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Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
(Serie documental de Geo Crítica)
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. 
Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XII, nº 747, 10 de septiembre de 2007 

“EL HOMBRE  [Y LA CIENCIA] COMO PROBLEMA”  (REFLEXÕES A PARTIR DO LIVRO DE JERÓNIMO BOUZA VILA)[1]

Marcos Bernardino de Carvalho
Departamento de Geografia- PUCSP
Programa de Estudos Pós Graduados em Geografia - PUCSP


"El hombre - [y la ciencia] - como problema" (Reflexões a partir do livro de Jerónimo Bouza Vila) (Resumo)

A partir de uma análise crítica do livro de Jeronimo Bouza Vila, El hombre como problema, Filosofia, ciencia y subversión en la antropología del siglo XIX,discute-se aqui sobre um conjunto de questões acerca da historia das ciências sociais no século XIX e, em particular, sobre a institucionalização das disciplinas e dos limites estabelecidos entre elas.

Palavras chave: história das ciências sociais, antropologia, ciência, disciplinas científicas, século XIX.


"El hombre - [y la ciencia] - como problema" (Reflexões a partir do livro de Jerónimo Bouza Vila) (Resumen)

A partir de un análisis critico del libro de Jeronimo Bouza Vila, El hombre como problema, Filosofia, ciencia y subversión en la antropología del siglo XIX, el artículo propone un conjunto de reflexiones sobre la historia de las ciencias sociales en el siglo XIX y, en especial, sobre la institucionalización de las disciplinas y de los límites que entre ellas se establecieron.

Palabras clave: historia de las ciencias sociales, antropología, ciencia, disciplinas científicas, siglo XIX.



Requer certa dose de ousadia indicar com precisão o momento e o lugar em que se constituiu determinada disciplina científica, especialmente quando esta, nas mais diversas épocas, já se difundiu para amplo leque de lugares e neles experimentou um processo consolidado de reconhecimento institucional.

Histórias regionais, formulações que sugerem origens múltiplas ou que nos remetem à consideração de fatos e fundamentos que se espraiam ao longo de amplos períodos de tempo, tendem a prevalecer sobre as indicações de coordenadas únicas e mais precisas para o advento disciplinar.

Ousadia maior ainda poderá ser requisitada quando, além das indicações dessas ‘coordenadas’ de tempo e lugar, confrontarem-se os diferentes argumentos, esgrimidos pelos partidários de uma e de outra história, para explicar as razões que conduziram a determinado estabelecimento disciplinar. Aqui, não raro, poderá se produzir até mesmo alguma “tensão” já que no diálogo com as tradições consolidadas — considerando a adesão e o respeito de que desfrutam suas teses —, fatores às vezes marginalizados pela tradição historiográfica, ou de abordagem não muito usual, poderão ser evocados por alguns dos novos e divergentes enfoques, e , além disso, serem indicados como igualmente determinantes para uma dada instituição disciplinar.[2]

Para os adeptos das origens múltiplas e temporalmente transcendentes aos contextos sócio-culturais específicos — normalmente preferidos por essas tradições consagradas pela historiografia oficial, diga-se de passagem —, tende a se configurar uma espécie de “história sagrada” das disciplinas[3], que é movida exclusivamente pelo interesse nos objetos, aspectos e partes da realidade e também por uma sucessão, normalmente ininterrupta, de contribuições desinteressadas, ancoradas apenas na motivação cognitiva e nos insights produzidos por personalidades de épocas muito distintas.

Mas, para os que ousam investir na ‘precisão das coordenadas’, aproximações com outras escalas, perigosa e demasiadamente humanas, podem ser promovidas e, em contrapartida, no lugar daqueles interesses exclusivamente, e idealmente, cognitivos e desinteressados, serão as motivações profissionais, corporativas, emocionais, psicológicas etc., que também poderão vir à luz.

Com o livro de Jerónimo Bouza Vila, — “ El hombre como problema, Filosofia, ciência y subversión em la antropologia del siglo XIX” —, é o caminho da ousadia, em todos esses sentidos que a ele emprestamos até aqui, que nos parece ser o reforçado. Bouza, além de desenvolver argumentos que nos convencem com precisão do momento e do lugar de institucionalização de uma dada disciplina – no caso, a antropologia –, não se recusou ao diálogo com a vertente tradicional da historiografia científica, dedicando-se em inúmeros capítulos ao exame da trajetória particular dessa disciplina na Catalunha.

Duas partes, com aproximadamente o mesmo número de páginas, dedicam-se a tratar dos dois grandes temas daí derivados: Um modelo para el proceso de institucionalización (Primera Parte) e La antropologia em Cataluña: filosofia, evolución social y ciencia académica (Segunda parte). Nesta segunda metade do livro, efetiva-se o diálogo a que há pouco nos referimos. O tratamento de seu conteúdo nos revela que o intento de sua realização está claramente vinculado a um propósito de verificação e confirmação de um modelo de institucionalização disciplinar (desenvolvido na primeira parte). Não encontraremos aí, portanto, concessões àqueles receituários que indicam os indefectíveis estudos de caso ou as inevitáveis regionalizações, normalmente prescritos para as pesquisas e investigações acadêmicas de baixa criatividade e frágil lastro teórico, — o que não é o caso do texto de Bouza —, como método para resolver tais fragilidades, afastar os fantasmas das soluções de continuidade, definir focos e objetivos artificiais e sem interesse, cumprir, enfim, calendário acadêmico e realizar ciência destinada ao olvido...

