Biblio 3w. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9796]
Nº 86, 4 de mayo de 1998.


RIBEIRO, L.C. de Q., PECHMAN, R. (orgs.). Cidade, povo e nação. Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. 454p.

Rosali Braga Fernandes


O presente livro resulta da coletânia de alguns textos apresentados no seminário Origens das Políticas Urbanas Modernas: Europa, América Latina, Empréstimos e Traduções, realizado em Itamonte, Minas Gerais, entre 29 de agosto e 2 de setembro de 1994. O referido seminário foi promovido por uma ação conjunta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - ao qual estao viculados os dois organizadores desta publicação - e do Centre de Socioligie Urbaine de Paris.

A publicação é composta de uma pequena apresentação seguida de vinte capítulos agrupados em quatro partes. Trata básicamente de como o urbanismo, ciência fundada no início deste século, encara o chamado Novo Mundo e de como este projeto nascido na Europa e nos Estados Unidos chega ao Brasil, sendo adaptado ao nosso campo intelectual marcado pelas tensões do debate nacionalista e por uma ideologia estatal. Também é destacada a forma como os profissionais nacionais e estrangeiros e as instituições, participam deste processo de implantação das idéias do urbanismo no Brasil.

A parte I, chamada Introdução é composta de três capítulos. O primeiro, Transferências, empréstimos e traduções na formação do urbanismo no Brasil, é de autoria de Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e traz as reflexões básicas dos textos que compõesm este livro, como por exemplo a influência estrangeira sobre o urbanismo em países como o Brasil.

O capítulo 2, Da questão social aos problemas urbanos: os reformadores e a população das metrópoles em princípios do século XX é de Christian Topalov. Ele levanta as questões dos "problemas urbanos" e do movimento das reformas urbanas e social.

Segundo Topalov, quando os movimentos de reforma colocam a sociedade e a cidade como objetos da ação racional, preparam o surgimento das políticas sociais e urbanas modernas, cujas consequências muito marcaram o nosso tempo. Dentro desta perspectiva são levantados temas referentes a: "dois eminentes reformadores" (Beveridg e Sellier); trabalhadores e reformadores; "ciência e administração; e questão sobre "uma mudança estratégica?".

Da cidade à nação: gênese e evolução do urbanismo no Brasil é o terceiro capítulo e tem por autores Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Adauto Lúcio Cardoso.

Nele se buscou construir um modelo analítico para identificar os mais importantes padrões de planejamento urbano histórico brasileiros e suas aplicações em algumas experiências. Os autores não se concentram exclusivamente no urbanismo ou no planejamento urbano pois tratam estes temas a partir de suas relações com o "pensamento social" do Brasil.

São identificadas as "conjunturas teórico/políticas" da questão social e a forma como nelas foi representado o "urbano" ao tempo em que buscam estabelecer o como as conjunturas formulam padrões que propiciam identificar as principais características do pensamento social sobre o planejamento urbano no Brasil

Os autores sugerem que estramos numa nova "conjuntura da questão social" sob a emergência de um novo paradigma fundado no neoliberalismo e na questão ambiental.

A parte II, denominada A Reforma Urbana: reforma social, modernidade e construção nacional abarca desde o capítulo 4 até o capítulo 8.

O quarto capítulo se intitula As tranformações urbanas na imprensa operária: São Paulo na virada do século XX e é de autoria de Liane Maria Bertucci. Nele são relacionadas, destacando a postura da imprensa da época, questões como: o violento crescimento da cidade de São Paulo e as epidemias; a formulação de propostas para a saúde das cidades; o desejo de mudança social do operariado; as denúncias sobre reformas urbanas mal planejadas; a questão da habitação; e a ciência encarada tanto como elemento de tolher o operariado como em sendo apropriada para o combate por melhores condições de vida, enquanto instrumento imprescindível de denúncia da ordem burguesa.

O urbanismo de Lúcio Costa: contribuição brasileira ao concerto das nações é o capítulo 5, foi escrito por Adauto Lúcio Cardoso e se constitui de três seções: em uma são apontados os marcos de referência do pensamento de Lúcio Costa; na outra é analisada a participação dele no concurso de projetos para Brasília, onde está expressa a sua concepção do urbano e do urbanismo; e na última estão as conclusões gerais.

O capítulo de número 6, chamado A concepção e o projeto de Belo Horizonte: a utopia de Aarão Reis é de Berenice Martins Guimarães.

Neste texto são levantados os motivos e a conjuntura que geraram a concepção, o planejamento e a execução do projeto para a construção da cidade de Belo Horizonte, bem como é destacado o perfil do engenheiro responsável por boa parte do empreendimento, Aarão Reis.

Christiano Stockler das Neves: o opositor do "Futurismo" em São Paulo é o título do capítulo 7, de Maria Ruth Amaral de Sampaio.

