a partir de nossa própria residência.

No penúltimo capítulo da obra afirma-se que o conceito de Gaia é a base para um ambientalismo coerente e prático, mesmo que a Teoria de Gaia seja provisória e venha a ser substituída por uma visão mais completa da Terra. Mas, na atualidade, essa teoria é como a semente de um ambientalismo instintivo, que possa revelar a saúde ou a doença planetária e ajudar a manter o mundo saudável.

Encaminhando a finalização deste texto, o último capítulo, “Além da estação final”, mostra que é hora de recuar, pois enquanto não decidimos o que fazer os recursos e a energia vão tornado-se escassos. Além disso, destaca-se que Gaia age como uma mãe acalentadora, mas é cruel com os filhos transgressores.

Um provável futuro tolerável estaria nos aguardando, mas é insensato ignorar a possibilidade do desastre. Algo a ser feito para reduzir a catástrofe, como sugere o cientista, seria escrever um guia para ajudar os sobreviventes a reconstruir a civilização sem repetir nossos erros; tal material composto de um compêndio filosófico e científico suficientemente completo, claro e respeitável, que pudesse estar espalhado em cada lar, escola, biblioteca ou local de culto, assim, estaria ao alcance aconteça o que acontecer.

Passado certo tempo da publicação da obra aqui apresentada e de sua repercussão mundial, James Lovelock afirma ter sido alarmista em alguns pontos, como em relação ao curto espaço de tempo em que as mudanças mais expressivas poderiam ocorrer, admitindo que elas possam demorar mais do que o previsto; não estaria acontecendo qualquer coisa que mereça tanto alarme[3]. Este fato não diminui a importância de seus escritos, já que são baseados em ciência e trazem sensatos alertas.

O livro está repleto de conteúdo atual e relevante, e foi escrito com seriedade, trazendo um modo de vislumbrar a Terra que poderá salvar a nossa espécie, independente do período de tempo que ainda nos reste para agir. Concluindo, cita-se uma frase do próprio Lovelock, entre as tantas passagens marcantes de suas obras, que representa claramente a Teoria de Gaia e ajuda-nos na reflexão sobre conteúdo aqui abordado: E a própria vida pode existir pelo tempo em que puder manter este planeta adequado para ela[4].”

 

Notas


[1] Lovelock emprega a metáfora da “Terra viva”, mas esclarece que não imagina a Terra viva como um animal ou bactéria. Deve-se transcender a ideia de vida como algo que se reproduz e corrige os erros da reprodução por seleção natural; esta concepção da Terra pode ter relação com a experiência científica do autor com a fisiologia, e ele mesmo frisa que tal metáfora não deve ser levada mais a sério do que o marinheiro que se refere a seu navio como uma “mulher” (Lovelock, 2006, p. 28).

 

[2] No quinto capítulo do livro o autor explica as diferenças entre fusão e fissão nuclear. 

[3] Lovelock, 2012. 

[4] Lovelock, 2001, p. 90.


Bibliografia

LOVELOCK, James. Gaia - um modelo para a dinâmica planetária e celular. In THOMPSON, William Irwin. (org.). Gaia: uma teoria do conhecimento. São Paulo: Gaia, 2001, p. 77-90.

LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006. [ISBN: 978-85-98078-16-8]

LOVELOCK, James. ‘Gaia’ scientist James Lovelock: I was ‘alarmist’ about climate change. NBC News. [Online]. Nova Iorque: NBC, 23 de abril de 2012. <http://worldnews.nbcnews.com/_news/2012/04/23/11144098-gaia-scientist-james-lovelock-i-was-alarmist-about-climate-change>. [12 de fevereiro de 2014].

 

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Ficha bibliográfica:

BRASIL DO NASCIMENTO, Dalvana. Sobre o polémico A vingança de Gaia. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 30 de abril de 2014, Vol. XIX, nº 1072. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-1072.htm>. [ISSN 1138-9796].