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REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
(Serie  documental de Geo Crítica)
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. IX, nº 546, 15 de noviembre de 2004

A CIDADE, ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA



Antonio Carlos Campos
Becario CAPES -Brasil
Doctorando em Geografía Humana
Universitat de Barcelona


Palavras chave: cidadãos, globalização, espaços coletivos e espaços públicos

Key - words: citizens, globalization, collective spaces and public spaces


O diálogo sobre La ciudad, entorno de convivencia realizado entre os dias 8 e 12 de setembro, dentro das atividades didatico-científicas programadas pela organização do Fórum de las culturas de Barcelona 2004[1], surgiu como um desafio de criar uma grande plataforma de discurssão entre cidadãos e categorias profissionais de geógrafos, arquitetos, urbanistas, sociólogos e antropólos, técnicos, gestores e, principalmente, com as autoridades políticas representantes institucionais que trabalham mais diretamente com planejamento e a organização da vida cotidiana da sociedade em cidades de todo o planeta.

A sistemática do espaço de diálogo foi composta por duas áreas correlatas que se dividiram nos dois períodos de cada dia, da seguinte forma: nas manhãs a abordagem se centrava nas questões mais gerais relativas à cidade e cidadãos do século XXI, tendo como coordenador o cientista social e urbanista barcelonês professor Jordi Borja. No período da tarde as discussões versaram sobre as perspectivas dos espaços urbanos coletivos e a distinção entre espaço público e espaço coletivo. A coordenação dessa das exposições e debates dessa temática ficou sob a responsabilidade do arquiteto e professor francês Jean-Louis Cohen.

Dentro da programação do evento, foram realizadas também reuniões científicas de diversas categorias profissionais, dentre ellas, o VII Coloquio de Geografia Urbana, do Grupo de Geografia Urbana da Associação dos Geógrafos Espanhóis, que aproveitou a celebração do diálogo para discutir entre seus membros e a comunidade em geral, na tarde do dia 11 de setembro, a temática sobre a cidade e o medo.

O objetivo central do evento, entre exposições e foruns de debates foi o de iniciar uma série de diálogos inovadores e projetar se além do discurso institucional ou acadêmico, estimulando idéias e ações transformadoras. O diálogo cidade e cidadãos do século XXI formulou suas atividades na perspectiva de que as discussões pudessem ultrapassar os ideais do pensamento único, dos tópicos genéricos sobre a governabilidade, da participação cidadã, da competitividade, do desenvolvimento sustentável e da formalização do discurso urbano atual.

O diálogo cidade e cidadãos do século XXI

Os debates sobre Ciudad y ciudadanos del siglo XXI <http://www.barcelona2004.org/esp/eventos/dialogos/ficha.cfm> foram organizados em cinco temas gerais que se constituíram em objeto de palestras, conferências e exposições de estudos e experiências divididos em duas sessões, sempre mediados por um especialista. Os temas desse diálogo foram discutidos na seguinte ordem:

Dia 8 - O século XX contempla o século XXI - primeira sessão: introdução de Oriol Bohigas, Guiseppe Campos Venuti e Jorge Wilhem; segunda sessão: conferencistas Saskia Sassen, David Harvey e Peter Hall, com conclusões do professor Joan Busquets.

Dia 9 - Urbanismo y poder - primeira sessão: conferencistas Nuno Portas, Michael Cohen e Neil Smith; segunda sessão: Manuel Gausa, Jaime Lerner e Maurizio Marcelloni, com comentarios de Nuno Portas.

Dia 10 - Arquiteturas contra as cidades? - primeira sessão: apresentação de Ariella Masboungi e conferências dos aquitetos Winy Maas e Tania Concko; segunda sessão: conferências dos arquitetos Stephen S. Y. Lau e Manuel de Solà-Morales, com comentários do professor e arquiteto Josep Maria Montaner.

Dia 11 - Medos e desejos na cidade - primeira sessão: introdução de Michel Marcus e conferências do geógrafo Michael Dear e do arquiteto Eyal Weizman; segunda sessão: conferências de Fernando Carrión e Jordi Borja, que contou com os comentários do próprio Jordi Borja.

