Biblio 3w. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona, nº 34, 10 de junio de 1997

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Diálogos entre as Ciências Sociais: um legado intelectual de Friedrich Ratzel (1844-1904)

Marcos B. De Carvalho*
Pontificia Universidade Católica / São Paulo



Afirmar a necessidade de estreitar laços e cultivar diálogos entre as diferentes áreas do conhecimento, soa bastante bem.

Com propósitos verdadeiros ou apenas para cumprir expedientes retóricos, os discursos que propugnam pela afirmação de tal necessidade sempre foram e serão admitidos, independentemente do maior ou menor grau de oposição, normalmente ditados pelos momentos de maior ou menor recrudescimento do corporativismo analítico-especializado, que o "ambiente científico" possa oferecer para as possíveis consequências práticas de tais discursos.

Há momentos, no entanto, em que parece haver mais do que apenas uma estimulação teórica em torno de tais necessidades discursivas. Tratam-se daquelas ocasiões em que a evolução dos fatos e das necessidades do conhecimento, apresentam-se em situações-limite.

Em tais situações, as possibilidades de progresso na compreensão do real passam a depender do diálogo efetivo, da consideração dos diversos pontos de vista e da disposição para atitudes inter/multidisciplinares ou, inclusive, do desprendimento requerido por posturas transdisciplinares(1).

Cremos que estamos num desses momentos.


A necessidade de refazer caminhos

Na atualidade, todas as fronteiras, sejam elas econômicas, culturais ou sociais, se complexificam e, mesmo como tendência assintótica, parecem confudirem-se com os limites físicos do próprio geóide que habitamos. Nessa situação, os limites corporativos e as "fronteiras" analíticas do conhecimento não podem mais continuar impondo apenas o cultivo de mútuas e múltiplas ignorâncias.

Mas, diante disso, não é o caso de se propugnar por novas nem desgastadas utopias, nem apenas desejar o dificilmente realizável diálogo transcorporativo, desdenhador de fronteiras entre instituições e corporações, cujas mais jovens já estão por completar, no mínimo, um século de batalha pela afirmação de suas identidades especializadas(2).

Ao invés de insistir na anulação do que está posto, trata-se de acrescentar possibilidades para o desenvolvimento da percepção e do conhecimento da realidade que nos cerca, pois de oposições, anulações e contradições irreconciliáveis, já estamos todos pós-doutorados.

Nesse sentido, a recuperação de itinerários abandonados, ou mal percorridos, ou sequer trilhados pelas diversas especialidades analíticas, tanto nas suas trajetórias internas como nos momentos de suas constituições independentes, pode nos ser de grande valia.

Num trabalho anterior(3) iniciamos a recuperação de algumas das idéias de Friedrich Ratzel que, no nosso entendimento, poderiam ser de grande utilidade para instrumentalizar a compreensão da realidade contemporânea, prenhe dos ingredientes antropo e biogeográficos de que falava o pensador alemão, talvez prematuramente, já no final do século XIX.

Para aquela recuperação, nos valemos tanto do exame de algumas das principais obras de F. Ratzel, como também da análise de algumas produções recentes, que especialmente alguns geógrafos elaboraram sobre o tema.

Por seu papel no desenvolvimento da ciência geográfica, em particular, ou das ciências sociais, de uma maneira geral; também por seu papel, em certos casos precursor de importantes "especialidades" desses campos, como a própria geografia humana, a geografia política, a biogeografia, a etnografia, a etnologia, a geografia cultural, etc.; Ratzel poderia ser considerado como uma espécie de figura emblemática, cujas obras sintetizavam muitas daquelas necessidades dos diálogos disciplinares a que nos referimos há pouco. Por isso nos sentimos no direito de tomarmos as discussões em torno das ilações ratzelianas, consideradas nas suas formulações originais ou nas de seus analistas atuais e passados, como uma espécie de termômetro indicador do grau de importância, que cientistas sociais conferem às discussões cultivadoras de diálogos.

Ratzel foi um pensador da segunda metade do século XIX, cujo final, como sabemos, foi marcado pelo recrudescimento da especialização analítica e pela consequente afirmação das identidades corporativas das nascentes ciências sociais.

A insistência ratzeliana, que pode ser verificada em algumas de suas principais obras, no sentido de estabelecer cruzamentos históricos, biológicos, políticos, geográficos, culturais, etc., para explicar os diversos aspectos, físico-naturais ou humano-culturais, das paisagens e das comunidades humanas, caminhava a contrapelo das correntes preponderantes do conhecimento científico da época. Sendo assim, Ratzel tornou-se uma espécie de alvo preferencial de sociólogos, antropólogos, geógrafos ou historiadores, que interessados em afirmar caminhos de indentidade corporativa, observavam apenas aquilo que julgavam como os equívocos de suas teses.

Hoje estamos num novo final de século e, se há alguma predominância nas discussões teórico-epistemológicas do conhecimento científico, estas não são exatamente aquelas relacionadas às necessidades de afirmação identitária. Pelo contrário. São inúmeras as produções e argumentações no sentido de observar e cultivar caminhos comuns, ou até mesmo admitir fundamentos de toda ordem (físico-biológicos e sócio-culturais), para a explicação de todos aqueles fatos e fenômenos que cada uma das ciências transformou em seu objeto. Assim, talvez se explique essa necessidade de rever as teses de alguns pensadores, como F. Ratzel por exemplo, que em passados mais ou menos remotos, já sinalizavam nesta mesma direção.


Geógrafos: sem receio de recuperar as origens

Naquele mencionado artigo anterior (V. nota 3), partimos, como dissemos, principalmente do exame de trabalhos que sobretudo geógrafos realizaram recentemente sobre o legado ratzeliano. Nesta recuperação pudemos verificar importantes mudanças no tratamento dispensado à obra e às idéias de Ratzel.

Bastante significativas, conforme pudemos constatar, são particularmente as revisões, em alguns casos com características autocríticas, detectadas nas posturas dos representantes e/ou tributários da escola francesa de geografia.

Entre esses autores, notamos um esforço principalmente no sentido de desfazer alguns dos mitos criados em torno da figura de Ratzel, tais como a pecha de "determinista", ou os exageros cometidos nos relatos de oposições, muitas vezes inexistentes, entre o seu pensamento e o de Vidal de La Blache(4).

Ao invés da crítica de detalhe e do apego a um varejo sem importância, prevalecem, nestes esforços atuais, o reconhecimento e destaque das contribuições ao desenvolvimento da ciência geográfica, feitas pelo conjunto da obra e do pensamento de F. Ratzel.

Entre vários autores que examinamos, como por exemplo Claude Raffestin, André-Louis Sanguin e Guy Mercier, entre outros, pudemos conferir, em todos eles, que independentemente das críticas ou dos elogios pontuais, não se deixa de reconhecer que o mérito das maiores contribuições de Ratzel é aquele sugerido pelo sentido geral de sua obra.(5)

Mercier faz questão de destacar o fato de Ratzel ter conferido "um status científico e teórico à disciplina geografia" (Mercier, 1992: 246). Raffestin, por seu turno, realça que "Ratzel verdadeiramente construiu uma reflexão geográfica ao explicitar sua ontologia de essência ecológica" (Raffestin, 1988: 379). E Sanguin, entre outras conclusões, destaca que Ratzel foi responsável por acrescentar à geografia também um conteúdo de "filosofia cultural" e, mencionando Jean Brunhes assinala: "Il est impossible de faire de la bonne géographie humaine sans une forte culture historique, économique et philosophique. Et c'est à ce point de vue que l'esprit de Ratzel était encomparablement doué" (Sanguin, 1990: 591).

Enfim, como pudemos constatar, tanto entre esses autores mencionados, como entre vários outros que examinamos, parece haver uma certa convergência no sentido de mais do que simplesmente reabilitar as idéias de um grande pensador do passado, retomar um caminho de ousadia conceitual, de inventividade e de interesse pelos grandes temas. O que significa, consequentemente, retomar também um caminho de maior cuidado com a profundidade e a produção teórica, em grande medida relegada a um plano secundário, por aquela trilha sugerida por uma geografia predominantemente monográfica, regional e descritiva, que se contrapôs às teses ratzelianas.

Entre muitos desses autores, não são poucos os que, talvez numa atitude que vise buscar maior legitimidade para as suas revisões, fazem questão de desempoeirar um necrológio sobre Ratzel, escrito pelo próprio La Blache, no qual o fundador da escola francesa de geografia já afirmava, e sem meias medidas, ter sido o pensador alemão responsável por "retablir dans la géographie l'élément humain, dont les titres semblaient oubliés, et reconstituer l'unité de la science géographique sur la base de la nature et de la vie" (La Blache, 1904: 467).

Mas não nos alongaremos muito mais nessas referências a algumas das idéias e conclusões já desenvolvidas em outro artigo, para o qual tomamos mais uma vez a liberdade de remeter o leitor. No entanto, acreditávamos ser importante recuperar, da maneira suscinta como o fizemos, algumas dessas idéias, até mesmo para que se possa melhor aquilatar as diferenças ou semelhanças de preocupações e enfoques, dispensadas ao tema, tanto por geógrafos como por outros cientistas sociais.


O legado ratzeliano nos relatos das ciências sociais

Neste artigo, dando prosseguimento ao trabalho que nos dispusemos a fazer, pretendemos que a ênfase seja dada na percepção dos cientistas sociais não geógrafos. Evidentemente, quando assinalamos a perspectiva da ênfase, não estamos desconsiderando o fato de que, em muitas situações e sobretudo em determinados temas, como acreditamos ser o caso deste que abraçamos, as distinções entre os diversos cientistas sociais não só são difíceis, como às vezes são inúteis e ineficazes.

Lucien Febvre, por exemplo, eminente historiador e fundador, junto com Marc Bloch, dos Annales/ Économies-Sociétés-Civilisations(6), pode e deve figurar como tendo sido o realizador de uma das principais obras de geografia deste século: La Terre et l'évolution humaine (1922). Tal obra, como tivemos a oportunidade de examinar no artigo anterior, exerceu importante papel em toda essa discussão que estamos desenvolvendo e a ela não poderíamos deixar de nos referir, mesmo que para efeitos meramente sistematizadores, pretendêssemos, naquela ocasião, conferir o estado dessa discussão sobre o legado ratzeliano entre os geógrafos. Assim agiremos também neste artigo que ora desenvolvemos, na medida em que, ao aquilatar o estado dessa mesma discussão entre sociólogos, antropólogos, historiadores, etc., formos remetidos novamente aos geógrafos que, independentemente da sua maior ou menor expressão, tenham tratado ou continuem tratando do assunto.

Tal qual procedemos para a realização do artigo anterior, em que o nosso ponto de partida foi um levantamento realizado nos Geographical Abstracts, aqui iniciamos também por fazer um amplo levantamento nos Sociological Abstracts e nos Historical Abstracts, de todos os trabalhos que por quaisquer razões fizessem menções a Ratzel, ao seu pensamento ou à sua obra.

Sabiamos de antemão que, neste caso, deveríamos dar uma certa primazia em buscar trabalhos onde o tema fosse abordado de uma maneira mais indireta, pois, pretender encontrar entre antropólogos, sociólogos ou historiadores da atualidade, trabalhos especificamente sobre Ratzel, por exemplo, seria o mesmo que pretender encontrar entre geógrafos, artigos cujo tema fosse Durkheim. E, embora alguns, entre os quais nos incluimos, possam afirmar que não deveria haver nada de estranho nesse tipo de pretensão, qual seja, que geógrafos tratassem do pensamento do "fundador da morfologia social", ou que outros cientistas sociais tratassem do pensamento do "fundador da antropogeografia", o fato é que, como pudemos conferir, essas possibilidades se verificam muito pouco entre as produções recentes.

Mas, entre essas poucas possibilidades encontramos, tanto nos Sociological como nos Historical Abstracts, indicações de alguns importantes trabalhos, que de alguma maneira fazem menções a Ratzel ou ao seu legado.

