Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XV, nº 886, 30 de agosto de 2010

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

O ESPAÇO E O TEMPO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

 

Tatiane Marina Pinto de Godoy
Doutora em Geografia pela Universidade Estadual Paulista UNESP– Brasil
Pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Comércio e Consumo – NECC/UNESP e do Grupo de Estudos de Economia Solidária ECOSOL/CES - Universidade de Coimbra


O espaço e o tempo da economia solidária (Resumo)

A Economia Solidária constitui atualmente um campo potencial para os estudos que se baseiam na análise das formas e experiências expressas como alternativas ao capitalismo. O objetivo deste artigo é compreender o espaço da Economia Solidária no Brasil, mais propriamente da maneira como se configuram e se estruturam suas formas econômicas constituídas por cooperativas, associações e grupos informais, bem como a concretude das relações sociais entre seus diversos atores: trabalhadores, movimentos sociais, governo e organizações não-governamentais. Para além da descrição, cabe buscar as questões que indicam as contradições através de uma crítica das condições de reprodução da Economia Solidária. Propõe-se, então, o estudo de um conjunto de atividades econômicas pautadas por uma forma de organização do trabalho centrada na autogestão, através de uma análise dos espaços produzidos por relações sociais estabelecidas pela necessidade premente de reprodução do trabalho como base material da vida social.                                                                   

Palavras-chave: economia solidária, espaço, Estado, reprodução  


The space and time of the solidary economy (Abstract)

The Solidary Economy is currently a potential field for studies based on the analysis of the forms and experiences presented as alternatives to the capitalism. The aim of this article is to understand the space of the Solidary Economy in Brazil, specifically the way they are structured its economic forms such as cooperatives, associations and informal groups, as well as the concreteness of social relations among its various actors: employees, social movements, government and non-governmental organizations. Beyond the description, we must search for issues - that might indicate contradictions - through a critic of the conditions of Solidary Economy reproduction. It is proposed to study a set of economic activities guided by a form of work organization focused on self-management through the analysis of the spaces produced by social relations. These social relations are established by the need of the work reproduction as the material basis of social life.

Key words: solidary economic, space, State, reproduction


El espacio y el tiempo de la Economía Solidaria (Resumen)

La Economía Solidaria constituye en la actualidad un campo potencial para los estudios basados en el análisis de las formas y experiencias que se expresan como alternativas al capitalismo.  El objetivo de este artículo es comprender el espacio de la Economía Solidaria en Brasil, más específicamente la manera como se configuran y se estructuran sus formas económicas constituidas por cooperativas, asociaciones y grupos informales, así como la concreción de las relaciones sociales entre sus diversos actores: trabajadores, movimientos sociales, gobierno y organizaciones no gubernamentales.  Más allá de la descripción, cabe buscar las cuestiones que indican las contradicciones a través de una crítica de las condiciones de reproducción de la Economía Solidaria.  Se propone el estudio de un conjunto de actividades económicas pautadas por una forma de organización del trabajo centrada en la autogestión, a través de un análisis de los espacios producidos por relaciones sociales establecidas por la necesidad acuciante de reproducción del trabajo como base material de la vida social.                            

Palabras-clave: economía solidaria, espacio, Estado, reproducción 



Espaço e tempo na produção do conhecimento sobre a Economia Solidária

A Economia Solidária está na interface de diversas ciências. Seus estudos empreendidos no Brasil e em outros países, estendem-se sobre diversas perspectivas metodológicas. Existem análises verticais de seus diversos aspectos, com emergência de uma investigação de cunho crítico das práticas e das relações sociais estabelecidas na Economia Solidária.

O debate que apresentamos neste artigo é resultado de uma tese de doutorado defendida em novembro de 2009 no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus Rio Claro, sob orientação da Professora Doutora Silvana Pintaudi. Para esta pesquisa utilizamos dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária, elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego do governo federal brasileiro. Também contribuiu para elaboração da tese e das análises que constam neste artigo os debates dentro do Grupo de Estudos de Economia Solidária no âmbito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, onde realizamos nosso estágio doutoral no ano de 2008.

Na perspectiva adotada por nossa linha de investigação, a da Geografia Crítica, apoiamo-nos no pensamento complexo, mais propriamente na lógica dialética para entender a realidade escolhida para análise. Edgar Morin (1990) parte do princípio de que é necessário por em ordem as nossas idéias. A simplificação e a mutilação do conhecimento tiram elementos importantes para o entendimento de um determinado fenômeno, que não deve ser entendido na sua totalidade, porque isso é impossível. Ao compreender a complexidade somos capazes de tomar conhecimento das obscuridades, ainda que não possamos compreendê-las em toda sua intensidade. A dificuldade do pensamento complexo é que ele deve enfrentar a confusão, a solidariedade dos fenômenos, a bruma, a incerteza e a contradição.

