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Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XV, nº 850, 5 de diciembre de 2009

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]


IMPRESSÕES DE UMA GEÓGRAFA PORTUGUESA SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES RECENTES DE BARCELONA

Resposta ao desafio de Horacio Capel

 

Margarida Queirós
Instituto de Geografia e Ordenamento do Território - Centro de Estudos Geográficos (IGOT-CEG)
Universidade de Lisboa


Impressões de uma geógrafa portuguesa sobre as transformações recentes de Barcelona. Resposta ao desafio de Horacio Capel (Resumo)

Este artigo descreve uma experiência de redescobrir a cidade (Barcelona) utilizando um caminhar sem um rumo pré-definido (se bem que inicialmente tenham sido seleccionados para observação “distritos” específicos da cidade). Esta “deriva” privilegiou primeiramente o que se captou através dos sentidos, e mais tarde foi completada com outro tipo de informação. O ponto de partida supunha um conhecimento deficiente dos processos que concorreram para as transformações recentes (urbanísticas, económicas, sociais, culturais, ambientais…) de Barcelona. À medida que os percursos pela cidade aumentaram, ocorreu uma complexificação e um enriquecimento progressivo das imagens capturadas ‑ complementado com o recurso a leituras e a entrevistas a residentes, técnicos e académicos. Este acréscimo de informação, disponibilizada em fase avançada dos registos, contribuiu decisivamente para aumentar a capacidade de leitura e interpretação da paisagem de Barcelona e as impressões deste exercício de observação são discutidas à luz dos contributos dos entrevistados e das leituras entretanto efectuadas. Em resultado, os elementos morfológicos identificados e avaliados foram recompostos em imagens sucessivamente mais abstractas e simbólicas da cidade. Estes elementos combinados concorreram decisivamente para ir mais além de uma simples observação visual (ou estritamente topológica) da cidade de Barcelona. Em cada bairro, quarteirão, jardim, praça, rua ou esquina existe um convite ao usufruto de um espaço-tempo lúdico, uma linguagem de permissão tão elementar como o ar que respiramos. Em Barcelona vê-se muito mais do que uma “marca” sente-se, em muitos lados e épocas, que se soube fazer cidade.

Palavras-chave: Barcelona, cidade, imagem, percepção, espaço público, tolerância, diversidade


A Portuguese geographer’s insight on Barcelona’s latest transformations. A response to Horácio Capel’s challenge (Abstract)

This paper describes a pedestrian experience of rediscovery of Barcelona. Although some specific areas, or ‘distritos’, were preemptively selected for observation the latter was fundamentally performed as an unplanned drift, a ‘deriva’. Initial observations were in essence sensorial and only later completed with additional data sources. At the starting line the observer had little if any knowledge of the processes that support Barcelona’s recent transformations. As the drifting walks throughout the city increased in number so did the complexity and richness of the captured ‘images’, as these were further detailed with the help of specialised readings, interviews with locals, planners and academics. The latter resulted in an unquestionable added value to both the observer and the observations of Barcelona’s landscape mirrored in an enhanced capacity for ‘reading’ and interpreting the city. Consequently, the morphological elements previously identified and assessed gave way to more abstract and symbolic images of the city. These elements, as a whole, were key to go beyond a strictly topological, visual perception of Barcelona. On each and every borough, block, garden, square, street, around each corner there is an open invitation to the enjoyment of the city’s ludic space‑time dimension. An invitation spelled in a language of permission as basic as the air we breathe. In Barcelona, far more than just a ‘brand’ it feels, in places and time, that a City was built.

Key-words: Barcelona, city, image, perception, public space, tolerance, diversity


Impresiones de una geógrafa portuguesa sobre las transformaciones recientes de Barcelona. Respuesta al reto de Horacio Capel (Resumen)

Este artículo describe una experiencia de redescubrir la ciudad (Barcelona) utilizando un caminar (“deriva”) sin rumbo definido (aunque inicialmente se hayan seleccionado para la observación “distritos” específicos de la ciudad). Esta “deriva” privilegió primeramente lo que se captó a través de los sentidos, y más tardíamente ha sido completada con otro tipo de información. El punto de partida supone un conocimiento imperfecto de los procesos que concurrieron hasta las transformaciones recientes (urbanísticas, económicas, sociales, culturales, ambientales…) de Barcelona. A la medida que los recorridos por la ciudad aumentaron, apareció una complejidad y un enriquecimiento progresivo de las imágenes capturadas –complementado con lecturas y entrevistas a vecinos, técnicos y académicos. Este incremento de información, disponible en una etapa ya avanzada de los registros, ha contribuido decisivamente para aumentar la capacidad de lectura e interpretación del paisaje de Barcelona; las impresiones de este ejercicio de observación son discutidas a la luz de las aportaciones de los entrevistados y de las lecturas entre tanto efectuadas. En consecuencia, los elementos morfológicos identificados y evaluados han sido recompuestos en imágenes sucesivamente más abstractas y simbólicas de la ciudad. Estos elementos combinados concurrieron decisivamente para ir más allá de una simple observación visual (o estrictamente topológica) de la ciudad de Barcelona. En cada barrio, manzana, jardín, plaza, calle existe una invitación a deleitarse con un espacio-tempo lúdico, un lenguaje tan elemental de permisividad como el aire que respiramos. En muchos lugares y épocas de Barcelona se ve mucho más de lo que se puede desprender de una “marca”: se ve que se ha sabido hacer ciudad.

Palabras clave: Barcelona, ciudad, imagen, percepción, espacio público, tolerancia, diversidad


9h da manhã. Faculdade de Geografia e História da Universidade de Barcelona. Entrevista marcada no gabinete do Professor Horacio Capel. Foi com uma certa dose de ansiedade que ali cheguei, com quatro folhas de perguntas sobre o “modelo Barcelona”. 10h da manhã. Saí do edifício – confesso que com alguma estranheza - sem resposta a nenhuma delas. Em vez de uma entrevista, o meu interlocutor lançou-me um desafio que supunha a seguinte metodologia de investigação: efectuar eu mesma as leituras da cidade através da observação directa, interpretando e registando a minha opinião sobre o que está a acontecer em Barcelona. Aconselhou-me a recorrer depois à consulta bibliográfica - trabalhos recentes sobre as transformações urbanas -, a realizar entrevistas aos técnicos, académicos e outros actores privilegiados e, por fim, expor os resultados.

Sem ter efectuado as iniciais e reconfortantes leituras académicas de conceituados autores sobre Barcelona e consultas prévias a actores privilegiados, parti para um trabalho de campo experiencial – reconhecendo que de início hesitante. O objectivo foi procurar experienciar e conhecer a cidade, procurando captar, através dos meus sentidos - e decerto contando com a minha perspectiva de geógrafa – a cidade. O contacto directo com a vida quotidiana em Barcelona foi um exercício que me relembrou conceitos como o lugar, o tempo, a história, a modernidade e a globalização. Confrontei-me então com o potencial criativo de uma cidade com 2 mil anos de história que reduzem as ideias que aqui transmito a um olhar comprometido e apaixonado com a cidade e um enorme sentimento de ternura pelas gentes que a percorrem.

Terminei a tarefa convicta de que a cidade é uma força dominante na organização humana e que a experiência da observação assume um papel relevante na aquisição do conhecimento e na apreensão de que a cidade está impregnada de intenção humana, de valor e de memória. Creio hoje que a cultura de uma sociedade se expressa e se concretiza através dos seus objectos materiais e o modo como dialogam entre si.

Esta é uma narrativa impressionista. Um balanço dos meus pensamentos, o que li, vi, ouvi, senti e cheirei, apresento agora[1].

Por qué tanto perderse, tanto buscarse, sin encontrarse?
Me encierran los muros de todas partes. Barcelona te estás equivocando, no puedes seguir inventando, que el mundo sea otra cosa y volar como mariposa.
Barcelona, hace un calor que me deja fría por dentro, con este vicio de vivir mintiendo. Qué bonito sería tu mar, si supiera yo nadar. Barcelona, mi mente está llena de cara de gente extranjera conocida, desconocida y vuelta a ser transparente.
No existo más Barcelona, siendo esposa de tus ruidos, tu laberinto extrovertido.
No he encontrado la razón, por qué me duele el corazón. Porque es tan fuerte que sólo podré vivirte en la distancia y escribirte una canción.
Te quiero Barcelona (¡ella tiene el poder!)
Barcelona es poderosa (¡ella tiene el poder!)
Barcelona es poderosa!

Giulia y los Tallarini cantando Barcelona es poderosa! (Vicky, Cristina, Barcelona - Woody Allen)

 

Introdução

Neste início de século as cidades europeias saem de uma longa e intensa fase de crescimento ligado à industrialização do pós-guerra e debatem-se com novos desafios resultantes das modificações profundas do contexto económico, social e ambiental. Com efeito, a economia do século XXI caracteriza-se por um fenómeno mundial de metropolização e de reforço económico e financeiro dos centros de comando mundial (Jean-Paul Lacaze, 1995; Peter Hall, 2009). As políticas urbanas tornaram-se assim mais ambiciosas e assentam em estratégias para aumentar a atractividade das cidades. Os Jogos Olímpicos ou o Fórum Universal das Culturas, em Barcelona, são realizações poderosas que testemunham a vontade política de renovação da cidade para (re)criar uma imagem de atractividade, dinamismo e de competitividade num mundo global.

A qualidade de vida, as transformações urbanísticas, a capacidade de retenção económica e o peso dos valores culturais e do lazer, são elementos simultaneamente tangíveis e simbólicos do papel estratégico de Barcelona na economia global. Com efeito, Barcelona apresenta-se-nos como um espaço de vida e um lugar funcional de uns poucos e um espaço de consumo de todos (Horacio Capel, 1973). E como Mónica Dengen e Marisol Garcia (2009: 21) apontam, “esse imaginário urbano de ‘mediterraneidade’ constitui-se e reinventa-se constantemente através de uma fusão de mitos nos quais a envolvente edificada e as práticas quotidianas impregnam os espaços físicos e a atmosfera social da cidade” - mas também Barcelona está incrustada de inquietudes e debilidades económicas e sociais.