Dia 12 - A cidade conquistada - com introdução e comentários de François Ascher, teve como conferencistas Joan Clos (prefeito de Barcelona), Guiseppe Pericu (prefeito de Genova), Michael Cohen e Jordi Borja.

As principais análises e discussões apresentadas partiram do entendimento da diversidade de realidades urbanas atuais dentro de um marco paradigmático denominado de "crise do neoliberalismo" para tentar compreender as possibilidades de persistência, resistência e metamorfoses necessárias para manutenção da convivência das sociedades urbanas e uma melhor qualidade das cidades no século XXI.

É certo que o tema do planejamento urbano esteve norteando todo um quadro esquematico que visava encontrar as melhores formas, estruturas e processos que faciltassem uma qualificação melhor para as cidades de hoje. A crítica maior acordada pelos participantes é que essa busca não poderia basear-se somente nos planos políticos projetados de cima para baixo, como sempre ocorreu na história urbana, mas sim, aproveitar as próprias realidades e frações da sociedade para participar mais ativamente da construção da cidade e cidadania que se almeja no século XXI.

Já na introdução do diálogo, os arquitetos Oriol Bohigas[2], Guiseppe Campos Venuti[3] e Jorge Wilhem[4] foram unânimes na afirmação de que o problema das cidades é esencialmente político. E, a debilidade do Estado, tem gerado o aparecimento de outras políticas institucionais e outras instituições.

Neste sentido, refletindo sobre as emergencias das práticas espaciais atuais e futuras, Saskia Sassen foi taxativa na sua exposiçao, colocando que devemos abrir novas pontes analíticas para compreender as mudanças atuais na concepção de Estado Nacional e, por conseguinte, no reflexo dessas mudanças na percepção do espaço urbano.

Partindo da explicação diferencial entre os meios formais e informais não somente da economia, mas da -organização-da sociedade nas grandes cidades, a verdade posta em nossa frente é que o Estado neoliberal vai perdendo vigor. Quando se fortalecem os vínculos de solidariedade entre os atores sociais (exemplo: imigrantes sem documentos, desempregados e sem tetos) e as subjetividades políticas impondo as verdadeiras ordens na práxis urbana, seja representados pelos novos projetos sociais ou mesmo pela retomada da luta pelo direito à cidade que o liberalismo destruiu.

As caracteristicas que marcam a crise do neoliberalismo segundo Sassen, estão presentes na forma de globalização pretendida pelo poder formal, -quando as desetabilizações do FMI (Fundo Monetário Internacional) afirmam que as metas nem sempre são cumpridas pelos devedores-. Isso porquê, os três bilhões de pobres não se converteram em consumidores e as desigualdades dentro dos países ricos se ampliaram, denunciando que o milagre não ocorreu. Outro fator que corrobora para essa análise é a -crise da OMC (Organização Mundial do Comércio), em que os protecionismos continuam separando mercados- ao contrário do que se pensava como órgão de regulação de um mercado mundial.

Segundo os argumentos de Saskia Sassen[5], -a privatização da política formal, principalmente no âmbito do espaço urbano fez com que surgissem outras possibilidades de globalizações informais, como é o caso dos movimentos organizados da sociedade cívil, que encaixaram a política globalizada de forma horizontal em várias localidades-. E o espaço urbano passou a se constituir no palco das respostas mais imediatas, dando sentido as práticas espaciais nos micro-lugares. O que passa, por outro lado, a demandar novas necessidades, convivências, políticas e principalmente novas formas de governabilidade urbana.

A grande pergunta sugerida pelo tema do diálogo, como pensar o futuro das cidades? Teve da cientista social, uma resposta inflexiva baseada no poder dos informais políticos (participaçao cidadã), em que estes emergem em uma nova ordem social que comungam claramente as necessidades das cidades, as demandas e potencialidades de suas sociedades. Em outras palavras, as materialidades urbanas de reinvindicão e de luta pelo direito a cidade no inicio deste século deve gerar desagregação parcial dos sistemas políticos para que haja uma melhor convivência das diversas classes sociais nas cidades.

A exposição de David Harvey[6] se constituiu numa crítica ao neoliberalismo, que entre pontos negativos e positivos se destacam a ampliaçao da concentração capitalista por um lado, e por outro, abre a possibildade de a partir das -práticas sociais e espaciais-[7], restaurar o poder das distintas classes sociais.