Entre esses trabalhos, destacamos inicialmente os seguintes:

WATTS, M. J. Space of Everything (A Commentary). Cultural Anthropology, 1992, vol. 7, nº 1, p.115-129.

BRUMAT, C. Quali interconnessioni tra sociologia e geografia? Studi di Sociologia, 1994, 32 (2), p. 177-189.

RONCAYOLO, M. Histoire et Géographie: Les Fondements D'une Complémentarité. Annales/ Économies-Sociétés-Civilisations, 1989, 44 (6), p. 1427-1435.

MÜLLER, G. Ratzel et la biogéographie en Allemagne dans la deuxième moitié du XIXe Siècle. Revue d'Histoire des Sciences, 1992, 45 (4), p. 435-452.

MATAGNE, P. L'anthropogéographie allemande: un courant fondateur de l'écologie?. Annales de Geographie, 1992, nº 565, p. 325-331.

CLAVAL, P. Geographie et sociologie. In: Baily A., Ferras R. & Pumain D. Encyclopédie de geographie. Paris: Economica, 1992, p. 75-92.

SAUTTER, G. Geographie et anthropologie. In: Baily A., Ferras R. & Pumain D. Encyclopédie de geographie. Paris: Economica, 1992, p. 207-220.

SANGUIN, A. L. En relisant Ratzel. Annales de Geographie, 1990, nº 555, p. 579-574.

Estes trabalhos, como os próprios títulos já nos indicam, situam-se, em sua maioria, nos marcos das discussões teóricas que avaliam possibilidades comuns entre as diversas ciências mencionadas.

A pesquisa nos relatos das produções de cientistas sociais nos sugere que a perspectiva de avaliar as interfaces, estímular o diálogo e rever o processo corporativo, parece ser a forma predominante com que, direta ou indiretamente, estes cientistas e seus respectivos trabalhos, poderiam ser incluidos nessa discussão que estamos desenvolvendo. E isto vale, como veremos, tanto para os artigos assinados por geógrafos, como aqueles assinados pelos antropólogos, historiadores e sociólogos que a pesquisa nestes relatos nos apontou(7).

Mas, apesar dessa tendência detectada, há inegavelmente ainda um grande número de trabalhos, nesta lista inicial, assinados por geógrafos. Portanto, se a ela nos restringíssemos, ficaríamos com a sensação de apenas estarmos enriquecendo os termos daquela discussão que desenvolvemos no artigo anterior, ao passo que dessa vez, nos propusemos ultrapassar os muros restritamente geográficos, para ver o que dizem os outros cientistas sociais.

Para isso, no entanto, tivemos que ampliar não só nossas fontes, como também o período pesquisado, pois concluimos que só a recomposição de uma certa trajetória dos diálogos havidos entre a geografia, principalmente através da figura de Ratzel, e as demais ciências sociais, é que nos permitirá compreender como, de fato, esses artigos recentes, que retomam diálogos e questionam a rigidez das fronteiras corporativas, são, independentemente de quem os assinam, representativos da tendência com que os cientistas sociais abordam a questão.

Portanto, antes de examinarmos os conteúdos desses artigos, e de outros trabalhos que a eles serão agregados, nos dedicaremos a recompor a trajetória mencionada, pois, como se poderá observar, já houve época em que historiadores, antropólogos e sociólogos dedicaram-se intensamente a produzir artigos sobre Ratzel e sua obra.

Os intensos debates do início

Na recomposição da trajetória aludida vale a pena recuar aproximadamente um século.

Talvez não tenha havido, na história das ciências sociais, um debate tão intenso entre as suas diversas especialidades, como aquele que se desenvolveu entre o fim do século XIX e o início do século XX.

Esse debate pode ser conferido sobretudo nas páginas dos números iniciais do L'Année Sociologique, fundado em 1897 por Emile Durkheim, ou entre os artigos dos Annales de Geographie, fundado em 1891 por Vidal de La Blache e, também, em importantes trabalhos de Lucien Febvre, apenas para citar algumas das principais "arenas" onde as diversas perspectivas apontadas, para as então nascentes especialidades das ciências sociais, esgrimiam seus argumentos.

Ratzel foi uma das figuras mais constantes em todos esses debates, não por causa de artigos de sua autoria, praticamente inexistentes nas páginas dessas revistas(8), mas sobretudo pelas análises críticas de suas obras e idéias, que foram desenvolvidas em trabalhos assinados, majoritariamente, pelos principais expoentes das ciências sociais daquele período de afirmação identitária: Durkheim, Mauss, La Blache e Febvre.

São os seguintes os principais trabalhos que poderiam nos oferecer uma mostra razoavelmente completa da efervescência dos debates mencionados:

DURKHEIM, E. La Sociogéographie. L'Année Sociologique, 1897, vol. I, p. 533-539.

DURKHEIM, E. Morphologie Sociale. L'Année Sociologique, 1898, vol. II, p. 520-532.

DURKHEIM, E. Les Migrations Humaines. L'Année Sociologique, 1898-1899, vol. III, p. 550-558.

MAUSS, M & BEUCHAT, H. Essai Sur Les Variations Saisonnières Des Sociétes Eskimos/ Étude de Morphologie Sociale. L'Année Sociologique, 1904-1905, vol. IX, p. 38-124.

HALBWACHS, M. & SIMIAND, F. Bases Géographiques de La Vie Sociale. L'Année Sociologique, 1906-1909, vol. XI, p. 720-723.

DEMANGEON, A. ; DURKHEIM, E. & JEANMAIRE, H. Bases Géographiques de La Vie Sociale. L'Année Sociologique, 1909-1912, vol. XII, p. 809-826.

RAVENEAU, L. L'Élément Humain Dans La Géographie. Annales de Géographie, 1891-1892, vol. I, p. 331-347.

LA BLACHE,V. Le Principe de La Géographie Générale. Annales de Géographie, 1896, vol. V, p. 129-142.

LA BLACHE, V. La Géographie Politique/ A Propós des Écrits de M. Frédéric Ratzel. Annales de Géographie, 1898, vol. VII, p. 97-111.

LA BLACHE, V. Les Conditions Géographiques Des Faits Sociaux. Annales de Géographie, 1902., vol. XI, p. 13-23.

SION, J. La Seconde Édition de La Politische Geographie. Annales de Géographie, 1904, vol. XIII, p. 171-173.

LA BLACHE, V. Friedrich Ratzel (1844-1904). Annales de Géographie, 1904, vol. XIII, p. 466-467.

LA BLACHE, V. Des Caractéres Distinctifs de La Géographie. Annales de Géographie, 1913, vol. XXII, p. 289-299.

LA BLACHE, V. La Répartition Des Hommes Sur Le Globe. Annales de Géographie, 1917, vol. XXVI, p. 241-254.

FEBVRE, L. La Terre et l'évolution humaine. Paris: La Renaissance du Livre, 1922. 444 p.

Esses trabalhos, em sua maioria, dedicam-se a analisar e comentar determinada obra de Ratzel, particularmente Anthropogeographie e Politische Geographie, como o conjunto dos artigos de Durkheim e alguns de La Blache, ou então, partem de algumas de suas idéias para desenvolver temas próprios e específicos, como o artigo de Mauss, por exemplo.

Alguns outros, de maior fôlego, como é o caso do livro de Febvre, consagram, em algumas de suas passagens, importantes referências tanto à obra de Ratzel como ao debate de suas idéias, sobretudo aquelas analisadas nas páginas dos L'Année e dos Annales de Géographie .

Por fim, há alguns poucos mas importantes artigos, que embora não façam qualquer referência explícita a Ratzel ou a sua obra, com ela indubitavelmente dialogam, se inserindo com clareza no contexto dos debates configurado pelo conjunto dos artigos. Nesse último caso poderiam ser relacionados, particularmente, dois dos trabalhos de Vidal de La Blache: Des Caractéres Distinctifs de La Géographie e Les Conditions Géographiques Des Faits Sociaux.

Cremos que dificilmente conseguiríamos fazer um comentário, por maior cuidado que dedicássemos à sua elaboração, capaz de refletir a riqueza dos debates presentes nas páginas dos trabalhos mencionados. Evidentemente apenas a leitura desses originais poderia dar uma dimensão exata dessa vitalidade.

Mesmo assim arriscaremos cometer uma espécie de mapeamento do conteúdo desses trabalhos, para que se possa ao menos aquilatar o sentido dessa vitalidade e a importância de um debate que foi, no mínimo, grandemente responsável pela consolidação das fronteiras estabelecidas entre as diversas ciências sociais.

Para esse "mapeamento", no entanto, há que se considerar as diferenças de enfoque e de tratamento das idéias ratzelianas, por parte dos diversos artigos e autores, sobretudo quando examinados à luz de cada uma dessas escolas que as publicações definem.

Ratzel no L'Année Sociologique

Numa aproximação simplificada poderíamos dizer que nas páginas dos diversos artigos mencionados do L'Année Sociologique, observa-se uma coerência insistente no tratamento dispensado à Ratzel e sua Antropogeografia, especialmente nos artigos de Durkheim e Mauss, principais porta-vozes de uma espécie de disputa por "territórios" de conhecimento, em torno dos quais, as nascentes especialidades estavam construindo suas fronteiras.

No primeiro volume do L'Année, Ratzel já mereceu um breve comentário de E. Durkheim, a propósito do lançamento de um pequeno livro intitulado Der Staat und sein Boden geographisch beobachtet (O Estado e seu solo estudados geograficamente). Nesse artigo, publicado na Sixième Section (Divers)(9), Durkheim, numa espécie de ante-sala dos debates que estariam por acontecer, apenas limita-se a resumir o conteúdo do livro de Ratzel, tecendo considerações elogiosas à Antropogeografia: "pour élever la géographie au rang d'une science vraiment explicative qui aurait pour objet, non de décrire simplement l'aspect superficiel de la terre, mais de déterminer la manière dont la configuration du sol affecte la vie humaine en général" (Durkheim, 1897: 533).

Em tal artigo, no entanto, Durkheim não deixa de já fornecer as pistas de como se construiriam as diferenciações de preocupações, consequentemente de objetos, entre essa "geografia-ciência" e a "morfologia social". Ao comentar a visão de Ratzel sobre o papel exercido pelo solo, na configuração dos Estados e das sociedades, Durkheim observou: "le sol n'est pas seulement la base solide sur laquelle reposent les États; en dépit de son immobilité, c'est un des moteurs du progrès; l'auteur [Ratzel] n'est pas loin de penser que c'en est le moteur principal" (ib. : 535).

No ano seguinte, 1898, na Sixième Section do L'Année, já definitivamente batizada de Morphologie Sociale, E. Durkheim elabora extensa análise de uma das obras capitais de F. Ratzel: Politische Geographie.

Nessa análise, mais aprofundada que a anterior e precedida de um texto introdutório, também elaborado por Durkheim, os argumentos em torno da demarcação de campos do conhecimento já são expostos com maior clareza.

Na introdução, Durkheim não só estabelece a denominação e os objetivos de uma nova especialidade científica -- morphologie sociale --, como também acusa uma certa sobreposição de interesses entre esta e a geografia política proposta por Ratzel.

Ao justificar o novo título da Sixième Section, Durkheim afirma: "La vie sociale repose sur un substrat qui est déterminé dans sa grandeur comme dans sa forme. Ce qui le constitue, c'est la masse des individus qui composent la société, la manière dont els sont disposés sur le sol, la nature et la configuration de choses de toute qui affectent les relations collectives" (Durkheim, 1898: 520).

Para o autor, a constituição desse "substrato" afeta, direta e indiretamente, todos os fenômenos sociais e, portanto, justifica a necessidade de uma ciência dedicada ao seu estudo e investigação: "Voilà donc tout un ensemble de problèmes qui intéressent évidentemment la sociologie et qui, se référant tous à un seul et mème objet, doivent ressortir à une mème science. C'est cette science que nous proposons d'appeler morphologie sociale." (Ib. : 520)

Na sequência, após enumerar as funções de cada uma das ciências (geografia, história e demografia), que o autor entende como sendo tributárias da nova morfologia social e que poderiam sair dos seus isolamentos respectivos, caso compreendessem essa condição, Durkheim afirma também, quase em tom de alerta, que: "une école de géographie est en train de tenter une synthèse assez analogue sous le nom géographie politique" (ib. : 521).