E das referidas incertezas é legítimo questionar: i) a quem se dirige toda a dinâmica estratégica desta cidade e ii) através de que elementos a cidade se constitui como um espaço glocal? Estas questões constituíram um suporte orientador para chegar às reflexões finais apresentadas neste artigo - que não é mais do que uma pequena crónica documentada, naturalmente subjectiva, elaborada segundo uma metodologia de análise específica. Aquelas resultam também de um processo de aprendizagem sobre esta cidade. Difícil exercício, já que Barcelona é pluridimensional, como o disse, e bem, Manuel Vásquez Montalbán (1990). Assim, aqui exponho as conclusões de repetidos exercícios de observação/percepção de diversos sectores de Barcelona. Com excepção de Hospitalet de Llobregat, que se situa na fronteira da cidade, as áreas percorridas localizam-se no perímetro urbano da cidade - C. Vella, Sant Martí, Sant Adrià de Besos, Sant Andreu, Eixample, Gracia e Nou Barris.

Supõe-se que em exercícios desta natureza a experiência do sujeito é fundamental para a construção da imagem da cidade. Muitas das considerações ao longo do texto expressam também uma evolução do conhecimento desse mesmo sujeito sobre o objecto de estudo já que, numa fase inicial, os percursos foram efectuados sem recurso a informação complementar aos elementos físicos e humanos da paisagem urbana observados (Capel, 1973).

O ponto de partida supunha um conhecimento deficiente dos processos que concorreram para as transformações recentes de Barcelona, proporcionando-me uma imagem limitada do observado, naturalmente filtrada pelas circunstâncias momentâneas e pelo meu próprio sistema de valores. À medida que as minhas incursões por Barcelona foram aumentando, tomei consciência de um enriquecimento do apreendido que fui, aos poucos, completando com o recurso a leituras, a entrevistas/discussões com residentes, técnicos e académicos e recorrendo também às imagens que os media produzem. Creio que este incremento de informação, disponibilizada já em fase adiantada dos registos, e o seu crescente grau de complexidade, associado às observações da cidade (com recurso a auxiliares de memória como fotografias, desenhos, apontamentos e gravações), contribuiu decisivamente para aumentar a minha capacidade de leitura e interpretação da paisagem de Barcelona. Em resultado, os elementos morfológicos identificados (percursos, nós, fronteiras, elementos singulares…) e avaliados, foram recompostos em imagens sucessivamente mais abstractas e simbólicas da cidade – como aconselhavam Kevin Lynch (1960) e Horacio Capel (1973).

Como referido, as impressões deste exercício de observação são discutidas, no final, à luz dos contributos dos entrevistados, das leituras entretanto efectuadas, etc. Estes elementos concorreram decisivamente para ir mais além de uma observação visual ou estritamente topológica da cidade.

Antes de passar à análise das áreas da cidade visitadas e experienciadas assumo que, da mesma forma que o Senhor Jourdain de Molière se espantou por falar em “prosa” sem se dar conta, o exercício que executei em Barcelona – onde fui algo mais do que uma simples espectadora – reproduziu uma situação comparável, pois também me surpreendi por ter feito uma deriva urbana, sem contudo o saber, como o aconselhavam os situacionistas nos anos 1960[2].


El Raval

Parto da Universidade de Barcelona e percorro lentamente o espaço que conecta o Centro de Cultura Contemporánea (CCCB) e a praça do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona (MACBA): aqui, na Plaça dels Àngels, começa o dia para os mendigos indeléveis que se juntaram para se aquecerem durante a noite, encostados às paredes ou deitados no chão sujo e vomitado e que agora estendem as pernas ao sol. Já aqui estive em horas mais avançadas do dia e esta praça dura é percorrida por enxames de turistas de todas as nacionalidades e credos, uns adorando o sol, outros, tomando café e observando distraída ou atentamente a actividade mais agitada, barulhenta e permanente deste local: os skaters de todas as idades e cantos do mundo.

Ponto de encontro pela sua acessibilidade e proximidade à Praça da Catalunha, marcado pela forte presença do museu e dos restantes edifícios que o rodeiam, este é o local mais in de Barcelona para os skaters, por ser um espaço amplo com piso de pedra lisa, mas com desníveis e escadas de diferentes tamanhos, suficientemente adequadas às arrojadas acrobacias destes “ravalejadores” (Figura 1). Decerto o segredo do êxito que emana desta área renovada está na vigorosa mensagem do conjunto urbano que combina o novo com o velho, uma homenagem ao potencial da cultura urbana, transmissora de inovação e de ousadia, geradora de novas dinâmicas sociais e culturais. Todavia, o êxito que menciono refere-se ao efeito de atracção que o cenário exerce sobre os skaters e, por sua vez, o destes sobre os turistas que por ali param para os observar. Na verdade, a população do El Raval não usufrui desta praça que, na prática, parece ter ficado quase exclusivamente condenada ao desfrute de outsiders. Conjecturo que os espaços interiores do CCCB e do MACBA não são assim tão atractivos como o seu exterior para os transeuntes. Se a minha suspeita está correcta, como explicar este paradoxo?

 


Figura 1. Skating na Plaça dels Àngels.
Foto: Margarida Queirós, Março 2009

 

Passeio depois até à Rambla do El Raval, depois, vou pela Carrer de Sant Pau, fico no jardim com o mesmo nome, dali dirijo-me para a Plaça Reial. As ruas são estreitas, sem árvores e demarcam quarteirões habitacionais com edifícios de quatro-cinco pisos que convivem no rés‑do‑chão com comércio banal: mercearias, cabeleireiros, clínicas veterinárias e estabelecimentos de crédito; esta área está dominada pelos paquistaneses e marroquinos que, ora conversam vigorosamente, ora efectuam compras. Preterido certamente pelos barceloneses mais jovens e com maior poder de compra, este local encontra-se bem posicionado face às acessibilidades, o que explica a presença marcante de emigrantes. Mas também detecto a existência de gente pobre, pesquisando os caixotes do lixo ou simplesmente de cabeça baixa e olhos mortiços, enrolados num qualquer pano velho. O alcoolismo também espreita em cada banco de rua.

A nova Rambla do El Raval, um espaço público pedonal assemelha-se a um rectângulo. É luminoso, aberto e arborizado, mas em algo discrepante dos quarteirões vizinhos, fechados, despidos e sombrios. Aqui senti dois tipos de confrontos, um social, outro urbanístico. Por um lado, nos bancos da Rambla do El Raval sentam-se os idosos com os seus cães e bengalas, apanhando sol e socializando; outros passeiam com a velocidade que a idade lhes permite. Mais atrás, o contraste com este cenário casto é acentuado, já que nas ruas que ladeiam a rambla, como que num segundo nível, e mesmo por detrás de um edifício dissonante na paisagem, exterioriza-se a actividade da prostituição mesclada com a presença de emigrantes.

Como conciliar tão diversos interesses, ritmos e modos de vida? Por outro lado, se a composição deste local demonstra uma recente, benéfica porque higiénica operação de regeneração urbana, também prognostica uma transformação profunda no tecido urbano, como que anunciando o rompimento com o casco antigo. A confirmar o meu pressentimento de que algo está a mudar nesta paisagem urbana, e nem tudo necessariamente para melhor, está a moderna edificação de doze pisos (envolvida por um outro edifício em construção, ocupando um quarteirão), talvez descontextualizada do restante conjunto urbano que forma o entorno da Rambla do El Raval. Aquele edifício tão elevado é o hotel Barceló Raval. A dúvida logo se instala: se este espaço foi recentemente regenerado, onde estão os residentes dos quarteirões antigos que desapareceram? Estará o turismo a estender os seus tentáculos por esta zona, aliado às sucessivas vagas de emigrantes que por aqui vão ficando, ameaçando a coesão do tecido social?

Continuei o meu exercício de observação e fui parar ao jardim de Sant Pau del Camp, cuja morfologia em escadaria enquadra um antigo mosteiro, envolvendo-o e proporcionado perspectivas diferenciadas sobre a paisagem. Lugar silencioso e calmo serve, porém, de abrigo a idosos que o não têm (Figura 2). O cenário repete-se deste lado do Districte de Ciutat Vella: pobres, sujos e abandonados os velhos e os desempregados, parados pela desgraça que os tocou ou vagueando sem destino.



Figura 2. Entrada no Jardim de Sant Pau del Camp, um local de emigrantes e de gente pobre?
Foto: Margarida Queirós, Março 2009

 

Estou agora sentada na Praça São Miguel, no Barri Gotic. Contém um pequeno e tranquilo espaço infantil que se situa junto de uma fila de bicicletas de aluguer. Percorro sem rumo as ruas deste lado da cidade velha. A densidade de ocupação e a compacidade são mais elevadas. Ouço gorjeios de pássaros recordando-me que já é primavera e reparo nos vasos de plantas verdes e viçosas que se apinham nas varandas; decerto para compensar a ausência de vegetação nas ruas estreitas e privados de espaços públicos verdes, os habitantes celebram, assim, a natureza. Reparo que objectos diversos, e sobretudo roupa pendurada, sobressaem em muitas das fachadas das habitações, marcando fortemente a paisagem desta área histórica. Dei-me conta que estava a elaborar mentalmente histórias em volta daquelas camisas, calças, meias e chapéus, pois elas são parte dos haveres e uma expressão dos seus donos. Lembrei-me de um poema de Fernando Pessoa, o qual transcrevo parcialmente:

A roupa estendida ao vento
Parece gente a viver
Move-se em gestos sem tento
Perante o meu pensamento
Que não sabe senão ver.


Barri Gotic

Chego à igreja de Santa Maria del Mar situada num recinto do casco antigo, conhecido por La Ribera. Um grande monumento gótico, de uma simplicidade notável, com uma posição dominante. Multidões de turistas em movimento. Compactado, o bairro onde se insere esta igreja desprende uma colossal densidade histórica. O adjacente Memorial Fossar de les Moreres, um local público extraordinário, onde uma tocha ardente pelos catalães mortos na guerra da sucessão espanhola, nos remete para a memória dolorosa e colectiva de um passado no qual a Catalunya perdeu a sua independência, e que não pode nem quer esquecer.

