Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
(Serie  documental de Geo Crítica)
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. X, nº 588, 10 de junio de 2005

MODELOS DE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA: A EXPERIÊNCIA EM PORTUGAL E BRASIL.

Sérgio Claudino
Universidade de Lisboa, Portugal

Adriano Rodrigo Oliveira
Universidade Estadual Paulista Campus de Rio Claro, Brasil


Palavras-chave: formação de professores, professores de geografia, ensino de geografia.

Key words: teacher training, teacher of geography, teaching geography.


As diferenças de dimensão entre Portugal e Brasil reconhecem-se na disparidade dos sistemas de formação e do número de professores de Geografia. Em 2003, apenas no Estado de São Paulo, 16.000 professores de Geografia concorreram a 3.000 vagas abertas, quando em Portugal há cerca de 5.000 docentes da disciplina. O contraste prolonga-se quando consideramos o número de cursos de Geografia: no primeiro país, funcionam mais de cinquenta cursos, envolvendo duas modalidades de formação: a licenciatura, que habilita os professores do ensino fundamental e médio (para jovens dos 11 aos 18 anos) e o bacharelato, que forma geógrafos direccionados para a investigação e o planeamento e ordenamento do território. Em Portugal, a partir de 2004/05, encontramos sete universidades com licenciaturas em Geografia, quatro das quais com formação inicial de professores.

Diferentes modelos de formaçao docente, algumas preocupações comuns.

No Brasil, nos cursos de preparação para a docência, domina o modelo 3 mais 1: a três anos de uma formação inicial, mais centrada nos conteúdos específicos de Geografia, sucede-se um quatro e último ano, em que se valorizam as questões educativas. Em Portugal, a formação inicial de docentes é assumida pelos departamentos de Geografia das Universidades de Porto, Coimbra, Lisboa e Universidade Nova de Lisboa. Nesta última instituição, à licenciatura de Geografia, de quatro anos, acresce um curso de formação docente de dois anos, mas nas restantes a formação inicial desenvolve-se em cinco anos, o último dos quais dominado pelo Estágio em escolas básicas e secundárias.

Em Portugal (e na Europa), a formação inicial de docentes vê-se cada vez mais confrontada com o desafio das áreas curriculares não disciplinares, no caso português o Estudo Acompanhado, a Área de Projecto e Formação Cívica. Têm um papel cada vez mais relevante nas actividades dos alunos de pesquisa, tratamento e análise de informação e de interacção com a comunidade. Contudo, a formação inicial de professores subsiste com uma matriz fortemente disciplinar, também em Geografia. Já no Brasil, as solicitações docentes continuam a situar-se, sobretudo, no âmbito disciplinar. As diferenças dos sistemas educativos não anulam desafios comuns aos professores de Geografia portugueses e brasileiros.

No advento do século XXI, a escola é confrontada com a necessidade de responder à democratização do sistema de ensino, com a mobilização de públicos escolares oriundos, em número crescente, das classes populares. Como defende Mizukami et. al.  (2002), os desafios de uma escola de massas obrigam a superar a concepção de que o saber escolar é um conjunto de conhecimentos eruditos, aderindo a uma perspectiva mais complexa, de que a formação do cidadão se materializa nas instâncias democrática, social, solidária, igualitária, intercultural e ambiental. Essa perspectiva amplia a concepção de saber escolar e coloca-o em diálogo com o saber dos alunos (numa perspectiva construtivista) e com a própria realidade objetiva em que as práticas sociais se desenvolvem.

Na construção da escola socializadora, exige-se ao professor de Geografia  que lide com um conhecimento em construção e perspective a educação como um compromisso político, carregado de valores éticos e morais, atento ao desenvolvimento da pessoa e dos grupos e que, ainda, seja capaz de conviver com a mudança e a incerteza. O professor de Geografia deve possuir um bom domínio dos conhecimentos científicos específicos, mas a sua formação ultrapassa, de forma clara, a sua apropriação e a das próprias técnicas de ensino. A formação inicial tem de colocar futuros docentes de Geografia em contacto com situações problemáticas, indutoras de uma atitude reflexiva e valorizadora dos contextos sociais e pessoais na produção geográfica.