Chamando a atenção sobre a questão: De quém é a cidade? Ele aborda a complexidade das sociedades urbanas atuais, e esboçam de forma negativa a relação da governabilidade e a convivência social nas principais cidades mundiais. David Harvey coloca um ponto para reflexão na questão da cidade atual quando inicia sua conferência com a seguinte frase: -quem sabe, poderemos afirmar um dia que a cidade neoliberal nasceu no século XX, sistema que agora está em crise-.

Harvey explica a crise do neoliberalismo como resposta contraditória de suas próprias sociedades, numa tentativa de tornar a cidade cada vez mais livre das amarras políticas e do capitalismo financeiro, ao mesmo tempo em que entende que o imperialismo nestas bases é de certa forma inevitável[8]. Mesmo que seja em tempos desiguais e se produzam de formas diferenciadas em determinados espaços mundiais, é no plano das relações sociais nas cidades que as transformações necessárias podem acontecer.

Para Harvey o neoliberalismo dos Estados Unidos está se tranformando em um autoritarismo populista ou mais perigosamente se convertendo em um fascismo liberal liderado por George Bush, ao passo que em países como China, ainda estamos vendo a  formação brutal de sociedades de classes concentradoras. Neste sentido, Harvey acredita que esta política -ataca qualquer forma de solidaridade social-. Porém, as respostas já existem, como é o caso de Porto Alegre e tantas outras cidades. Que têm se convertido em ícones de mudanças no sentido político da governança urbana.

Assim, os problemas advindos a partir do neoliberalismo, ou seja, das rupturas democráticas conquistadas pelo embate entre a ciência e economia clássica tranformaram as cidades sob o paradigma neoliberal, e este episódio socio-ecoômico fragmentou e debilitou a cidade e os cidadãos ao longo deste ultimos 15 anos. Fato que hoje, com a privatização do poder e, por conseguinte, a privatização da cidade, ou mesmo as tragédias, as sociedades estão descobrindo sua energia solidária capaz de transforma a ordem imposta.

Um bom exemplo dessa energia transformadora foi o depois do 11-S, quando a sociedade de New York se deu conta de que poderia atuar como cidade. As cidades existem através das memorias coletivas e dos sentimentos de esperança de sua sociedade[9], que almeja as transformações a uma melhor qualidade de vida.

A solução para Harvey -é reconstruir o debate para não acabar no autoritarismo dos Estados Unidos- e começar a se perguntar Que cidade queremos ou que sociedade pretendemos ser? Torna-se necessário, sobretudo, valorizar as relações sociais e práticas que necessitamos ou pensamos, ao invés de tentar modelar cidades?.

Dentro do especto analítico esperado, o professor Peter Hall expôs um estudo de tendência de três tipos de cidades para o século XXI; segundo Hall, o primeiro tipo é caracterizado por "cidade que enfrentam o hiper crescimiento da economia informal", a exemplo de cidades subsaharianas, asiáticas es latinoamericanas. Onde algunas das características que as definem são a pobreza, a degradação ambiental, os micro-créditos e a moradia de baixa qualidade.

Em segundo lugar, Hall citou as cidades de crescimiento dinâmico médio que são as cidades do oriente asiático, algumas da América Latina e África do sul. Peter Hall explicou que nestas cidades "a diminuição das taxas de natalidade, junto com o predomínio de população ativa tem atraído investimentos e, como consequencia, tem proporcionado uma maior dinâmica espacial"[10].

Por último, Peter Hall se referiu às cidades maduras que enfrentan ol envelhecimento de sua população, como ocorre na América do Norte, Japão, Australia e Europa. Nestes casos, os principais desafios de suas sociedades são: a divisão dos lares, a polarização social e o envelhecimento, já que os problemas econômicos estão solucionados. Assim, a grande questão apresentada rivalizou com as opiniões anteriores, quando se abriu um leque muito grande de indagações sobre a existencia de algum modelo de cidade dentro da atual conjuntura mundial de crise do neoliberalismo.