Caio Prado Jr. (1968) coloca que a dialética olha a natureza não como uma acumulação acidental de objetos, de fenômenos destacados, isolados e independentes uns com os outros, mas como um todo unido, coerente, onde os objetos, os fenômenos são ligados organicamente entre si, dependem uns dos outros e se condicionam reciprocamente. A natureza é a realidade objeto do pensamento e do conhecimento humanos. Ela é múltipla e variável, mas o pensamento e conhecimento humanos não podem fixar-se unicamente nesta multiplicidade e variabilidade para entender a natureza e conduzir a ação do homem. Assim, para que se possa entendê-la é preciso identificar certas feições, tanto no tempo quanto no espaço, fixar certas uniformidades e permanências.

A busca da Geografia Crítica pela superação de uma pretensa neutralidade científica a colocou próxima dos movimentos sociais de conquista e ampliação dos direitos civis e sociais, e mais especificamente, no cerne do entendimento da luta pelo acesso à terra e à moradia e ao combate à pobreza. Num plano mais amplo, a sua proposta de diminuição das disparidades socioeconômicas e das diferenças regionais a insere na discussão das diferentes esferas da reprodução social.

Uma dessas esferas mais presentes nas reivindicações populares no presente é a do trabalho.  Numa análise mais imediata é possível constatar a urgência das questões que afetam a ação do homem nesta atividade. Índices de desemprego, relações precárias ou escravizadas de trabalho, subemprego e emprego informal são alguns dos temas de destaque em tempos que as crises econômicas são mais freqüentes para o ajuste das diretrizes do capital. Se a reprodução social é comprometida pelas restrições impostas pela adequação às novas regras do capital, o espaço social, enquanto dimensão mais material da realidade social, manifesta concretamente as condições para a vida coletiva.

Para Pierre George (1969, p. 13) a originalidade da Geografia está no estudo do ajustamento do plano horizontal dos dados examinados pelas outras ciências humanas em planos verticais. Para esse autor a Geografia ultrapassa o âmbito das demais ciências humanas, inclusive a Sociologia, definindo-se como pesquisa de todas as correlações e causalidades relativas à situação atual e às virtualidades dessas coletividades. No caso específico de nosso objeto de estudo, a Economia Solidária, muito da bibliografia advêm da Sociologia e a ela devemos grande parte do entendimento que se tem construído sobre as relações sociais que se estabelecem na Economia Solidária. Entretanto, tais estudos ainda não mostram um panorama geral das condições de realização plena da Economia Solidária, isto porque, apesar de fornecerem conceitos importantes de representação de muitos aspectos da Economia Solidária, os estudos que se tem realizado estão focados naquilo que Pierre George afirma como plano vertical, e isso se dá pela própria natureza empírica da Sociologia e das demais ciências humanas.

Na Geografia Crítica os estudos sobre o desenvolvimento geográfico desigual avançaram metodologicamente a ponto de demonstrarem que, enquanto tivermos desigualdades sociais, desigual distribuição da riqueza e políticas públicas que privilegiem apenas algumas parcelas da população, teremos, consequentemente, parcelas do espaço diferenciadas pela presença e ausência de objetos e estruturas que caracterizam o grau de desenvolvimento econômico e social. Essa geografia diferencial está presente não apenas na cartografia dos espaços mundiais, mas também é interna aos territórios nacionais, com as disparidades regionais e intra-urbanas. Assim, sabemos que nem todo o território de um país elencado entre as grandes economias do mundo está  plenamente articulado às redes internacionais do capital, bem como em países periféricos, ou semi-periféricos, as elites hegemônicas, confinadas em espaços apartados da pobreza que as rodeiam, estabelecem maiores relações com o exterior através dos fluxos de informação.

Estudar o espaço da Economia Solidária não significa uma descrição locacional de suas ações e de suas atividades. Se o espaço geográfico é a materialidade do processo do trabalho, como concebemos na Geografia Crítica, o desafio está em analisar, interpretar e explicar as relações de trabalho que vem se estabelecendo, em paralelo, no Brasil e outras partes do mundo, como uma forma a priori, que se antepõe ao modo de produção capitalista. É preciso identificar as condições existentes para a realização de um outro modo de produção para podermos conceber um espaço produzido através de relações sociais solidárias.

A possibilidade de estarmos diante de uma produção não capitalista do espaço, baseada em redes solidárias que possam reverter as desigualdades socioespaciais depende da averiguação da realidade e das virtualidades através de métodos de investigação. Todo estudo geográfico tem um recorte espacial. Nesse sentido as categorias geográficas se prestam a delimitar a análise de determinada realidade. O estudo espacial da Economia Solidária não se furta a essa condição. Pode-se tanto partir de um estudo de caso de uma realidade local como da proposta de análise conjuntural no âmbito do espaço mundial.

Para Milton Santos (1985, p. 49) é básico o conceito de que o espaço constitui uma realidade objetiva, um produto social em permanente processo de transformação. Para a nossa compreensão da produção do espaço as categorias forma, processo, função e estrutura tornam-se fundamentais, já que, para estudar o espaço, há que se apreender a sua relação com a sociedade. Entender que tipo de sociedade se está constituindo a partir de relações de produção baseadas em princípios da democracia, da reciprocidade, da participação e da solidariedade é um dos pressupostos para entender a produção de espaços diferenciados, baseados em formas diversas de organização da vida coletiva.

