Biblio 3w. Revista Bibliográfica de Geografía
y Ciencias Sociales. |
RIBEIRO, L.C. de Q., PECHMAN, R. (orgs.). Cidade, povo e nação.
Gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1996. 454p.
Rosali Braga Fernandes
O presente livro resulta da coletânia de alguns textos apresentados
no seminário Origens das Políticas Urbanas Modernas: Europa,
América Latina, Empréstimos e Traduções,
realizado em Itamonte, Minas Gerais, entre 29 de agosto e 2 de setembro
de 1994. O referido seminário foi promovido por uma ação
conjunta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - ao qual estao viculados os dois organizadores
desta publicação - e do Centre de Socioligie Urbaine de
Paris.
A publicação é composta de uma pequena apresentação
seguida de vinte capítulos agrupados em quatro partes. Trata básicamente
de como o urbanismo, ciência fundada no início deste século,
encara o chamado Novo Mundo e de como este projeto nascido na Europa e
nos Estados Unidos chega ao Brasil, sendo adaptado ao nosso campo intelectual
marcado pelas tensões do debate nacionalista e por uma ideologia
estatal. Também é destacada a forma como os profissionais
nacionais e estrangeiros e as instituições, participam deste
processo de implantação das idéias do urbanismo no
Brasil.
A parte I, chamada Introdução é composta de
três capítulos. O primeiro, Transferências, empréstimos
e traduções na formação do urbanismo no Brasil,
é de autoria de Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e traz as reflexões
básicas dos textos que compõesm este livro, como por exemplo
a influência estrangeira sobre o urbanismo em países como
o Brasil.
O capítulo 2, Da questão social aos problemas urbanos:
os reformadores e a população das metrópoles em princípios
do século XX é de Christian Topalov. Ele levanta as questões
dos "problemas urbanos" e do movimento das reformas urbanas e
social.
Segundo Topalov, quando os movimentos de reforma colocam a sociedade e
a cidade como objetos da ação racional, preparam o surgimento
das políticas sociais e urbanas modernas, cujas consequências
muito marcaram o nosso tempo. Dentro desta perspectiva são levantados
temas referentes a: "dois eminentes reformadores" (Beveridg e
Sellier); trabalhadores e reformadores; "ciência e administração;
e questão sobre "uma mudança estratégica?".
Da cidade à nação: gênese e evolução
do urbanismo no Brasil é o terceiro capítulo e tem por
autores Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Adauto Lúcio Cardoso.
Nele se buscou construir um modelo analítico para identificar os
mais importantes padrões de planejamento urbano histórico
brasileiros e suas aplicações em algumas experiências.
Os autores não se concentram exclusivamente no urbanismo ou no planejamento
urbano pois tratam estes temas a partir de suas relações
com o "pensamento social" do Brasil.
São identificadas as "conjunturas teórico/políticas"
da questão social e a forma como nelas foi representado o "urbano"
ao tempo em que buscam estabelecer o como as conjunturas formulam padrões
que propiciam identificar as principais características do pensamento
social sobre o planejamento urbano no Brasil
Os autores sugerem que estramos numa nova "conjuntura da questão
social" sob a emergência de um novo paradigma fundado no neoliberalismo
e na questão ambiental.
A parte II, denominada A Reforma Urbana: reforma social, modernidade
e construção nacional abarca desde o capítulo
4 até o capítulo 8.
O quarto capítulo se intitula As tranformações
urbanas na imprensa operária: São Paulo na virada do século
XX e é de autoria de Liane Maria Bertucci. Nele são relacionadas,
destacando a postura da imprensa da época, questões como:
o violento crescimento da cidade de São Paulo e as epidemias; a
formulação de propostas para a saúde das cidades;
o desejo de mudança social do operariado; as denúncias sobre
reformas urbanas mal planejadas; a questão da habitação;
e a ciência encarada tanto como elemento de tolher o operariado como
em sendo apropriada para o combate por melhores condições
de vida, enquanto instrumento imprescindível de denúncia
da ordem burguesa.
O urbanismo de Lúcio Costa: contribuição brasileira
ao concerto das nações é o capítulo 5,
foi escrito por Adauto Lúcio Cardoso e se constitui de três
seções: em uma são apontados os marcos de referência
do pensamento de Lúcio Costa; na outra é analisada a participação
dele no concurso de projetos para Brasília, onde está expressa
a sua concepção do urbano e do urbanismo; e na última
estão as conclusões gerais.
O capítulo de número 6, chamado A concepção
e o projeto de Belo Horizonte: a utopia de Aarão Reis é
de Berenice Martins Guimarães.
Neste texto são levantados os motivos e a conjuntura que geraram
a concepção, o planejamento e a execução do
projeto para a construção da cidade de Belo Horizonte, bem
como é destacado o perfil do engenheiro responsável por boa
parte do empreendimento, Aarão Reis.
Christiano Stockler das Neves: o opositor do "Futurismo" em
São Paulo é o título do capítulo 7, de
Maria Ruth Amaral de Sampaio.