Sigo pelo Passeig del Born, sem destino definido. A trama urbana muito antiga e alguns elementos medievais, como pedaços de muralhas que fui encontrando, associam-se aos “murais” de graffiti, perfeitamente integrados na paisagem urbana, nas paredes ou nas portas de pequenos estabelecimentos comerciais e de artistas e artesãos que abundam nesta área da cidade (Figura 3). Conferindo uma nova “pele” à edificação existente, dão-lhe cor, dinâmica e juventude. Estabeleço um paralelo com as velhas cidades portuguesas, nas quais a densidade de actividades e as parcas condições residenciais marcam os sectores mais antigos; mas faltam‑nos as expressões artísticas de rua (paredes, muros, portas, portões) que em Barcelona abundam com uma estética própria e alternativa, sugerindo que também nesta cidade a arte consagra o efémero usando, porém, os seus elementos urbanos mais estáveis.

 


Figura 3.
Graffiti numa parede e janela na Cidade Velha, expressão do “efémero” sobre o “permanente”.
Foto: Margarida Queirós, Março 2009

 

Carrer de Montcada, sem dúvida uma rua estruturada por edifícios nobres, palacetes ou antigos conventos. Um espaço urbano qualificado no qual estão hoje instaladas outras importantes funções. É devido a um processo de reconstrução permanente que se evidenciam tipologias que se foram adaptando aos tempos e os elementos edificados monumentais (Museu Picasso e Museu Barbier-Mueller d'Art Precolombí) são também um testemunho de épocas florescentes da vida da cidade velha.

As ruas que saem desta artéria estão densamente edificadas, por isso, ficaram estreitas e sombrias - aqui e acolá salpicos de luz. Mais uma vez, à boa maneira mediterrânea, os vetustos edifícios ostentam invejáveis varandas com toldos, como que representando o portfólio de cada família, e onde se justificam os sinais de busca da luminosidade, celebrada, de novo, com “matas” suspensas de plantas mescladas com roupas agitando-se com a brisa suave (algumas delas protegidas com plásticos transparentes, uma protecção engenhosa contra os invasivos pombos que por aqui abundam!).

Notei ainda que ao sair das ruas principais, os coloridos e ruidosos turistas se haviam “evaporado”, reinando uma tranquilidade com um fundo sonoro caracterizado por rugidos longínquos dos automóveis e de chilreios próximos dos pássaros. De quando em quando, o odor a esgotos sobrepõe-se às outras experiências sensoriais, lembrando-me da crónica de Montalbán (1990) que nos sugere que por debaixo desta Barcelona “da superfície” existe uma outra, “a subterrânea”. Residentes idosos e alguns emigrantes jovens, edifícios velhos enfeitados por pinturas de rua, expressando protestos ou mostrando os dotes artísticos de autores e espaços de diversas nacionalidades, este fragmento de cidade mostra bem como Barcelona é tolerante e multicultural. Então senti que esta cidade combina o lugar histórico, artístico e turístico com as funções residencial e comercial, pacto vital para a preservação dos centros históricos e da sua identidade.

Celebrando antigas funções, algumas ruas têm designações de antigos ofícios. Restos da muralha romana estão assinalados com placas explicativas - um pedaço da história da pequena cidade de ontem que cresceu e rompeu o recinto contido recordando-nos, porém, que outrora um apoio defensivo foi necessário – então interroguei-me: onde e que tipo de novas “muralhas” erguerá hoje Barcelona?

Seguindo em direcção a leste chego ao coração desta área, a zona dos edifícios das sedes da Generalitat e do Ajuntament, a Plaça de Sant Jaume, exibindo o fenómeno da permanência geográfica e do poder político, pois aqui também esteve a sede política da Barcelona de tempos imemoriais. Acresce assim, neste lugar, a função administrativa às outras anteriormente referidas que, seja simbólica ou não, nos recorda que estes são ingredientes essenciais para uma “receita” do sucesso da permanência da cidade velha. Saberão os autarcas de Lisboa aproveitar estas boas ideias?

Entre a Carrer del Bisbe e a Via Laietana está um quarteirão gótico monumental, esplendoroso. Ali sabemos e vemos que caminhamos sobre uma cidade milenar (o museu da história da cidade na Plaça del Rei expõe os achados arqueológicos romanos e paleocristãos no subsolo e sobre os quais podemos ver e passear através de um pavimento de vidro translúcido). Do imperador Augusto ao séc. XXI: cidades sucessivas sobre cidades. Esta construção e reconstrução levou‑me até à formulação original das camadas geológicas de Doreen Massey, metáfora que todos os geógrafos conhecem, usada na análise espacial e interpretada como a expressão da forte inércia do espaço, das suas instituições sociais e suas relações. Assim, tal como as camadas geológicas sobrepostas, os traços complexos da organização espacial de estruturas individuais, sociais e ideológicas passadas encontram-se representados nas cidades (a memória das mudanças sociais), e organizados por diferentes layers espaciais que constituem em conjunto uma ainda mais complexa diferenciação espacial. Interrogo-me ainda se a cidade, pelo simples facto de se replicar, não será o super-organismo mais complexo e notável do planeta.

Ainda no casco antigo em La Ribera, a dois passos da Sé de Barcelona, está o Mercat de Santa Caterina assinalado por um estranho telhado colorido e ondulante e paredes decoradas com algo que se assemelha a paletes de madeira (Figura 4). Esta é evidentemente uma obra actual, assente sobre as ruínas de um convento que nos são parcialmente desvendadas a partir do interior do edifício. O mercado está instalado num quarteirão, parecendo também ele, regenerado recentemente e em diálogo com um edifício adjacente residencial. A primeira sensação é que o conjunto discorda brutalmente do edificado envelhecido. No entanto, o movimento sugerido pela forma do seu telhado e as suas cores vivas transmitem uma mensagem, como que a sugerir um ponto de encontro dinâmico, onde a tradição acumulada e a memória histórica do edificado se fundem com as novas ideias, as práticas quotidianas, a vida e a frescura do que é novo: será ele capaz de gerar uma nova polarização nesta área? Servirá as necessidades (também elas sociais) dos habitantes da Ribera ou funcionará como mais um chamariz para o turista que, dada a proximidade da Sé, é atraído pela sua estrutura vigorosa, a sua imagem “pós-moderna” (associada também ela à sociedade de informação – com possibilidade de utilização da internet) expulsando os utilizadores residentes?

 


Figura 4. O “ondulante” Mercat de Santa Caterina.
Foto: Margarida Queirós, Março 2009
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A uns metros deste equipamento público encontro o que resta do tão falado Forat de la Vergonya. O edificado envolvente revela a presença de grupos sociais empobrecidos. De acordo com o que me foi explicado por uma rapariga que me vendeu um livro na livraria Icaria, há uns anos, haviam sido demolidas casas de habitação em mau estado, com a finalidade de higienizar esta zona antiga e degradada, onde abundavam ratos e outros animais ameaçadores da saúde pública prevendo-se, em seu lugar, a instalação de um parque de estacionamento subterrâneo e sobre o qual assentaria um pequeno espaço público verde.

Mantendo-se o vazio urbano os moradores iniciaram um processo de auto-construção. E daquele cenário assolado, surgiu o jardim, a horta, os espaços de jogos e de espectáculos, o mobiliário urbano, criando-se, assim, espontaneamente, um lugar de referência ‑ o “seu” jardim[3]. Sem qualquer tipo de plano, os residentes foram arquitectando a “alma”, o centro nevrálgico do seu quotidiano de interacção, e esta associação de indivíduos com um objectivo comum, deu origem a um lugar colectivo de referência, a um verdadeiro espaço público, lugar de coesão social, das liberdades individuais e colectivas, do reforço da identidade, da fluidez das ideias, e tudo isto, sem que algum arquitecto de renome o tivesse projectado.

O Ajuntament não apoiou esta acção emergente, surgida da vontade popular e sem a sua interferência ou consentimento, pelo que, tudo destruiu, tendo-se gerado momentos muito conflituosos entre as populações locais, os técnicos e as autoridades[4]. Hoje, o que resta em memória do forat de la vergonya é uma pequena horta, localizada numa praça simples e despretensiosa que resultou de uma imposição “negociada” do Ayuntament com os vecinos (Figura 5).

 



Figura 5. A pequena horta do Forat de la Vergonya
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Foto: Margarida Queirós, Abril 2009

 

Este episódio, que me foi inicialmente contado por uma colega[5], é aparentemente simples. Na verdade, constitui um exemplo complexo que desafia os cânones tradicionais do planeamento, o que o converte numa importante lição para o modo como se faz a cidade. Vale a pena reflectir um pouco sobre o assunto através de duas ideias essenciais.

A primeira porque me recorda algo que escrevi acerca do potencial da inteligência auto-organizada, conceito desaproveitado pelos técnicos de planeamento. Assente numa acção imprevisível, um “espaço público” conhecido como o forat de la vergonya, foi o produto da acção de diversificados indivíduos que comunicaram entre si através do próprio mapa colectivo desenhado a partir de cada acto individual. Qualquer vecino agindo segundo determinação própria, aprendeu com os outros vecinos, tendo sido a criação de um lugar público num espaço que estava vazio, um processo participativo, adaptativo e desenvolveu-se a partir da diversidade e da interdependência existentes. Representando um nível descentralizado de evolução do planeamento, o espaço emergente derivou de decisões simples executadas por múltiplos agentes, resultado da conectividade e organização entre os indivíduos. A aceitação deste facto tão simples mas envolvendo uma tão grande complexidade de actores e de processos, implica repensar toda a estrutura do planeamento – de centralizado a participativo.