É preciso identificar se esses espaços são realmente diferenciados, ou se apenas abrigam as formas dos empreendimentos econômicos solidários, sem, entretanto, ter como função as relações sociais solidárias num processo de um modo de produção diferenciado do capitalismo e que esteja numa estrutura de redes que conectem empreendimentos, organizações e demais formas e sujeitos da Economia Solidária. Apresentamos a seguir o campo da Economia Solidária no Brasil, organizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego do governo federal em 2005.

 

Figura 1. O campo da Economia Solidária no Brasil
Fonte: Atlas da Economia Solidária, MTE (2005)

A figura 1 mostra através, de uma rede articulada de empreendimentos, instâncias governamentais, entidades de apoio e fomento, fóruns e redes, ligas e uniões, que a Economia Solidária no Brasil, atualmente, vai além da dimensão econômica, base de sua ação. Para além dos empreendimentos existe um movimento social próprio da Economia Solidária, mas não desvinculado de outros movimentos que reivindicam o atendimento de diversas demandas da população. A Economia Solidária aparece particularmente ligada aos movimentos de luta pela terra, entre outros, o que a mostra não apenas como uma alternativa às formas contratuais de trabalho, mas como uma nova dimensão de questionamento e reivindicação por novas bases de estruturação da sociedade, assentadas em pressupostos de participação popular nas esferas política e econômica.

Enquanto prática econômica e ação política, entendida para além da ação do Estado e dos governos, mas também como pratica política dos cidadãos, a Economia Solidária pode ser estudada na sua dimensão material, na sua concretude espacial, seja através das suas formas ou através das redes que se constroem, ligando uma série de novos elementos que criam as condições de reprodução dessa outra economia,  como designa Antonio David Cattani (2003), se ela pode assim ser chamada.

Entender a Economia Solidária é um esforço intelectual intenso, pois mesmo os estudiosos mais renomados ainda estão construindo bases teóricas para explicar essa realidade, ainda que em parte. Por se tratar de uma sistematização de ideias ainda recentes, datada da década de 1990, e apesar de sabermos que estas práticas já estão presentes nas experiências de algumas comunidades há muito mais tempo, embora sem essa denominação ou mesmo sem um pensamento estruturado a respeito, todo o conhecimento acumulado até o momento ainda não dá conta de afirmar categoricamente se essa é ou não uma outra economia, diferente daquela preconizada pela acumulação ampliada do capital.

Sabe-se que as relações sociais de produção envolvidas na Economia Solidária pretendem-se diferenciadas daquelas praticadas no contexto capitalista. Portanto, o entendimento do espaço, enquanto produto e condição de reprodução das relações sociais leva a questionar a possibilidade de uma organização da vida coletiva assentada num espaço diferenciado daquele produzido pelas relações sociais de produção capitalista. Para além das relações sociais de produção, é preciso entender se a Economia Solidária também se estende para as relações sociais mais amplas, fora da esfera restrita da produção.

A figura 1 nos induz, neste primeiro momento, ao julgamento de que novas relações sociais estão se estabelecendo para além da esfera da produção, já que não só existem empreendimentos econômicos solidários organizados, mas todo um campo articulado de organizações, instituições e movimentos sociais. Aliás, a Economia Solidária congrega diversos movimentos sociais, já que as esferas do trabalho e da economia estão alinhadas a todas as demandas sociais.

Os instrumentos que o pensamento geográfico-marxista põe à nossa disposição permitem o reconhecimento de uma realidade já posta através de uma observação teoricamente orientada da paisagem, bem como a compreensão das práticas sociais que dão forma e conteúdo a esta realidade observável. Aliado ao pensamento lefebvriano esta análise se amplia para as possibilidades de reprodução espacial como produto da reprodução social num movimento simultâneo, constante e indissociável.

David Harvey (2004, p. 30) retoma uma linha de argumentação baseada na concepção de dialética concretizada, à qual ele denomina de “materialismo histórico-geográfico”. O autor levanta uma das principais linhas divisórias de nossa época, ao retomar essa abordagem, que é a difícil questão entre “particularidade” e “universalidade” na construção do conhecimento.

Analisar profundamente a Economia Solidária nos submete a esse dilema metodológico. Alguns trabalhos geográficos a respeito da Economia Solidária situam-se no debate do desenvolvimento local, através da análise de estudos de caso, localizados e focalizados. Mas, até o momento, não se tem um estudo amplo, mas igualmente profundo, de como está posta e de como se encaminham as práticas sociais que dão corpo à Economia Solidária. Esta é inclusive uma demanda de outras ciências, que se caracterizam pelos estudos verticais, e também dos agentes fomentadores, como os gestores públicos, os órgãos de financiamentos e, até mesmo, dos movimentos sociais e dos trabalhadores dos empreendimentos.

