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Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
(Serie  documental de Geo Crítica)
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. 
Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. X, nº 615, 20 de noviembre de 2005

GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1997, 2a edição, 310 p.

Sílvia Regina Pereira[1]
Universidade Estadual Paulista – UNESP (Campus de Presidente Prudente-SP-Brasil)


Palabras clave: ecología urbana, espacio urbano, producción social del espacio

 
Palavras-chave: ecologia urbana, espaço urbano, produção social do espaço

Key words: urban ecology, urban space, social production of the space


No sentido de contribuir para o entendimento da atual organização regional da vida cotidiana nos Estados Unidos, pós Segunda Guerra Mundial, o autor se propõe a superar os paradigmas e teorias urbanas que, a seu ver, seriam insuficientes para explicar a organização espacial contemporânea. Por estas restringirem-se ao estudo da morfologia e não contemplarem a organização social que pode produzir, manter e até reproduzir os padrões de usos da terra. Considera, imprescindível, assim, a substituição dos paradigmas urbanos convencionais por uma abordagem da produção social do espaço.

Por meio da observação dos atuais problemas da sociedade procura unificar os vários veios de análise urbana e compreender a relação entre Estado e economia que envolve a produção do espaço regional. Analisa a intersecção espacial dos processos políticos e econômicos, por compreender que a dispersão regional depende das forças sociais, que influenciariam os padrões internos de diferenciação funcional. Geralmente nas pesquisas urbanas o estudo dos problemas econômicos, políticos e sociais são dominados por uma perspectiva espacial básica, pautada na análise dos padrões de localização.

O autor apresenta as idéias e limitações das abordagens da Ecologia, Geografia e Economia Urbana, que dominam os estudos acadêmicos urbanos nos Estados Unidos: o estruturalismo marxista, a economia política urbana, o neoweberianismo e a perspectiva de produção do espaço.

As limitações das abordagens convencionais são apontadas desde uma perspectiva marxista crítica. Embora a encare como mais adequada para interpretar os padrões de desenvolvimento urbano, o autor, também, ressalta seus limites. Entre os quais destacam-se, por um lado, sua incapacidade de escapar dos vieses analíticos que privilegiam o crescimento econômico, e por outro, a redução da abordagem dos fenômenos ao espaço de assentamento. O espaço social, assim, seria visto como um mero receptáculo de processos econômicos e políticos mais gerais. Por conseguinte, o autor defende a construção de uma política pública urbana preocupada com ações sociais transformadoras e não apenas com a identificação da qualidade de vida comunitária, bem como com o crescimento econômico.

A obra é composta por oito capítulos sobre os quais discorremos brevemente a seguir.  No capitulo “Ecologia, Economia e Geografias Urbanas, análise espacial em transição” Gottdiener apresenta as idéias concernentes a cada paradigma. Com relação à Ecologia Urbana, ressalta que Spencer foi o primeiro a relacionar forma e função social por meio do conceito de competição de espécies da teoria de Charles Darwin. A abordagem ecológica baseava-se na analogia biológica que também estava presente na sociologia, economia e geografia urbana.

Um problema dessa abordagem era utilizar a analogia biológica, do organicismo e da ênfase comportamental para focalizar características da espécie humana e sua relação com a organização espacial. Para os teóricos da Escola de Chicago, os efeitos da organização econômica e dos processos competitivos seriam explicados por padrões agregados de comportamento social. Vinculavam, assim, o comportamento humano à competição econômica, e a ordem social ao deslocamento espacial da divisão do trabalho. Nessa perspectiva não se consideravam os valores culturais na interação social. Defendia-se o isolamento de impulsos sociobiogênicos específicos, que poderiam ser generalizados para todas as cidades, por ajudar a estruturar o espaço.

Para exemplificar a reformulação da Ecologia Urbana, após a Segunda Guerra Mundial, Gottdiener apresenta as idéias de Hawley, autor, que privilegiou o estudo da rede funcional ao invés da forma espacial, e que assim contribuiu para manter o organicismo na raiz do pensamento ecológico, além de adotá-lo para explicar a estratificação da riqueza e dos recursos. Gottdiener assinala que a Ecologia Urbana Contemporânea, por possuir uma visão biologicamente reducionista das relações humanas, ignora as influências de classe, status e poder político. Destaca, ainda, seu caráter conservador e seu enfoque tecnologicamente determinista, por associar as inovações de transporte e comunicações ao crescimento e mudanças urbanas, sem considerar o papel dos conflitos sociais, dos programas e políticas de governo e do desenvolvimento desigual e combinado. Neste capítulo, Gottdiener aponta, ainda, que a Geografia e Economia Urbana, após a Segunda Guerra Mundial, adotaram conceitos como tamanho da cidade, função e organização espacial, com base nas proposições da teoria dos lugares centrais de Christaller.

No capítulo “Economia Política Marxista” Gottdiener assinala que a abordagem crítica toma o lugar das correlações fatoriais urbanas descritivas, típicas da Ecologia Urbana, dada a necessidade de uma síntese explicativa dos fenômenos, crises e processos que conformavam o ambiente urbano. Não obstante, assinala a tendência positivista da Economia Política Marxista, que ao privilegiar o aspecto econômico nega a atuação de outros fatores. Chama a atenção, também, para o funcionalismo endêmico destas análises, que tendem a explicar as causas pelos efeitos. Critica, ainda, o fato destas abordagens se concentrarem nos padrões de desenvolvimento econômico da sociedade, mais que no projeto revolucionário de transformá-la.