Anunciando, portanto, já o tom da crítica a que submeterá a obra de Ratzel, Durkheim sugere a restrição do significado da palavra geografia e observa a incapacidade dessa ciência para dar conta da síntese pretendida pela morphologie sociale: "Sans doute, les cours d'eau, les montagnes, etc., entrent comme éléments dans la constituition du substrat social; mais ce ne sont pas les seuls, ni leus plus essentiels. Or ce mot de géographie induit presque fatalement à leur accorder une importance qu'ils n'ont pas; on aura l'occasion de s'en apercevoir" (ib. : 521)

No transcurso da análise do livro de Ratzel propriamente dito, Durkheim enumera cuidadosamente os argumentos que favorecem, no seu entendimento, a morphologie sociale e colocam as pretensões da geografia ratzeliana no seu "devido lugar", isto é, como ramo auxiliar da pretendida ciência durkheimiana: "Ainsi entendue, la géographie politique apparaît, en un sens, comme une branche et presque comme un autre nom de ce que nous avons appelé morphologie sociale, puisqu'elle traite des formes territoriales des sociétés" (ib. : 531).

Tal conclusão não se faz sem que antes uma espécie de convite, ou tentativa de cooptação seja lançada: "M.R. [Monsieur Ratzel], géographe éminent, ne refuserait pas, sans doute, la qualification de sociologue." (Ib.: 531).

Tem-se a impressão que caso Ratzel aceitasse a qualificação sugerida por Durkheim, concordando em circunscrever o seu trabalho entre aqueles das "sciences spéciales tendent à se mettre en rapports avec la sociologie et à prendre une forme sociologique" (ib.: 531), o debate se encerraria por aí.

Mas, evidentemente, o debate continuou.

No L'Année do ano seguinte, 1898-1899, Ratzel publica um artigo (v. nota 8) onde apenas faz uma espécie de resumo de suas principais teses, sem qualquer referência mais direta à polêmica que se desenvolvia. Tais referências podem ser encontradas, no entanto, nas páginas de suas principais obras, onde Ratzel de certa forma expõe até mesmo as razões de porque, ao contrário do que imaginava Durkheim, recusaria a qualificação de sociólogo: "Si ebbero per contro alcune teorie sociali, dove non fu considerato affato l'ambiente fisico; ed in tutta la sociologia moderna il territorio trova una considerazione così scarsa, che le opere le quali ne trattano a fondo ci appaiono come eccezioni" (Ratzel, 1914: 63).

Neste mesmo número do L'Année, Durkheim, num outro artigo destinado a analisar exatamente o primeiro volume do Antropogeographie, mais uma vez observa a sobreposição, ou invasão de terrenos, promovida pela geografia de Ratzel, elogiada por sua profundidade teórica e espírito motivador, mas cujo "objeto e método permanecem ainda muito indeterminados" (Durkheim, 1898-1899: 556).

Durkheim afirma que os problemas e fatos que a geografia se propõe a examinar são muito amplos e heterogêneos, para serem assumidos por uma única ciência. Como ilustração disso exemplifica: "La nature du sol, du climat, etc., a certes des influences sur les représentations collectives, sur les mythes, les légendes, les arts, etc.; mais c'est à la sociologie religieuse qu'il appartient de les étudier sous cet aspect. Les mémes causes agissent sùr le caractère des nations; ainsi se posent des problemes d'éthologie collective. De la faune et de la flore dépendent certaines particularités de la vie économique; c'est l'economiste qui doit en connaìtre". (Ib. : 557)

Quanto a observada negligência cometida pela sociologia, conforme apontou Ratzel no tratamento da questão territorial, Durkheim, ainda nesse mesmo artigo e em sua conclusão afirma que: "Ce n'est donc plus la terre qui explique l'homme, mais l'homme qui explique la terre, et si le facteur géographique reste important à connaître pour la sociologie, ce n'est pas qu'il éclaire la sociologie de lumières nouvelles, c'est qu'il ne peut être compris que par elle" (Ib. : 558).


Antropogeografia versus Morfologia Social

Nos anos seguintes o debate continuaria. Mas, menos restrito apenas aos artigos escritos pelo próprio fundador do L'Année, se ampliaria para as considerações de outros eminentes cientistas sociais da escola durkheimiana. Portanto, seria mantido o mesmo tom das críticas e sobretudo da disputa de objetos e territórios científicos, determinado pelas considerações iniciais de Durkheim.

Num artigo de Marcel Mauss, publicado no L'Année de 1904-1905(10), se pode avaliar o curso dessa continuidade e como sua intensidade manteve-se viva, ainda nas primeiras décadas do século XX. Nesse artigo, na verdade quase uma monografia, a intenção não é a discussão ou a análise de qualquer obra de Ratzel, pois trata-se de uma espécie de demonstração prática da proposição investigativa da morphologie sociale, aplicada num minucioso e aprofundado estudo das sociedades esquimós. Sua importância, para a nossa discussão, reside sobretudo nas observações feitas por Mauss na introdução de seu trabalho. Aí, o "litígio territorial", estabelecido entre a geografia de Ratzel e a sociologia de Durkheim, é explicitamente tratado.

Logo no início de seu artigo, Mauss define o que entende pela expressão morfologia social: "la science qui étudie, non seulement pour le décrire, mais aussi pour l'éxpliquer, le substract matériel des sociétés, c'est-à-dire la forme qu'elles affectent en s'établissant sur le sol, le volume et la densité de la population, la manière dont elle est distribuée ainsi que l'ensemble des choses qui servent de siège à la vie collective" (Mauss, 1968: 389).

Mas, se compararmos tal definição com aquelas atribuidas por Ratzel à antropogeografia, notaremos que, pelo menos do ponto de vista das intenções, as diferenças entre as duas ciências são praticamente inexistentes. Ratzel, no primeiro dos volumes de sua Antropogeographie, publicado em 1882, assim anunciava as suas três grandes tarefas (com destaques feitos pelo próprio autor): "La geografia dell'uomo dovrà descrivere e rappresentare cartograficamente quei territori dove si nota la presenza dell'uomo, separando la parte della Terra ch'è da lui abitata, od ecumene, dalle altre che non lo sono. Essa studierà inoltre la diffusione dell'uomo entro l'ecumene e fisserà i resultati del proprio studio su carte della densità di popolazione, poleografiche ed itinerarie. Ma la scienza non si appaga mai de avere risposto alla domanda 'Dove?'; bensi, allorchè questo quesito è risolto, essa procede oltre, e passa alla domanda 'Donde?'. Passata ora alla seconda parte del suo còmpito, questa scienza, nell'esaminare l'area di diffusione di ciascuna razza e di ciascum popolo, si porrà la domanda: 'Come si è formata quest'area?'. I còmpiti del terzo gruppo si riferiscono allo studio delle influenze che la natura esercita sul corpo e sullo spirito degli individui, e di qui su quelli dei popoli." (Ratzel, 1914: 75 e 76).

Se resumíssemos essa longa citação extraída da principal obra de Ratzel, afirmando que, segundo ela, a antropogeografia não pretende se restringir à descrição do território, ou do "substrato material das sociedades", mas também pretende explicar "como se formou", não estaríamos ferindo, em essência, os objetivos propostos pelas três tarefas que transcrevemos.

O mesmo resumo se aplicaria, evidentemente, à definição dos objetivos da morfologia social proposta por Mauss.

Mas, com certeza, a semelhança ou diferença de objetivos não bastam para definir a existência de uma ou mais especialidades científicas. Há outras razões, que vão, simplificadamente, das alegadas orientações metodológicas, ou das ênfases dadas às conveniências corporativas..

No caso específico da nossa análise -- aproximações e distanciamentos entre as ciências sociais --, tanto Mauss como Ratzel, mesmo em momentos diferentes, sugeriram os termos de prosseguimento de toda essa discussão.

Ratzel, em outra obra sua(11), já havia resumido suas prevenções contra as abordagens de sociólogos e historiadores: "Aux yeux de certains politologues et sociologues, l'Etat plane dans les airs, comme pour de nombreux historiens, et le territoire de l'Etat n'est rien d'autre qu'une forme supérieure de propriété foncière" (Ratzel, 1988: 2).

E no texto de Marcel Mauss que estamos examinando (Des Sociétés Eskimos), uma espécie de resumo de como as orientações definitivamente se distinguiriam, também nos é apresentada: "En un mot, le facteur tellurique doit être mis en rapport avec le milieu social dans sa totalité et sa complexité. Il n'en peut être isolé. Et, de même, quand on étudie les effets c'est dans toutes les catégorie de la vie collective qu'il en faut suivre les répercussions. Toutes ces questions ne sont donc pas des questions géographiques, mais proprement sociologiques. Si au mot d'anthropogéographie nous préférons celui de morphologie sociale pour désigner la discipline à laquelle ressortit cette étude, ce n'est pas par un vain goût de néologisme; c'est que cette difference d'étiquettes traduit une différence d'orientation" (Mauss, 1968: 393).

Daí para a frente seria uma questão de aparar as agudas e incômodas arestas ocasionadas pelas intersecções, como registrava Durhkeim ainda no início desse processo, entre as "imperfections inhérentes à toute science qui débute" (Durkheim, 1898: 532).

Mas esse processo de "aparagem de arestas", não se conduziria, evidentemente, sem a consideração das intervenções que já vinham sendo produzidas nas páginas dos Annales de Géographie, tampouco se concluiria antes que os historiadores, sobretudo através da figura de Lucien Febvre, também emitissem as suas opiniões.


Annales, Ratzel & La Blache

Nos Annales de Géographie o tratamento dispensado a Ratzel oscilou, desde o início, do extremamente favorável à condenação cabal. O que, em conjunto, se traduziu por uma orientação diversa daquela indicada pelos artigos do L'Année(12), que acabamos de examinar.

No caso da publicação fundada por La Blache, não se tratava de disputar territórios de conhecimento em litígio, mas de se definir o perfil que conferiria identidade à ciência geográfica, especialmente a antropogeografia, que na tradução francesa receberia o nome de geografia humana.

Os artigos publicados sobretudo nos anos iniciais dos Annales, se observados em conjunto, acusam, evidentemente, uma interferência importante em todo aquele debate promovido por Ratzel, Durkheim, Mauss, entre outros. Isto é, não se tratam de artigos apenas dedicados à discussão das questões intestinas da geografia. Mas não deixa de ser interessante constatar como essa interferência foi sendo construida a partir de artigos e autores que, em muitos casos, apresentavam significativas contradições nas suas respectivas opiniões sobre o tema.

Logo no primeiro número dos Annales, 1891-1892, num artigo de Louis Raveneau, dedicado a examinar os dois volumes da Anthropogeographie de Ratzel, o autor não economiza nos elogios que chegam a se estender inclusive para a língua e para o povo alemão em passagens tais como: "La langue allemande, plus riche que la nôtre..." , ou, "l'hospitalité allemande est inépuisable", etc(13).

Mas, entrando no mérito do conteúdo do artigo e na sua análise da Anthropogeographie, tudo o que se observa são algumas críticas de detalhe, sobretudo quanto ao caráter prolixo e de difícil manuseio da obra, em meio aos inúmeros destaques, sempre elogiosos, sobre as contribuições que ela trouxe ao conhecimento geográfico.

Quanto à polêmica sobre as questões acerca das identidades científicas, ou da delimitação das áreas de atuação de cada uma delas, Raveneau é taxativo: "la statistique et l'ethnographie, loin de nourrir l'anthropogéographie, se sont dévelopées elles aussi à ses dépens; en perdant la notion d'espace, elles ont perdu le caractère géographique. M. Ratzel réduira ces sciences à leur rôle propre, celui d'auxiliaires" (Raveneau, 1891-1892: 333).