Cada elemento traz consigo uma infinidade de possibilidades a serem exploradas para a compreensão do que constitui, hoje, a Economia Solidária. A Geografia, para além das análises locacionais, pode oferecer bases ao entendimento da ação desses elementos articulados na figura 1. Abre-se um novo tema de pesquisa na Geografia, que a aproxima dos movimentos sociais, que oferece interpretação de práticas sociais transformadoras do modelo de apropriação da natureza, que pode conduzir à proposição de políticas públicas e que tem o diferencial de construir um pensamento integrado das dimensões econômica, social, política e cultural, materializadas no espaço.

Entre as contribuições que se apresentam para prover bases teóricas às práticas da Economia Solidária, as categorias espaço e tempo articuladas numa abordagem defendida por geógrafos críticos, através do materialismo histórico-geográfico como método de investigação da realidade social, apresenta não apenas um retrato explicado do momento atual, como possibilita a construção de um projeto para uma nova vivência social.

Entender a forma como se produz e reproduz a Economia Solidária implica estabelecer seus intrincados elos com o capitalismo. E, nesse caminho, o pensamento geográfico tem muito a contribuir. Edward Soja (1993, p. 58) expõe a defesa de David Harvey na proposição de seu método de investigação: “A geografia histórica do capitalismo tem que ser objeto de nossa teorização, e o materialismo histórico-geográfico, o método de investigação”. Esse método consiste numa reformulação radical da teoria social crítica e, sobretudo, na maneira como se interpreta e conceitua as relações fundamentais entre o espaço, o tempo e o ser social.

A contribuição teórica a respeito das desigualdades socioespaciais como produto e condição das desigualdades sociais imanentes ao modo de produção capitalista fundamenta a argumentação segundo a qual o espaço não é reflexo ou palco da sociedade, mas constituí-se da sociedade, materializa as diferenciações sociais e as lutas de classe e condiciona a reprodução das relações sociais.

O conhecimento das relações constituintes da produção espacial, alicerçadas no modo de produção capitalista hegemonicamente em vigor, são pressupostos teóricos para formulação de um conhecimento das condições em que se produzem e reproduzem as relações sociais na Economia Solidária.


O tempo da Economia Solidária

A Economia Solidária é identificada como um conjunto de atividades econômicas organizadas e realizadas solidariamente, por trabalhadores, sob a forma da autogestão. A ela é atribuída uma maneira diferente de produzir e trocar fundamentada na reciprocidade. A diversidade das práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, entre outras, leva-nos a sugerir que a relações sociais estabelecidas para a promoção de outras formas de organização do trabalho também podem produzir espaços diferenciados que comportem uma nova organização social da vida coletiva.

Há uma íntima ligação entre a Economia Solidária e o resgate das lutas históricas dos trabalhadores em resistência às condições cada vez mais precárias de reprodução de sua força de trabalho. Na literatura sobre as origens da Economia Solidária estão sempre presentes os ideais do cooperativismo. Os princípios da Economia Solidária remontam ao século XIX, com a criação de aldeias cooperativas idealizadas pelo industrial socialista Robert Owen na Inglaterra e nos EUA, para que os trabalhadores fossem proprietários e gerissem coletivamente os meios de produção. Essas primeiras formas democráticas de relações de produção, denominado de socialismo utópico, e baseado no sindicalismo, foram violentamente reprimidas. Mas os princípios cooperativistas do século XIX, de democracia, posse e gestão igualitária entre seus membros, foram seguidos por muitos empreendimentos no século XX.

A história do cooperativismo é mais longa que a da Economia Solidária. Os trabalhadores da Revolução Industrial, ainda no século XIX e já sofrendo as conseqüências da destituição de seus bens de produção para empregar apenas a sua mão-de-obra nas fábricas, iniciam o que se pode chamar de embrião do cooperativismo em Rochdale, Inglaterra. A Economia Solidária, que comporta o cooperativismo, assim como o associativismo e outras formas de trabalho coletivo que primam pela autogestão, é um conceito criado na década de 1990, em cujo bojo está a discussão das desigualdades sociais suscitadas pelo crescimento econômico que não proporcionou bem-estar a todos.

Embora suas origens estejam no cooperativismo, a Economia Solidária que emerge entre o fim do século XX e o presente momento apresenta condições novas para a sua reprodução. Em termos gerais, as condições sociais dos trabalhadores pouco avançaram, sobretudo nos países que não vivenciaram o Estado de bem-estar social. No Brasil, o Estado desenvolvimentista apoiou-se no crescimento econômico através de apoio e fomento ao grande capital. O pequeno camponês foi impelido a deixar suas terras e engrossar o fluxo do êxodo rural por não ter acesso aos mesmos créditos concedidos aos grandes proprietários de terra. A modernização conservadora brasileira visou ao mercado externo com as monoculturas de exportação. No momento histórico seguinte, a reestruturação produtiva, caracterizada pela transição do modelo fordista para a acumulação flexível, como analisa David Harvey (2009), submeteu ao trabalhador novas limitações a sua reprodução. No presente momento, o trabalhador depende muito mais da intervenção do Estado e de outras instituições para considerar outras formas de trabalho, que não se restrinjam a relação patrão-empregado.