O livro, fruto de uma tese de doutorado, dirigida por Horacio Capel, da Universidade de Barcelona, realiza, nesse sentido aquilo que a investigação que o desencadeou se propôs a fazer: “[investigar] la hipótesis de que todo proceso de institución de una ciência tiene unas características que son comunes a los demás procesos, y que, por tanto, pueden abstraerse modelos que sirvan para explicar procesos particulares em diversos paises.” (Bouza, 2002: 42)

Para comprovar tal hipótese o autor elegeu a antropologia e investigou seu percurso institucional na França e na Catalunha do século XIX. São os resultados de tal investigação que o livro nos apresenta.

Um longo argumento desenvolve-se então em suas páginas, a partir da indicação da hipótese inicial. E o conteúdo desse argumento confere o lastro necessário para algumas das principais conclusões a que chega o autor no final de sua obra. Entre estas, destaca-se importante particularidade original da antropologia: “Algunas ramas de las ciências surgieron o se desarrollaron a partir de los trabajos de um solo cientifico – paleontologia (Cuvier), sociologia (Comte), patologia celular (Virchow). Otras fueron sistematizadas por las sociedades científicas – Antropologia.” (op. cit.: 221). Com isso, Bouza justifica boa parte das razões que o levaram a investir na caracterização do século XIX francês, como contexto e período facilitador do processo institucional eleito para exame.[4] Quanto aos temas centrais, indicados na hipótese desencadeadora da investigação, o autor os retoma, a título de conclusão, da seguinte e indagativa maneira, nas últimas páginas da segunda parte de seu trabalho:"Quizá convenga ahora volver la vista hacia el pasado y examinar como hemos llegado a este punto, destacando los rasgos más significativos del proceso que hemos estudiado. Y quizás haya que insistir en dos cuestiones que constituyen parte esencial de nuestro trabajo. La primera de ellas es la de si verdaderamente era necesaria la atención que hemos dedicado al estudio de la antropología francesa y su modelo de institucionalización, que era una de nuestras hipótesis de trabajo y a la que hemos dedicado toda la primera parte de nuestro estudio; la segunda, que se corresponde asimismo con la segunda parte, si responde la antropología instituida en Cataluña al modelo teórico, metodológico e institucional francés teniendo presente la forma y las condiciones en que ese modelo general se integró en la particularidad del caso catalán” (op. cit.: 226).

Tais indagações, retomadas ao final, objetivam, na verdade, preparar o terreno para que o autor exponha de maneira ainda mais sintética a sua conclusão. Esta, em grande parte, nos é indicada pela resposta que ele mesmo oferece a tais indagações:

“Respecto a la primera cuestión, nuestra opinión es que sí, si somos capaces de justificar la adaptación de un modelo a distintas realidades sociales. Para llegar a esta conclusión, hemos tratado de mostrar con la mayor evidencia posible que la antropología francesa fue la fuente de inspiración, la ‘base de datos’ y el modelo institucional del pensamiento antropológico catalán y, en general, español. Y hemos visto que eso era así hasta el punto de que, cuando aparecían enfoques teóricos procedentes de otras comunidades nacionales – tan importantes como fueran los escritos de Darwin, Huxley, Spencer, Haeckel o Lombroso – lo hacian a través del filtro francês” (op. cit.: 226).

Nessas páginas derradeiras, no entanto, além de todas as indagações e conclusões acerca do desenvolvimento e da institucionalização da antropologia — objetivos, diríamos, especificamente examinados pela investigação de Bouza —, o autor nos dá mostra de que também não negligenciou com o desenvolvimento daquilo que pediríamos licença para chamar de objetivo geral suplementar de seu trabalho: investigar e oferecer o conhecimento dos processos e dos modelos que de uma maneira ampla presidiram a institucionalização científica no contexto do século XIX, independentemente das diversas disciplinas que oficialmente então se constituíram e que materializavam esse processo institucional, como foi caso da antropologia examinada por Bouza. Em nossa opinião, talvez resida aí uma das principais contribuições de ‘El hombre como problema’: a problematização, também, da própria ciência.

A esse propósito, e inspirando-se em Robert K. Merton (o reconhecido sociólogo da ciência, e para alguns o próprio fundador dessa disciplina[5]), Bouza afirma na penúltima página de seu trabalho: “Ninguna ciência puede desarrollarse sin científicos que la trabajen  y sin un auditório interessado em sus logros, ya por intereses econômicos o políticos, ya por intereses puramente intelectuales. Hemos dicho que tiene que haber una base material para la ciencia, y el número de sus cultivadores es la primera condición para su progreso” (op. cit.:230).

Bouza demonstra, assim, ter consciência dessa faceta de seu trabalho. Faceta esta, que há pouco tomamos a liberdade de caracterizar como objetivo geral suplementar (já que não foi anunciado) de sua pesquisa. Assim, de maneira discreta o autor chama a nossa atenção para algumas particularidades da trajetória científica, em seu caminho oitocentista de institucionalização. Tais particularidades são expostas como conclusões igualmente possíveis de serem entendidas como subprodutos de todo argumento desenvolvido nas duas partes do livro, especialmente, é claro, naquela destinada à discussão e caracterização do modelo — Primera parte (“Un modelo para el proceso de institucionalización”) —, que a segunda metade se encarregará de conferir, ilustrar e confirmar através do exame da trajetória ‘à francesa’ da antropologia catalã.

Portanto, será da primeira metade que extrairemos mais indicações daquelas elogiáveis ousadias a que nos referimos no começo deste comentário, e às quais apenas alguns poucos pensadores das trajetórias científico-disciplinares têm se dedicado. Vale a pena discutir e destacar algumas delas para que se tenha uma noção mais ampliada das contribuições aduzidas nesse campo pelo autor.

La antropología – y la ciencia – como problema

Na primeira metade de sua obra Jerônimo Bouza nos dará mostras de sua disposição em investir no ousado caminho de indicar coordenadas precisas para o nascimento da antropologia e, por extensão, sugerir as condições históricas e as características espaço-temporais facilitadoras do advento científico-disciplinar.