E quanto ao sentido geral da obra examinada, Raveneau resume aquelas que ele entende como as principais contribuições de Ratzel, da seguinte maneira: "Il a fortement insisté sur la nécéssité des conceptions d'ensemble, sur le conditions générales et les grandes lois d'où dépend la répartition de la vie sur terre et il a indiqué comment cette étude pouvait ètre féconde. Son principal mérite est d'avoir réintégré dans la géographie l'élément humain. Par là il a donné à cette science une orientation et une impulsion nouvelles" (Ib.: 347).

As observações mais agudas, Raveneau reservaria, não tanto para intervir na polêmica com os outros cientistas sociais, mas sobretudo para desgastar os geógrafos físicos, ou "les 'intransigeants' de la géographie physique", conforme afirma o próprio autor (Ib.: 341).

Valendo-se da antropogeografia de Ratzel para enaltecer os méritos da "geografia humana", Raveneau conclue: "Entre la géographie physique, parfois envahissante ou exclusive et les sciences de l'homme qui négligent si aisément le cadre où l'homme se meut et l'espace sur lequel il vit, M. Ratzel a pris position" (Ib. : 347).

Num artigo seguinte, do próprio Vidal de La Blache, publicado nos Annales de 1898, "La Geographie Politique/ A propos des écrits de M. Frédéric Ratzel", o espírito da abordagem inaugurado por Raveneau apresenta, de certa maneira, um prosseguimento. Mas, mais do que uma simples continuidade, diríamos que entre Raveneau e La Blache há um aperfeiçoamento, tanto no estilo da análise como na escolha dos próprios argumentos.

Dessa vez, como o título do artigo já nos indica, o "veículo" utilizado para a afirmação do "conteúdo humano" da geografia, bem como da sua importância e necessidade no quadro das ciências sociais, será a Politische Geographie.

De saída La Blache chama a atenção de seus pares, os historiadores, lembrando-os do seguinte: "Les historiens qui se sont préocupés de mettre en relief les influences géographiques, ont surtout obéi à cette pensée que ces influences, très fortes ou même prépondérantes au début, s'affaiblissaient ensuite, au point de devenir, pour beaucoup d'entre eux, négligeables. Ce point de vue ne saurait être celui du géographe" (La Blache, 1898: 99).

Quanto as dissenções estabelecidas entre as diversas geografias, particularmente as denominadas físicas e humanas, La Blache parece buscar um termo de conciliação possível, abrigando o conjunto das especialidades nos marcos do que ele denominava de Geografia Geral(14): " La géographie humaine ou politique doit donc être conçue comme faisant partie d'un ensemble. Ce n'est pas un simple chapitre annexe s'ajoutant aux autres; elle plonge par toutes ses racines dans la géographie générale" (La Blache, 1898: 104).

Esta aparente sugestão de conciliação, no entanto, não deixa de ser sugerida ao mesmo tempo em que se expõe o alcance restrito da geografia física, quando comparada com as possibilidades da geografia política: "Pas plus que la géographie physique, la géographie politique ne peut vivre d'une petite fraction de la surface terrestre" ( Ib.: 106).

Assim, entre a Politische Geographie de Ratzel e os princípios da Geographie Générale lablacheana, aparecem inúmeros termos de complementariedade, relatadas pelo próprio La Blache, incluindo as metáforas orgânicas e os fundamentos biogeográficos do conceito de Estado, que posteriormente seriam tão criticados: "Les faits de la géographie politique ne sont pas des entités fixes qu'il suffise d'enregistrer par une simple constatation. Il faut donc les envisager comme des faits en mouvement. Il est un mot dont il ne conviendrait pas d'abuser, mais que M. Ratzel emploie avec raison en parlant des États, c'est selui d'organisme vivant. Cette expression ne fait que désigner par une formule frappante la loi de développement qui domine les relations de l'homme et du sol" ( Ib. : 108).

La Blache, na conclusão de seu artigo, faz questão de recomendar a leitura da obra de Ratzel, particularmente a Antropogeographie. Tal recomendação, longe de refletir apenas uma mera cortesia acadêmica, reflete a importância dada por La Blache aos escritos de Ratzel, sobretudo para quem busca respostas de caráter amplo: "Ils [les lecteurs] y trouveront, avec tous les développements qu'elle [les écrits de M. Ratzel] comporte, une conception de la géographie politique répondant en somme à l'état présent de la science" (Ib. : 111).

La Blache expõe com este seu artigo, como se vê, não só a sua posição com relação às polêmicas internas da geografia, mas também o seu lado de preferência entre aquelas idéias que, nessa altura dos acontecimentos, 1898, já haviam instaurado o "litígio científico" nas páginas do L'Année Sociologique(15).


Geografia versus geografia

Nem a relação com Ratzel, nem o fortalecimento, perante os outros cientistas sociais, dos fundamentos de suas idéias da geografia política ou humana, se sustentariam nessa mesma balada inicial, dos primeiros números dos Annales de Géographie, por muito mais tempo.

A propósito da segunda edição do Politische Geographie, Jules Sion, numa curta mas contundente nota, parece inaugurar um período de esfriamento dessas relações.

A nota, que não deixa de reconhecer o papel de Ratzel no desenvolvimento da ciência geográfica, é, no entanto, taxativa quanto a caracterização de sua obra -- "vrai manuel d'impérialisme" (Sion, 1904: 171) --, ou quanto a sua prolixidade -- "Les théories qu'il [Ratzel] expose le plus longuement sont trop générales..." (p.172). Por fim, Sion parece até mesmo sugerir que o lugar científico mais indicado para a sorvedura das teses ratzelianas estaria, principalmente, fora da geografia: "On admire alors la variété de sa culture et l'éntendue de son information, moins historique ou économique qu'ethnographique. Et les sociologues, qui n'ont pas ménagé leurs critiques à ses conceptions, auraient pu signaler et utiliser ses études sur les primitifs: ses indications sur la constitution des États africains ou asiatiques, sur leur conception de la patrie, de la propriété suggèrent l'idée d'une interprétation plus concrète, plus économique de certains faits sociaux" (Ib. : 173).

Este volume dos Annales de Géographie é, coincidentemente, o mesmo onde La Blache escreve o necrológio de Ratzel, a que já fizemos menção no início deste trabalho. Nesse necrológio, como sabemos, são retomadas algumas daquelas referências elogiosas, estampadas pelo texto de Raveneau no número inaugural dos Annales de Géographie. Sobretudo é mencionado o fato de Ratzel ser considerado o responsável por "retablir dans la géographie l'élément humain" (La Blache, 1904: 467). Portanto, esse volume de 1904 sintetiza um belo exemplo daquele tratamento oscilante que, como dissemos, poderia ser verificado nas páginas dos Annales.

Mas tal oscilação, que de início pendia favoravelmente a Ratzel, daí para frente mudou de sentido. Muitas são as razões que poderíam justificar essa mudança. Do estremecimento das relações franco-germânicas, na antevéspera da I Guerra Mundial, ao recrudescimento da pressão analítica, que exigia dos candidatos à condição de especialidade científica, identidades próprias, definição de objetos e demarcação clara dos territórios corporativos. Cremos que em todos esses fatos encontraríamos razões que se relacionariam com o tratamento que seria dispensado a Ratzel e seu legado daí em diante.

Tal legado converteu-se numa espécie de incômodo espectro, não só porque complicava o relacionamento entre geógrafos e outros cientistas sociais, posto que os aproximavam "perigosamente", em tempos cuja palavra de ordem era a separação; mas também porque dificultava a afirmação de uma identidade geográfica, cujo conteúdo marcadamente humanístico tornaria vulnerável o controle de suas fronteiras corporativas, já que estas estariam sujeitas a serem desrespeitadas por qualquer "curioso" das outras ciências, cujos conteúdos se lhes assemelhavam.

Nesse sentido, há um artigo de La Blache, reprodução de uma palestra sua proferida para aspirantes a professores e publicada nos Annales de 1913, onde são feitas inúmeras afirmações, claramente demarcatórias de terrenos e identidades, que oferecia um conjunto de respostas, tanto ao público interno, como àquelas pressões externas que cobravam da geografia um maior controle das suas fronteiras.

Basta relacionar um conjunto dessas afirmações para que se possa aquilatar esse caráter mencionado no parágrafo anterior: "Dans le groupe des sciences naturelles auxquelles elle [géographie] se ratache sans nul doute, elle tient une place à part"; "La géographie est tenue de puiser aux mêmes sources de faits que la géologie, la physique, les sciences naturelles et, à certain égards, les sciences sociologiques"; "La géographie comprend par définition l'ensemble de la Terre"; "Le champ d'étude par excellence de la géographie, c'est la surface"; "La géographie se distingue comme science essentiellement descriptive" (La Blache, 1913: 289, 290, 293, 297).

E como se todas essas afirmações ainda não fossem suficientes, para oferecer aquele conjunto de respostas a que nos referimos, La Blache arremata seu texto com a seguinte definição: "La géographie est la science des lieux et non celle des hommes; elle s'intéresse aux événements de l'histoire en tant qu'ils mettent en oeuvre et en lumiére, dans les contrées où ils se produisent, des propriétés, des virtualités qui sans eux seraient restées latentes" (Ib.: 299).(16)


Febvre e o fim da discussão

A repercussão do "manifesto" elaborado por La Blache não seria pequena. Sobretudo foi muito benvinda entre aqueles outros cientistas sociais que, desejosos da tranquilidade oferecida pelo reconhecimento e respeito a cada um dos territórios conquistados por suas especialidades, estavam ávidos pela consagração das fronteiras analíticas.(17)

Cremos que um dos melhores trabalhos que se poderia examinar para se ter uma boa medida dessa repercussão é o livro de Lucien Febvre a que já fizemos referência: La Terre et l'évolution humaine (18)

O livro de Febvre não se dedica, evidentemente, apenas a discutir o artigo de La Blache, embora a ele consagre um espaço importante. Na verdade, trata-se de uma longa, apaixonada e fundamentada exposição de argumentos, com vistas a intervir em todo esse debate que há algum tempo vinha envolvendo sociólogos, antropólogos, geógrafos e historiadores.

O fundador dos Annales d'Histoire pretendeu com esse seu livro sistematizar os argumentos expostos em toda a discussão. Adotou como referencial os últimos posicionamentos de La Blache e, a partir daí, sugeriu as fórmulas para as restrições dos campos de atuação das ciências em litígio.

Os argumentos dos sociólogos, as pretensões dos geógrafos e o papel dos historiadores são examinados em praticamente todas as páginas do livro, com inúmeras referências aos artigos do L'Année Sociologique e dos Annales de Géographie.

A artilharia pesada de toda sua argumentação, Febvre a descarrega sobre Ratzel, suas obras e suas idéias.

A estratégia é evidente: enquanto fosse tratada com seriedade a proposta ratzeliana, dificilmente se encontraria um termo de solução para o debate, sobretudo um termo capaz de satisfazer sociólogos e historiadores nas suas reivindicações territoriais.

Assim Febvre, elegendo La Blache e Ratzel como polos opostos dessa discussão, vai tecendo os argumentos que, na sua opinião, contribuiriam para definir principalmente o lugar da ciência geográfica. A argumentação é rica, contundente e está presente em praticamente todas, das mais de quinhentas páginas do livro. O que torna a tarefa de comentá-las e apontar as principais, extremamente difícil. Mas para que se tenha pelo menos uma mostra, arriscaremos alguns destaques.

De início a consecusão do plano estratégico a que fizemos referência é evidente. Ao comparar as trajetórias e produções de Ratzel e La Blache, Febvre já estrutura a sua versão da história, como tendo sido protagonizada por escolas que desde o início constituiram-se em paralelo e com distintas orientações. Referindo-se à produção lablacheana, o autor nos dá conta de sua preferência: "Ningún gran tratado dogmático, a la manera de la Anthropogeographie o de la Politische Geographie. Una serie de artículos positivos y críticos a la vez, de un estilo algo apretado, con resplandores bruscos como relámpagos de adivinación y comprensión, y un gran poder sugestivo en todas ocasiones y de evocación a menudo" (Febvre, 1925: 27).