A segunda remete para Jane Jacobs que, já nos anos 1960, argumentava que não basta um espaço público existir para garantir a sua vitalidade e a da respectiva envolvente. Não é possível valorizar um bairro simplesmente adicionando-lhe áreas verdes. Na verdade, os espaços verdes é que são afectados pelo modo como os vecinos neles se relacionam e o utilizam. Esta forma de ver o tema dos espaços públicos contesta a abordagem tradicional do planeamento urbano em que os técnicos são tidos como os mais preparados para orientar as acções na cidade, muitas vezes inconsistentes com o quotidiano dos seus bairros habitacionais.


La Barceloneta

Já nas suas imediações, na Plaça de Pau Vila junto do museu da Catalunha, circula um emaranhado de gente. Tudo cheio e um inferno caótico de turistas, aventureiros, “mochileiros” e viajantes que querem desbravar Barcelona. Tantos são os transeuntes acotovelando-se que caminho com dificuldade pelo Passeig de Joan Borbó. Um parêntesis: a gigantesca indústria dos serviços de turismo forjou a sua auto-zombaria com o aparecimento nas ruas do litoral de um pastiche do tipo “riquexó” - bicicletas de três rodas para transporte de pessoas, puxadas por um indivíduo que pedala, tradicionalmente usados na Ásia. Urge sair dali, pelo que a Plaça del Maquinista me pareceu uma “porta aberta” para entrar rapidamente no interior de Barceloneta.

Um fragmento de cidade muito característico e popular (Figura 6), com um traçado urbano único, em estreita articulação com o mar mediterrâneo (o arranjo da área litoral de Barceloneta possibilitou a comunicação com o mar e criou um espaço lúdico fantástico). É graças à sua posição, ao seu “isolamento” relativamente à restante cidade (tendo a leste o Hospital del Mar e a oeste o Port Vell do outro), que este lugar mantém um perfil muito próprio. Porém, temo que a sua proximidade aos equipamentos instalados no Port Vell renovado (marina, cinemas imax, centro comercial Maremagnum e Aquarium de Barcelona) e às vias rápidas (Ronda del Litoral) que delimitam a zona, juntamente com a praia adjacente, exerçam um efeito de atracção muito forte sobre a multidão de turistas, que literalmente se apoderam do litoral de Barcelona, ameaçando a integridade deste bairro, tal como o vemos hoje. Cercada pela cidade internacional, pressinto que Barceloneta é um bairro ameaçado. Este palpite é-me confirmado pelas notícias que se apresentam na internet[6]:

...Por el otro los vecinos y vecinas que sabemos que la Barceloneta y sus vecinos humildes no hemos sido suficientemente rentable económicamente hasta ahora, y no lo seremos si no hay una sustitución de la población - en este caso, como en muchos otros barrios - propiciada por una remodelación urbanística que haga el barrio más apetecible a los turistas, o a inmobiliarias y todo aquel que pertenezca al entramado político-financiero que hace de esta ciudad un diseño para una portada de revista, pero no para sus habitantes. Vecinos y vecinas representamos en la entrada del mercado una comitiva fúnebre, la “mort de la Barceloneta”... (http://barcelonaldia.wordpress.com/2007/06/07/que-passa-amb-la-placa-del-mercat-de-la-barceloneta/)

 



Figura 6. Barceloneta, detalhe do quotidiano de um bairro popular.
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009


As razões são simples de entender: a densificação de Barceloneta aponta para uma área urbana muito pressionada e uma população idosa, para além de que é conhecida a situação de escassez de espaço no interior do edificado, sem elevadores, e em que cada apartamento equivale a “um quarto de casa” (cerca de 30m2). Relatou-me uma residente da A.V. La Ostia que esta condição, juntamente com a intenção de facilitar a mobilidade dos idosos, levou à apresentação de um “plano de ascensores” pelo Ajuntament
[7]. Esta operação implicaria porém a expropriação de casas já que as escadas são demasiado estreitas para a colocação de um elevador.

A existência deste plano e outras remodelações já em marcha, como o aumento de apartamentos destinados a turistas em Barceloneta, e a eliminação progressiva de locais de estacionamento para os residentes, gerou um mal-estar entre os vecinos, expresso através de sucessivos protestos das famílias locais. A manifestação que decorreu muito recentemente é um sinal que fala por si, bem como um dos slogans apregoados ‑ la Barceloneta és un barri popular, i no un lloc per especular[8]. Isto porque uma parte importante das casas são alugadas e os proprietários estão à espera das mais-valias geradas com as operações urbanísticas – basta olhar para um edifício em construção à saída do metro de Barceloneta e podemos ler no respectivo cartaz publicitário: viviendas de vanguardia al lado del mar.

Servirão as iniciativas como o “plano dos ascensores” para acabar com a precariedade dos bairros, sem que os residentes o aceitem, pressentindo muitos deles que não vão poder regressar depois da operação urbanística, dado o aumento das rendas? Podem aquelas considerar-se realmente portadoras da melhoria da qualidade de vida das populações?

Certamente que a premente necessidade em introduzir melhoramentos para fornecer mais qualidade nos espaços públicos aos residentes, levou a intervenções do tipo das que se observam na praça onde se localiza o Mercat Barceloneta. Pelos transeuntes não consigo perceber se existe algum processo de gentrificação, os grupos etários visíveis nas ruas são casais de idosos e crianças, enquanto os turistas espreitam o mercado e se apinham nos restaurantes e nas esplanadas. Não muito longe no horizonte avistam-se os imponentes arranha‑céus da vila olímpica, a Torre Mapfre e o Hotel de Les Arts, e mais próximo, o edifício da sede do Gas Natural; do outro lado, o Hotel Vella em construção: a proximidade e a preponderância destas estruturas emblemáticas do urbanismo actual deixam perceber uma provocadora concentração do poder económico. Foi então que me questionei se aqueles que investem na visibilidade pela imagem projectada de criatividade e qualidade em Barcelona se dão conta das desigualdades económicas, dos grupos sociais empobrecidos e da sua necessidade de participarem activamente nos processos que afectam as suas vidas. Qual o custo social destas forças reformadoras?


Poblenou

O meu percurso, tal como nos anteriores, começa nas Glòries, segue pela Diagonal, desvia-se para o conjunto industrial de Can Ricart adjacente ao jardim Parc del Centre e, depois, centra‑se na Rambla de Poblenou até à Ronda do Litoral, voltando posteriormente para a zona de La Llacuna. Estes circuitos foram realizados por diversas ocasiões, já que é esta a área da cidade muito extensa.

Este sector da cidade tem um longo passado industrial, assim o transmite a concentração espacial de antigas fábricas, sobretudo pela imponência e quantidade das suas chaminés que se elevam na paisagem urbana[9]. Parto para a sua descoberta sabendo de antemão que actualmente o que se refere a Poblenou está na “ordem do dia”, pois trata-se (entre outros) da história de uma “paisagem de produção” que se transforma, sob protesto dos vecinos e das elites intelectuais, sob a égide de um plano estratégico, no 22@, numa “paisagem urbana de consumo”. Na sua essência, assiste-se em Poblenou à emergência de abordagens de reestruturação baseadas no mercado e no empreendedorismo urbano, como factores-chave do desenvolvimento económico, social e ambiental, tão típico das áreas urbano‑industriais em crise. Barcelona quer afirmar-se como pólo atractivo de sectores-chave da economia criativa e do conhecimento num contexto de globalização, e este é o seu mais recente e flexível trunfo. Esta aposta tem sido amplamente divulgada pelos media, debatida à exaustão na comunidade académica catalã e internacional, e vivamente criticada pela população local.

Poblenou foi a alavanca industrial da Catalunha no século XIX[10]. Um espaço de produção verticalmente integrada e para economias de escala. Todavia, este território sofreu um longo processo de desinvestimento e de desactivação desde os anos 1970; marcado pelo desamparo e incerteza quanto ao seu futuro, foi mudando a sua composição produtiva e ocupacional, tendo‑se instalado nas já decadentes naves industriais pequenas oficinas e empresas e jovens artistas populares, quer pela necessidade de espaço que ali abunda, quer pelos baixos preços do arrendamento de áreas industriais, muitas delas, transformadas em lofts. Este processo decorreu com tranquilidade e a relação dos artistas com os residentes foi-se estreitando. Também universidades e centros de pesquisa associados, ali se foram instalando.

Entretanto, a decadência do edificado, o envelhecimento populacional e o declínio económico apoderaram‑se do distrito de Poblenou. A excepção deu-se a Sul, onde se instalou a Villa Olimpica, edificada diante do mar, uma vasta área especificamente intervencionada para os Jogos Olímpicos de 1992. Esta conjunção contribuiu para gerar a ideia e a oportunidade que conduziu à recente iniciativa de regeneração urbanística e de reestruturação económica por parte do Ajuntament. O plano estratégico de 2000 (Plano 22@bcn[11]) que lhe deu forma, procura transformar os quase 200ha de solos tidos como desqualificados do antigo distrito industrial gerado num mundo “fordista” e conotado como um brownfield (solos classificados por “22A” segundo o Plano Geral Metropolitano de 1976), num novo distrito altamente qualificado e tecnológico de Barcelona, redenominado habilmente de 22@ (já que usa a antiga classificação dos solos mas associada ao digital), um espaço também produtivo assente no conhecimento, criatividade, talento e inovação, “pós-fordista”, metamorfoseado num greenfield, com a novidade de prometer a coabitação com a função residencial e com os equipamentos sociais.

O 22@ é uma estratégia territorial e económica assente na internacionalização da economia criativa e do conhecimento, um produto de Barcelona. A imagem que se quer transmitir é inequívoca: o 22@ torna-se assim um ícone da década de 2000 das operações urbanísticas de regeneração de Barcelona, resultantes de parcerias público-privadas (investimentos hard em infra-estruturas físicas), e das apostas em novas actividades e emprego associados à sociedade do conhecimento (investimento soft). Poblenou transforma-se, com o novo património construído e talentos instalados, num espaço criativo, de qualidade ambiental e cultural ‑ “limpo”. Se no passado o têxtil e a metalurgia foram o motor do desenvolvimento, hoje em Poblenou aposta-se na atracção, por exemplo, dos new media, das TIC, da biotecnologia… Como afirma Borja (2009), 22@ é uma concepção que facilita a passagem da velha indústria à nova economia.