Consideramos, hoje, dois grandes modelos de formação de professores. O primeiro, de racionalidade técnica, está associado a formações de matriz disciplinar e à reprodução dos conhecimentos académicos. A formação é concebida, sobretudo, como um processo de preparação técnica, que pretende responder ao correcto funcionamento das regras e técnicas na sala de aula.

O segundo modelo, de racionalidade prática, aposta numa formação baseada no conhecimento das práticas escolares e sociais, a partir das quais são construídas perspectivas teóricas de formação; quando pensamos numa formação virada para o desenvolvimento de práticas de participação e intervenção, este surge como o modelo a ser privilegiado.

Manuela Jacinto (2003), reportando-se à supervisão pedagógica, refere-se à orientação tecnológica e à orientação prática, associando a primeira ao paradigma positivista, de eficiência social, e a segunda à perspectiva fenomenológica, em que se salientam as capacidades interpretativas e as interacções pessoais do docente.

A oposição de modelos prolonga-se quanto à própria concepção de formação contínua. Contesta-se, cada vez mais, que esta seja encarada como o conjunto de cursos e acções, mais ou menos pontuais, que contribuirão para uma actualização de conhecimentos, depois mobilizados para a actividade docente. Segundo Schön (1983) e Mizukami et. al. (2002), esta visão é coerente com o modelo de racionalidade técnica, em que a actividade profissional consiste na resolução de problemas instrumentais em processos educativos dominados pela transmissão de conhecimentos; desvalorizam-se os contextos mais amplos em que as práticas educativas e sociais estão inseridas (Mizukami et. al., 2002). Pérez Gómez (1992) também critica este modelo, por não responder aos problemas educativos: as situações de ensino são incertas e únicas e não existe uma única teoria científica capaz de resolver os problemas da prática pedagógica na sala de aula e na escola.

Ao contrário, a formação de professores é crescentemente encarada como um continuum (Mizukami, 2002 et. al.), um processo de desenvolvimento para toda a vida (Cole e Knowles, 1993), o que também coloca no centro das atenções o crescimento pessoal e social dos formandos (Estrela, Esteces, Rodrigues, 2002). Tal aponta, numa primeira leitura, para uma desvalorização da formação inicial, mas também para que esta deve valorizar a necessidade de auto e hetero formação ao longo da vida.

Brasil: o Grupo Atlas da UNESP de Rio Claro ou os desafios de uma construção solidária e cidadã

No Brasil, os cursos de licenciatura de Geografia seguem, fundamentalmente, o modelo de racionalidade técnica (Schön, 1983).

Como se referiu, os três primeiros anos são de apropriação dos conhecimentos geográficos específicos e, só depois, surge a preocupação em didactizar esta informação (Mizukami et. al., 2002), nas disciplinas de Didáctica e Prática de Ensino. Este modelo tem as suas raízes históricas na criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, USP, quando bacharelado e licenciatura foram concebidos como cursos diferentes (Almeida, 1994). É este também o modelo da licenciatura em Geografia da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho,UNESP, Campus de Rio Claro, em São Paulo.

O modelo 3 mais 1 tem sido questionado pela comunidade universitária brasileira. É criticado pela reduzida atenção concedida às Ciências da Educação e pela necessidade de valorizar o conhecimento escolar, a realidade das escolas e do próprio sistema educativo. Segundo Rosângela Almeida (1994), exige-se da universidade um novo projecto pedagógico, em que a Didáctica da Geografia surja com o estatuto de área científica.

A formação de professores para o ensino da cidadania supõe a mobilização de práticas pedagógicas solidárias, democráticas e reflexivas sobre a realidade social da escola, capazes de gerar inovação.