Poucas páginas adiante, Febvre sugere as famosas caracterizações -- determinista/possibilista --, para distinguir os dois pólos eleitos, cuja repercussão é até hoje motivo de discussão entre geógrafos: "No nos preguntemos si en el bloque de las ideas geográficas, no existem realmente grietas y si se puede seguir a la vez, con la misma seguridad tranquila, a los 'deterministas' a lo Ratzel y los que tal vez podríamos denominar los 'posibilistas' a lo Vidal" (Ib.: 30).

Numa discussão que vai se montando pelo estabelecimento e oposição entre pólos, a necessidade de excluir e escolher é constantemente oferecida por Febvre. A solução para os antagonismos entre sociólogos e antropogeógrafos, por exemplo, nos é assim indicada: "Pero los sociólogos no se limitan al ataque. Construyen en su propio terreno. Proponem substituir a la antropogeografia de Ratzel, una ciencia que pretenden se halla mejor definida y rigurosamente delimitada, una ciencia sociológica cuyo objeto definen y cuyo nombre fijan por anticipado: es la morfologia social. Esta actitud nos dicta la nuestra: es preciso escoger" (Ib.: 34).

Febvre insiste todo o tempo que, nos termos em que a geografia humana se colocava, a partir das teses sobretudo ratzelianas, era preciso de fato optar: "Geografia humana o morfologia social; método geográfico o método sociológico; es preciso elegir" (Ib.: 49).

Mas esta não seria uma "eleição" qualquer, onde tão somente diferentes perspectivas ou campos do conhecimento científico se ofereciam como opções. Nos termos de Febvre, não estavam em jogo apenas possibilismo versus determinismo, ou morfologia social versus antropogeografia. A contenda, segundo o autor, era também entre "ciência e não ciência". Dependendo da opção, se estaria elegendo o caminho da "não ciência", pois é neste outro campo que muitas das teses de Ratzel nos são apresentadas por Febvre, através de afirmações como as seguintes: "Construciones como las de un Ratzel, fuertemente influenciadas, por lo demás, por ideas y consideraciones no estrictamente científicas..." (Ib.: 39); ou "Ratzel, dominado a la vez por su parti pris de antropogeógrafo y por preocupaciones de origem más político que cientifíco..." (Ib.: 57); etc.

Claro que a opção seria, antes de tudo, pela ciência. E esta estaria, evidentemente, ao lado da morfologia social de Durkheim e da geografia de La Blache, particularmente aquela desenvolvida nos seus últimos artigos publicados nos Annales de Géographie.

Segundo Febvre a grande queixa dos sociólogos era contra a "ambição da geografia": "Ahora comprendemos mejor lo que quierem decir los partidarios de la morfologia social cuando denunciam 'esta disciplina de grandes ambiciones que se denomina a sí misma geografia humana'. Los geógrafos quierem explicar por la Geografía, o al menos reivindicam como materia de estudio, las sociedades humanas, desde las más pequeñas a las más grandes, desde las más rudimentarias a las más complicadas... Abusos manifiestos que no cometería, por su parte, una ciencia sociológica de objetivos modestos y marcha prudente por tener un objetivo limitado y fijado de antemano" (Ib.: 65).

Portanto, uma geografia modesta, que soubesse o seu lugar, que não se imiscuisse nos temas e terrenos das outras disciplinas, mereceria o aplauso de historiadores e sociólogos. Esta geografia Febvre diz ter encontrado naquele artigo de La Blache (1913) que há pouco examinamos .

Tal artigo mereceu no livro de Febvre um ítem a parte que ele intitulou de "Una Geografia Humana Modesta" (Ib.: p. 83-89) e é introduzido pelas seguintes questões: "¿Qual es su tarea [de la geografia] y cómo la concibe? ¿Cómo las conciben aquéllos de nuestros geógrafos que no se avienem a calzar las sandalias ratzelianas y que llegados poco a poco (no sin titubeos por lo demás como hemos tenido ocasión de señalarlo anteriormente) a una concepción firme de la Geografía, de su fin y de sus métodos, no son susceptibles de delirio metafísico? (Ib.: 83).

Febvre responde estas e outras perguntas, analisando e citando várias passagens do artigo de La Blache. Sobretudo dispensa grande atenção à parte final desse artigo, em que La Blache afirma qual a condição da geografia se interessar pelos fatos da história: "en cuanto dan a conocer y aclaram, en las comarcas en que se producen, propiedades y virtualidades que sin ellos habrían quedado en estado latente"(19). Essa passagem é assim enaltecida por Febvre: "Definición, como se ve, neta, estricta y egoísticamente geográfica. Y, en esta ocasión, el punto de vista es perfectamente claro. 'La Geografia es la ciencia de los lugares, no de los hombres.' He ahí, en verdad, el áncora de salvación" (Ib.: 86)

Depois dessas afirmações Febvre arremata: "Reanudemos ahora las críticas que exponíamos antes. ¿Tienen aún la misma fuerza? Es evidente que no." (Ib.: 86).

E, na conclusão, consagra aquele que seria entendido, daí para a frente como o método geográfico por excelência: "En realidad, si se quiere considerarla desde el punto de vista del hombre, bien entendido que éste no es más que uno de tantos puntos de vista, lo que la Geografia estudia, lo que nos da a conocer, es el medio en el que se desenvuelve la vida humana. Primero, lo describe: después, lo analiza y, finalmente, intenta explicarlo por una preocupación permanente de las repercusiones e interferencias." (Ib.: 88)

Nem o livro de Febvre, muito menos seus argumentos, esgotam-se nestes ítens e afirmações que destacamos, mas cremos que eles são suficientes para nos dar uma boa medida do perfil de análise por ele abraçado e, sobretudo, o tipo de opção que ele apontava para a geografia que se pretendia ciência.

O fato é que Ratzel e sua antropogeografia tumultuavam toda essa dicussão. Tem-se a nítida impressão que afastá-los do terreno onde os litígios se processavam permitiria, enfim, consolidar fronteiras corporativas onde, nas próprias palavras de Febvre, as "restrições", os "egoísmos" e as "modestas pretensões" prevaleceriam. E, consequentemente, as novas especialidades analíticas poderiam seguir seus cursos com maior tranquilidade.

E assim se fez. Ratzel e sua "ambiciosa" e "irrestrita" antropogeografia, ou sua "não-científica" geografia política, passaram a ser ítens praticamente excluídos dos tépidos debates, extremamente voltados às questões intestinas de cada uma das ciências, que se processariam daí para a frente.


Antropogeografia: de centro da polêmica a verbete de enciclopédia

A obra de Febvre não foi, evidentemente a única, nem a principal responsável pelo "esfriamento" do debate entre as ciências sociais, pois os termos dessa aparente interrupção se desenvolveram ao longo de todo aquele processo que viemos examinando até aqui. Acreditamos, no entanto, que podemos considerá-la como uma espécie de marco dessa nova situação, já que os sociólogos, geógrafos e historiadores, sobretudo os membros e tributários das respectivas escolas francesas, aderiram majoritariamente às perspectivas defendidas por Febvre.

Coincidência ou não, o fato é que daí para frente escassearam as referências a Ratzel ou a sua antropogeografia nos trabalhos de geógrafos, e praticamente desapareceram dos horizontes analíticos de outros cientistas sociais.

Uma boa medida dessa ausência nos pode ser fornecida por um breve exame das páginas daquelas publicações que, como dissemos foram as principais "arenas", até pelo menos as duas décadas iniciais deste século, onde se digladiaram as diversas posições. Nos Annales de Géographie, Ratzel e suas idéias, só voltariam a ser assunto em anos recentes(20). No L'Année Sociologique, tal ausência será, a partir dos anos 20, praticamente total. E nos Annales-Économies/Sociétes/Civilisations, fundado no final desse período (1929), não haveria razão para configurar um debate já devidamente tratado e "solucionado", por um dos seus próprios fundadores, Lucien Febvre, em extensa obra como a que acabamos de comentar.

Entre estes últimos -- sociólogos, antropólogos e historiadores --, as idéias de Ratzel, ou a sua própria figura, foram "promovidas", quando muito, à condição de personagens importantes da história das ciências, com direito a figurar em verbetes de enciclopédias, ou em manuais históricos, especialmente de antropólogos, nos quais, curiosamente, sempre são destacados o papel positivo de Ratzel que, às vezes, nos é apresentado até mesmo como precursor de algumas especialidades ou perspectivas de análises para os estudos etnográficos ou etnológicos.

Logo no ano de 1923, a volumosa e conceituada Enciclopédia Universal Ilustrada Europeo-Americana, reservava, em meio aos seus oitenta volumes, um espaço para o verbete biográfico de F. Ratzel, onde já se estampava uma espécie de entendimento do resultado de todo aquele debate que retratamos: "Puede decirse que [Ratzel] fué el introductor de la Geografia Social, rama muy interesante de la sociologia. Cultivó, además, con éxito la Etnología y la Antropología, habiendo descubierto en estas disciplinas verdaderos tesoros ignorados" (vol. 49: 841).

Em tons igualmente meritórios, mas talvez menos melancólicos e enigmáticos do que os dessa Enciclopédia Universal, encontraremos várias outras referências a Ratzel, especialmente feitas, como dissemos, por importantes figuras da antropologia.

Bronislaw Malinowski, cuja definição da antropologia -- "la más comprensiva disciplina en el humanismo" (1970: 10)(21) -- em nada obedecia aquelas indicações de modesta ambição sugerida por Febvre, destaca de saída o papel de Ratzel como um dos "precursores en el estudio comparativo de las culturas" (Ib.: 10). E, mais adiante, complementa: "Su [Ratzel] positiva contribuición consiste en haber introducido dos dimensiones concretas en el campo del estudio comparado de las razas, tribus y culturas. Luchando por superar 'el miedo al tiempo y al espacio', que él atribue al evolucionista, introduce el mapa del mundo y el postulado de una cronologia más detallada, en todas nuestras especulaciones acerca de los orígenes." (Ib.: 223).

Em alguns dos clássicos manuais de história da antropologia, as referências a Ratzel, também não são menos positivas(22) .

Alfred C. Haddon, por exemplo, ao enumerar os principais expoentes dos estudos das relações entre o "meio ambiente e o gênero humano", não vacila em afirmar que: "the greatest name of all is that of Friedrich Ratzel (1844-1904), who was written the standard work on Anthropo-Geographie (1882-91)." (Haddon, 1910: 152)

T. K. Penniman, que nas referências a Ratzel também não poupa a utilização dos mesmos superlativos utilizados por Haddon -- "greatest" --, acrescenta que: "Ratzel played so large a part in the history of anthropology". (Penniman, 1935: 127)

Importante assinalar que Penniman também estava longe de professar objetivos modestos para a sua ciência: "Anthropology is the whole science of Man, the master science that links all the rest together". (Ib. : 348)

Outro famoso historiador da antropologia -- Robert H. Lowie --, não só enaltece o papel de Ratzel, como faz questão de argumentar, em favor do pensador alemão, contra aqueles seus detratores que o acusaram de exagerar no determinismo ambiental: "Al contrario de lo que afirman algunos de sus expositores, Ratzel no exagera el poder del medio ambiente físico, sino que repetidas veces prueba esta decepción y se encuentra muy alejado de aquellos geógrafos que consideran el clima como un fator predominante. Lo que lo pone a salvo de esta ingenuidad es el echo de reconocer la importancia del factor tiempo." (Lowie, 1946: 149).

Nessa sua contra-argumentação, Lowie também não se poupa de algums exageros, chegando a afirmar que: "Ratzel ha destacado más que nadie la influencia de la historia del grupo." (Ib.: 150).

Em sua conclusão, Lowie destaca aquelas que acredita serem as principais contribuições de Ratzel, especialmente para a etnologia: "Su aportación principal consiste probablemente en ciertas ideas más generales, tales como el concepto de la humanidad como un todo, la mitigación del ambientalismo mediante una perspectiva histórica, la demanda de convertir las relaciones espaciales en relaciones temporales, la repudiacción de la teoria de migraciones espectaculares en favor de la de una infiltración lenta y continua, y la postulación de la existencia de pueblos marginales." (Ib.: 158).