Tudo isto é perfeitamente visível na actual composição urbana do sector, a partir da Plaça des Glòries (actualmente em obras), junto à qual se instalou a polémica Torre Agbar (arranha-céus de 35 andares com um design futurista, onde se instala a companhia da águas, a Aigües de Barcelona) e o jardim urbano Parc del Centre de Poblenou (ambos da autoria de Jean Nouvel) ao longo da Avinguda Diagonal, nos sectores à esquerda e direita da Rambla del Poblenou, na área de La Llacuna… A forma e a altura dos prédios novos que pontuam esta zona, na sua maioria arranha-céus, os materiais, as texturas e o uso da luz como elementos activos da paisagem urbana e a elíptica Torre Agbar, são sem dúvida objectos criadores de novos símbolos, de uma cidade global. A dimensão e a morfologia do novo edificado, muitas vezes surgindo do derrube integral do antigo, outras aproveitando-o parcial ou totalmente, juntamente com os símbolos novos desenhados por arquitectos de renome, estão a contribuir para mudar a face de Poblenou - o local procurando afirmar o seu posicionamento no contexto global.

De um ponto de vista abstracto, a novidade deste espaço encontra-se não apenas nos conceitos do edificado recente que se quer afirmar como “internacional” e “activo”, mas também na recuperação de partes do edificado antigo, como está patente nas instalações das universidades Oberta e Pompeu Fabra, pertencentes a antigos edifícios industriais. Mas do ponto de vista concreto, em Poblenou também descubro vazios urbanos, pedaços de cidade descarnados, quarteirões inteiros transformados em espaços despidos rodeados de taipais, deixando ver áreas desocupadas ou com edifícios que perderam os prédios adjacentes, restos de betão e entulhos compactados no chão, por entre os quais se instalam selvaticamente os automóveis, outrora provavelmente ocupados com edifícios habitacionais ou naves industriais, hoje aguardando novo destino.

A diversidade de situações urbanísticas abunda: património industrial abandonado, habitação da classe média, social e de luxo, portentosos edifícios modernos isolados, e outros edifícios sem qualidade com acrescentos “encavalitados”, restos de casas e espaços devolutos (Figura 7). Em Poblenou o estacionamento automóvel é um problema, sobretudo dos residentes, cuja habitação nem sempre dispõe de garagem, por isso, as ruínas e os vazios servem de solução de estacionamento…

Um detalhe não menos importante: no horizonte desta paisagem competem as transitórias gruas com as eternas chaminés industriais, vaticinando o fim da sua função produtiva num conjunto mais vasto de construções, e os inícios de um objecto “pós-moderno” com uma função decorativa, inútil e isolada do contexto. Metaforicamente, o 22@ conseguiu transformar os ícones da industrialização ou seja, os conjuntos fabris, em algo terciarizado e virtual, dos quais lhes foi consentido que mantivessem as chaminés com função decorativa (e, em alguns casos, partes de naves industriais reconvertidas para novos usos). Será porque se assemelham às “antenas” dos meios de comunicação que estas estruturas se mantêm na paisagem, tratadas como um “documento arquivado”? Infelizmente esta questão não é específica de Barcelona, em Portugal nos terrenos da antiga CUF, na Área Metropolitana de Lisboa, algo semelhante se passou impunemente e sem protesto local (resta-nos a esperança de que o que ainda perdura do império de Alfredo da Silva se venha a preservar[12]).



Figura 7. C. Avila; ao fundo um protesto contra 22@.
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009

 

De uma forma generalizada, os aglomerados industriais do séc. XIX são entendidos no séc. XXI como conjuntos de carácter funcional menos prestigiante, se bem que alguns possam ter valor arquitectónico e apenas essa valoração lhes confere o direito a ficarem de pé. Como explicamos hoje 200 anos de passado industrial, apenas com recurso a decorativas chaminés de tijolo, privados da análise de conjunto do processo de industrialização? Como deixar para as actuais e futuras gerações os vestígios materiais (edifícios, fornos, estruturas associadas reflectindo tipologias construtivas e organizativas e soluções técnicas) que até há tão pouco tempo desempenharam uma função na modelação urbana ou na estrutura económica da sociedade?[13]

Observo, para lá do confronto urbanístico referido, os desenhos e palavras deixados pelos moradores ou taggers e graffiters, reveladores de um conflito social entre os poderes públicos e privados e os vecinos. Os edifícios industriais desprezados, abandonados e demolidos são os testemunhos mais próximos desta comunidade! Afinal estou a referir-me a um antigo bairro popular, operário, com tradição associativa, marcado por um forte movimento sindicalista e acostumado à pressão popular, e pela acção de empenhadas associações de vizinhos![14] Acresce o movimento artístico já entrosado com as populações locais e a simpatia dos intelectuais e dos media em geral. Uma combinação explosiva de protesto público, expondo a conflitualidade entre os actores, obrigando em parte a alguns recuos pela administração ao seu plano estratégico inicial.

Uns apontamentos soltos, para terminar. Dos percursos que fiz pelo 22@ foi andando variadas vezes na afável artéria semi-pedonal, a Rambla de Poblenou que senti que há, de facto, aqui uma comunidade local. Famílias convivendo na rua e nas esplanadas, outras, passeando tranquilamente ou saindo de estabelecimentos comerciais e entre elas, percebia-se um certo ar de intimidade aquela sensação de que todos se conhecem, apenas nós somos o “intruso”. Aqueles que passeavam pela rambla subiam e desciam para a zona da Ronda del Litoral, pelo que, um dia, também fui até lá. Apesar da extensão das vias de atravessamento, o mar exerce um poderoso efeito de atractividade sobre os humanos: o litoral estava repleto de residentes mas sobressaiam os turistas.

Por seu lado, o Parc del Centre de Poblenou[15], um espaço público verde de 5,5ha circunscritos por um muro e distribuídos por “ilhas” ou quarteirões delimitados por ruas é, de acordo com Salvador Clarós (2008) um parc emmurallat que separa o novo do velho[16]. Estava deserto de pessoas, bem como a maioria das ruas deste sector de Poblenou, por onde se detectava apenas o movimento de atravessamento de veículos motorizados. Realmente o Parc Central é um parque com muros, janelas e portões, que ignora a sua envolvente, fechando-se para ela, e do qual apenas se vê o exterior através de portões e de janelas em forma de olho – como que se vigiasse algo. Vizinho deste jardim, Can Ricart, um antigo espaço industrial que, acometido pela crise do modelo “fordista”, foi acolhendo algumas pequenas empresas e dezenas de ateliers artísticos, assemelha-se hoje a um cenário de devastação (Figura 8).

Mesmo sem estar de posse de profundas evidências científicas, é possível ter algumas certezas: este sector da cidade funciona como uma reserva de solo que ainda não estabilizou a sua “atitude” e o alcance da sua influência no desenvolvimento da cidade global é ainda uma nebulosa; as condições encontradas para os novos moradores e utilizadores não beneficiam necessariamente todos os residentes e utentes; as contradições e as ameaças ao sentido profundo de identidade abundam nesta paisagem local verdadeiramente respeitado pelas populações locais, inspirando as manifestações explícitas do descontentamento dos moradores e artistas com as acções do Ajuntament em parceria com os interesses privados.

 



Figura 8. Torre de Can Ricart.
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009

 

Resta saber se os ícones do passado industrial catalão, com as suas virtuosidades e defeitos, continuam a perpetuar a identidade local e nacional e se poderão ainda ser participados/usufruídos pelas comunidades locais do presente e do futuro.

Paradoxalmente, nalguns dos meus múltiplos passeios por Poblenou, verifiquei que ali ainda existe actividade económica, como empresas de pinturas, corte de vidro, oficinas de automóveis, armazéns, fábrica de torrefacção de café… E de dentro de diversos edifícios podem ouvir-se ruídos de máquinas trabalhando (como a fábrica Waldez). Quanto perdeu Barcelona e ainda perderá para obliterar Poblenou e assegurar o projecto 22@?

Na continuidade das minhas digressões por Barcelona fui um dia até ao espaço já muito próximo da desembocadura do rio Bèsos, onde se localiza o tão falado Forum de las Culturas (2004). Ali se encontram o Centro de Convenções e de Congressos de Barcelona, o centro comercial Diagonal Mar, e torres e mais torres, alojando hotéis e, quiçá, escritórios e habitação de luxo. Mais tarde li que, esta foi uma tentativa (falhada?) de criação de uma nova centralidade através de um projecto de grande impacto. Surge assim a zona do Fórum, construída por uma empresa privada americana, tendo como principal aspecto positivo o facto de ter mantido equipamentos problemáticos (incineradora de resíduos e estação de tratamento de águas residuais) do ponto de vista NIMBY, e de procurar albergar áreas de lazer – uma área náutica, um zoo marítimo e um campus universitário (Jordi Borja, 2009).

De certa forma, independentemente da benéfica operação de valorização de uma área com problemas ambientais, o efeito do investimento aqui realizado foi perverso: o seu resultado na emoção e no comportamento é o oposto ao certamente previsto. Explico porquê: deparei-me com uma paisagem elitista e pretensiosa, sem magia, banal, não inclusiva e asséptica, deserta de transeuntes. Entrei numa mera zona internacional, sem alma, descartável. Este local em nada se distingue, nem mesmo a arquitectura se salva, revelando a verdade trágica de que a banalização da cidade acontece com toda uma textura ao nível da rua. Aqui senti-me excluída.

Por enquanto, este ambicioso projecto não conquistou à cidade uma “nova centralidade”, talvez porque o espaço gerado privilegiou certos segmentos populacionais e se esqueceu que o verdadeiro sucesso de uma cidade reside no facto de criar locais com uma escala humana, plurais e multifuncionais.