Segundo a autora, as idéias defendidas por Christiano tiveram grande
repercussão. Dentre outras coisas ele define a arquitetura como
arte e não como ciência; é radicalmente contra a estandartização;
ataca a arquitetura de Le Corbusier; defende a profissão de arquiteto
e luta pela sua regulamentação no Brasil; em suas manifestações
arquitetura e urbanismo estão juntos e são considerados obra
de arte.
Por suas idéias consideradas antiquadas por muitos, Christiano acabou
isolado mas, embora os herdeiros de seu pensamento não tivessem
conseguido transmitir o que receberam, pela grande exigência na formação
clássica, todos os concursos de arquitetura a partir de 1952-1953
foram vencidos por alunos da Faculdade de Arquitetura Mackenzie, por ele
dirigida.
O capítulo 8 trata sobre a Arquitetura fascista e o Estado Novo:
Marcello Piacentini e a tradição monumental no Rio de Janeiro
e é de Marcos Tognon.
Nele foram levantados aspectos relevantes do projeto para o campus da Universidade
do Brasil durante o "Governo Provisório" de Getúlio
Vargas entre 1930-1937. Embora não tenha sido realizado, o referido
projeto tem grande dimensão política e, além de salientar,
de certo modo, o alinhamento entre o Brasil e as idéias de Mussolini,
é uma importante referência urbana de origem italiana que
demanda quase vinte anos de debates.
O urbanismo: meio profissional, tragetórias individuais e instituições
políticas é o título da parte III, composta pelos
capítulos de 9 a 13.
O capítulo 9, denominado Donat Alfred Agache: urbanismo, uma
sociologia aplicada é de autoria de Catherine Bruant e trata
sobre a influência do arquiteto Agache no movimento de institucionalização
do urbanismo na França, entre o início do século XX
até a Segunda Guerra Mundial. Alguns contemporâneos atribuíram
a ele a própria criação do vocábulo "Urbanismo",
bem como a sua definição enquanto nova ciência, prática
da construção e do planejamento das cidades.
O capítulo 10 se chama Campo, contra-campo, extra-campo: fundamentos,
desafios e conflitos sobre o lugar da arquitetura no campo urbano e
foi escrito por Jean-Pierre Frey.
O referido capítulo levanta, no âmbito francês, questões
sobre o papel do arquiteto, com relação ao urbano, fazendo
referências sobre a especialidade do urbanista, destacando diferenças
e divergências de pontos de vista concernentes às relações
entre arquitetura e urbanismo.
O urbanismo do Instituto de Engenharia: São Paulo, 1920-1940
é o título do capítulo 11, que foi escrito por Marisa
Varanda Carpinteiro.
A autora começa por levantar a preocupação do início
do século com o progresso e o futuro na cidade de São Paulo
e segue por destacar a participação do Instituto de Engenharia
de São Paulo fundado em 1917 - no amplo e polêmico debate
em torno da organização das cidades, bem como da história
da construção no Brasil.
De acordo com Marisa Carpinteiro, os integrantes do referido Instituto
apresentam uma série de propostas urbanísticas que vinculam
o problema da moradia e do lazer como cruciais na formação
moral e cívica dos indivíduos. Através de publicações,
palestras e reuniões promovidas pelo Instituto, o urbanismo moderno,
a partir dos anos 20, adquiriu novos adeptos em todo o Brasil.
O capítulo 12 se chama A formação do urbanismo
como disciplina e profissão: São Paulo na primeira metade
do século XX e é de autoria de Maria Cristina da Silva
Leme.
Este artigo estuda a contribuição do pensamento urbanístico
em São Paulo, com base nos textos escritos por urbanistas na primeira
metade do século XX, bem como nas trajetórias profissionais
dos principais urbanistas que atuam nesta cidade e neste período.
A autora busca descrever o percurso das idéias caracterizando períodos
e momentos de inflexão. Na periodização são
tratados com diferentes temporalidades: as idéias urbanísticas;
os acontecimentos políticos; as práticas administrativas
locais; a constituição dos espaços urbanos; e a relação
público/ privado na apropriação destes espaços.
Vale ressaltar ainda que são reconhecidas as influências européias
e americanas na formação do pensameto urbanístico
paulista.
O Museu Social Argentino e a formação e difusão
das idéias do urbanismo é o capítulo 13. Nele
Oscar Bragos expõe como se conformou o urbanismo enquanto disciplina
na Argentina, colocando que isto se deu, tanto pela própria experiência
local como pela experiência internacional difundida por revistas
e "manuais" técnicos.
De acordo com Bragos os problemas urbanos e a questão da moradia,
embora já fizessem parte dos temas tratados no Museu Social Argentino
desde a sua formação 1911- não constituiam áreas
de interesse fundamental. Contudo, em 1920 é realizado o Primeiro
Congresso da Habitação e, como resultado já aparece
a tendência à institucionalização do urbanismo.
Daí em diante se sucedem outros foruns de debate onde assuntos vinculados
à nova especialidade do urbanismo são tratados e amadurecidos.
A parte IV se chama Tranferências e traduções
e engloba os sete últimos capítulos deste livro.