Esta questão foi categoricamente descartada pelo próprio autor, que apontou a não existência de modelos de cidades, nem sequer, consensos entre os instrumentos urbanísticos atuais que possam compreendê-las através de políticas e planos comuns.

As considerações elaboradas pelo professor Nuno Portas, baseou-se na não existência de pautas de desenvolvimento comuns entre as cidades de "mesma ordem ou tipologia",uma vez que a dissociação entre a efetivação dos planejamentos e o aumento das disparidades sociais e espaciais das principais cidades mundiais, por exemplo, tem levado aos mesmos problemas apresentados pelas cidades planejadas do início do século XX, permanecendo os continuísmos da concentração, da periferização e o caos urbano.

Segundo Nuno Portas, "torna-se necessário criar consensos entre técnicos, responsáveis políticos e população para que se possa forçar mudanças institucionais e culturais"[11], ao contrário, permaneceremos sem as referências dessa sociedade mais justa que todos queremos e pensamos.

Apesar das análises pessimistas apresentadas por Michael Cohen sobre as cidades ocidentais que atingiram seu apogeu mercadológico na globalização neoliberal, onde tudo passa a ser objeto de consumo e os cidadãos passam a ser tratados como consumidores, o antropólogo Neil Smith[12] chama a atenção dos especialistas do urbanismo e gestores urbanos em geral para concentrarse nos estudos sobre ";as cidades como lugares de produção social e do controle urbano", uma vez que a partir desses objetos de análises podemos minimizar a situação de desgovernança e apreender novas formas de planejar a cidade. Segundo ele, além dos estudos sobre o mercado imobiliário, as formas e processos urbanos, temos o dever cívico de buscar as soluções que tentem aproximar os cidadãos no sentido de que as cidades de convertam em lugares de convivência pacífica e não de intolerância, como vem sendo aprogoada nos últimos anos com a insturação da insegurança globalizada.

Analizando o poder das micropoliticas e da desburocratização nos processos de planejamentos urbanos participativos e nas estratégias dos agentes urbanos, os arquitetos e urbanistas Maurizio Marcelloni[13] e, principalmente, Jaime Lerner apontam em suas colocações o papel do urbanismo pos-fordista e a necessidade de instituição de correponsabilidades dos agentes urbanos no sentido de compreender a equação entre as necessidades e potencialidades das cidades e dos cidadãos.

Segundo Jaime Lerner, "a cidade não é o problema, mas sim a solução, porque nas cidades estão os serviços, a produção e a reprodução". Baseado nas suas próprias experiências de consultoria e planejamentos dos custos dos problemas urbanos no Brasil e em outros países, Lerner explica que o fundamento básico de qualquer política urbana deve partir da proposição de cenários desejáveis a curto prazo, entre os vários agentes e atores que visam equacionar os problemas urbanos. De acordo com sua visão de planejamento, a coesão dos diversos agentes em envolvidos na produçao do espaço urbano tende a desburocratizar o processo de planejar e ao mesmo tempo, integrar funções urbanas, criando uma cidade mais humana.

Na questão dos medos e desejos na cidade, o que ficou mais patente na discussão foi a análise proferida pelo professor Jordi Borja sobre a violência urbana, onde o autor de importantes obras de sociologia urbana, propôs ante a ameaça subjetiva e o que ele chamou de miséria do espaço público, linhas de atuações mais socializantes do urbanismo que combatam a segregação e privatização. Dentre as propostas apresentadas, destacam-se: o desencravamento dos bairros marginais e dotar de legalidade urbana, tipo favela- bairro ou desfavelização como ocorreu no Rio de Janeiro; criação de elementos de qualidade, como monumentos culturais ou centros de educação em distinstas escalas; promover a hibridização urbana através da promoção de conjuntos de moradías de diferentes níveis socio-econômicos convivendo nos mesmos espaços e, a instituição de inovações políticas como novas formas de justiça social e, sobretudo de tolerância.