Ao encontro destas preocupações, um grupo de professores universitários, professores do ensino básico e alunos de licenciatura em Geografia e pós-graduação, uniram-se no Departamento de Educação da UNESP de Rio Claro e constituíram um grupo de pesquisa em educação, o Grupo Atlas.

Desde 1997, no Laboratório de Ensino de Geografia do Departamento de Educação da UNESP, em Rio Claro, decorre este projeto[1], em parceria com professores de Geografia, História e Ciências da rede estatal de ensino, de desenvolvimento de atlas municipais como material didáctico. Estes atlas permitem aos alunos o estudo do ambiente próximo, contribuindo para a sua conscientização da importância da preservação dos recursos naturais. Entender o lugar, implica conhecer a geografia das relações com outros lugares e com o espaço mundial, compreender as lógicas locais e globais. Como refere Rosângela Almeida (2001), um atlas local escolar, pode exprimir os desequilíbrios, as situações de conflito e as tendências da sociedade que se volta para o mundial.

O desenvolvimento de atlas municipais escolares tornou-se foco de trabalho de muitos pesquisadores brasileiros, a partir do momento em que o lugar emergiu como categoria para o entendimento do mundo (Almeida, 2001). Este tornou-se objecto de reflexão nas aulas de Geografia, surgindo os atlas municipais como um importante instrumento para para o estudo da localidade, da aprendizagem, por meio da linguagem cartográfica e fotográfica, das desigualdades e singularidades que configuram o território local. O projecto Atlas surgiu da solicitação dos professores do ensino fundamental e a produção de um atlas local veio suprir a lacuna que existia no Brasil para o ensino do lugar e da localidade.

Os professores de Geografia participantes no projecto definiram o espaço urbano como principal objecto de representação no atlas. A área foi dividida em sectores e bairros, onde foram representados os serviços públicos, as escolas e as unidades de saúde. Talvez ainda mais relevante que o produto material do trabalho, será a metodologia desenvolvida. Cooperam professores do ensino público, estudantes e investigadores da universidade, que se reúnem em seminários de discussão e organização do material. Os alunos da licenciatura receberam uma bolsa de estudos de iniciação científica; acompanharam os professores e realizaram estágios de observação nas escolas, registaram e analisaram as actividades na sala de aula, com recolha de informações sobre as situações de ensino.

Essa formação desenvolveu-se durante os primeiros anos da licenciatura e prolongou-se pelos anos seguintes. Difere da formação inicial inspirada no modelo de racionalidade técnica, pela possibilidade de participar de projectos conjuntos de investigação em Didáctica, direccionados para uma formação mais solidária e reflexiva,  sobre a aula de Geografia.

O envolvimento de professores de Geografia do ensino fundamental, de alunos dos cursos de licenciatura em Geografia e, também, de pesquisadores da universidade, constituiu a oportunidade de desenvolver a pesquisa de modo colaborativo, em dois anos e meio de encontros e seminários. Segundo Rosângela Almeida (2001), o seminário constitui a técnica mais usada para conduzir a pesquisa; nele, o grupo discute e toma as decisões acerca dos problemas que iam surgindo. Os professores organizam informações de diferentes fontes, interpretam, propõem soluções e directrizes, além de desenvolverem investigação teórica sobre cartografia e representação do espaço.

Os professores que participam na construção deste material didáctico, elaboram um conhecimento novo e direccionado para os interesses e necessidades da comunidade educativa. Mobilizam-se para a reflexão em torno das dimensões envolvidas neste processo educativo, através da discussão do currículo oficial e dos conteúdos que ajudam a compreender o lugar.

O projecto Grupo Atlas da UNESP de Rio Claro constitui um exemplo de uma formação de professores assente na cooperação de docentes de diferentes graus e na auto e hetero-formação.