No capítulo “Paradigmas Flutuantes: o debate sobre a teoria do espaço” é apresentada a argumentação de Castells em contraposição a Lefebvre, sendo que os dois propunham uma concepção mais global da articulação entre sociedade e espaço embora com epistemologias diferentes. Castells considera o espaço um produto material de uma dada formação social, e critica a Escola de Chicago pelo “organicismo revolucionário”. Sua abordagem consiste em especificar uma teoria geral da organização social, na medida em que ela se articula com o espaço, não existiria uma teoria específica, mas um desdobramento e especificação da teoria da estrutura social. Castells afirma a teoria althusseriana da estrutura social para explicar as formas espaciais, defendendo que se deve aplicar a estrutura economia, política, ideologia, não ao sistema social como um todo, como o fez Althusser, mas ao sistema urbano. Para Castells a estrutura econômica seria o principal elo conceitual de uma teoria do espaço, rejeitando a unidade ideológica e a estrutura política, pois a organização espacial tornou-se cada vez mais produto dos processos econômicos que políticos. A dificuldade, segundo Gottdiener, em relação à teoria de Castells é sua insistência em conservar o termo “urbano” na análise e sua definição da cidade como uma unidade espacial de reprodução da força de trabalho. Ainda neste capítulo, Gottdiener assinala que Lefebvre  trabalha na perspectiva da produção do espaço, e que para ele o aspecto teórico mais importante seria a natureza multifacetada do espaço, que não poderia ser reduzido a uma localização ou às relações sociais da posse de propriedade, mas deveria ser considerado como local da ação e da possibilidade social. Gottdiener destaca que Lefebvre propõe uma estratégia de libertação, que não implica em substituir a luta de classes por outro tipo de luta, mas complementá-la, além de enfatizar a importância de produzir um espaço em concomitância com a ação radical.

No quinto capítulo, “Além da Economia Política Marxista, a fórmula da trindade e a análise do espaço”, Gottdiener aponta que as abordagens marxistas negligenciaram o espaço em favor da temporalidade e que para estudar a interconexão entre espaço/tempo, atividades sociais e as relações sociais seria necessário ir além das categorias analíticas marxistas. Em seu entender os defensores do marxismo distanciaram-se das análises convencionais, ao afirmarem que a contribuição fundamental de Marx foi entender, por meio de Hegel, que as aparências, empiricamente observadas, constituíam reflexões epifenomenais de relações sociais subjacentes e invisíveis. A maioria dos economistas políticos marxistas não se dissociou do pensamento positivista, por associar causas distintas à determinação de eventos superficiais. Gottdiener analisa, também nesse capítulo, o conflito de classes, o espaço, a natureza das classes de moradia, o valor da terra e o papel do espaço na acumulação do capital.

No sexto capítulo, “Estrutura e ação na produção do espaço”, Gottdiener destaca que uma análise econômica não pode ser marxista, se não considerar a natureza social do capitalismo, pois as categorias marxistas são ao mesmo tempo econômicas, sociais e políticas. A perspectiva analítica da produção do espaço compreenderia a organização socioespacial não como uma estrutura conceitual ultrapassada das formas espaciais da cidade, mas como conseqüência direta das relações entre processos econômicos, políticos e culturais. Para se entender a produção do espaço seria necessária uma abordagem sintética que fosse além dos dois pólos da estrutura e ação, para uni-los em uma explicação da articulação entre a sociedade e o espaço. As formas espaciais, segundo o autor, seriam produzidas pelo que  denomina articulação entre estruturas capitalistas tardias e ações do setor da propriedade, especialmente os efeitos dos grupos escolhidos e do Estado, na canalização do fluxo de desenvolvimento social para lugares e modelos específicos.

No sétimo capítulo, “A reestruturação do espaço de assentamento”, Gottdiener discute o espaço metropolitano desconcentrado como uma forma fenomenal, que se coloca em contraste com os nós comprimidos característicos do capitalismo do século XIX. Ressalta que,  na perspectiva convencional sobre desconcentração, a reestruturação de regiões metropolitanas envolve forças e modos de mudanças sociais mais complexos do que os  fatores causais considerados pela teoria ecológica, sendo necessário associar a característica estrutural de modo de produção a aspectos contemporâneos da forma socioespacial. Analisa,  também, a desconcentração regional metropolitana, o problema da habitação, a questão da suburbanização, a expansão metropolitana e as atividades imobiliárias, a localização das indústrias nas periferias, ou seja, as mudanças entre centro e periferia.

No último capítulo, “Comunidade, liberação e vida cotidiana”, Gottdiener faz uma avaliação de seu livro, deixando claro que este nasceu de uma profunda inquietação sobre a inadequação das abordagens urbanas convencionais em compreender as transformações econômicas, políticas e culturais.

Esse livro brinda o leitor com um resgate das idéias dos paradigmas convencionais que analisam o urbano. Além de apresentar a perspectiva da produção do espaço, o autor procura desenvolver uma análise mais ampla sobre as transformações no espaço urbano, considerando as múltiplas inter-relações entre Estado e sociedade, e a intersecção com a política e a economia, no intuito de compreender as diferenças e desigualdades socioespaciais que se manifestam nesse espaço.
 
 

Notas

[1]Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP de Presidente Prudente-São Paulo e vinculada ao Programa de Doutorado do Departamento de Geografia Humana da Universitat de Barcelona (Espanha) onde está realizando estágio de Doutorado Sanduíche por meio da bolsa concedida pela CAPES.
 

© Copyright: Silvia Regina Pereira, 2005
© Copyright: Biblio3W, 2005

Ficha bibliográfica

PEREIRA, S. R. Gottdiener, M. A produção social do espaço urbano. Biblio3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. X, nº 615, 20 de noviembre de 2005. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-615.htm> [ISSN 1138-9796].


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