O de número 14 é intitulado Camillo Sitte, Camille Martin
e Saturnino de Brito: traduções e transferências de
idéias urbanísticas e é de autoria de Carlos Roberto
Monteiro de Andrade.
Em última instância este capítulo retrata a influência
de Sitte sobre as soluções urbanísticas adotadas no
mundo e no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Andrade
levanta contudo que, em quase todos os casos, as concepções
de Sitte eram conhecidas através da tradução feita
por Martin a qual, não era fiel aos textos origiais. Este fato suscitou
interpretações equivocadas das idéias do autor.
O objetivo deste texto é analisar algumas das concepções
sitteanas reinterpretadas por Martin e também as adaptações
feitas tanto por este quanto por Brito influente engenheiro sanitarista
brasileiro para adequar a tradução de Martin às
situações históricas diversas.
A cidade controlada: Santos 1870-1913 constitui o capítulo
15, que foi escrito por Ana Lúcia Duarte Lanna.
A autora busca analisar os processos de transformação e ruptura
que marcaram o movimento de constituição da vida urbana e
a passagem para o trabalho livre no Brasil, enfocando principalmente o
caso da cidade de Santos.
O capítulo 16 se chama O urbano fora do lugar? Transferências
e traduções das idéias urbanísticas nos anos
20 e é de Robert Moses Pechman.
Nele são destacados, na realidade brasileira - mais especificamente
do Rio de Janeiro - da virada do século, questões como: a
tomada de consciência dos problemas urbanos pelas investigações
dos médicos-higienistas; a necessidade de ordenar a cidade para
materializar a nova ordem social; o fato de que o urbanismo brasileiro
jé em seus primeiros passos demonstrava que seria a tradução
das teorias higienistas/urbanísticas européias; o retardamento,
no pensamento urbanístico brasileiro, da imbricação
entre as questões urbanas e as sociais.
Pensando a metrópole moderna: os planos de Agache e Le Corbusier
para o Rio de Janeiro foi escrito por Margareth da Silva Pereira e
constitui-se no capítulo 17 desta publicação.
O referido texto faz um apanhado geral sobre os temas e as figuras presentes
nas discussões ocorridas pricipalmente entre 1910 e 1930, sobre
o Rio de Janeiro enquanto metrópole moderna.
O capítulo 18 se chama Entre práticas e representações:
a cidade do possível e a cidade do desejo.
Sua autora, Sandra Jatahy Pesavento analisa, no início do século,
o sul do Brasil e mais precisamente Porto Alegre, no momento em que se
insinua a formulação de um projeto urbanístico que
pretende converter a "cidade real" na "cidade ideal".
A trajetória de Alfred Donat Agache no Brasil de Lúcia
Silva constitui o capítulo 19, onde é recuperada o percurso
de Agache no Brasil desde a sua chegada em 1927, passando pela confecção
do plano para a cidade do Rio de Janeiro em 1930, bem como pela sua participação
em grandes eventos ocorridos nos anos 30 e 40.
De acordo com a autora, a vinda de Agache deve também ser interpretada
como a vinda do urbanismo francês em relação ao processo
de constituição deste novo campo de conhecimento no Brasil.
O capítulo 20, denominado História e cidade a Amazônia
Brasileira: a utopia urbana de Henry Ford, 1930, foi escrito por Yara
Vicentine.
Nele a autora expõe que as descrições dos pesquisadores
que percorrem a Bacia Amazônica no século XIX davam conta
da visão da natureza. Com relação à população,
onde avançava a miscigenação, tanto a construção
das sociedades mercantis como a monetarização e as alterações
na divisão social do trabalho introduziram novas relações
sociais.
A soma dos excedentes produzidos pela borracha ia para Belém e Manaus
que assumiam papel de capitais. Dentro deste contexto urbano da Amazônia,
cresce a expressão do urbanismo englobando, dentre outras coisas,
a encorporação de modelos assimilados, como por exemplo o
projeto urbano de Henry Ford.
O rápido resumo que efetuamos sobre o conteúdo desta publicação,
permite comprovar que nela encontramos grandes contribuições
de autores brasileiros e estrangeiros no que tange à elucidação
do processo de formação do urbanismo, a partir dos conhecimentos
já produzidos, principalmente na Europa. Nesta obra são destacadas
importantes variáveis de análise como os profissionais, as
instituições, os eventos e o contexto em que ocorreram os
fatos que marcaram as bases do urbanismo, fora dos seus tradicionais locais
de nascimento.
Além de discutir o assunto no plano teórico, muitos dos capítulos
tratam de concretizar os fatos utilizando exemplos de várias cidades
brasileiras. Isto torna o livro ainda mais rico e interessante.
Diante do exposto, podemos afirmar que o livro organizado por Luiz Cesar
de Queiroz Ribeiro e Robert Moses Pechman é de fundamental importância
tanto para geógrafos, urbanistas, engenheiros das diversas especialidades,
arquitetos e outros profissionais, como também para qualquer indivíduo
que se interesse por assuntos vinculados às questões urbanas.
© Copyright Rosali Braga Fernandes 1998.
© Copyright: Biblio 3W, 1998.