“Consideramos 1859 y París como la fecha y el lugar de origen de la antropologia como ciencia” (Bouza, 2002: 63). É dessa forma, breve e precisa, que o autor nos adianta uma das principais conclusões em torno da qual construirá seu argumento.

Para construir tal indicação, o autor inicia seu texto debatendo com o conhecido clássico de T. K.Penniman, Hundred Years of Anthropology[6], e sem meias palavras afirma de saída: “todo lo acontecido antes de 1859, creemos que debe considerarse (...) más como ‘pré-historia’ que como historia de la antropologia, aun teniendo en cuenta la muy fundada argumentación en favor de situar los orígenes de la antropologia científica en la Ilustración” (Bouza, 2002: 47).

E já indicando que a análise que desenvolverá nessa primeira parte do livro, apesar de se anunciar como uma reflexão acerca do modelo de institucionalização disciplinar vinculado à antropologia, se prestará também a sugerir o quadro de condições que favoreceram a disciplinarização do conhecimento cientifico de uma maneira geral, o autor prossegue afirmando:

“1859 fue un año crucial para el desarrollo de las, hasta entonces, dispersas ciências del hombre; y no solo porque fue el año de la fundación de la Sociétéd’Anthropologie de Paris, sino tambiém porque fue entonces cuando las teorias basadas en los trabajos de Boucher de Perthes en torno de la antiguedad del hombre, comenzaron a ser aceptadas; y es también el momento de la publicación de On the Origin of Species, de Darwin...” (op. cit.: 47).

O fato é que desse cruzamento entre as referências cognitivas consagradas pelo darwinismo e o desenvolvimento acadêmico-profissional promovido pelo incremento das associações e sociedades profissionais, produziram-se as condições para que um conjunto ampliado de disciplinas conquistasse reconhecimento institucional e, para todos os efeitos, passasse a existir cientificamente.

No caso específico das ciências sociais, ou mais restringidamente, das ciências do homem, é óbvio que o agrupamento e a instituição disciplinar em torno, p.e., da antropologia, implicaria na necessidade da repartição e demarcação de territórios cognitivos vinculados a inúmeras outras possibilidades institucionais desse mesmo campo de conhecimentos, tais como sociologia, geografia, história etc. Ou seja, automaticamente a história da institucionalização de quaisquer uma delas é parte evidente da história das outras, e a esses outros processos nos remete.

Qualquer obra que se proponha a investigar, portanto, o processo de institucionalização de uma dada disciplina desse campo, pode ter a sua eficácia e seriedade comprometidas se desconsiderar que rigorosamente falando há fatos históricos que são comuns para o conjunto das ciências sociais [7]. Em alguns casos isso deve ser ampliado ainda mais, particularmente quando se trata daquelas disciplinas em que até mesmo a filiação aos dois grandes campos em que costumamos dividir o conhecimento humano –— ciências do homem (da sociedade ou da cultura) e ciências de natureza (da terra ou da vida) — não se mostram de fácil indicação, dada a amplitude de interesses que tais disciplinas tradicionalmente abarcam, como é sabida e reconhecidamente o caso da antropologia (“de difícil ubicación epistemológica”, nas palavras do próprio Bouza, P. 93), da geografia e da psicologia, p.e.[8]

Em El hombre como problema, o autor nos alerta exatamente para a necessidade de não desprezarmos esses aspectos a que estamos nos referindo e com isso chama-nos a atenção para o alcance da história institucional que está nos contando, particularmente considerando o ambiente de exigências positivistas para o estabelecimento institucional científico de então:

“Según la concepción positivista, para poder acceder al ‘estado positivo’, era necesario disponer de una gran enciclopédia de las ciencias que, ‘partiendo de una clasificación sistemática, ofreciera la perspectiva general de todos los conocimientos cientificos’. Cada una de las ciencias había de ocupar un lugar bien delimitado en esa clasificación; no debían confundirse los límites: la interdisciplinaridad estaba fuera de lugar. Una ciencia había de estar circunscrita a sus propios límites, fuera de los cuales dejaba de ser ciencia; debía ser un ‘lugar seguro’, con sus hechos y sus leyes claramente establecidos. De ahí la dificultad de situar a la antropología – mucho más, la antropología en sus orígenes como ciencia – en una clasificación plenamente positivista” (Bouza, 2002: 92)[9].

Assim, através da indicação de alguns pontos de “fricción interdisciplinario”, o autor nos sugere ao menos as possíveis derivações, para a compreensão de diversas outras histórias disciplinares, que poderiam ser proporcionadas pela história de institucionalização que ele nos conta. Às voltas com a formalização científica da antropologia, Bouza viu-se obrigado a tratar dessas fricções interdisciplinares existentes entre ela, a filosofia e a sociologia; também se impôs a menção às demarcações de campo com “disciplinas limítrofes” como a medicina e a geografia; mas, sobretudo não pôde ignorar o “verdadeiro conflito” ou a “disputa epistemológica” que se estabeleceu entre antropologia e a sociologia (particularmente, em suas próprias palavras, com “a incipiente morfologia social de Durkheim”).[10]

É certo que nessa passagem de sua obra, o autor poderia ter se valido de seus próprios argumentos e das conclusões que vinha construindo, acerca da institucionalidade que o ambiente oitocentista ‘proporcionou’ à antropologia, e, por extensão, tratar com o mesmo rigor as diferenciações entre a ‘pré-história’ e a ‘história’ das disciplinas aqui mencionadas para ilustrar os atritos (ou fricções, na expressão do autor), que o estabelecimento dos territórios cognitivos produziam naquele momento de generalizada afirmação institucional. Referir-se à antiguidade das histórias da medicina e da geografia, por exemplo, como o faz J. Bouza quando discute as tais ‘fricções interdisciplinares’, e indicar isso como fator atenuante dos possíveis atritos que poderiam se estabelecer entre estas — geografia e medicina — e a antropologia, desperta nossa curiosidade e leva-nos a indagar: caso a noção de que há uma pré-história científico-disciplinar (não só para a antropologia, como o próprio texto de Bouza nos induz a concluir), que não se pode confundir com aquela história que só a partir do ambiente oitocentista se generalizaria para todas as instituições científico-disciplinares, quais seriam então os argumentos que deveríamos relacionar para melhor explicar as relações desenvolvidas entre as disciplinas mencionadas?