Na Enciclopedia Internacional de La Ciencias Sociales, o verbete Ratzel é concluido exatamente com essa citação extraída do livro de Lowie. Ademais desse verbete biográfico, há vários outros em que F. Ratzel é mencionado, tais como determinismo geográfico, etnologia, antropologia, geografia, etc. Em todos eles as referências não são muito diferentes daquelas presentes nos manuais que examinamos. Sua obra é destacada como "uno de los hitos en la historia de la etnografia" (vol. 9: 95), e seu papel fundador da escola de etnologia alemã (vol. 4: 624), não deixa de ser mencionado.

No exame das vinculações de Ratzel com o determinismo, a Enciclopédia, no entanto, apesar de apresentar uma abordagem que sugere uma certa relativização desses vínculos, está cheia daqueles equívocos que seriam reproduzidos à larga, sobretudo pelos manuais de geografia(23).

Mas, apesar disso, não se deixa de assinalar aquele que, de fato, talvez tenha sido o principal sentido da intervenção de Ratzel em todo o debate que examinamos: "La contribución más destacada de Ratzel es quizá su intento de integración de los conceptos y métodos de la biologia, la etnografia y la geografia" (vol. 9: 96).

Intentos desse tipo, é que poderiam, como vimos, muito provavelmente serem responsabilizados por esse destino honroso, mas tíbio, a que se conduziram os aportes ratzelianos: manuais históricos, enciclopédias, etc.

A sua ambição em formular um conhecimento integrativo, que em outra ocasião caracterizamos como antropo(bio)geográfico (v. nota 3), talvez tenha sido o maior dos seus méritos, como assinala a Enciclopédia e, também, o maior de seus pecados. Pois tal formulação se propôs num momento onde era exatamente a separação dos conhecimentos o que mais se buscava. Como vimos, tratava-se de um período -- fim do século passado e início deste -- de auge da afirmação das identidades analíticas

Ratzel, ou não tinha qualquer sentido de percepção dos fatos que o rodeavam, ou era um reacionário convicto, ou, então, estava um século adiantado.

E aqui, diferentemente do que nos sugeriria Febvre, não será preciso escolher, ou eleger aquela que cada um poderia considerar como a melhor caracterização de Ratzel e seu pensamento, pois, independentemente disso, o fato é que hoje vivemos um período onde algumas das formulações ratzelianas são retomadas. E acreditamos que isto se dá, exatamente porque são as propostas de conhecimento integrativo e transdisciplinar, aquelas que atendem às principais demandas colocadas pelos diversos campos do conhecimento na atualidade.


O principal legado ratzeliano: o debate disciplinar.

E aqui voltamos àqueles trabalhos que os relatos de produções das ciências sociais nos indicaram. Se há algumas preocupações comuns entre todos eles, estas podem ser encontradas, sem dúvida, nas avaliações das possibilidades de estreitamento de relações e atitudes integrativas entre as diversas especialidades científicas.(24)

Hoje, tais relações e atitudes impõem-se como uma necessidade.

Necessidade sobretudo de enfrentar os horizontes de esgotamento, a que, em certa medida, o próprio conhecimento científico nos conduziu.

A ultra-especialização, a despeito dos benefícios específicos e momentâneos que possa proporcionar, é também cultivadora de ignorâncias radicais, pelo menos com relação a tudo aquilo que não apresente correspondência direta com os interesses especializados.

O resultado da intervenção, nas dinâmicas físico-naturais e humano-culturais, proporcionada por um conhecimento e entendimento do mundo que se processa apenas pelos interesses das partes, pode conduzir a uma situação que quando observada em seu conjunto, revela uma justaposição caótica de atitudes, no mínimo questionáveis e sobretudo preocupantes, quanto às consequências globalmente acarretadas.

O fato é que, mesmo quando as especialidades analíticas apenas cultivam mútuas ignorâncias, o mundo segue seu curso e, solidário em seus componentes, reage como contexto que é.

Na atualidade fala-se em crise planetária, crise ecológica ou crise ambiental. Na verdade, tais expressões, como sabemos, são os diversos eufemismos que encontramos para nos referenciarmos à uma crise socialmente construída, na escala do planeta, por um processo civilizatório pouco ou nada solidário com o contexto planetário, nas suas múltiplas manifestações, seja no âmbito da diversidade cultural e social, seja no âmbito da diversidade dos seus outros elementos físicos e naturais.

Os eufemismos aplicados às crises produzidas, se aplicam também aos conhecimentos científicos que nos forneceram os instrumentos e nos ensinaram a produzir boa parte dos espaços dessas crises.

Portanto, entre outras coisas, conhecemos também ao que nos conduz uma prática científica apenas pautada por conhecimentos descontextualizados, isto é, desconectados entre si e com o mundo.

Neste sentido, os trabalhos que examinamos revelam, mesmo que às vezes timidamente, compreensão do momento, pois buscam as possibilidades de conexões.

E, por isso, alguns deles referenciam-se em autores do passado, como Ratzel, por exemplo, cuja ambição antropogeográfica, como vimos, não só desrespeitava os territórios de conhecimento que cada uma das então nascentes epecialidades reivindicava para si, mas sobretudo insistia na existência de estreitos vínculos entre "tutte le cose sulla Terra" (Ratzel, 1914: 1).

O reconhecimento de tais vínculos hoje alimenta boa parte das preocupações, genericamente, ou, se se preferir, eufemisticamente, chamadas de ecológicas, a que um conjunto cada vez mais ampliado de ciências, prestam tributo na atualidade.

Não é por outra razão que grande parte dos que se dedicam ao exame das conexões possíveis entre campos do conhecimento, mencionam as preocupações ecológico-ambientais como sendo uma espécie de estímulo ou exigência que impõe a necessidade do diálogo disciplinar.

Dois dos artigos que examinamos, o de Gerhard Müller (1992) e de Patrick Mantagne (1992), partem exatamente dessa combinação -- Ratzel-cooperação disciplinar-ecologia --, para justificar suas observações.

Müller praticamente abre o seu artigo expondo tais termos e, com base neles, justifica o porquê de seu interesse pela obra de Ratzel: "Si nous nous intéressons à l'oeuvre de Friedrich Ratzel (1844-1904), c'est précisément parce qu'elle amorce bon nombre d'idées et d'ébauches fécondes à l'égard de la coopération de disciplines diverses, surtout en ce qui concerne la création d'une biogéographie générale." (Müller, 1992: 435)

Para que se entenda o conceito dessa biogéographie générale, é importante considerar que a proposta ratzeliana, avessa ao sentido restrito da biogeografia, circunscrita por muitos biólogos e geógrafos apenas ao mapeamento descritivo de flora e fauna, preconizava a inclusão da antropogeografia como ítem fundamental desses estudos: "la geografia dell'uomo non può considerarsi se non come un ramo della biogeografia, e molti concetti biogeografici debbono trovare senz'altro applicazione anche nello studio della diffusione dell'uomo sulla Terra." (Ratzel, 1914: 1)

Nessa medida, a concepção de Ratzel já se aproximava muito de algumas daquelas formulações -- sistêmicas e incluidoras das dinâmicas humanas --, que só mais recentemente passaram a frequentar assiduamente o universo das preocupações ecológico-ambientais.(25)

Sua perspectiva de consideração do conjunto das manifestações de vida no espaço terrestre, segundo Müller, indicou o caminho para os estudos ecológicos: "c'est Ratzel qui fournit le plus clairement les fondements d'une compréhension systématique de la terre, qui considère non seulement le sol, mais l'environnement et même la planète dans son intégralité, ouvrant ainsi la voie aux études écologiques." (Muller, 1992: 440)

E segundo Matagne, Ratzel formulou, portanto, "au début des années 1880, une géographie culturelle d'origine biogéographique" que, prossegue o autor, "permet de réintroduire l'homme dans la biocénose" (Matagne, 1992: 327).

De uma maneira geral, será a partir da inclusão dessas preocupações de caráter ecológico (no seu mais amplo sentido), que os diversos outros autores que examinamos, passam a tratar das possibilidades comuns entre as ciências.

Há uma espécie de consenso que abordagens realmente contempladoras dessas preocupações, não podem prescindir do conhecimento das estruturas espaciais e sociais, incluindo aí, todos os fundamentos -- biológicos, físicos, culturais, históricos, etc. --, que concorrem para a produção dessas estruturas.

Michael J. Watts, num artigo destinado a avaliar as intersecções entre as noções espaciais da geografia e da antropologia, parte do princípio que "social structures cannot be separated from spatial structures" (Watts, 1992: 118) e, na sua conclusão, sugere que apenas a adoção de uma atitude transdisciplinar conseguiria dar conta do entendimento desses complexos socio-espaciais, pois, segundo ele: "it requires a geographic sensibility, the interpretative flair of the humanist and literary theorist, and the ethnographic turn of the anthropologist and social historian." (Ib.: 126).

Outros dois textos, de Cristina Brumat (1992) e de Marcel Roncayolo (1989), preocupados, respectivamente, em sugerir vias de diálogo da sociologia e da história com a geografia, não só apresentam aspectos extremamente complementares entre si, como também realizam, de certa maneira, uma síntese das reflexões expostas pelo conjunto que examinamos até aqui.

Tais textos foram publicados em anos diferentes e em diferentes periódicos especializados de suas respectivas áreas, Studi di Sociologia e Annales (ESC), mas parecem dialogar entre si, mesmo não sendo essa a intenção declarada.

Ambos os autores partem de uma recuperação da história das diversas disciplinas, com muitas referências a todo aquele debate em que elas se envolveram nos inícios de suas trajetórias especializadas.

Destacam sobretudo o papel desempenhado por Lucien Febvre que, segundo Roncayolo, "peu après la bataille (1922) arbitre dans la Terre et l'évolution humaine le litigie entre morphologie sociale et géographie vidalienne en faveur de celle-ci" (Roncayolo, 1989: 1428).

Tal papel, que já tivemos a oportunidade de analisar, é destacado sobretudo para criticar o caráter restritivo que assumiram, desde então, aquelas ciências envolvidas no "litígio". Para Brumat, as considerações de Febvre influiram negativamente sobre o pensamento geográfico: "da una parte ha negato l'esistenza di studi geografici relativi alla strutura spaziale della società (ad es., la geografia politica...) dall'atro ha allontanato sempre più al possibilità di raccordo tra le due discipline [geografia e sociologia]" (Brumat, 1994: 185).

Roncayolo, por sua vez, aponta outros aspectos da mesma questão: "Lucien Febvre n'arrange guère les choses: d'un côté, il indique excellemment que le paysage doit être rapporté au groupe social qui l'a construit; d'un autre, il parait diviser le savoir et les compétences: les petites régions naturelles, à la géographie; les constructions plus complexes, plus aléatories aussi, des divisions féodales à l'État à l'histoire" (Roncayolo, 1989: 1431).

Mas, para ambos autores, diante das exigências atuais, é impossível escapar das inúmeras "zones-carrefour" (Roncayolo), que se interpõem aos conhecimentos ainda cultivadores de divisões severas. Tais divisões estariam hoje fragilizadas. E não só entre as especialidades das chamadas ciências sociais, mas também entre estas e as ciências naturais, biológicas, etc.(Roncayolo: 1430).

É Roncayolo que nos indica, ainda, a ocorrência de um certo aprimoramento do pensamento geográfico, no rumo daquelas preocupações, às quais têm aderido um número crescente de especialidades científicas que, independentemente dos seus campos de filiação, passam a incorporar os progressos produzidos pelas tentativas de compreensão integrada das dinâmicas físicas, sociais, biológicas, culturais, etc.: "La vieille philosophie qui inspirait le géographes (terre et hommes, actions et réactions) se définit maintenant en termes mesurables, appréciables au moins, marquant les raisons et les limites du fonctionnement d'un système, le passage du reversible à l'irréversible" (Roncayolo: 1430)(26).