Eixample-Gracia

No dia de San Jordi, 23 de Abril, cedi à magia desta zona da cidade. Rosas, sobretudo vermelhas, sobre a bandeira da Catalunha, acompanhadas por bancadas de livros que se estendem pelas ramblas - e o trânsito parcialmente vedado. Bem cedo pela manhã, é um privilégio poder espairecer, livremente, por estes espaços vivos e alegres - e sem automóveis. Este cenário pintado de colorações vermelhas e amarelas, aos poucos e poucos, foi-se atravancando com as gentes que se passeavam e compravam flores e livros. Por isso, dispus-me a seguir para Gràcia.

Verifico que os eixos centrais formados pela La Rambla, Plaça de Catalunya, Rambla de Catalunya e Passeig de Gràcia, bem como a Via Laietana, favorecem uma forte de conexão da cidade velha com o antigo aglomerado de Gràcia. São uma referência central em Barcelona. Daqui desenha-se um plano quadriculado, regular, o designado Eixample, onde é assinalável a capacidade de manter e combinar as funções da restauração, do comércio, da administração e da animação cultural com a residência, reforçadas pela densa e eficiente rede de transportes públicos que se estendem até aos subúrbios de Barcelona.

Tão próximo da cidade velha, também aqui o esplendor e a riqueza dos elementos da arquitectura, associados ao engenhoso desenho urbano, e a multiplicidade de usos, constroem um novo centro - a cidade moderna -, atraindo o comércio de luxo, a classe alta barcelonesa e os turistas (e o trânsito automóvel) de todo o mundo. É inegável que as elites de Barcelona se empenharam no embelezamento da cidade e deram total liberdade à criatividade dos arquitectos de então que, influenciados pelo movimento de arte nova europeu, enriqueceram a cidade com uma das maiores concentrações e os mais originais edifícios públicos e privados.

Assente numa malha arejada e homogénea, o Eixample foi um projecto inovador de “fazer cidade” no séc. XIX e assente nesta ideia simples de melhoria e ampliação, construiu-se nos arredores da então cidade de Barcelona, a cidade singular de hoje. E o facto verdadeiramente notável é que o traçado das ruas, dos quarteirões, das fachadas das edificações e a particularidade do remate dos edifícios em esquina, se mantém sensivelmente como Cerdá os pensou, conferindo a Barcelona algo verdadeiramente único, como refere Jean Busquets (2004), um conceito urbanístico e cultural catalão. Ampliando o papel centrípto deste urbanismo particular, ao longo de grandes eixos organizadores da centralidade do Eixample, situam-se os edifícios emblemáticos da arquitectura modernista catalã, uma herança preciosa e original. Vejam-se o Palau de la Musica[17] e o Hospital de San Pau, dos inícios do séc. XX, como exemplos de edifícios inovadores com um encaixe perfeito junto de tecidos consolidados. E os exemplos mundialmente conhecidos são tantos, que me dispenso de os enumerar: os roteiros turísticos têm-nos devidamente catalogados. Porventura residirá o “modelo Barcelona” nesta complexa fórmula?

Atravessando o Passeig de Gràcia, um dos eixos representativos da cidade em que a estrutura da rua e o edificado se pautam pela elegância, sigo em direcção a Gràcia. Este bairro foi no passado um núcleo tradicional e burguês (Busquets, 2004). Muito “charmoso” e acolhedor. Os edifícios não têm mais de 3-4 andares, apresentam um “carácter” próprio, reflectindo a riqueza económica e a forte cultura catalã. As pequenas praças públicas estão imersas no tecido urbano, são espaços relacionados com a densidade residencial e espelham uma preocupação, quer com a escala, quer com a dimensão social que devem ter - Pl. Del Sol, Pl. Diamant, Pl. Virreina… Algumas delas têm um valor simbólico, incorporam elementos escultóricos e mobiliário urbano buscando dar resposta ao colectivo local - Pl. Revolució Setembre 1868, Pl. Rius i Taulet…São todas elas abertas, acolhedoras e soalheiras, e admitem pequenos restaurantes, cafés e esplanadas; nelas senti que há articulação com o edificado, com as actividades económicas e com os seus residentes.

Quando comparado com o bulício do vizinho Eixample, e simultaneamente calmo e vivo, este bairro acolhe essencialmente residência combinada com um comércio de pequenas boutiques (muitas delas autênticos espaços exóticos), pequenos restaurantes com comida de todo o mundo, frutarias, charcutarias, padarias, pastelarias, cabeleireiros (para humanos e cães!), etc. Também aqui se encontram alguns equipamentos, como o mercado e escolas.

A população envelhecida combina-se com a jovem nas ruas arborizadas, nas compras diárias, nas esplanadas e nos bancos das praças. Não posso deixar de referir a “A Casa Portuguesa”, situada na Carrer Verdi onde se podem comer belíssimos pastéis de nata, quiçá depois de sair dos cinemas Verdi, onde felizmente se podem ver filmes na versão original. Gràcia, à noite enche-se de multidões de jovens. O ambiente fez-me lembrar o Bairro Alto, em Lisboa.

Termino as minhas impressões por aqui percebendo que a aplicação do plano de Ildefons Cerdà não se sobrepôs ao que encontrou já construído, muito pelo contrário, revela que houve uma preocupação em preservar a identidade dos aglomerados pré-existentes, como Gràcia, permitindo uma leitura do todo mas também a percepção da autonomia e identidade das suas partes.


Nou Barris, Sant Andreu e Bellvitge

Não visitei muitas das áreas residenciais, mas deixo aqui uma breve impressão do que apreendi na periferia nordeste e leste da cidade. Fui primeiro ao distrito de Nou Barris (assim chamado nos anos 1970) e percorri uma área pedonal, a avenida Via Júlia e a sua envolvente, um bairro habitacional modesto, muitos dos edifícios, possivelmente de habitação social. Fui ainda, junto do Passeig de Verdum, observar a área habitacional adjacente que rodeia o Parc Central.

Nou Barris é uma área periférica que recebeu muitos emigrantes de outras regiões de Espanha entre os anos 1950-70; albergou sobretudo uma classe operária da indústria dotada de um forte sentido de coesão (Garcia-Ramon et. al. 2004), a maioria vivendo em casas resultantes de auto-construção (Borja, 2009). Os bairros dos habitantes de Nou Barris nasceram de um urbanismo deficitário, mas de uma população homogénea e interventiva, as condições que viriam a permitir uma intervenção de reabilitação, de dotação de infra-estruturas e de equipamentos culturais e sociais de qualidade, bem como uma boa rede de transportes públicos (Borja, 2009). Neste sentido, Nou Barris pode bem ser entendido como um caso exemplar de criação de uma centralidade a partir de uma zona marginal e pouco qualificada.

Via Júlia tem uma arquitectura complexa de descrever, e de acordo com M. Dolors Garcia-Ramon et. al (2004) foi planeada com a participação activa dos residentes, o que explica o seu sucesso enquanto espaço público. Com efeito, já na proximidade da montanha, onde fluxos metropolitanos convivem com eixos urbanos viários e pedonais, funciona como plataforma cívica, verde e lúdica para as populações locais. Também pode ser vista como um eixo longitudinal central a um bairro popular ‑ a partir do qual as ruas transversais (Carrers de Joaquim Valls, d'Argullós, del Mas Duran, etc.) apresentam um intenso comércio - caracterizado por uma plataforma pedonal elevada, sob a qual está o metro e as vias laterais para os veículos motorizados. A Via Júlia é um espaço aglutinador, estrutura tecidos residenciais adjacentes que albergam gentes de “poucas posses”; com um campo de jogos (Club de Fútbol Montañesa) na proximidade, um parque infantil, áreas cobertas e um corredor arborizado com palmeiras, demonstrando bem ter vida própria.

Na Via Júlia pude um dia assistir a uma acção de sensibilização para a população de uma associação de vizinhos (Figura 9). Mais além, junto do Mercat de la Guineueta, podia-se assistir a uma animação cultural e popular na rua, onde os artistas incentivavam as crianças e os pais a participarem numa dança colectiva. O ambiente não podia ser mais alegre e acolhedor para os residentes, os trabalhadores e os visitantes. Facilitadora de encontro e troca social, a Via Júlia cumpre bem a sua função de espaço de inter-relação, de pluralidade e de diversidade.



Figura 9. Via Júlia, uma acção de mobilização para uma manifestação.
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009


Mais adiante, pelo Passeig de Valldaura, numa extensão apreciável, são visíveis grandes torres e blocos habitacionais, destinados talvez à classe média-baixa, terminando na grande praça Karl Marx. Mais abaixo, em direcção ao Passeig del Verdum, encontro o premiado Parc Central, um sistema verde articulado por estruturas triangulares, por onde circula água, revelando que um desenho muito flexível pode ultrapassar a dificuldade da topografia. Em seu redor (e são 17ha) encontro habitação para a classe alta, privilegiada com a presença desta bela e grande extensão de verde, onde estão integrados diversos equipamentos públicos: o antigo equipamento psiquiátrico, Hospital Santa Creu, reconvertido num equipamento do distrito, um edifício antigo de traça rural e um centro de inovação empresarial, o Fórum Nord (Figura 10).

Aprecio o esforço por resgatar os valores históricos e simbólicos, combinado com a multifuncionalidade do seu desenho e oferecendo uma leitura nova de um espaço pré-existente ao contexto residencial. A disposição de elementos modernos (os candeeiros) com antigos (um pedaço de aqueduto, o hospital) cria as condições para que o Parc Central se transforme num centro cívico – apenas receio que a impedi-lo, possa estar a sua enorme dimensão.

 




Figura 10. Nou Barris: Parc Central (antigo Hospital e Parque Tecnológico BCN Norte).
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009

 

Passeei depois por Sant Andreu, um sector situado um pouco mais a sudeste, na zona entre a Avinguda Meridiana e o eixo ferroviário das estações da Sagrera e de Sant Andreu Comtal. Corresponde a um núcleo urbano popular e fabril, com uma estrutura de comércio e de serviços diversificada, mas com alguns espaços a necessitar de requalificação. Evidentemente que esta necessidade surge do facto de nesta zona se situarem velhas gares e as instalações fabris de uma já indústria obsoleta. Tanto quanto sei, a revitalização de Sant Andreu está dependente da instalação de uma gare do TGV que vem de Madrid (que passa primeiro pela Estació de Sants).