Nem medicina, nem geografia, nesse caso, teriam tido necessariamente histórias mais longas ou mais antigas do que a antropologia, mas teriam vivido diferentes processos (inclusive em termos de duração) em suas “pré-histórias”. No caso da medicina, obviamente nem ousaremos tecer maiores considerações, mas da geografia podemos afirmar com certeza e quase com a mesma ousadia com que faz J. Bouza, que o período pós 1859 também foi crucial para estabelecer a data de sua fundação disciplinar-institucional.[11]

A partir daí, do entorno desse período, é que se processam inclusive os fatos que produzirão mais estreitamente os ingredientes imprescindíveis para o estabelecimento científico de uma maneira geral, como nos indica também Cláudio Esteva Fabregat, em substancioso estudo introdutório ao livro de Bouza. Nesse estudo, intitulado ‘Sobre a historia de la antropologia en Cataluña’, Fabregat, referindo-se precisamente ao estabelecimento científico da antropologia, afirma (e já sugere a generalização): “es obvio que su reconocimiento académico coincide com la fundación de sociedades y de revistas en las cuales sus adherentes se identifican como antropólogos. Este es el caso de todas las disciplinas científicas, y la Antropologia no há sido excepción” (Fabregat, 2002: 7).

Tais ingredientes – profissionais, corporativos e institucionais –, é que conferem ao século XIX a condição de um ambiente de ruptura com as pré-histórias vividas pelo conjunto de disciplinas que a partir daí se constituíram como ciências apartadas. Esse século configurou-se, portanto, como uma espécie de ano zero para a história de todas as ciências, pois reconhecidamente trata-se do momento em que o conteúdo filosófico dos conhecimentos rendeu-se à fragmentação corporativo-disciplinar, e no qual até mesmo a filosofia, paradoxalmente, converteu-se, ela própria, em apenas mais uma das disciplinas a integrar a constelação de especialidades condutoras e promotoras do conhecimento desde então. Esse conhecimento passou a ser valorizado como científico não só porque se interessou por aspectos da realidade e os definiu como seus objetos, ou porque abraçou e desenvolveu métodos próprios para a análise dessas delimitações, mas porque conjugou sinteticamente, em cada âmbito disciplinar instituído, aqueles ingredientes a que há pouco nos referimos. Diversos são os autores dedicados ao tema que reforçam essa percepção da importância do século XIX para a história das ciências. Além dos já mencionados, — Capel, Barnes, Merton, Solis e Kuhn —, muitos outros poderiam ser aqui evocados. Indicaremos, no entanto, apenas mais dois.

William Whewell, é o primeiro deles. Trata-se de um autor do próprio século XIX, que confirmando essa importância atribuída ao período, sugeriu inclusive a introdução de uma nova expressão para caracterizar os ‘homens de ciência’ ou ‘filósofos’, como eram chamados até então: “Scientist”![12]

O segundo deles, é um contemporâneo pensador espanhol, também historiador e filósofo da ciência, que assim sintetizou a importância dos anos oitocentos: “El siglo XIX, en el terreno socioeconomico, es el siglo de la Revolución Industrial, y, en el terreno académico, el siglo de la ciencia (natural), y también el siglo de la historia.” (Garcia-Borrón, 1986: 235)

Institucionalização e histórias das ciências como problema

A contribuição do livro de Bouza, como se vê, não se limita a estimular idéias e reflexões relacionadas apenas ou diretamente com a história da antropologia. O potencial de contribuição de El hombre como problema, amplia-se para além do campo específico da especialidade de Bouza e poderá ser de interesse para todos os que se dedicam à ampla temática da história das ciências, em particular à história das ciências sociais.

Vale a pena destacar ainda mais algumas dessas idéias e reflexões que evidenciam esse potencial..Uma delas depreende-se da própria forma como Bouza conduziu seu argumento, nas duas partes que compõem sua obra.

Mais do que comprovar a hipótese de que nos processos de institucionalização científica reproduzem-se regionalmente modelos consagrados, como o caso da antropologia ‘francesa’ da Catalunha, ou, então, de que é possível extrair dos processos regionais abstrações (modelos de institucionalização) que sirvam para explicar processos particulares, havidos em diversos países, o livro de Bouza nos leva a refletir sobre a possibilidade de que, esgotado o período pré-histórico de institucionalização disciplinar (segundo caracterização do autor, como já mencionamos), será a partir da observação de um conjunto de histórias, desenvolvidas em múltiplas coordenadas de tempo e de lugar e diversificadas em relação ao seu ponto de origem, que extrairemos os fatos e os acontecimentos que serão capazes de nos proporcionar uma idéia da complexidade envolvida no processo de institucionalização disciplinar. Ou seja, a obra de Bouza nos leva a pensar não só nas origens do processo de afirmação institucional, mas também no seu desenvolvimento e na sua conclusão. Indica-nos, portanto, que todas essas são etapas de um mesmo e complexo processo que é preciso entender em seu conjunto. Dessa forma, nem as histórias regionais, que acompanharam as institucionalizações disciplinares em diversas partes do globo, nem as delimitações histórico-corporativas que cada disciplina costuma propor ao descrever suas próprias trajetórias, devem ser vistas como contraposição ou invalidação de possíveis outras investidas históricas interessadas em realçar as precisões de origem, as fricções interdisciplinares, a disputa por territórios cognitivos etc. Antes de mais nada, esse conjunto de situações indica desdobramentos complementares de um processo generalizado de institucionalidade científica, que teve lugar particularmente na segunda metade do século XIX, e cuja demonstração é bastante factível especialmente no âmbito das ciências sociais.[13]