Brumat, por seu turno, acusa as mudanças havidas na sociologia: "All'interno della sociologia siamo passati dall'analisi della morfologia sociale di Durkheim alla socio-ecologia e alla scuola dell'Ecologia Umana" (Brumat: 186); e, na conclusão de seu texto, explicita aquela que acredita ser a exigência comum para o conjunto das ciênciais sociais, mas não sem antes observar que, para chegar a essa mesma conclusão, bastaria examinar alguns dos textos mais recentes produzidos por geógrafos e sociólogos: "Atravesso l'esame di alcuni scritti appartenenti alle due discipline, geografia e sociologia, è emerso che la necessità di studiare l'uomo, la societá, la sua storia non prescindendo dall'ambiente naturale e quindi dallo spazio e dal territorio occupato, è una esigenza comune ai geografi, ai sociologi, agli storici e agli antropologi" (Ib.: 186).


Antropogeografia: uma ambição reafirmada

O conjunto desses artigos examinados já seriam suficientes para que pudéssemos aquilatar pelo menos as linhas gerais do estado dessa discussão -- diálogo disciplinar --, entre as diversas ciências sociais.

Há no entanto mais dois, entre aqueles relacionados, que acrescentam ainda importantes considerações, as quais utilizaremos inclusive para concluir esse nosso trabalho.

Tratam-se dos capítulos escritos por Paul Claval e Gilles Sautter, na Encyclopedie de Géographie, para discutir, respectivamente, as conexões sociologia/geografia e geografia/antropologia.

Claval nos faz ver que, a despeito das aproximações buscadas ou anunciadas, há ainda muito mais intenção do que prática efetiva. No entanto, afirma já ser possível colher alguns importantes frutos dessa busca, ao menos no interior de cada disciplina. E dá como exemplo o caso da geografia: "Le rapprochement contemporain de la géographie et des sciences sociales fait sortir notre discipline du simple inventaire des ressources naturelles et des formes d'organisation de l'espace. Il lui permet d'éclairer en profondeur l'art d'habiter que les hommes ont développé, de s'interroger sur les significations qu'ils donnent aux lieux et de comprendre les attachements qu'ils manifestent pour certains types d'aménagement et pour certains milieux. La géographie moderne quite donc le domaine de l'analyse des quantités pour pénétrer dans celui des qualités. C'est ce qui fait la fecondité de ses orientations les plus récentes" (Claval, 1992: 90)

Numa posição que ocupa um meio-termo entre o otimismo e o pessimismo, diante das possibilidades transdisciplinares, Claval faz questão de marcar que o movimento de aproximação, "realmente existente, entre geografia e ciências sociais" (Ib.: 83), além dos benefícios mútuos, também faz aflorar a marcada diferença de identidades e de interesses que essas disciplinas ainda apresentam.

Sautter, por sua vez, realça em seu artigo, sobretudo estas diferenças e lamenta: "La géographie et les disciplines anthropologiques se sont dévelopées dans une certaine ignorance réciproque" (Sautter, 1992: 208).

Admite, no entanto, que alguma relação se estabeleceu entre as diferentes disciplinas, mas restritivamente apenas "sur leurs marges, là où l'on trouve le interfaces entre les sciences". O que, na sua opinião, ainda as mantém numa situação corporativamente confortável: "Les échanges semblent plus aisés à quelque distance du 'noyau dur" (Ib.: 209).

O artigo de Sautter, que se propõe a avaliar sobretudo o nível de rigidez desses "núcleos duros", pois basicamente expõe apenas o que separa a geografia da antropologia, parece nos sugerir que, no fundo, as maiores distâncias a serem vencidas são as corporativas.

Tal conclusão, embora não seja de todo explicitada no texto de Sautter, não estaria longe de poder ser aplicada à sua análise, pois apesar de todas as diferenças que ele extensamente enumera, constata, no entanto, que pelo menos em termos das preocupações, algum nível de aproximação se efetiva: "même en France, les disciplines comme l'ethnologie, l'anthropologie, la sociologie commecent à devenir compétentes dans le domaine des rapports société/milieu, où l'on n'aurait pa imaginé les voir il y a quelques années" (Ib.: 217).

Após examinar algumas das mudanças nas orientações teóricas de diversos etnológos, Sautter nos indica que estes, de maneira mais ágil que os próprios geógrafos, se localizaram "dans le nouveaux 'combats écologiques" (Ib.: 218), superando inclusive algumas daquelas posturas utilitaristas, formuladas pelas etnologias auxiliares das empreitadas coloniais: "Petit à petit, à cette tendance utilitariste se sont adjoints de nombreux intérêts: études de protection de l'environnement naturel des sociétés, analyse de leur relation à une nation et à un cadre géographique. En ce sens, les sciences anthropologiques sont devenues peut-être plus appliquées que la geographie" (Ib.: 218).

Ora, se entre outras razões, o reconhecimento de objetos distintos sempre foi considerado como uma importante justificativa para o igual reconhecimento de distintas disciplinas, então Sautter, a despeito de alguma lamentação corporativa, também nos aponta, em suas considerações, a existência hoje de uma efetiva aproximação entre geografia e antropologia.

Tal fato merece registro, pois, como vimos, as trajetórias disciplinares de ambas disciplinas, sobretudo suas oposições e dissensões, cumpriram um importante papel em todo daquele processo de especialização e fragmentação analítica ou, se se preferir, de afirmação das identidades científicas, que examinamos.

Portanto, constatar, entre estas disciplinas, alguma aproximação, mesmo que apenas em torno de teóricos objetos de interesse, não deixa de ser um indicativo importante de que há disposição para a necessária revisão do processo corporativo-especializado.

E, em se tratando de objetos de interesse, basta consultar alguns dos textos recentemente produzidos por antropólogos para conferir que o movimento é, efetivamente, de aproximação.

Marc Augé, por exemplo, num dos seus mais recentes trabalhos afirma: ""Si el espacio es la materia prima de la antropología, se trata aqui de un espacio histórico, y si el tiempo es la materia prima de la historia, se trata de un tiempo localizado y, en este sentido, un tiempo antropológico" (Augé, 1995: 15).

Essa antropologia, que sem dúvida poderíamos qualificar de geográfica, ainda segundo Augé, entende o seu objeto-espaço como histórico porque "se trata precisamente de un espacio cargado de sentido por grupos humanos, en otras palabras, se trata de un espacio simbolizado" (Ib.: 15).

"Espaço-simbolizado", no jargão antropológico, ou "espaço-produzido", como prefeririam alguns geógrafos, tanto faz, pois o fato é que se trata do mesmo objeto, ou do mesmo "espaço", territorializado e "simbolizado", em dimensões cada vez mais planetárias: "Hoy el planeta se ha encogido, se ha estrechado, la información y las imágenes circulan rapidamente y, por esso mismo la dimensión mítica de los demás se borra. Los otros ya non son diferentes o, más exactamente, la alteridad continua existiendo, solo que los prestigios del exotismo se han desvanecido" (Augé, 1995: 25)

Para Augé, a constatação de que o território desse "espaço simbolizado" não é menor do que o planeta, impõe, para a antropologia, que, tal qual a geografia esfacelou-se em um cem número de subespecialidades, a necessidade de se adaptar urgentemente às novas escalas de observação: "Esos cambios de escala afectan todos los aspectos de la realidad empírica observados por el antropólogo. Adaptarse a los cambios significa em primer lugar tomar nota del fin definitivo de 'la gran división': ha llegado la hora de una antropologia generalizada para el conjunto planetario" (Ib.: 165).

Outro antropólogo, Edgar Morin, também num de seus últimos livros, Terra-Pátria, já expunha com clareza essa necessidade de redimensionar a antropologia que, sem qualquer restrição, deveria "resgatar-se como verdadeira ciência do homem: ciência multidimensional em que se articulam o biológico, o sociológico, o econômico, o histórico e o psicológico" (Morin, 1993: 50).

Evidentemente, também para Morin, o território dessa antropologia resgatada não se definiria em âmbitos menores do que aqueles sugeridos pela escala planetária, em cuja concepção todas aquelas dimensões da "verdadeira ciência do homem" deveriam estar contempladas: "A Terra não é a adição de um planeta físico, mais a biosfera, mais a humanidade. A Terra é uma totalidade complexa física/biológica/antropológica, onde a vida é uma emergência da história da Terra, e o homem uma emergência da história da vida terrestre" (Morin, 1993: 50).

Em outras palavras, esta "ciência do homem" só se realiza se for também "ciência da Terra". E isto não pode ser entendido apressada e simplificadamente, apenas como uma sinalização para que antropologia e geografia promovam ajustes disciplinares, com vistas à realização desse "projeto": ciência do homem e da Terra. Pois, caso se tratasse de um mero ajuste disciplinar, o passo seguinte seria promover a divisão de tarefas. E aí, numa espécie de reedição histórica de episódios já superados, se faria novamente a questão: a quem caberia a responsabilidade pela "parte ciência do homem" e a quem se atribuiria a "parte ciência da Terra"?

Há aproximadamente um século, perguntas muito semelhantes a essa já foram feitas e conhecemos muito bem as respostas dadas, pois foi a partir do debate deflagrado pelas ambições antropogeográficas, ciência que pretendia ser do homem e da Terra, onde boa parte dessa história que estamos recuperando começou.

Vale a pena recordar. Na época, aquele receituário científico prescrito por Lucien Febvre, apontou o caminho de solução para o litígio estabelecido entre as ciências sociais: para combater a antropogeografia de Ratzel, "disciplina de grandes ambiciones que se denomina a sí misma geografia humana", Febvre sugeria a trilha "modesta y prudente" da morfologia social e a concepção "neta, estricta y egoisticamente geográfica" da ciência dos lugares de La Blache.

Mas os tempos são outros. Se há algum "litígio", este se dá entre a própria ciência e a realidade que ela busca compreender. Os "instrumentos" modestos, prudentes e egoisticamente corporativos, não são mais suficientes.

Hoje, a retomada de projetos científicos ambiciosos, menos disciplinados, mais solidários entre si e com os fatos do contexto planetário, parece ser o caminho que esses diálogos antropológicos-geográficos da atualidade estão nos indicando.

A questão, portanto, extrapola o âmbito meramente corporativo-disciplinar, pois o que está em causa aí é a necessidade de se repensar, em novos termos, um projeto para o conhecimento científico como um todo, agora, aparentemente muito mais pressionado por exigências da realidade, do que pelas demandas de afirmações corporativas.

A percepção de que os objetos e interesses convergem, estabelecendo caminhos de diálogos não apenas teóricos, é, como verificamos, um fato.

Diante dessa aproximação de "objetos", a aproximação dos "sujeitos", fazedores de ciência, é uma questão de tempo.



NOTAS

* O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq -- Conselho Nacional de Ensino e Pesquisa --, uma entidade do Governo Brasileiro voltada ao desenvolvimento científico e tecnológico.

1. Aqui consideramos os conceitos já expostos em famosas declarações produzidas por reuniões promovidas pela UNESCO, particularmente o Simpósio "Ciência e as fronteiras do conhecimento: o prólogo de nosso passado cultural", Veneza, 1986; e o Congresso "Ciência e Tradição: Perspectivas Transdisciplinares, aberturas para o XXIº Século", Paris, 1991.

2. Assim, reafirmamos nossa concordância com as declarações mencionadas na nota anterior que em alguns dos seus pontos mencionam: "Mesmo não desejando obter um enfoque global, nem estabelecer um sistema fechado de pensamento, nem inventar uma utopia, reconhecemos a necessidade premente de pesquisa autenticamente transdisciplinar através de uma dinâmica de intercâmbio entre as ciências naturais, sociais, arte e tradição." (UNESCO, Veneza, 1986)

3. V. CARVALHO, M. B. Ratzel: releituras contemporâneas. Uma Reabilitação? Biblio 3W/ Revista de Geografia e Ciencias Sociales, nº25, 23 de abril de 1997. Universidade de Barcelona, Departamento de Geografia Humana: http://www.ub.es/geocrit

4. Quanto a esses esforços atuais gostaríamos de destacar, entre os diversos artigos que examinamos, os seguintes:

MERCIER, G. La region et l'Etat selon Friedrich Ratzel et Paul Vidal de La Blache, Annales de Géographie, 1995, nº 583, p. 211-235.