Das licenciaturas em ensino à descoberta do professor de Geografia na Profissionalização em Exercício

Em Portugal, o Instituto Nacional de Educação Física, criado em 1940, foi pioneiro como escola superior de formação de professores que tenta articular as dimensões científica específica e pedagógico-didáctica na formação de professores. Em 1971, as Faculdades de Ciências dão continuidade a este percurso no ensino universitário e, desde 1983, adoptam o modelo de licenciatura em ensino. Nos primeiros anos, enfatiza-se a formação científica específica e, à medida que o professor em formação progride nos seus estudos, aumenta a componente curricular de Ciências da Educação e Didáctica. No 5º ano, o estágio anual numa escola do ensino básico ou secundário desenvolve-se sob a orientação de um professor orientador, coordenado por um docente da Faculdade.

Criadas a partir de 1973, as novas universidades direccionam muita da sua actividade para a formação de professores, também através de licenciaturas em ensino (criadas já em 1978), na área das Letras e Humanidades. Aos diplomados pelas universidades clássicas e da Universidade Nova de Lisboa continua reservado uma formação inicial para a docência efectuada em condições um pouco atribuladas e durante o seu próprio percurso profissional como docentes; entretanto, são ultrapassados na sua graduação profissional pelos seus colegas das novas universidades, detentores de licenciaturas em Ensino.

Em 1986, os alunos das Faculdades de Letras e da Universidade Nova de Lisboa exigem publicamente às respectivas instituições que lhes assegurem a formação inicial para a docência. Esta também é a vontade do Governo, num país confrontado com uma reduzida percentagem de docentes profissionalizados na Comunidade Europeia. Assim, a criação de cursos de formação inicial de docentes naquelas instituições surge mais por pressão externa do que por um projecto assumido internamente.

Entretanto, na primeira metade dos anos 80 e no âmbito da formação de docentes desenvolvida dirigida a professores que já se encontravam a leccionar, o Ministério da Educação desencadeara a Profissionalização em Exercício. Este modelo aposta no professor em formação como o principal agente deste processo e valoriza a escola como o grande centro de formação. A par das preocupações mais directas com o ensino da disciplina, aposta-se num professor atento ao desenvolvimento do sistema educativo e valorizador da integração da escola na comunidade, através da Área Escola. Este foi um projecto de formação de professores relativamente efémero, também pela dificuldade das escolas em assumirem o papel que lhes era solicitado na formação dos seus docentes.

Em qualquer caso, esta experiência constituiu um marco relevante na formação dos docentes e, muito em particular, na daqueles de Geografia. Por todo o país, os professores de Geografia distinguiram-se pela facilidade com que se mobilizaram e mobilizaram os seus alunos na descoberta do meio local e, mais pontualmente, no desencadear de acções de intervenção no mesmo. É neste contexto que, em 1984, a UNESCO estabelece um protocolo com o Ministério da Educação, tendo em vista a participação de professores de Geografia no desenvolvimento de projectos de educação ambiental. De alguma forma, este foi um período de descoberta dos professores de Geografia como agentes de uma formação fortemente marcada por preocupações cívicas e de ligação às realdiades locais.

Escolarização da formação inicial de docentes e propostas alternativas

A partir de 1986, os professores de Geografia que se encontravam no sistema de ensino iniciaram a sua profissionalização docente, a designada Profissionalização em Exercício, através das Escolas Superiores de Educação ou dos Centros Integrados de Formação de Professores que foram sendo criados por todo o país, das Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade Aberta e, ainda, de outras faculdades ou universidades. Este modelo de formação encontra-se, hoje, praticamente esgotado.

Ao ser deslocada para instituições de ensino superior a formação de docentes, esta terá ficado mais consolidada do ponto de vista da formação teórica, mas mais pobre quanto ao património de auto-formação e de ligação da escola à comunidade. Tal acentua-se na formaçao inicial dos docentes assegurada em licenciaturas de formação inicial docente, pese embora a relevância assumida pelo ano de estágio na escola.