O desenvolvimento do cooperativismo está estreitamente ligado ao desenvolvimento do próprio modo de produção capitalista. Observa-se que são nos períodos de crise que o número de empreendimentos cresce.   Analisar a Economia Solidária em países que nunca tiveram períodos de prosperidade econômica e sempre conviveram com a pobreza de grande parte da população é uma de nossas preocupações.

Nos países onde a carência social é produto de uma superexploração durante a época em que ainda eram colônias e simplesmente foram deixados à própria sorte com os processos de independência, o desenvolvimento do padrão capitalista não atinge toda a população, mas apenas aqueles que exercem algum tipo de dominação interna e que podem pagar pelos avanços técnicos importados.

No Brasil, apesar da origem vinculada às lutas operárias do início do século XX, até os anos 1970 a existência de cooperativas esteve mais restrita ao setor rural da economia. Os princípios autogestionários não se aplicavam, na maioria das vezes, ao cooperativismo rural, que encobria a subordinação e a relativização da seguridade trabalhista.

A partir da década de 1980, através de um processo de redemocratização do país, diversos setores da sociedade brasileira propuseram que a democracia não deveria ficar restrita ao mundo político institucional, mas necessitava se expandir em outras esferas da vida, particularmente no mundo do trabalho. Trabalhadores de diversas atividades iniciam a formação de cooperativas, movimentos sociais passam a fomentar práticas de autogestão, universidades e outras entidades passam a apoiar a formação de empreendimentos econômicos solidários. Desse movimento ressurgem formas de organizações cooperativas em diferentes setores de organização econômica, envolvendo diversos sujeitos sociais.

As experiências cooperativistas têm assumido um caráter diferenciado a depender do contexto local ou regional. Na Europa o cooperativismo é alicerçado na alta tecnologia e especialização de seus trabalhadores, que buscam maior competitividade no mercado mundial, como no caso de Mondragón, no País Basco; ou, ainda, no exemplo das cooperativas sociais na Itália, fundamentalmente subsidiadas pelo Estado para prestar serviços públicos de interesse social.

A história de Mondragón é alicerçada no investimento em conhecimento técnico e no desenvolvimento de tecnologias de produção, gestão e informação. Constituído por cooperativas de trabalho associado, Mondragón é atualmente um dos principais grupos empresariais da Espanha. Em um contexto de pobreza de uma região devastada pela Guerra Civil Espanhola (1936-1939), reprimida pela ditadura de Franco e com alta emigração de sua força de trabalho para a França e outras regiões da Espanha, o complexo cooperativo Mondragón originou-se com as aulas de sociologia ministradas pelo sacerdote José Arrizmendiarrieta a jovens que fundariam as cooperativas alicerçadas nos princípios cristãos de solidariedade aliado ao conhecimento técnico. Desde sua formação, em 1956, teve como pilares o cooperativismo, a educação e a inovação tecnológica. A Corporação Cooperativa Mondragón (MCC) reúne 104 cooperativas e está estruturada em três grupos: financeiro, industrial e de distribuição, além de contar com onze centros de pesquisa e desenvolvimento, uma universidade (com três faculdades) e um centro de formação cooperativa e empresarial. Em 2004 teve um faturamento de 10,459 bilhões de euros e estava composta por 70.884 trabalhadores. A “MCC” extrapolou os limites do País Basco e da Espanha. Ela se tornou tão grande que cabe questionar a atualidade do caráter solidário que lhe deu origem.

O modelo italiano das cooperativas sociais se tornou expoente da denominada Economia Social. Desenvolveu-se em meio ao contexto da Terceira Itália, tomada como paradigma de desenvolvimento local por uma série de ações implementadas por pequenas e médias empresas em redes cooperativas com apoio de políticas públicas que transformaram as condições econômicas e sociais de regiões pobres no centro-norte do país após a segunda guerra mundial. Ao lado desse modelo, começou, na década de 1970, a implantação das cooperativas sociais, amparadas legalmente em 1991, com intervenção do Estado ainda mais incisiva. As cooperativas sociais na Itália são de dois tipos: um primeiro constituído por sócios trabalhadores nos serviços sociais, que são função do Estado, o qual transfere os recursos às entidades locais, que os repassam às cooperativas sociais, por meio de contrato e convênios, sem necessidade de licitação pública; no outro tipo se desenvolvem atividades de produção de bens e serviços, visando à inserção ocupacional de pessoas desfavorecidas. Elas não pagam contribuições sociais sobre os desfavorecidos que empregam e podem celebrar convênios com entidades públicas sem a exigência de licitação pública.

Nos países “em desenvolvimento” ou pobres, a Economia Solidária emerge, no atual momento, de uma necessidade premente - a de poder sobreviver e se reproduzir. O cooperativismo vivenciado no Brasil durante o século XX, por exemplo, não atendeu aos mais pobres. Tratava-se de um cooperativismo corporativista que reunia grandes cooperativas, sobretudo rurais, com objetivo de agregar valor a produção para o mercado externo.  Esse cooperativismo ainda existe. Mas uma nova forma de relacionamento baseado na solidariedade vem à tona como uma hipótese. Para as pessoas que nunca tiveram nada, e, portanto, nada têm a perder, a construção de uma saída econômica centrada na autogestão também pode fornecer as bases para a emancipação em outras esferas. Seria nestes lugares que a essência da Economia Solidária, articulando a dimensão econômica, social e política em uma ação coletiva possibilitará as transformações sociais mais amplas? Seriam estes os lugares da realização da utopia da emancipação?