SANGUIN, A. L. En relisant Ratzel. Annales de Géographie, 1990, nº 555, p. 579-594.

Também utilizamos importantes referências bibliográficas, que nos foram especialmente úteis para desfazer alguns dos mitos criados em torno da figura de Ratzel, sobretudo os relacionados à questão do determinismo. Entre estes destacamos os seguintes:

CAPEL, H. Filosofia y ciencia en la Geografia contemporânea/ Una introducción a la Geografia. Barcelona: Barcanova, 1981. 509 p.

DICKINSON, R. E. The Makers of Modern Geograhy. London: Routledge & Kegan Paul, 1969. 305 p.

SCHAEFFER, F. K. Excepcionalismo en Geografia. Barcelona: Universitat de Barcelona, 1988. 86 p.

Há ainda uma outra referência bibliográfica, que gostaríamos de acrescentar. Trata-se de publicação recente dedicada a recuperação histórica do pensamento de Vidal de La Blache, bastante cuidadosa no que diz respeito à análise das divergências e convergências entre a escola francesa de geografia e outras: CLAVAL, P. (Org.) Autour de Vidal de La Blache: La Formation de l'École Française de Géographie. Paris: CNRS, 1993. 158 p.

5. Raffestin escreveu um posfácio elogioso à obra de Ratzel, quando da recente edição francesa do Politische Geographie. Sanguin também elaborou um artigo igualmente reabilitador, publicado nos Annales de Géographie de 1992. E Mercier publicou nos Cahiers du Géographie du Quebec, um trabalho com contundentes críticas a aspectos do pensamento ratzeliano (v. Referências bibliográficas ao final).

6. Fundados em 1929, originalmente denominavam-se Annales d'Histoire Économique et Sociale. A denominação atual data de 1946.

7. Para alguns deles, a pesquisa nos Geographical Abstracts já havia nos remetido, como os da Encyclopédie de Géographie e o artigo de Sanguin. A alguns outros, de aparente interesse exclusivo da geografia, só fomos remetidos, curiosamente, pela pesquisa nos Sociological e Historical Abstracts, como o caso dos artigos de Matagne e Muller, o que talvez se explique pelo fato de serem considerados como pertencentes à rubrica "história da ciência". Mas, com exceção do importante artigo de Sanguin, porque já o comentamos detalhadamente no trabalho anterior, todos os outros, independentemente da filiação corporativa de seus autores, merecerão, dessa vez, a nossa atenção e reflexão, pois compõem uma boa amostragem da pespectiva dessa análise no âmbito das ciências sociais.

Artigos como os da Enciclopédie de Geographie que aparecem indicados nos relatos das produções geográficas e também nos das outras ciências sociais, claramente estão inseridos nesta perspectiva. No trabalho anterior (v. nota 3) já haviamos, como dissemos, apenas indicado a existência destes artigos, pois não se tratava de comentá-los ali. Outros dois artigos -- o de Muller e o de Matagne --, nos teriam sido muito úteis naquela ocasião, mas só agora a eles tivemos acesso, através dessa pesquisa nos relatos de trabalhos das Ciências Sociais. Nestes dois artigos há importantes considerações a respeito de Ratzel e também indicações sobre as possibilidades de diálogo entre a geografia e outras ciências, que não apenas as sociais, portanto, achamos conveniente incluí-los nessa discussão que ora desenvolvemos.

8. Há um único artigo assinado por Ratzel, presente nas páginas destes periódicos, que podem ser considerados como "porta-vozes" das modernas escolas das nascentes especialidades analíticas das ciências sociais. O artigo em questão é: Ratzel, F. Le Sol, La Société et L'État. L'Anée Sociologique, vol. III (1898-1899), p. 1-14.

9. A partir do número 2 do L'Année, esta seção passou a receber o nome de Morphologie Social e, durante muitos dos anos seguintes consagrou a maior parte de suas páginas a comentar obras de geógrafos, especialmente F. Ratzel.

10. Esse artigo foi escrito com a colaboração de H. Beuchat e republicado no livro Sociologie et Anthropologie (Mauss, 1968), versão com a qual trabalharemos.

11. Nos referimos à primeira edição do Politische Geographie de 1897.

12. No trabalho anterior (v. Nota 3), já tivemos ocasião de examinar as contradições, no tratamento dispensado a Ratzel, analisando alguns dos artigos recentemente publicados nos Annales de Géographie. Interessante observar que o ritmo desse tratamento verificado na atualidade, é muito semelhante àquele que se pode encontrar desde os primeiros números da publicação.

13. O que vale a pena registrar, pois isto não deixa de ser surpreendente para aqueles que, como nós, foram formados por uma versão da história do pensamento geográfico, que credita grande parte do desenvolvimento da escola francesa de geografia apenas às consequências e ressentimentos deixados pelo conflito franco-prussiano.

14. Possibilidade essa que La Blache vinha desenvolvendo desde um artigo anterior, especialmente voltado para o estabelecimento dos termos dessa Geografia Geral -- "Le principe de la geographie générale" (La Blache, 1896)

15. Num artigo seguinte, "Les Conditions Géographiques Des Faits Sociaux", La Blache dedica-se exclusivamente a desenvolver essas suas idéias sobre as possibilidades e o acerto de se tratar geograficamente os fatos sociais. Neste artigo, de 1902, apesar de não serem feitas referências explícitas aos artigos do L'Année, ou aos escritos de Ratzel e Durkheim, são claras as inspirações daí extraídas. Esse artigo é a reprodução de uma conferência proferida na École des Hautes Études Sociales e, portanto, La Blache foi evidentemente cuidadoso, talvez com o intuito de não ferir suscetibilidades. Mas na parte final da conferência faz questão de afirmar postivamente o papel da geografia humana: "L'étude, dont je viens d'esquisser quelques traits, pourrait être formulée ainsi: traduction de la vie géographique du globe dans la vie sociale des hommes. Nous retrouvons dans ces formes de civilisation l'expression de causes générales qui agissent sur toute la surface de la terre: position, étendue, climat, etc. Elles engendrent des conditions sociales qui présentent sans doute des diversités locales, mais qui sont néanmoins comparables dans des zones analogues. Il s'agit donc bien d'une géographie; géographie humaine, ou géographie des civilisations." (La Blache, 1902: 22)

16. Se compararmos as posições formuladas por La Blache, neste seu artigo de 1913, com aqueles dos inícios dos Annales de Géographie, há evidentes mudanças de orientações. Tais contradições são acusadas por diversos autores, entre eles H. Capel que observa inclusive razões corporativas nessa mudança do poscionamento lablacheano: "En esta actitud de Vidal influyeron, sin duda, tanto motivaciones intelectuales como profesionales. Entre las primeras, el conocimiento que desde 1875 tenía de la geografia alemana, que poseía un forte sesgo hacia los aspectos físicos, en particular por influencia de Richthofen. Pero también un deseo de distanciarse de sus antiguos colegas [historiadores] y de asegurar frente a ellos la especificidad de la geografia" (Capel, 1988: 333)

17. Um excelente e minuncioso trabalho, que examina essa "avidez" e o nível de radicalização dos litígios, que não estava restrito apenas ao âmbito da geografia versus outras ciências sociais, mas se generalizava também para o conjunto destas últimas, pode ser verificado em: ALLEGRA, L. & TORRE, A. La Nascita Della Storia Sociale In Francia. Torino: Fondazione Luigi Einaudi, 1977. 355 p.

18. Há uma versão castelhana deste livro, com a qual trabalharemos, que foi editada apenas três anos depois, 1925, do lançamento da primeira edição francesa.

19. V. Citação integral dessa passagem do texto de La Blache, no final do ítem anterior - Geografia versus geografia

20. Mais precisamente, a partir do ano de 1990, com o já mencionado artigo de André Louis Sanguin , "En relisant Ratzel", que já examinamos em outro trabalho (v. nota 3).

21. Trabalhamos aqui com a versão castelhana do livro de Malinowski, cuja primeira edição -- A Scientific Theory of Culture and other Essays --data de 1944.

22. Para nós interessaria apenas colher uma amostragem do tratamento dispensado a Ratzel em alguns desses clássicos manuais que, mesmo apresentado distintas qualidades, fossem considerados representativos entre antropólogos e também adotados como referências para outros cientistas sociais. Concluimos que tais requisitos são preenchidos plenamente pelos três manuais a que nos referenciaremos. Dois deles, por exemplo, são indicados por Robert E. Dickinson em seu clássico trabalho sobre a história da geografia: "To find a proper appreciation of Ratzel one must turn to the recent appraisals of two anthropologists, namely Robert H. Lowie and T. K. Penniman..." (Dickinson, 1969: 64). O próprio Malinowsky, ao se queixar da ausência de completos e bons manuais da antropologia, "que ainda estariam por serem feitos", aponta, no entanto e apesar das restrições, os seguintes: "La historia de la antropologia de A. C. Haddon es breve, pero con mucho la mejor. Un siglo de antropologia de T. K. Penniman, es completa, pero algo insulsa. La historia de la teoria etnológica de R. H. Lowie, es entretenida, coloquial, manifestamente partidaria y no siempre exacta." (Malinowsky, 1970: 21)

23. Nos referimos ao verbete Determinismo Geográfico (vol. 3: 645-648). Os equívocos são aqueles que já examinamos tanto neste artigo como no outro trabalho mencionado na nota 3. Relacionam-se principalmente, com aquelas simplificações construídas a partir do exagero das oposições entre as idéias lablacheanas e ratzelianas. No verbete mencionado, por exemplo, a Enciclopedia afirma: "El primer ataque serio al determinismo geográfico va asociado al nombre de Paul Vidal de La Blache, quien, hacia el final del siglo, formuló una doctrina contraria conocida con el nombre de 'posibilismo". Sabemos, no entanto, que nenhuma dessas afirmações é verdadeira, pois: o primeiro ataque sério foi de Lucien Febvre; no final do século, os artigos de La Blache, como vimos, eram extremamente favoráveis e complementares das idéias ratzelianas; e o nome possibilismo, como também vimos, foi uma formulação de Febvre. Vale a pena assinalar essa passagem, pois é a versão equivocada dessa história, aquela que possivelmente mais se difundiu.

24. Ver relação desses trabalhos no ítem "O legado ratzeliano nos relatos das ciências sociais". Como dissemos, há, entre estes trabalhos, alguns elaborados por geógrafos e outros por historiadores, antropólogos e sociólogos, mas, todos os autores, independentemente de suas identidades corporativas, aderem a esse sentido geral -- diálogo disciplinar --, proposto pelo conjunto colhido nos relatos das produções de cientistas sociais, principalmente no Historical Abstratcs e no Sociological Abstracts. Portanto, o exame deste conjunto poderá nos dar uma boa medida do estado desse debate entre os cientistas sociais.

25. Alguns autores não deixam de incluir Ratzel como um dos precursores da escola geográfica que ficou conhecida com o nome de ecologia humana, como se pode conferir na obra de G.A. Theodorson -- Estudios de Ecologia Humana --, especialmente no volume 2 (Barcelona: ed. Labor). Na Encyclopedie de Géographie (Bailly, Ferras & Pumain, 1992), há interessante capítulo escrito por Claude Raffestin (p. 23-36), analisando exatamente a evolução histórica da escola de ecologia humana.

26. Tais idéias podem ser conferidas em alguns textos da mencionada Encyclopedie de Géographie (v. nota anterior), especialmente o artigo de Claude et Georges Bertrand -- La géographie et les sciences de la nature, p. 109-127 --, e no artigo de Olivier Dollfus -- Géopolitique du système monde, p. 689-712.

Sobre especificamente as novas percepções científicas que contemplam as observações do mundo físico-natural, particularmente na adoção da idéia de irreversibilidade, recomendamos o trabalho de Ilya Prigogine e Isabelle Slengers, A Nova Aliança/ A metamorfose da Ciência, Brasília: UNB, 1991.



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