Segundo a autora, as idéias defendidas por Christiano tiveram grande repercussão. Dentre outras coisas ele define a arquitetura como arte e não como ciência; é radicalmente contra a estandartização; ataca a arquitetura de Le Corbusier; defende a profissão de arquiteto e luta pela sua regulamentação no Brasil; em suas manifestações arquitetura e urbanismo estão juntos e são considerados obra de arte.

Por suas idéias consideradas antiquadas por muitos, Christiano acabou isolado mas, embora os herdeiros de seu pensamento não tivessem conseguido transmitir o que receberam, pela grande exigência na formação clássica, todos os concursos de arquitetura a partir de 1952-1953 foram vencidos por alunos da Faculdade de Arquitetura Mackenzie, por ele dirigida.

O capítulo 8 trata sobre a Arquitetura fascista e o Estado Novo: Marcello Piacentini e a tradição monumental no Rio de Janeiro e é de Marcos Tognon.

Nele foram levantados aspectos relevantes do projeto para o campus da Universidade do Brasil durante o "Governo Provisório" de Getúlio Vargas entre 1930-1937. Embora não tenha sido realizado, o referido projeto tem grande dimensão política e, além de salientar, de certo modo, o alinhamento entre o Brasil e as idéias de Mussolini, é uma importante referência urbana de origem italiana que demanda quase vinte anos de debates.

O urbanismo: meio profissional, tragetórias individuais e instituições políticas é o título da parte III, composta pelos capítulos de 9 a 13.

O capítulo 9, denominado Donat Alfred Agache: urbanismo, uma sociologia aplicada é de autoria de Catherine Bruant e trata sobre a influência do arquiteto Agache no movimento de institucionalização do urbanismo na França, entre o início do século XX até a Segunda Guerra Mundial. Alguns contemporâneos atribuíram a ele a própria criação do vocábulo "Urbanismo", bem como a sua definição enquanto nova ciência, prática da construção e do planejamento das cidades.

O capítulo 10 se chama Campo, contra-campo, extra-campo: fundamentos, desafios e conflitos sobre o lugar da arquitetura no campo urbano e foi escrito por Jean-Pierre Frey.

O referido capítulo levanta, no âmbito francês, questões sobre o papel do arquiteto, com relação ao urbano, fazendo referências sobre a especialidade do urbanista, destacando diferenças e divergências de pontos de vista concernentes às relações entre arquitetura e urbanismo.

O urbanismo do Instituto de Engenharia: São Paulo, 1920-1940 é o título do capítulo 11, que foi escrito por Marisa Varanda Carpinteiro.

A autora começa por levantar a preocupação do início do século com o progresso e o futuro na cidade de São Paulo e segue por destacar a participação do Instituto de Engenharia de São Paulo ­ fundado em 1917 - no amplo e polêmico debate em torno da organização das cidades, bem como da história da construção no Brasil.

De acordo com Marisa Carpinteiro, os integrantes do referido Instituto apresentam uma série de propostas urbanísticas que vinculam o problema da moradia e do lazer como cruciais na formação moral e cívica dos indivíduos. Através de publicações, palestras e reuniões promovidas pelo Instituto, o urbanismo moderno, a partir dos anos 20, adquiriu novos adeptos em todo o Brasil.

O capítulo 12 se chama A formação do urbanismo como disciplina e profissão: São Paulo na primeira metade do século XX e é de autoria de Maria Cristina da Silva Leme.

Este artigo estuda a contribuição do pensamento urbanístico em São Paulo, com base nos textos escritos por urbanistas na primeira metade do século XX, bem como nas trajetórias profissionais dos principais urbanistas que atuam nesta cidade e neste período.

A autora busca descrever o percurso das idéias caracterizando períodos e momentos de inflexão. Na periodização são tratados com diferentes temporalidades: as idéias urbanísticas; os acontecimentos políticos; as práticas administrativas locais; a constituição dos espaços urbanos; e a relação público/ privado na apropriação destes espaços.

Vale ressaltar ainda que são reconhecidas as influências européias e americanas na formação do pensameto urbanístico paulista.

O Museu Social Argentino e a formação e difusão das idéias do urbanismo é o capítulo 13. Nele Oscar Bragos expõe como se conformou o urbanismo enquanto disciplina na Argentina, colocando que isto se deu, tanto pela própria experiência local como pela experiência internacional difundida por revistas e "manuais" técnicos.

De acordo com Bragos os problemas urbanos e a questão da moradia, embora já fizessem parte dos temas tratados no Museu Social Argentino desde a sua formação ­ 1911- não constituiam áreas de interesse fundamental. Contudo, em 1920 é realizado o Primeiro Congresso da Habitação e, como resultado já aparece a tendência à institucionalização do urbanismo. Daí em diante se sucedem outros foruns de debate onde assuntos vinculados à nova especialidade do urbanismo são tratados e amadurecidos.

A parte IV se chama Tranferências e traduções e engloba os sete últimos capítulos deste livro.