Aqui não é o lugar, nem é o momento apropriado para darmos conta dessa temática, mesmo porque a isso pretendemos nos dedicar em outra oportunidade[14]. Mas, acrescentaríamos, e apenas para ilustrar, que a leitura de El hombre como problema certamente poderá oferecer estímulo adicional aos que se sentem incomodados com certos reducionismos historiográficos, em particular nas referências feitas aos chamados protagonistas e fundadores das disciplinas científicas (especialmente, reiteramos, das ciências sociais), a que se dediquem ao reexame das simplificações que, nesse caso, são rotineiramente cometidas pelos diversos manuais da historiografia científica. Falamos, entre outras, daquelas simplificações que costumam se valer dos reducionismos nacionais e corporativos para diferenciar as contribuições de figuras como, por exemplo, Max Weber, Emile Durkheim, Robert Park, Franz Boas, Marcel Mauss, Friedrich Ratzel, Paul Vidal de La Blache, Lucien Febvre e Marc Bloch[15]. De uma maneira geral, esses são nomes facilmente reconhecíveis por todos aqueles que apresentam algum nível de envolvimento com a história das ciências sociais. Entre as personalidades exemplificadas, somos capazes de identificar protagonistas do que hoje entendemos por sociologia, antropologia, geografia e historiografia, e inclusive apontar as fronteiras nacionais limitadoras desses protagonismos. Quem discordaria em atribuir-se a Park (1864-1944) importante protagonismo na afirmação institucional da sociologia norte americana, ou a Ratzel (1844-1904) idêntico papel no caso da geografia alemã, ou, ainda, a Febvre (1878-1956) e a Mauss (1872-1950), as contribuições que também exerceram nesse mesmo sentido, em se tratando das afirmações institucionais de outras duas reconhecidas ciências sociais: história e antropologia francesas, respectivamente. E, assim por diante, apenas para esgotarmos os pensadores da nossa lista de exemplos, sem maiores dificuldades poderíamos seguir associando-os às suas nacionalidades corporativas, e com isso indicando, em certa medida, o limite dos protagonismos exercidos em suas áreas: Durkheim (1858-1917), sociólogo francês; Weber (1864-1920), sociólogo alemão; Boas (1858-1917), antropólogo norte americano (apesar de nascido na Alemanha); Bloch (1886-1944), historiador francês; Vidal de La Blache (1845-1918), geógrafo francês...

O fato é que tanto para o conjunto das disciplinas das ciências sociais, como para cada uma delas em particular todos os mencionados contribuíram, e reconhecidamente, como protagonistas da institucionalização acadêmico-disciplinar das respectivas comunidades científicas que ajudaram a fundar ou a consolidar. Mas o desafio é demonstrar que, por isso mesmo, também não foi pequeno o papel que desempenharam nos processos vividos pelas outras comunidades às quais não costumam ser associados. Evidentemente as delimitações dos territórios cognitivos para cada uma das disciplinas integrantes das ciências sociais exigiriam certa concomitância, promoveriam debates, disputas, ajustes interdisciplinares, arredondamentos de arestas (ou enfrentamento de “frições”, na expressão de Bouza) etc. E isso, automaticamente, ampliaria os tais protagonismos das personalidades mencionadas para além dos universos corporativos com os quais costumam ser exclusivamente associados (e muito justamente, diga-se de passagem). Raramente, no entanto, encontraremos nas histórias das diversas disciplinas esse tipo de concessão aos “inimigos” de outrora. A não ser em esparsas menções às remotas influências que um Ratzel, por exemplo, teria exercido na sociologia e na antropologia francesas, ou que um La Blache teria exercido na historiografia dos Annales, ou, ainda, que um Weber teria exercido na antropogeografia alemã e um Park na geografia francesa[16], quase não há espaço, nas histórias que os diversos agrupamentos costumam contar de si próprios, para esse tipo de ‘promiscuidade’ disciplinar que, no entanto, efetivamente teve lugar nos momentos que presidiram os processos de institucionalização das ciências sociais. Estes, portanto, precisariam ser melhor investigados, sobretudo por causa da contribuição que isso poderia trazer no sentido de estimular maiores e necessários diálogos entre os que se autoproclamaram, e assim passaram a ser vistos, como especialistas do tempo, do espaço, da cultura, da sociedade, das relações homem-meio (ou da cultura-natureza). O desenvolvimento dessas categorias analíticas abraçadas por cada uma das especialidades que as elegeram como foco, só teria a ganhar com a promoção desse diálogo. No mínimo, diminuiriam um pouco as ilusões de que a compreensão de tais categorias e seus desenvolvimentos dependem apenas de maiores ajustes nas definições dos limites corporativos e dos objetos abraçados pelas disciplinas. E aqui, evocamos mais uma vez José R. Llobera para junto com ele afirmar:

“Es cierto que los antropólogos [e os outros cientistas sociais, acrescentaríamos] han hecho grandes esfuerzos para diferenciarse de otros científicos sociales, y este estado de cosas podría explicarse en función de razones institucionales entre otras. No obstante, sean cuales fueren las razones, es importante darse cuenta de que las ciencias sociales y humanas comparten el mismo marco explicativo” (op. cit: 59).