Também nas instituições de formação portuguesas podemos falar de um divórcio entre a componente científica específica e aquela mais directamente relacionada com as questões educativas. Ele será menos acentuado do que o observada no Brasil, designadamente por nos cursos de formação inicial coexistem cadeiras científicas específicas e pedagógico-didácticas (que, assim, tendem a assumir igual dignidade institucional) e desenvolve-se um processo mais gradual de discussão e reflexão sobre as questões educativas.

Não se poderá falar de uma reduzida importância das cadeiras de Ciências da Educação (Desenvolvimento Curricular, Sociologia, Psicologia, Organização e Gestão Educativa, etc.). Contudo, há um certo afrontamento entre, por um lado, os responsáveis pela formação nas áreas disciplinares específicas (a que se encontram afecta a Didáctica), que se encontram nas Faculdades de Letras ou nos departamentos disciplinares de outras Faculdades e, por outro, os titulares das áreas de Ciências de Educação, nas Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação e nos departamentos de Educação de várias Faculdades ou Universidades. Em geral, os responsáveis pelos cursos das áreas disciplinares consideram que os especialistas em Ciências da Educação têm um discurso indiferente às especificidades das mesmas áreas; estes, por seu turno, tendem a sublinhar os aspectos comuns ao processo de ensino/aprendizagem nas várias disciplinas. Em consequência deste confronto, tem-se assistido a uma desvalorização do peso curricular das cadeiras de Ciências da Educação e, sobretudo, à assumpção, por parte dos departamentos e Faculdades disciplinares, da responsabilidade de leccionar aquelas cadeiras.

Julgamos pertinentes as críticas a umas Ciências da Educação que, em grande medida, se alheiam das especificidades disciplinares. Contudo, estas tensões também se devem compreender à luz dos conflitos de poderes entre instituições e grupos.

Não é fácil classificar a formação de professores segundo os dois modelos antes identificados. Dificilmente reconheceremos na generalidade das universidades portuguesas o modelo de racionalidade técnica, mas parece inequívoca a necessidade de que a formação inicial de docentes aprofunde a dimensão reflexiva construída a partir da prática.

Como reflexo da saturação do mercado de trabalho docente, o total de alunos nos cursos de formação docente tem diminuído fortemente nos últimos anos, também em Geografia -o que é ilustrado pela evolução observada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa/FLUL (gráfico 1). Estamos no limiar de um novo ciclo de formação de docentes, onde poderão ser valorizadas as preocupações com a qualidade da mesma formação.

Tomando de novo como referência a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), verificamos que a grande maioria das redes de estágio se localiza na Área Metropolitana de Lisboa (mapa 1). Tal tem um significado inequívoco, que poderemos extrapolar também quanto à formação de jovens professores de outras instituições universitárias: ela é desenvolvida sobretudo em escolas de áreas urbanas, acentuando-se o desfasamento daqueles em relação à realidade socio-cultural das escolas das áreas mais rurais.

Na FLUL, apenas o Departamento de Geografia assegura uma licenciatura em Ensino; os restantes cursos de formação inicial são de dois anos, após uma licenciatura de dois anos.

Os alunos ingressam para a licenciatura em Geografia e frequentam um primeiro ano de cadeiras comuns, de âmbito estritamente geográfico. No seu final, candidatam-se à variante da sua preferência, e há um esforço do Departamento em propiciar a cada aluno a frequência da mesma

Os alunos que optam pela variante de Ensino, no 2º ano frequentam, para além das cadeiras comuns aos seus colegas,  Os Grandes Espaços Mundiais e Ambiente e Recursos Naturais[2]. No terceiro ano, os mesmos alunos frequentam, entre outras cadeiras científicas específicas, a de Epistemologia da Geografia -correctamente, considera-se que um professor deve ter um bom conhecimento dos fundamentos teóricos da sua área disciplinar. Surgem, então, as cadeiras de Teoria Curricular, Psicologia da Educação e Didáctica da Geografia,  a formação na área de educação é, agora, claramente assumida.