A pesquisa que realizamos no Brasil, aliada a outros estudos desenvolvidos em alguns países da América Latina, África e Ásia por pesquisadores das distintas disciplinas das ciências humanas e sociais, ajuda a compor o que Boaventura de Sousa Santos denomina de um mapa das alternativas de produção. Na opinião deste sociólogo português são nestas experiências, que caracterizam uma globalização alternativa à neoliberal, que estão sendo tecidos os novos caminhos da emancipação social.

Para verificar esta hipótese nós discutimos quais são os limites da emancipação social por via da autogestão econômica e nos deparamos com um problema ainda não debatido devidamente nos estudos acadêmicos e nas ações políticas. Trata-se da questão da troca do que é produzido na Economia Solidária.

Espaço e tempo, ambos propriedades da matéria, atribuem características à produção da Economia Solidária que, ao mesmo tempo em que expressam valores diferenciados do produto da economia capitalista em razão do tempo socialmente necessário à sua produção, colocam, no mesmo espaço, mercadorias produzidas por formas diferenciadas.

Nas formações sociais onde existe a produção mercantil, a distribuição dos bens materiais realiza-se mediante a troca de mercadorias. A troca consiste numa das esferas estratégicas de reprodução da Economia Solidária e daqueles que nela exercem suas atividades, momento exato em que se materializa o valor da produção.

A mercadoria é o trabalho materializado num objeto que, para além do valor de uso, contém, necessariamente, valor de troca. Ela é produzida para a troca e não para consumo próprio do produtor. Essa afirmação, aparentemente simplista e banal, é o foco da argumentação a seguir.

As políticas de apoio aos empreendimentos de Economia Solidária no Brasil, tanto de órgãos governamentais quanto de organizações não governamentais, priorizaram a formação e a produção. Grupos de geração de trabalho e renda nas mais diversas atividades, foram apoiados sistematicamente na aprendizagem de ofícios e na produção das diversas mercadorias. Entretanto, a troca das mercadorias ainda é um campo pouco explorado, sobretudo nos programas de geração de trabalho e renda, é fundamental que o produto se reverta em ganho econômico para que o trabalhador se reproduza. Do contrário constata-se o esvaziamento dos empreendimentos e a priorização, por parte do trabalhador, das atividades que garantam a sua reprodução, mesmo que de forma precária ou degradante.

É necessário um entendimento mais amplo e profundo do que a mercadoria materializa e revela na Economia Solidária. Para esse entendimento os conceitos de valor de uso e valor de troca expressos por Karl Marx são fundamentais, mesmo que estejamos estudando uma economia que se pretende diversa da capitalista, mas contraditoriamente nela inserida.

Um duplo aspecto se manifesta na mercadoria. Primeiro com o valor de uso que constitui o seu conteúdo, objeto de uma necessidade social, base material com que se manifesta uma relação determinada: o valor de troca. Segundo, esse valor de troca manifesta uma relação quantitativa na qual os valores de uso são permutáveis.

A determinação do valor de troca expressa no capitalismo estudado por Karl Marx baseia-se numa análise quantitativa, ou seja, o tempo de trabalho concreto empregado na produção da mercadoria. Para que se possa estabelecer a proporcionalidade dos valores de troca considera-se o trabalho humano geral que é a abstração do “trabalho médio que cada indivíduo médio de uma sociedade dada pode realizar: um gasto produtivo determinado de músculos, nervos, cérebro humano etc.” (Marx, ed. 2008 p. 54). É o que se denomina de trabalho simples ou não qualificado.

Essa determinação quantitativa só pode ser considerada quando as condições de execução do trabalho são as mesmas na produção das diversas mercadorias. Assim, o valor de troca de uma mercadoria não se manifesta em seu próprio valor de uso, mas na materialização do tempo de trabalho social geral. O trabalho que cria o valor de uso é a condição natural da existência humana na apropriação da natureza sob uma forma ou outra. É a condição, independente de todas as formas sociais, do intercâmbio da matéria entre o homem e a natureza. O trabalho que cria valor de troca, ao contrário, é uma forma especificamente social. O valor de troca se mede pela proporcionalidade de tempo de trabalho gasto na produção da mercadoria. A equivalência do valor de troca entre diferentes mercadorias pode se dar pela diferença no volume de cada mercadoria trocada.

A consideração do tempo de trabalho incorporado à mercadoria para definir o seu valor de troca em relação a outra mercadoria não é uma equação simples. O trabalho individual materializado possui um conteúdo particular que não é o do trabalho geral. Ele representa um tempo de trabalho aplicado a um fim útil, determinado, porque representa um valor de uso. A mercadoria só pode se converter em valor de uso se se realizar em valor de troca, assim como só pode se realizar em valor de troca sem que jamais cesse, em sua alienação, de ser valor de uso.