O livro de Bouza, ao perseguir a comprovação de sua hipótese de trabalho em torno de modelos de institucionalização válidos para um amplo espectro de processos e, paradoxalmente, ao precisar as coordenadas de tempo e de espaço da fundação disciplinar da antropologia, inclusive com a indicação de seus protagonistas, estimula-nos sem dúvida para o desenvolvimento desse conjunto de reflexões a que estamos nos referindo. Esse estímulo alcança, como dissemos (v. nota 12), âmbitos que se ampliam para além das ciências sociais, seja porque estas, em tese, sempre “mimetizaram as naturais” (ibid.: 63), ou caso consideremos que a antropologia resulta, na prática, como nos relata Bouza, da atitude daqueles médicos (principalmente) e de outros naturalistas que abandonaram suas comunidades de origem para se converterem em fundadores da “ciência do homem”, na França, na Catalunha e na sua “pré-história” alemã.

Particularmente chama-nos a atenção o papel aí exercido por Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), médico e naturalista alemão, a quem os manuais e livros de história da ciência costumam atribuir o papel de fundador da antropologia física ou biológica, ou da antropologia científica, como preferem, sem meias palavras, afirmar alguns[17]. Bouza, obviamente, reafirma esse papel de destaque atribuído a Blumenbach, mas coerente com sua linha de análise reserva-lhe essa função protagonista sobretudo na pré-história da disciplina em foco.

O interesse particular, no entanto, que aqui manifestamos deve-se ao fato de que Blumenbach também figuraria com certeza em uma possível pré-história da geografia. Ele faz parte de uma geração de pensadores que juntamente com Goethe (1749-1832), Herder (1744-1803) e outros influenciaram fortemente os trabalhos de figuras como Humboldt e Ritter. As influências, por sua vez, desse conjunto de personalidades e de suas respectivas obras, poderemos vê-las em grande parte sintetizadas nas formulações presentes na Anthropogeographie de F. Ratzel, conforme o próprio autor as explicita no vol. 1 de sua grande obra (Ratzel, 1914).

Mas, são exatamente com muitas dessas formulações (como já tivemos a oportunidade de tratar em outra oportunidade — Carvalho, 1999),que se desencadearam os intensos debates e diálogos travados nas últimas décadas do século XIX e princípios do XX, envolvendo alguns dos principais protagonistas e fundadores das diversas ciências sociais. É interessante observar a recorrência de certas matrizes no acompanhamento dos percursos das ciências sociais, desde as suas origens “pré-históricas” até os momentos finais de consolidação enquanto instituições científico-disciplinares. Esse parece ser o caso da antropogeografia, uma idéia que, presente tanto na pré-história como na história das ciências sociais, parece ter exercido grande influência na conformação das disciplinas que hoje compõem esse campo de conhecimentos.[18]

O livro de Bouza nos dá a pista dessa recorrência. Perscruta uma trajetória que vai dos cimentos produzidos por Blumenbach, para o estabelecimento da nova disciplina, até o momento em que esta se estabelece como ciência institucionalmente reconhecida. Detém-se, portanto, em um período que abarca basicamente a primeira metade do século XIX, com algumas necessárias incursões para alguns outros momentos e décadas, tanto posteriores quanto anteriores a esse período. Era o que o autor se propunha a fazer e foi o que se revelou como suficiente para comprovação de sua hipótese, sobre as características dos modelos de institucionalização disciplinar.

Para a consolidação dessas institucionalidades, no entanto, ainda haveria que se superar aquele debate, em grande medida desencadeado pela antropogeografia ratzeliana, e do qual participaram ativamente figuras como Durkheim, Mauss, La Blache, Febvre, além do próprio Ratzel, entre outros, confrontando as razões e os ajustes de “territórios” reivindicados pelas respectivas disciplinas que ajudaram a fundar ou a consolidar. Mas aí, já estaríamos entrando em um outro período, compreendido aproximadamente entre os anos1880 e1920, que a obra de Bouza não precisaria alcançar para dar conta, como efetivamente deu, da demonstração de suas hipóteses.

E daqui, extraímos um dos méritos principais dessa obra que estamos comentando: o estímulo à continuidade e ao aprofundamento de sua temática. A precisão e a objetividade da abordagem de Bouza reforçam a idéia de que há muito ainda para se contar no vasto campo da história das ciências, particularmente, em um dos ramos mais marginalizados desta: a história das ciências sociais.

Por fim, uma última consideração. O livro de Bouza, além de fazer-nos pensar na história da antropologia e das demais ciências sociais, nos faz pensar também na própria importância de dedicar-se à investigação do papel e do significado da história da ciência, bem como de sua relação com a filosofia e a sociologia da ciência.

O momento que estamos vivendo é de grande oportunidade para tais reflexões. A reflexão histórica pode proporcionar a retomada do diálogo entre disciplinas e até mesmo sugerir o exame da reconciliação entre muitos dos objetos (categorias analíticas) de que elas se apropriaram ao longo de seus processos de afirmação institucional, em grande parte por imposição destes mesmos processos.

Neste sentido, louvável a atitude de Bouza ao associar maturidade científica com atitudes de reflexão sobre sua própria história e, consequentemente, sobre seus fundamentos epistemológicos. Com isso contribui ainda mais para relegar aos tempos pré-históricos, também no âmbito das ciências sociais, a necessidade de se desculpar ou de se justificar toda vez que nos dedicamos a essa temática.

A esse propósito, é já clássica a introdução que certa vez Marcel Mauss deu em uma de suas palestras:“Ya lo decía uno de mis amigos, famoso sociólogo: ‘Quienes no saben hacer ciencia, hacen su historia, discuten su método y critican su finalidad.’ En efecto, en cierta medida he escogido esta escapatoria que me permite llevar a cabo una labor mucho más fácil que la de inventar. La discusión sobre las relaciones entre nuestras ciencias resulta más bella y filosófica, pero es sin duda de menor importancia que el mínimo progreso de hecho o de teoría sobre un punto determinado” (Mauss, 1971: 267).