No 4º ano, surge um Seminário, a revelar a preocupação em aprofundar a sua dimensão investigativa. Os alunos frequentam, também, Metodologia do Ensino da Geografia, Avaliação em Educação e Sociologia da Educação, para além de cadeiras de opção. No 5º e último ano, funcionam o Estágio Pedagógico e o Seminário de Didáctica da Geografia, que deverá servir de espaço de apoio àquele. No conjunto, este surge como um plano curricular equilibrado, em que as preocupações com as dimensões reflexiva e investigativa são evidentes.

Presentemente, debate-se a aplicação do Processo de Bolonha à reestruturação dos cursos de formação inicial; o parecer recentemente colocado a discussão pela comissão nomeada pelo governo[3], aponta para que a divisão dos mesmos cursos em dois ciclos, o primeiro de três anos, e o segundo de dois[4], o que manterá o modelo de licenciatura de cinco anos, mas obrigará a uma reestruturação da formação que se desenvolve em seis anos.

A escolarização da formação inicial, antes identificada, leva a que a mesma Comissão proponha duas alterações na formação actual de docentes: o reforço da componente investigativa do docente, pro se considerar inaceitável que este, ao longo da sua formação, não se assuma como pesquisador da realidade escolar. Por outro lado, defende-se o reforço do contacto dos futuros professores com as escolas, ao longo do seu processo de formação.

A FLUL (Universidade de Lisboa): aproximação à escola e a uma cidadania activa

Também na formação de professores de Geografia, se evidenciam os efeitos negativos da referida escolarização da formação inicial. A consciência deste problema tem-nos levado a incentivar o contacto dos professores em formação com a realidade escolar e o envolvimento dos professores de Geografia, em Estágio, na dinamização das áreas curriculares não disciplinares e da relação da escola com o meio em que se insere. Apresentamos, de seguida, alguns exemplos destas iniciativas, desenvolvidas no âmbito do Departamento de Geografia da FLUL.

No passado ano lectivo de 2003/04, no âmbito da cadeira de Didáctica da Geografia, do 3º ano (como se referiu), os alunos deslocaram-se a escolas de Lisboa e arredores, a fim de procederam à observação do funcionamento da escola e do grupo disciplinar de Geografia, consultando, entre outros, os respectivos planos de actividades. Numa segunda fase, assistiram a aulas de Geografia. Confrontaram, então, as suas observações com os princípios teóricos desenvolvidas na cadeira.

Já no 4º ano, no âmbito da cadeira de Metodologia do Ensino da Geografia, os alunos têm efectuado um estágio no Externato de Penafirme/Torres Vedras. Tem a duração de uma semana e os alunos não são sujeitos a qualquer avaliação do seu desempenho,  este pretende ser um espaço de experimentação e reflexão sobre a prática escolar, tão livre quanto possível.

Os alunos ficam alojados no próprio Externato ou próximo deste e aí tomam as suas refeições. A turma é dividida em grupos de 4/5 alunos, coordenados por um jovem professor, recrutado entre antigos alunos do curso de Geografia-Ensino, da FLUL.

O primeiro dia, 2ª feira, é dominada pelo contacto e conhecimento dos espaços da Escola, do seu funcionamento e projecto educativo. O docente da cadeira e organizador do Seminário lecciona uma ou duas aulas, que debate com os coordenadores de grupo, também como actividade preparatória do debate e reflexão.