Ali encontrei as tão faladas “casas bloc”, no Passeig de Torres i Bages, um original edifício que se desenvolve com um traçado em ziguezague, um projecto de habitação dos anos 1930, para o operariado onde se combinam duplexes com espaços comuns ajardinados e áreas lúdicas. Este edifício é conhecido como um modelo progressista e funcional influenciado pelas ideias de Le Corbusier. Segundo Busquets (2004: 260) é um exemplo interessante de vivienda obrera con alta densidad (equivalente a 1140 casas/ha), embora o seu desenho exterior não o demonstre (Figura 11). Esta forma de fazer habitação é inovadora pela forma como, com baixos custos, se conseguiu fazer um edifício que acolhe uma densidade elevada, com espaços de serviços comuns num conjunto agradável. O ambiente era calmo e as áreas comuns estavam animadas pelas famílias residentes.

Mais adiante instalações de um centro cultural, outrora um recinto industrial do têxtil, Fabra i Coats, demonstrando que é possível manter estes espaços com novas funções e dar-lhes a centralidade e o protagonismo que merecem. O espaço transformou-se numa área de equipamentos para o bairro, mostrando que é possível preservar um património arquitectónico e a memória da indústria com a participação dos vecinos. Espaço inclusivo e proporcionando o desenvolvimento de actividades lúdicas e culturais, favorecendo a interacção, resguardando a memória histórica e afirmando identidades: mais uma vez se observa que, fazer cidade, corresponde a actuações como esta.

 


Figura 11. Detalhe da Casa Bloc, Sant Andreu.
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009


Por fim, fui até Bellvitge, um bairro de habitação social (polígonos de viviendas), de Hospitalet de Llobregat, uma área baixa junto do delta do rio Llobregat, na área metropolitana de Barcelona. Este é um caso de construção barata, em altura (12-14 andares). A paisagem urbana é marcada por um agregado de torres (com um índice alto de apartamentos por edifício) ordenadas de uma forma linear, com pequeníssimos e estreitos jardins (a acompanhar a forma dos edifícios) oferecendo um modelo urbano muito repetitivo, uma imagem estereotipada de uma área “moderna”. Este tipo de “urbanismo” procura ser uma resposta a uma elevada procura de habitação, para a qual a urgência da solução encontrada não originou edificação de qualidade, à distribuição de equipamentos socioculturais apropriados e ao espaço público inclusivo, e necessário à densidade de ocupação (Figura 12).

Tanto quanto apurei, Bellvitge foi construída por empresas imobiliárias privadas para alojar uma grande quantidade de população emigrante espanhola. É com efeito uma área residencial suburbana construída para “as massas”. Um bairro dormitório que resulta da especulação imobiliária e da construção civil, responsáveis pelo aumento da densidade da habitação subalternizando os equipamentos, as acessibilidades e as áreas de recreio. Neste caso, também os seus habitantes protestaram contra esta situação e a pressão exercida junto da administração, conduziu a uma ordem do tribunal nos anos 1980, para suspender a construção em Bellvitge.

 



Figura 12. Detalhe do edificado em Bellvitge.
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009

 

As responsabilidades dos poderes públicos devem também ser apuradas neste caso, porém, é notável o empenho para dotar esta área dos equipamentos e infra-estruturas de qualidade. O espaço mais acolhedor é aquele onde se situa uma eremita que se integra numa área verde muito bem pensada, sendo um ponto de encontro dos habitantes do bairro. Nos espaços que medeiam os edifícios situam-se pequenos centros de comércio e serviços, dando a impressão de que as necessidades quotidianas dos habitantes de Bellvitge estão bem cobertas. Denoto a presença de muitas escolas, deixando a perceber que a população daqui é sobretudo jovem. Sem oferecer um edificado formal de qualidade, esta área residencial de alta densidade apresenta, no entanto, atributos muito interessantes, já que os espaços públicos são arejados, arborizados, enriquecidos com mobiliário urbano moderno, bem cuidados e equipados. Por instantes, esta paisagem recordou-me em parte a Portela de Sacavém mas também os Olivais, em Lisboa.


Desfecho

Durante aproximadamente um mês e meio segui a pé por determinados sectores da cidade de Barcelona e deixei-me enfeitiçar, até pelas suas imperfeições. Todavia, algum desassossego resultante da minha imagem de Barcelona quero aqui expressar.

Num contexto de metropolização e de reforço económico e financeiro dos centros de comando mundial, as políticas urbanas em Barcelona, originadas no período pós-franquista e continuadas nas olimpíadas, foram capazes de projectar uma imagem forte de cidade compacta, de recriar a cidade histórica, de requalificar os espaços públicos e de dignificar a habitação. É igualmente inequívoco que as políticas de desenvolvimento económico assentam progressivamente em estratégias de marketing para aumentar a atractividade e a competitividade de Barcelona – Francesc Muñoz (2008) chamou-lhe um processo de brandificação -, um arquétipo do modelo de cidade mediterrânica, “pós-moderna”, eficiente, tecnológica, social e culturalmente avançada e sustentável.

As lógicas de transformação do território são hoje baseadas desde los proyectos y la acción estratégica (PMB, 2009) e Barcelona, num esforço por se adaptar ao contexto actual, procura impulsionar o seu papel na economia global. Barcelona posiciona-se para estar entre as cidades líderes da economia global, procurando a sua estratégia afirmar-se através de elementos simultaneamente tangíveis e simbólicos. Todavia em Barcelona, e independentemente do contexto de crise financeira actual, existem debilidades económicas e sociais que a distanciam desse foco de referência global.

Um ponto crítico refere-se ao “modelo” de cidade, já que Barcelona terá deixado para segundo plano um amplo território metropolitano do qual é também dependente. Refiro‑me à ‘cidade’ porque o território da Área Metropolitana de Barcelona (AMB) não foi objecto de observação directa. Presumo que muitos dos problemas que a cidade histórica e mais recente possam conter, tenham sido “transferidos” para aquela. Creio ainda que a combinação entre o urbanismo barcelonês e a respectiva política orientadora constituíram um feliz suporte para aquilo que viria a ser conhecido como o “modelo Barcelona” e o seu êxito reflectido nas intervenções urbanísticas nas décadas de 1980‑90, sobretudo a propósito dos Jogos Olímpicos. Porém, o “vazio” deixado nos anos após tão afortunada intervenção e a incapacidade de continuar esse mesmo modelo, pois a conjuntura económica e política mudou, foram responsáveis pelas intervenções urbanísticas mais recentes e muito criticáveis como a levada a cabo no área do Forum [Capel (2005) e Borja (2009a) são bastante críticos relativamente a este tipo de intervenção urbanística]. A complementar esta apreciação Muñoz (2008) afirma que a paisagem metropolitana e regional reflecte uma total ausência do “modelo” Barcelona. Naturalmente que a deriva urbana efectuada não me proporcionou uma visão tão clara deste problema, porém as leituras e entrevistas puderam ajudar-me a ter consciência desta fragilidade.

Assim, se por um lado a estratégia de competitividade da cidade de Barcelona assenta nos seus espaços centrais, cosmopolitas e voltados para a economia dos serviços, e se dirige a uma população restrita, por outro lado, a respectiva área metropolitana avança sem “marca” e projecto de cidade (Muñoz, 2008). À luz desta linha crítica, a questão inicialmente colocada, a quem se dirige a acção estratégica de Barcelona, poderá ter como resposta imediata, as elites, os jovens qualificados e os turistas.

As recentes evoluções em Barceloneta e em Poblenou são exemplos paradigmáticos de um modelo de acção estratégica que pode converter a cidade num espaço que Manuel Castells designou como território dual [18]. No que respeita ao primeiro caso, as forças de mercado poderão resumir Barcelona a uma cidade-“espectáculo turístico”. Os residentes de bairros populares de um tipo não convertível para “local obrigatório para turistas”, como Barceloneta, encontram-se ameaçados pela pressão turística e imobiliária, o que poderá conduzir a um acentuar da fragmentação social, do desconforto – isto sem referir os custos de manutenção de uma cidade turística… No que concerne ao segundo caso, a estratégia 22@ poderá obliterar o passado histórico da Barcelona industrial e a sua tradição de operariado associativo. Poblenou, a conhecida “Manchester catalã”, uma das concentrações industriais mais importantes do país (Antoni Oliva, 2003), corre o risco de se transformar num espaço fragmentado e sem identidade, porque as estratégias de promoção do crescimento económico, obcecadas com a economia do conhecimento, distanciam os residentes da participação neste mercado de trabalho, tornando-o quiçá num espaço de inovação económica que “esqueceu” a sua dimensão social.

E numa economia que se deseja do conhecimento e dos serviços avançados, o El Raval que acolhe os emigrantes e os pobres, revela-nos situações de vida precárias que alertam para o não descurar dos mecanismos de inclusão face às acções de embelezamento físico da cidade.

E se a referida economia “dual se acentuar é decerto porque os que fazem a cidade se esqueceram de interagir, desde os primeiros momentos do processo de planeamento, com os residentes, os vecinos. As cidades são territórios em mudança, mas correm o risco de serem arrasadas por algo mais profundo, como dizia Jane Jacobs, pela substituição do “lugar” pelo “espaço”: cities have the capability of providing something for everybody, only because, and only when, they are created by everybody.

As ameaças que se colocam à cidade e que procurei colocar em evidência, são resultado das minhas intuições influenciadas, naturalmente, pelas leituras e longas conversas com os meus entrevistados que me passaram os seus maiores e pertinentes receios. Mas não quero terminar sem ideias mais optimistas, até porque acredito que o modelo estratégico desta cidade, que procura o seu lugar na economia global e se dirige ao capital, tem decerto como meta aumentar a qualidade de vida dos seus residentes, visitantes e trabalhadores.