E o próprio Merton, em uma extensa revisão da obra e da biografia de Thomas S. Kuhn, reforça essa percepção caricata que muitas vezes costumam acompanhar as reflexões históricas, nesse campo que estamos examinando. Nesse artigo, afirma Merton: “Kuhn podría haber lenvantado sospechas por haber abandonado el campo de la fisica que estaba muy bien considerado, en favor de lo que en alguns partes se tenía por el dudoso campo de la historia de la ciencia que, todos sabían en aquella época [meados do século XX], era un terreno reservado a los científicos mayores en sus años de decadencia” (Merton, 1998: 46).

Em El hombre como problema, no entanto o autor ao referir-se a manifestações de protagonistas da institucionalização da antropologia, feitas em sessões que poderiam ser consideradas como quase inaugurais da Société d’Anthropologie de Paris, recupera de algumas dessas manifestações, obviamente relacionadas ao estabelecimento da nova disciplina em meados do século XIX, indicações do porquê as reflexões históricas, que têm momento certo para aparecer, devem ser valorizadas .Segundo Bouza, para aqueles fundadores da Société o aparecimento tardio da antropologia se devia à “própria complexidade de seus objetivos”, o que requisitaria maior maturidade para seu estabelecimento e manejo. Nisto coincidia a manifestação de seus precursores: “que comparaba el comportamiento de la humanidad con el de un niño, que sólo siente curiosidad, en las primeras etapas de su vida, por las cosas que le rodean; cuando se descubre a si mismo, se contempla y se admira, pero no se estudia; es en su etapa adulta cuando comienza a interesarse por su propia naturaleza, a analizarse a estudiarse” (op. cit.: 73).

Ou seja, fortalecendo caminhos opostos àqueles ironizados pelas associações de Mauss e Merton, o da inutilidade e o da decadência senil, Bouza revela-nos a complexidade das reflexões históricas e epistemológicas, contribui para o nosso amadurecimento, estimula-nos a fazer com que também as ciências sociais entrem em sua fase adulta, valorizando um pouco mais suas próprias historias e a auto-reflexão.

Notas

[1] Trabalho realizado com o apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), fundação de apoio à pesquisa do Ministério de Educação, Brasil.

[2] A idéia de que no diálogo e no confronto entre tradição e inovação produz-se uma relação “tensa”, própria da essência de todo trabalho científico e das investigações que contam sua história, é de Thomas S. Kuhn (1922-1996). Fazemos aqui uma referência proposital a essa idéia e a seu autor, pela oportunidade de já estabelecermos de saída nossa adesão ao enfoque com que o reconhecido historiador da ciência caracterizava tal relação e assim declararmos nosso interesse tanto pelos enfoques tradicionais como pelos que buscam superá-los. Para Kuhn só seria possível inovar-se de posse de conhecimentos muito arraigados na tradição. Sendo assim, espírito inovador e firmeza tradicionalista, seriam ingredientes básicos do progresso científico, e este, por sua vez, dependeria tanto das divergências como das convergências produzidas em seu entorno (Kuhn, 1983: 248-262). “En las ciencias maduras — afirmava Kuhn — el preludio a muchos descubrimientos y a todas las teorias nuevas no consiste em la ignorancia, sino en el reconocimiento de que algo anda mal em lo que se sabe y en lo que se cree” (op.cit: 258). Além do próprio livro de Kuhn, The Essential Tension, do qual extraímos essas referências (da versão espanhola), outras interessantes abordagens sobre o tema foram reunidas em um livro organizado por Carlos Solís Santos (1998), em homenagem  a T. S. Kuhn, logo após o seu falecimento e apropriadamente intitulado: Alta tension: historia, filosofia e sociologia de la ciencia.

[3] A expressão é de Capel, 1981, que a formulou no momento em que discutia as possíveis razões  da conversão de F. Ratzel à geografia: “As razões para essa conversão à geografia podem ser objeto de interpretação. A História Sagrada da disciplina as apresenta, às vezes, como resultado de súbitas revelações da ciência geográfica, experimentadas de algum modo durante extensas viagens por terras estrangeiras (caso de Richtofen ou Ratzel); uma espécie de iluminação repentina.” (Capel, 1981: 99).

[4] Sobre o crescimento e o papel das associações científicas nos processos de institucionalização disciplinar, especialmente no século XIX, ver Capel, 1994 e Barnes, 1980.

[5] Cf. Solís, 1998, P. 13.

[6] A primeira edição do livro de Penniman é de 1935 e nele o autor trabalha evidentemente com outra periodização e outras referências para a história da antropologia. Períodos que Bouza, por exemplo classificou de “pré-históricos”, anteriores a 1859, Penniman os denominará de “convergente” (1835-1859), ou de “formaçäo” (anteriores a 1835 e remontando aos filósofos e naturalistas da Grécia antiga). No inicio do capítulo III de seu livro, The Convergent Period, Penniman afirma: “The history of a hundred years of Anthropology properly begins with this chapter...” (P. 66).

[7] Em apoio a essa idéia J. R. Llobera afirma simples e diretamente o seguinte: “Volviendo ahora a la cuestión de los inícios de la antropologia, es sorprendente que uno de los peligros en los que suelen caer con más frecuencia la mayoría de nuestros historiadores tradicionales sea el examen del pasado desde una perspectiva – la antropológica – de la moderna división de las ciencias sociales. Esta actitud consistente en observar las distintas disciplinas sociales como si fueran autónomas, es de por sí peligrosa cuando se aplica a nuestros debates contemporáneos, pero tiene efectos irreversibles cuando se aplica al pasado. No quiero implicar con esto que los historiadores deban abstenerse de tratar lo que en muchos aspectos es distintivo de la antropología; sin embargo, no deben olvidar la unidad fundamental subyacente en las ciencias del hombre y de la sociedad” (Llobera, 1980: 59).