Dessa maneira, "os governos urbanos haverão de assumir pautas socio-culturais múltiplas, onde a segurança não apareça como consequência, mas sim como um direito a um projeto de vida, como os demais direitos"[14]

O diálogoEspacio urbano colectivo: nuevas perspectivas

Os debates sobre Espacio urbano colectivo: novas perspectivas <http://www.barcelona2004.org/esp/eventos/dialogos/ficha.cfm?IdEvento=521> também foram organizados em cinco temas gerais que se constituíram em objeto apresentações de estudos e experiências e mesas redondas divididos em duas sessões, sempre mediados por um especialista da área de arquitetura. As temáticas foram discutidas na seguinte ordem:

Dia 8 -Espaço coletivo como forma na arte e arquitetura - mediador: Jean-Louis Cohen, apresentações de trabalhos dos arquitetos François Barré, Beth Galí, Carmen Giménez e Dennis Adams, seguidos de mesa-redonda e debates sobre a temática.

Dia 9 - Espaço coletivo como marco para a mobilidade - mediador: Rowan Moore, apresentações e mesa redonda com Joan Busquets e François Archer e debate com a participação de Josep Anton Acebillo em lugar do prefeito de Madrid (Alberto Ruiz-Gallardón) e do arquiteto francês Dominique Perrault.

Dia 10 - Espaço coletivo como ponto de interação das estratégias públicas e empresariais - mediador: Ricky Burdett, apresentações e mesa redonda com os arquitetos Josep Anton Acebillo, Michel Cantal-Dupart, Bruno Figueras, seguidos de debate com Joan Clos e Richard Rogers.

Dia 11 - Espaço coletivo e segurança - mediador: Michel Marcus, apresentações e mesa redonda com o filósofo Josep Ramoneda e os arquitetos Michael Sorkin e Sophie Body-Gendrot.

Dia 12 - Espaço coletivo como marco de identidad - mediador: Dietmar Steiner, apresentações e mesa redonda com Guiseppe Pericu, Manuel Solà-Morales, Alexandre Chemetoff, Raj Rewal e Stefano Boeri.

Embora as discussões sobre as cidades e cidadãos do século XXI tenham se baseado em concepções ocidentalistas, em termos dos espaços coletivos, as disputas pelo controle destes espaços entre as instituições públicas e privadas oferecem aos urbanistas e arquitetos múltiplas oportunidades para desenvolver projetos que reflitam as as possibilidades e contradições das cidades contemporâneas. Dessa maneira, Jean-Louis Cohen apresenta a problemática explicando que o idealismo modernista que se baseava no controle dos espaços públicos através do Estado implica na negação da função de intercambio entre os espaços públicos e privados, erosionando a vida cotidiana nas cidades. Uma vez que na realidade esse controle é feito mais efetivamente pelas organizações e grupos privados. Ele explica a gestão neoliberal da cidade no mundo atual, oferencedo pistas para o entedimento de que os espaços que antes eram considerados como públicos, hoje são apropriados por grupos, instituições ou mesmo alguns agentes urbanos que os tornam inacessivel a população e geral.

Numa análise mais crítica a respeito dessa gestão neoliberal, as duas caras desse processo provocam um certo empobrecimento da cidade, quando de um lado se percebe que na periferia das grandes cidades, praças, pequenos centros comerciais, calçadas ou mesmo os antigos paseios públicos criados na segunda metade do século XX, malgrado as crises financeiras das autoridades municipais, têm se constituído em verdadeiros espaços abandonados e desasistidos. Enquanto que de outro lado, estas mesmas cidades passam por um processo de renovação de espaços públicos, conduzindo a um autêntico renascimento de numerosos bairros, através da revitalização, gentrificação ou novas intervenções que dão novos sentidos e formas às cidades.

Não questionando a validade dos modelos de propriedade e gestão dos espaços da vida coletiva, Jean-Louis Cohen afirma que "os espaços coletivos da cidade contemporânea podem se considerar como um 'fenômeno social total', segundo o conceito introduzido pelo etnólogo Mercel Mauss, no que o intercambio é o principio fundador. Estes espaços acolhem de uma só vez, formas de interação institucionalizadas e relações libres, comuns, entre os cidadãos". Como encruzilhada de mobilidades, ou mesmo testro da mercadoria, o espaço coletivo também asegura a articulação de diversas escalas do projeto urbano, desde a paisagem até a arquitetura e as artes pláticas. É uma componente chave na identidade histórica das cidades que permite sua projeção ao futuro. O que supõe que uma teoría integradora de espaços coletivos não se poderá formular sem a confrontação das múltiplas experiências e percepções que estes espaços produzem na sociedade.