Há, para Karl Marx, um conjunto de postulados contraditórios na definição dos valores de troca das mercadorias. Para nós esse problema é ainda mais extenso devido à consideração da qualidade do trabalho empregado na produção de mercadorias na Economia Solidária. Mas, além da qualidade material da mercadoria na Economia Solidária, referimo-nos às condições de realização do trabalho, à maneira como é empregada a força de trabalho.

Se na explanação sobre a mercadoria Karl Marx (ed. 2008 p. 69) afirma que estas não são permutáveis senão enquanto equivalentes e não são equivalentes senão enquanto representam quantidades iguais de tempo de trabalho materializado, perguntamos: como fica a troca em condições diferentes de realização da força de trabalho?

A Economia Solidária é uma forma de organização do trabalho que preconiza a reprodução do mesmo, e sendo-lhe inerente uma forma diferenciada do processo produtivo, que não explora a força de trabalho da mesma maneira como no capitalismo. Isso resulta num tempo diferenciado de produção da mercadoria e que não corresponde ao tempo hegemônico geral da produção. A questão está em como permutar mercadorias que não materializam as mesmas condições de produção.

Na Economia Solidária a mercadoria materializa o trabalho realizado sob um tempo diferenciado. Não é o tempo da produção em grande escala, não é a produção automatizada, mas a produção realizada no tempo da destreza da mão humana. Isso confere a ela uma outra qualidade, não contemplada nas análises sobre a mercadoria. Consequentemente, implica custos diferenciados de produção e valor adicional de troca.

A mercadoria genuinamente produzida nos preceitos da Economia Solidária apresenta um preço superior àquele produzido em grande escala. Existe, evidentemente, uma variedade bastante diversa de mercadorias produzidas pelos empreendimentos econômicos solidários, desde o artesanato cultural até a produção de gêneros alimentícios ou outros bens industrializados porque a Economia Solidária não é feita apenas do trabalho manual. Mas, a consideração das condições mais justas nas relações de produção implica um fator de produção que resulta em custos adicionais. Esse é o fator das condições mais dignas de trabalho, da não precarização das relações de trabalho ou daquilo que a Organização Internacional do Trabalho (2006) preconiza como trabalho decente[2].

Ao lado da reprodução do trabalho a Economia Solidária também tem vínculos estreitos com o debate sobre as formas de apropriação da natureza. Muitos empreendimentos empregam, no seu processo produtivo, procedimentos que interferem de maneira menos agressiva na natureza, dentro do que é chamado desenvolvimento sustentável[3]. Um exemplo é a cadeia produtiva da Justa Trama[4], que integra um conjunto de empreendimentos de Economia Solidária em torno da produção têxtil, a partir do algodão agroecológico (sem uso de agrotóxicos). O algodão produzido no Ceará através da agricultura familiar, articulada pela ADEC
(Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá), é fiado em Nova Odessa (São Paulo) pela cooperativa Nova Esperança – Cones, transformado em tecido em Santo André (São Paulo) pela Textilcooper e confeccionado em roupas em Itajaí (Santa Catarina) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul) pelas costureiras da Fio Nobre e Univens (Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos). Também são usadas na confecção das roupas da Justa Trama corantes naturais e sementes cultivados e beneficiados pela Cooperativa Açaí, na Amazônia.

Se existe uma grife na Economia Solidária no Brasil, a Justa Trama é, atualmente, uma marca reconhecida. Suas roupas de algodão cru materializam a idealização da Economia Solidária enquanto conceito e prática. Ela agrega o reconhecimento do trabalho e da sua cadeia produtiva à ideia de desenvolvimento sustentável, expressa na publicidade que faz. Suas peças são simples, cuja modelagem não se insere na moda convencional. São mercadorias destinadas a um consumidor com informação sobre a diferença na produção.

A forma de apresentação da mercadoria assume, com o advento do dinheiro uma importância sem precedente.  Worfang Haug (1997) analisa que a troca só faz sentido quando se realiza através de coisas qualitativamente diferentes. Outro elemento é a equivalência, como mostra Karl Marx para a definição do valor de troca. Mas essa equivalência não é uma equação simples, porque cada mercadoria só pode manifestar o seu valor enquanto valor de troca, em correspondência a outra mercadoria. O dinheiro surgiu como uma terceira mercadoria mediadora. Ele assumiu a função de expressar, de maneira mensurável e passível de comparação,  atuando como material comum na linguagem de valor. Dessa maneira o dinheiro facilita, acelera e generaliza a troca (Haug, 1997, p. 24).

A medida que as mercadorias não mais são trocadas entre si, mas por  intermediação do dinheiro, o consumidor passa a ter maior poder de escolha. O dinheiro, como equivalente universal, permite que o valor de troca se desligue de cada necessidade particular. Se antes a troca só era possível na medida em que ambos os possuidores das mercadorias diversas tivessem interesse em trocá-las, com o dinheiro o valor de troca se emancipa perante cada corpo particular de mercadorias. O dinheiro concede a quem o possui um poder sobre todas as qualidades particulares, limitado apenas pela quantidade (Haug, 1997 p. 24).