[8] Vários são os autores que poderiam ser aqui indicados para apoiar o reconhecimento desse duplo estatuto que caracterizam as ciências mencionadas. Citamos apenas dois deles que em textos mais ou menos recentes fizeram explicitamente tais referências: Morin (2001) e Souza Santos (2004).

[9] Os trechos entre aspas dentro da citação de Bouza indicam a referência bibliográfica que ele utilizou nessa passagem: Abbagnamo, Nicola. Historia de la filosofia. Barcelona: Hora. 3 vols. 1982.

[10] Tais questões referentes à partilha das fatias cognitivas das nascentes disciplinas são tratadas especialmente no cap. 3, do livro de Bouza (“ La Antropologia como ciência: la consolidación de um modelo de institucionalización”), e concentradamente nas pgs. finais deste que é último capítulo da primeira parte de seu livro (pgs. 80-100). As expressões e trechos mencionados entre aspas, nesse parágrafo, estão nas pgs.93 e 94 do livro de Bouza.

[11] Essa ousadia, aliás, cometeu-a, entre outros,, Horacio Capel (op. cit.) afirmando, ao contrário do que se costuma dizer, que nem Humboldt, nem Ritter, podem ser considerados como fundadores da geografia. Ambos, diga-se de passagem, morreram coincidentemente naquele ano de 1859. Segundo Capel: “No se trata de negar, como ya he dicho antes, que sus ideas pudieran ser luego utilizadas por los geógafos, sino de constatar que se trata de figuras aisladas que no dieron lugar a uma red institucionalizada de discípulos y que, además, tuvieron escaso eco inmediato en la geografía de la época. En realidad Humboldt y Ritter serían, em todo caso ‘precedentes’ pero no ‘fundadores’ de la geografia contemporánea.” (P.80)

[12] A expressão “Cientista” aparece pela primeira vez em Whewell, 1967 (pg. 560), reprodução integral da 2a edição da obra publicada originalmente em 1840. Ao livro de Whewell fomos conduzidos pelas indicações dos textos de Capel, 1994 e do historiador John D. Bernal, em sua volumosa obra Ciência na História (1975)

[13] O destaque reiterado que fazemos às ciências sociais, deve-se ao fato de que é na história desse campo de conhecimentos que estamos investindo o maior esforço de nossa pesquisa atual. É isso que nos permite reunir os argumentos que tanto aqui, como em outros lugares deste mesmo artigo nos dão segurança para fazer afirmações especialmente relacionadas ao conjunto das ciências sociais.Tais afirmações, no entanto, dirigem-se especialmente, e não exclusivamente, a esse campo, pois não descartamos que muitas delas possam se estender também para disciplinas integrantes das chamadas ciências naturais. Evidentemente, estas, que também são denominadas de exatas ou biológicas, sofreram importantes acomodações no período que estamos examinando, afinal, muitas das ciências humanas (ou sociais) que se institucionalizaram no século XIX, ou no começo do XX, resultaram de defecções das naturais, ou de naturalistas que para campos diversificados se dirigiram. Sabemos que isso se passou com a geografia e vemos a reafirmação desse processo com o exemplo da antropologia que a obra de Bouza nos proporciona. Além do mais, é reconhecida a atitude de “mimetismo, com relação às ciências da natureza” que desde o princípio as ciências sociais adotaram (cf Llobera, op. cit, e outros). E isso também produziu, e continua produzindo, repercussões para o conjunto do conhecimento científico que ainda deverão ser melhor avaliadas.

[14] Referimo-nos aos possíveis produtos que pretendemos apresentar como resultado de um projeto de pós-doutorado, cuja temática apresenta grande relação com as reflexões que nos foram proporcionadas pela leitura e análise do livro de Bouza.

[15] Aqui propositadamente citamos algumas das figuras mais destacadas no âmbito das ciências sociais, cujas principais obras e contribuições tornaram-se conhecidas em um período compreendido entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, exatamente os períodos “históricos” (de afirmação institucional) das disciplinas das ciências sociais.

[16] Robert Ezra Park (1864-1944), um dos principais fundadores da sociologia norte-americana, dedicou-se a estudos do espaço urbano e é o formulador da expressão “ecologia humana” (Faris, 1944), de larga utilização na geografia.

[17] Além do livro de Penniman (op. cit.), outros manuais e sites que consultamos, especificamente da história da antropologia, e da biografia de Blumenbach também confirmam tais referências, tais como: Jurmain e Nelson, 1994; Molnar, 1997; Knussmann, 1988; e o site whonamedit.com (Biography: Johann Friedrich Blumenbach), em 26/07/2007.

[18] Embora a antropogeogafia só terá sua difusão mais ampliada a partir da obra de Ratzel, inegavelmente o embrião dessa idéia já estava presente em Blumenbach, que não só sugeriu  o conceito de raça como sudividiu a espécie humana em cinco tipos básicos (caucasianos, mongolóides, etíopes, americanos e malaios), segundo caraterísticas morfológicas e de acordo com os locais de predominância e/ou origem desses tipos. As migrações humanas ganham relevância com as classificações sugeridas por Blumenbach (Bouza, op. cit.). Este, portanto, foi um dos pioneiros em aplicar referências geográficas para classificações antropológicas.

Segundo Müller (1992), a expressão antropogeografia, propriamente dita, só teria aparecido pela primeira vez em um artigo de L. F. Kämtz, Erde, publicado em 1842.

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Sitios consultados

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© Marcos Bernardino de Carvalho, 2007
© Biblio3W, 2007

Ficha bibliográfica:

CARVALHO, Marcos B."El hombre - [y la Ciencia] - como problema" (reflexões a partir do livro de Jerónimo Bouza Vila). Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. XII, nº 747, 10 de septiembre de 2007. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-747.htm>


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