Nos diversos percursos efectuados por Barcelona experimentei e registei testemunhos in loco de aquilo que designo como o direito ao património cultural (de cada bairro/colectividade) e assim também senti que, no cômputo geral, esta cidade favorece a pluralidade e, por isso, a inclusão. Apesar de se registarem usuais “mal-estares” entre vecinos e turistas ou entre vecinos e emigrantes, em parte por problemas derivados da política de habitação e de urbanismo, a cidade apresenta um espaço público e uma composição social abrangente e tolerante. E esta condescendência relaciona-se tanto com a autonomia e segurança com que nos movimentamos pela cidade, como pela proliferação de diversas expressões de “arte efémera” (Figura 13) nas portas, nas paredes e no chão (muitas delas de protesto), ou com expressões populares de desagrado, manifestadas através das mobilizações para passeios de bici, sardinhadas ou outras exteriorizações colectivas que lutam por direitos sociais a uma melhor cidade e que ocorrem abundantemente pelas ruas de Barcelona.



Figura 13. Mural dos “Jovens de Gracia”.
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009

 

Com efeito, os habitantes de Barcelona mostram um empenhado sentido de participação e acção cívica, quer através das imagens dos seus protestos contra percepcionadas “intrusões” pela administração, quer pelo simples facto de viverem intensamente o espaço público e com total liberdade e entrega à “causa pública”. E relativamente a esta refiro-me também às inúmeras fontes públicas, aos equipamentos sociais, culturais e de lazer, educativos e de saúde, que abundam por esta cidade. É deste relacionamento democrático que creio se faz a “boa” cidade.

Experienciei ainda uma estética, uma monumentalidade e um referencial espontâneo, criativo e cultural único; creio que é uma cidade que soube criar uma identidade muito sua. É acolhedora, íntima e, conjuntamente, em cada manzana, plaça, ou carrer é aberta ao mundo. Retiro de Montalbán (1990) o epílogo que abrevia irrepreensivelmente esta ideia: será posible el mito del hombre libre en la ciudad libre?

Estou em condições de concluir com algo que li de Jordi Borja e Zaida Muxí (2001: 19): o espaço público é um instrumento privilegiado de política urbanística para fazer a cidade sobre a cidade e para qualificar as periferias, para manter e renovar os velhos centros e produzir novas centralidades, para suturar os tecidos urbanos e para dar valor cidadão às infra-estruturas. Em Barcelona foi possível confirmar isto tudo.

É desta capacidade de combinação escalar, construindo ligações entre as aspirações de cidade global e de espaço público de excelência, oferta cultural criativa e ambiente de tolerância, face à diversidade local, que a cidade se constitui como um espaço glocal (Figura 14). Não excluindo situações designadas por Borja (2009a) de “luzes e sombras”, as forças globais que modernizam a cidade (e que também a banalizam) são geradoras de energias locais “excepcionais que exercem pressão no sentido de atenuar o impacto e a magnitude dos processos globais. Seja através de intervenções de grande impacto externo como a da Pl. dels Àngels, com a implantação do MACBA ou do CCCB, uma operação de regeneração urbanística de um local deprimido, associada à oferta cultural e à atracção turística, seja através de operações modestas e orientadas para os residentes de melhoria do espaço público, como ocorreu no Forat de La Vergonya ou na Rambla de Poblenou, que Barcelona revela a sua capacidade de cidade glocal.



Figura 14.
Fenómeno glocal: “Gracias G20”, uma ironia (Barri Gotic).
Foto: Margarida Queirós, Abril 2009

 

Termino com a mensagem de que esta foi a imagem geral que uma “estranha” desenvolveu numa cidade mediterrânica. As minhas observações, conjuntamente com o material das leituras e entrevistas permitiram-me sintetizar ideias e tirar estas conclusões. Estou segura de que estes contributos adicionais alteraram as minhas imagens iniciais e facilitaram a sua recomposição: a percepção de uma Barcelona óbvia e de consumo imediato foi alterada para uma outra, com uma estrutura mais complexa e, todavia, mais compreensível. Tal como Kevin Lynch (1960) afirmou, este foi um caminho que me indicou que o ambiente urbano não é apenas o resultado das características externas, mas também o produto do seu observador. Tenho consciência, porém, que o meu processo de aprendizagem circunscreveu-se a uma imagem imperfeita e incompleta de Barcelona, captada num tempo e espaço circunscritos. Mas detenho também a noção que a técnica utilizada no desenvolvimento da imagem da cidade me possibilitou uma visão mais nítida, tendo constituído um “exercício aplicado” e um deleite único.

 

Agradecimentos

Expresso a minha gratidão a todos os que acederam em me conceder as entrevistas e/ou também me esclareceram e orientaram na pesquisa bibliográfica: Antoni Tulla, Abel Albet, Helena Cruz, Antònia Casellas, M. Dolors Garcia-Ramon e Oriol Nel.lo (UAB); Jordi Borja (UOC); Mercedes Tatjer e Montserrat Pareja-Eastaway (UB); Marc Marti (IGOP-UAB); Salvador Clarós (A.V. PN); Simona Levi (Los Conservas); Galla e Margarita (A.V. OSTIA); Santiago Errando (Mariscal); Ignacio Sommovilla (Hangar); Josep M. Piqué e Jordi Adriá (22@bcn); Elvira Pujol Y Joan Vila-Puig (Sitesize); Joan Campreciós (PEMB). Sem as conversas que tivemos ou as leituras que apresento na bibliografia, este retrato da cidade seria muito mais pobre. Agradeço especialmente ao Abel Albet as preciosas orientações, as leituras e os contactos que me foi fornecendo durante a minha estadia pela UAB. Estou também muito grata ao Prof. H. Capel que me proporcionou uma experiência única em Barcelona.


Notas

[1]As imagens que junto ao texto são da minha autoria. Os textos extraídos da internet foram consultados entre Março e Abril de 2009.

[2]Para aprofundar, Guy Debord, Théorie de la dérive. Internationale Situationniste #2 (Paris, 1958) [http://www.onfiction.ca/2009/05/inventing-place.html].

[3]Delgado, Manuel. 2006. El ‘forat de la vergonya'. In El País, 10 de Outubro. Ver também: http://www.sitesize.net/repensarbarcelona/comunicats.htm.

[4]Para saber mais: http://wiki.worldflicks.org/el_forat_de_la_vergonya.html#coords=(41.38764,%202.179343)&z=19; http://www.youtube.com/watch?v=jhPbVMBPPWU;. http://www.flickr.com/photos/dnlb2/999171242/

[5]Entrevista com Helena Cruz (Departamento de Geografia da Universidade Autónoma de Barcelona - UAB).

[6]http://www.psc.es/psc/Actualitat/Noticies/Hereu-revisa-el-plan-de-los-ascensores-de-la-Barceloneta.

[7]A conflitualidade latente em Barceloneta foi-me primeiramente apresentada por Helena Cruz (Universidade Autónoma de Barcelona). Mais tarde, entrevistando Marc Martì (Instituto de Políticas Públicas da Universidade Autónoma de Barcelona), soube que o plano dos ascensores foi suspenso, contudo não anulado. Ver também: http://www.kaosenlared.net/noticia/rectificacion-plan-ascensores-barceloneta.

[8]http://krax.typepad.com/krax/2009/03/el-proper-dissabte-dia-28-de-mar%C3%A7-a-les-1700-a-la-pla%C3%A7a-de-la-barceloneta-els-ve%C3%AFns-i-ve%C3%AFnes-tornem-.html; http://bgreaume-reportaje1.blogspot.com/.

[9]Sobre o património industrial de Poblenou ver publicações do Grup de Patrimoni Industrial del Fòrum de la Ribera del Besòs.

[10]Anuari Territorial de Catalunya. 2006. Can Ricart, p.180.

[11]Para maior detalhe do plano estratégico, ver a página web do Ajuntament: http://www.22barcelona.com/index.php?lang=en.

[12]Queirós, Margarida. 2005: «Reestruturação económica e planeamento urbano: o caso da Quimiparque no Barreiro». In Desinvestimento e Território. Estudos de caso em Portugal, CEG, 61, Lisboa, pp.23-46.

[13]Sobre este tema ver o trabalho desenvolvido pelo Grup de Patrimoni Industrial del Fòrum de La Ribera del Besòs, cujos estudos possibilitaram a preservação de importantes conjuntos industriais, contribuindo para alterar o plano estratégico inicial.

[14]Em http://www.sitesize.net/ está disponível um documentário para up-load sobre a mudanças urbanas em Poblenou.

[15]Salvador Clarós i Ferret é uma referência incontornável, para quem deseja aprofundar a crítica ao plano 22@.

[16]Outras vozes críticas se elevem contra este parque, argumentando que o muro que o cerca exerce um efeito de barreira quando o seu papel deveria ser o oposto: funcionar como um elemento de união numa área em pleno processo de reconstrução (BORJA, 2009).

[17]De acordo com Tatjer, a fábrica têxtil d'Auchon, situada no convento de Sant Francesc de Paula, vai acabar convertida no Palau de la Música Catalana (Tatjer i Mir, 1991).

[18]Entrevista de Manuel Castells a M. Ercilia e J. R. Toledo “Um mundo ligado” (Entrevistas do Ano 2000, Folha Mais, São Paulo, 1999). In http://www.faced.ufba.br/~pretto/Biblioteca%20Digital/CastellsFSP/Folha%20de%20S_Paulo%20-%20Entrevistas%20ano%202000%20Um%20mundo%20ligado%20-%2023-05-1999.htm.

 

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[Edición electrónica del texto realizada por Miriam-Hermi Zaar]

 

© Margarida Queiró, 2009
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Ficha bibliográfica:

QUEIRÓS, Margarida. Impressões de uma geógrafa portuguesa sobre as transformações recentes de Barcelona. Resposta ao desafio de Horacio Capel. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XV, nº 850, 5 de diciembre de 2009. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-850.htm>. [ISSN 1138-9796].


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