A discussão inicial desse tema tratou de colocar em pauta as visões de arquitetos, artistas e literários sobre qual é a posição do espaço coletivo no discurso artístico atual da cidade. Na busca para compreender as mútiplas formas e percepções dos espaços coletivos, as grandes questões teórico-metodológicas levantadas se referiram as possíveis estratégias para manter a forma dos espaços coletivos como lugares de encontro das pessoas. Diferentemente dos muitos espaços públicos de hoje, que se configuram como lugares somente acessível a um grupo, ou a quem tem interesses específicos. Um bom exemplo desses espaços são os edificios e espaços interiores de organismos "públicos", que na verdade são restritivos as pessoas comuns.

Em realidade, essa diferenciação entre espaço coletivo e espaço público cresce a partir da ampliação do caráter privatista individualizado desses espaços. Segundo François Barré, existe uma crise de espaço público que cerca as cidades de forma implícita e transforma o uso de determinados espaços inacessíveis à população que vive nestas mesamas cidades. "Antes a arte urbana era como um complemento da forma da cidade, um desenho da cidade formada pelos valores dominantes e hoje, as únicas grandes edificações artísticas públicas, são museificadas ou restritivas que nem sempre reflete o poder simbólico de sua sociedade".

Para Barré, torna-se necessário compreender os sujeitos, as tensões e rupturas sociais para poder propor uma estética mais ampla e aberta aos espaços públicos; e quanto a ação dos artistas urbanos e a arte urbana, estes devem se voltar para incluir e conectar a cidade difusa, tranformando a percepção e o uso coletivo da cidade.

Segundo Dietman Steiner, a diferená entre espaço público e espaço coletivo é o caráter socializado da concepção do espaço público que representa o direito público, mas é no espaço coletivo que se marca a identidade através do uso e da acesibilidade que as pessoas dão a estes espaços. Pese as possibilidades de privatizações minimas dos espaços coletivos, estes são compostos de experiências e práticas que preenchem de sentido o viver na cidade, através dos intercambios e encontros entre os cidadãos. Enquanto que o espaço público pode não ser accessível à sociedade, ou ao cidadão comum, vez que representa um conjunto normativo que o privatiza da ação geral dos grupos sociais.

A contradição entre espaço público e espaço coletivo se fundamenta atualmente na combinação de processos de regulação pública e investimento privado, uma vez que alguns espaços pertencentes a instituições públicas são utilizados para efetuar negócios, enquanto que outros de caráter privado estão se convertindo em espaços coletivos mais populares de algumas cidades. A exemplo de parques públicos privatizados e os novos lugares de encontros da sociedade atual, que pode converter lugares privados em espaços coletivos.

Uma outra preocupação entre as aportações sobre os espaços públicos e coletivos é o problema da segurança. Fato que segundo cientistas políticas Sophie Body-Gendrot, "depois do dia 11 de setembro de 2001 houve uma ruptura do conceito de que a cidade se contitui em um convivio de diferentes". Em sua opinião, "se deve educar os cidadãos sobre a realidade do medo instituido nas cidades", porquê o que se têm excutado nos mais distintos espaços públicos e coletivos, é a "prática de uma nova doutrina de segurança autoritária que declaram perigosos todos aqueles que são "estranhos" a estes espaços"[15]. Ampliando de certa maneira uma discriminação prévia de uso de determinados espaços coletivos ou públicos que agora passam a ser privatizados pelo medo.

Por outro lado, Josep Ramoneda, diretor do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, insiste em "pensar as cidades desde o âmbito da geopolítica", pois para ele, "a cidade é um espaço de articulação política do futuro". Para o jornalista e filósofo catalão, "se algo deveria caracterizar a cidade, é o direito a ser indiferente e não a ser diferente. O discurso multicultural atual comete um grande erro, pois somos nos mesmos os que marcamos as diferenças". Em sua opinião, "o esencial é a autonômia do individuo".