O de número 14 é intitulado Camillo Sitte, Camille Martin e Saturnino de Brito: traduções e transferências de idéias urbanísticas e é de autoria de Carlos Roberto Monteiro de Andrade.

Em última instância este capítulo retrata a influência de Sitte sobre as soluções urbanísticas adotadas no mundo e no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Andrade levanta contudo que, em quase todos os casos, as concepções de Sitte eram conhecidas através da tradução feita por Martin a qual, não era fiel aos textos origiais. Este fato suscitou interpretações equivocadas das idéias do autor.

O objetivo deste texto é analisar algumas das concepções sitteanas reinterpretadas por Martin e também as adaptações feitas tanto por este quanto por Brito ­ influente engenheiro sanitarista brasileiro ­ para adequar a tradução de Martin às situações históricas diversas.

A cidade controlada: Santos 1870-1913 constitui o capítulo 15, que foi escrito por Ana Lúcia Duarte Lanna.

A autora busca analisar os processos de transformação e ruptura que marcaram o movimento de constituição da vida urbana e a passagem para o trabalho livre no Brasil, enfocando principalmente o caso da cidade de Santos.

O capítulo 16 se chama O urbano fora do lugar? Transferências e traduções das idéias urbanísticas nos anos 20 e é de Robert Moses Pechman.

Nele são destacados, na realidade brasileira - mais especificamente do Rio de Janeiro - da virada do século, questões como: a tomada de consciência dos problemas urbanos pelas investigações dos médicos-higienistas; a necessidade de ordenar a cidade para materializar a nova ordem social; o fato de que o urbanismo brasileiro jé em seus primeiros passos demonstrava que seria a tradução das teorias higienistas/urbanísticas européias; o retardamento, no pensamento urbanístico brasileiro, da imbricação entre as questões urbanas e as sociais.

Pensando a metrópole moderna: os planos de Agache e Le Corbusier para o Rio de Janeiro foi escrito por Margareth da Silva Pereira e constitui-se no capítulo 17 desta publicação.

O referido texto faz um apanhado geral sobre os temas e as figuras presentes nas discussões ocorridas pricipalmente entre 1910 e 1930, sobre o Rio de Janeiro enquanto metrópole moderna.

O capítulo 18 se chama Entre práticas e representações: a cidade do possível e a cidade do desejo.

Sua autora, Sandra Jatahy Pesavento analisa, no início do século, o sul do Brasil e mais precisamente Porto Alegre, no momento em que se insinua a formulação de um projeto urbanístico que pretende converter a "cidade real" na "cidade ideal".

A trajetória de Alfred Donat Agache no Brasil de Lúcia Silva constitui o capítulo 19, onde é recuperada o percurso de Agache no Brasil desde a sua chegada em 1927, passando pela confecção do plano para a cidade do Rio de Janeiro em 1930, bem como pela sua participação em grandes eventos ocorridos nos anos 30 e 40.

De acordo com a autora, a vinda de Agache deve também ser interpretada como a vinda do urbanismo francês em relação ao processo de constituição deste novo campo de conhecimento no Brasil.

O capítulo 20, denominado História e cidade a Amazônia Brasileira: a utopia urbana de Henry Ford, 1930, foi escrito por Yara Vicentine.

Nele a autora expõe que as descrições dos pesquisadores que percorrem a Bacia Amazônica no século XIX davam conta da visão da natureza. Com relação à população, onde avançava a miscigenação, tanto a construção das sociedades mercantis como a monetarização e as alterações na divisão social do trabalho introduziram novas relações sociais.

A soma dos excedentes produzidos pela borracha ia para Belém e Manaus que assumiam papel de capitais. Dentro deste contexto urbano da Amazônia, cresce a expressão do urbanismo englobando, dentre outras coisas, a encorporação de modelos assimilados, como por exemplo o projeto urbano de Henry Ford.

O rápido resumo que efetuamos sobre o conteúdo desta publicação, permite comprovar que nela encontramos grandes contribuições de autores brasileiros e estrangeiros no que tange à elucidação do processo de formação do urbanismo, a partir dos conhecimentos já produzidos, principalmente na Europa. Nesta obra são destacadas importantes variáveis de análise como os profissionais, as instituições, os eventos e o contexto em que ocorreram os fatos que marcaram as bases do urbanismo, fora dos seus tradicionais locais de nascimento.

Além de discutir o assunto no plano teórico, muitos dos capítulos tratam de concretizar os fatos utilizando exemplos de várias cidades brasileiras. Isto torna o livro ainda mais rico e interessante.

Diante do exposto, podemos afirmar que o livro organizado por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Robert Moses Pechman é de fundamental importância tanto para geógrafos, urbanistas, engenheiros das diversas especialidades, arquitetos e outros profissionais, como também para qualquer indivíduo que se interesse por assuntos vinculados às questões urbanas.

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