O segundo dia seguinte é de observação e comentário de aulas (duas ou, no máximo, três), de Geografia ou não; mais recentemente, os alunos têm observado as actividades desenvolvidas nas unidades curriculares não disciplinares. Os grupos iniciam a preparação das aulas que, nos dois dias seguintes, vão leccionar, tarefa que, com frequência, se prolonga pela madrugada. Os terceiro e quarto dias são os das primeiras aulas destes futuros professores, com a preocupação de dar continuidade à programação lectiva definida pelos docentes de Geografia do Externato. Apostamos em aulas participadas por vários ou pela totalidade dos membros do grupo docente, com desenvolvimento de actividades que apelem a uma intervenção activa dos alunos,  multiplicam-se os trabalhos de gurpo, os jogos, etc. Os alunos do Externato de Penafirme são convidados a avaliar as aulas asseguradas pelos jovens docentes e fazem, habitualmente, uma balanço muito positivo das mesmas.

No final de cada dia, a totalidade do grupo reúne faz o balanço das actividades, com assumida preocupação do desenvolvimento de uma prática reflexiva. No final do quarto dia, o balanço é efectuado por cada grupo em relação à totalidade do seu estágio; à noite, o grupo desloca-se passeia, em ambiente de festa, que o estágio está a terminar.

O quinto e último dia (6ª feira) consta de uma sessão, de manhã, em que cada grupo apresenta o balanço global efectuado no dia anterior. Nesta sessão participam, ainda, representantes do Externato e do Ministério da Educação. A reflexão sobre o estágio vai-se prolongar pela cadeira de Metodologia do Ensino da Geografia.

O balanço deste estágio pelos alunos tem sido extremamente positivo, o que tem contribuído para a sua continuidade.

No Estágio Pedagógico do 5º ano, a actividade lectiva está no centro das preocupações; esta entrosa com as preocupações de uma formação apostada fortemente na relação com a comunidade escolar e com o desenvolvimento de atitudes de cidadania.

As preocupações de cidadania são transversais e estão presentes no tema orientador das actividades, seleccionado em cada ano. Nos últimos anos, os temas seleccionados foram Cidadão do Milénio (2002/3), A Europa (2003/4) e, em 2004/05, será A Paz. Em anexo, apresenta-se uma tabela de síntese dos planos de actividades de 2003/04, onde se identificam muitas das actividades desenvolvidas pelos núcleos de estágio de Geografia.

Em jeito de síntese, enquanto área de vocação pluridisciplinar particularmente atenta à relação da escola com a comunidade, a educação geográfica tem de dar uma resposta decisiva e atenta aos desafios colocados pelas novas áreas curriculares não disciplinares, do que a formação inicial de professores não se pode alhear. A formação inicial de professores numa perspectiva de cidadania aponta para o modelo de racionalidade prática, valorizadora do trabalho e da reflexão centrada na escola e nos problemas que se colocam à educação geográfica.

Os exemplos apresentados no âmbito da formação inicial de professores, tanto do Brasil como de Portugal, podem constituir exemplos positivos a ser considerados nos dois lados do Atlântico.
 

Notas
 

[1] Coordenado pela Professora Dra. Rosângela Doin de Almeida, intitulado: Integrando Universidade e Escola por meio da pesquisa em Ensino - Atlas Municipais Escolares, financiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), de 1997 até 1999 e, posteriormente, de 2002 a 2004, na linha de Melhoria do Ensino Público Paulista.
 
[2] Deliberação n.º 1156/2003, Diário da República, II Série, nº 180, de 6 de agosto.
 
[3] Constituída por João Pedro da Ponte, Luis Sebastião e Manuel Miguéns.
 
[4] Os cursos de formação de professores à luz do Processo de Bolonha, versão de 06 de Setembro de 2004, em http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/temporario/Parecer-Bolonha(06Set).pdf, consultado em 28 de Setembro de 2004.
 
 
Referências Bibliográficas

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© Copyright: Sergio Claudino y Adriano Rodrigo Oliveira, 2005
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Ficha bibliográfica

CLAUDINO, S, RODRIGO OLIVEIRA, A. A cidadania na formação de professores de Geografia em Portugal e Brasil. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. X, nº 588, 10  de junio de 2005. [http://www.ub.es/geocrit/b3w-588.htm]. [ISSN 1138-9796].


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