Entretanto, comparando a visão empresarial, a segurança e sustentabilidade do espaço urbano, segundo o ponto de vista dos representantes políticos e grupos críticos, a cidade tende a se converter num palco de ações modeladoras que pode ser constuido e desconstruido em função das dinâmicas não apenas dos grupos imobiliários ou estatais, mas sim, a partir dos usos executados pelos e para os cidadãos de todas as raças, religiões e procedências.

Nesse âmbito foram explicadas as iniciativas de parcerias de construção de espaços coletivos em Barcelona, cidade em que o arquiteto Richard Rogers, considera que se tornou a urbe mais sustentável do planeta, uma vez que combina multiculturalismo, espaços coletivos, dinâmica empresarial e convivência pacífica dos diversos grupos e étnias. Visão que não é aceita por muitos estudiosos, que percebem a existencia de grandes problemas de desterritorialização na cidade.

Considerando essa linha de pensamento sobre a segurança das cidades, de acordo com as experiências vivenciadas pelo desenvolvimento atual da cidade de Genova, que desponta no inicio deste século como exemplo de cidade educadora, o seu prefeito, Giuseppe Pericu aponta que qualquer programa de planejamento, desenvolvimento urbano, criaçao de novos espaços coletivos deve passar pelo "reconhecimento dos cidadãos e conter elementos representativos do seu passado". Uma vez que, a "identidade cultural da cidade torna-se fundamental no mundo moderno em que a globalização pretende nos transformar em consumidores e não cidadãos". Educar a sociedade através do desenvolvimento de políticas urbanas participativas se constitui na chave do planejamento atual para construção de uma sociedade-cidade melhor.

Conclusões gerais dos diálogos

As conclusões ficaram marcadas na fala dos demais oradores como Alexandre Chemetoff, Raj Rewel, Michel Marcus e Michael Sokin, uma vez que foram unânimes em aportar a necessidade de se propor planejamentos que sejam mais inclusivos, e não apenas accessíveis a uma parcela da população.

Em termos de considerações sobre o diálogo "cidade, espaço de convivência" os diretores do evento, Jordi Borja e Mirela Fiori, enumeraram uma listagem de pontos discutidos, e propostas para que sejam refletidas e ou postas em prática no âmbito das experiências e vontades políticas que assim desejem. Dentre as propostas e preocupações mais destacadas, um reclamo ficou patente entre os participantes deste evento: a necessidade de legitimar uma nova governabilidade aos territórios, a redução de grandes municípios para que estes se tornem mais participativos na escala do planejamento e na integração de estruturas urbanas regionais. Também tornou-se manifesto a necessidade de se criar espaços de tolerância nas cidades, onde a dialética entre o espaço público e a cidadania possa constituir a cidade em grandes espaços coletivos, mesmo nas distintas sociedades africanas e mulçumanas. Onde o direito a cidade não se resuma na necessidade do morar, mas sim, num direito a manter a memória e a identidade.

Notas
 

[1] Ver mais detalles no site http: //www.barcelona2004.org/esp/eventos/dialogos
[2] Bohigas, Oriol. 2004, p. 6 -15.
 
[3] Venuti, Guiseppe Campos. 2004, p. 6 -9.
 
[4] Wilhelm, Jorge. 2004, p. 1-9.
 
[5] Autora de The City Global, 2001 e Cities in a World Economy, 2000.
 
[6] As idéis básicas de sua exposição estão presente nos textos A liberdade das cidades e Neoliberalism and the restoration of class power, ainda não publicados.
 
[7] Lefébvre, Henri. 1986.
 
[8] Harvey, David. 2003.
 
[9]Harvey, David. 2001.
 
[10]Hall, Peter, 2004, p. 1-7.
 
[11] Portas, Nuno. 2003, p. 113.
 
[12] Smith, Neil. 2004, p. 27
 
[13] Marcelloni, Mauricio. 2004, pp. 1-16.
 
[14] Borja, Jordi. 2004, pp. 1-2.
 
[15]Body-Gendrot, Sophie e Wenden, C de. 2003.
 

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© Copyright: Antonio Carlos Campos, 2004
© Copyright: Biblio3W, 2004
 
Ficha bibliográfica
 
CAMPOS, A. C. A cidade, espaço de conviência. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. IX, nº 546, 15 de noviembre de 2004. [http://www.ub.es/geocrit/b3w-546.htm]. [ISSN 1138-9796].

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