Para além do valor de uso das mercadorias, ganha importância a manifestação do valor de uso. Se o dinheiro confere maior liberdade de escolha, a mercadoria deve manifestar seu valor de uso por meio da estética. Worfang Haug (1997) denomina tecnocracia da sensualidade o domínio da estética exercido sobre as pessoas em virtude de sua fascinação pelas aparências artificiais tecnicamente produzidas.

No capitalismo a estética desempenha a função de produção ampliada da mais-valia. Ela confere à mercadoria uma qualidade adicional que exerce fascínio sobre o consumidor. A qualidade adicional é apenas a alteração da apresentação do produto, que pode bem servir para encobrir uma deterioração dele.

Se vivemos num mundo onde a estética da mercadoria tem tanta importância para sua realização, como a mercadoria da Economia Solidária pode se impor entre as mercadorias produzidas em massa?

O parâmetro de comparação para Economia Solidária é o socialismo vivenciado no pós-guerra. Essa comparação, entretanto, traz alguns problemas analíticos, já que se tratava de uma economia planificada, ou seja, de um socialismo de Estado. A Economia Solidária analisada neste momento trata de uma forma de organização do trabalho diferenciada do capitalismo, mas nele inserida. Ainda assim, é conveniente refletir sobre a análise que Worfang Haug (1997) faz da estética no socialismo. Para isso ele toma como exemplo a Republica Democrática da Alemanha (RDA), onde a concorrência entre as mercadorias de primeira necessidade relacionada à estética não existe. A embalagem e a apresentação na produção socialista de mercadorias não têm a função que as determina no capitalismo. O que determina a concorrência no socialismo é a produtividade (cumprimento ao plano) e a qualidade (grupos de qualidade).

Essa economia de valor de uso implica dificuldades que demandam soluções socialistas. “É cada vez mais importante criar possibilidades para uma determinação das necessidades que precedem a produção, permitindo direcioná-la para as necessidades” (Haug, 1997, p. 156). Assim a regra fundamental de que produção também é imediatamente consumo porque estimula a reprodução é inerente em qualquer modo de produção.

A estética da mercadoria na RDA era muito semelhante àquela do capitalismo monopolista dos anos de guerra. O invólucro mostrava critérios utilitários através de uma etiqueta que trazia apenas a designação técnica do conteúdo. Com a transmissão de propagandas de TV da Alemanha Ocidental, a classe trabalhadora do socialismo rejeitava a apresentação dos produtos que podiam consumir na RDA, porque os remetia ao período de guerra.

O filme Adeus, Lênin!, de Wolfgang Becker (Alemanha, 2003), ilustra exatamente as diferentes estéticas da mercadoria no socialismo da RDA e da pós-queda do muro de Berlin, com integração das duas Alemanhas e o fim do socialismo. Nessa transição a mercadoria capitalista invade a cidade e a transforma. O consumo se modifica e a mercadoria com a estética socialista, como o vidro de pepinos Spreewald e o café Rondo, que remetiam a uma mémoria afetiva da personagem, desaparecem das prateleiras, dando lugar à invasão dos produtos da antiga Alemanha Ocidental. Uma curiosa contradição é exemplificada no filme: o Ostalgie (nostalgia pelo Leste), uma saudade da vida cotidiana vivida na RDA, que hoje alimenta uma espécie de mercado de pulga, com objetos do tempo do socialismo. São aqueles mesmos objetos de estética tosca que materializavam um modo de vida muito diferente do que atualmente presenciam os alemães.

Analisar a estética da mercadoria não é demonstrar a diferença técnica na aparência das mercadorias produzidas no capitalismo, no socialismo ou na Economia Solidária. Mas trata-se de demonstrar a função econômica que essa aparência exerce para a reprodução ampliada. Assim, a crítica da estética da mercadoria

(...) não se dirige contra o embelezamento de determinadas coisas, muito pelo contrário, mas mostra como uma função econômica autônoma do capitalismo irrompe com o poder de uma catástrofe natural pelo mundo sensível, varrendo tudo o que ela não se submete a ela, assimilando inteiramente, fortalecendo e dando primazia a determinados traços singulares que vêm ao seu encontro, a fim de consolidar os do capital (Haug, 1997, p. 157).

A estética aliada à produtividade são desafios para a troca na Economia Solidária. A rentabilidade medida pela economia de tempo, com eliminação do trabalho manual, e a produção em massa de artigos padronizados são alguns elementos que caracterizam a concorrência entre as mercadorias da Economia Solidária e a da economia tradicional capitalista.

Um exemplo está no artesanato. A abertura da economia brasileira para o mercado internacional, na década de 1990, trouxe consequência direta para a produção artesanal. A entrada dos produtos asiáticos confeccionados em larga escala, em regime de trabalho precário e escravo, vendido principalmente nas lojas popularmente conhecidas como de 1,99 (em referência ao preço único das mercadorias), fez concorrência direta com o que era produzido artesanalmente. Ainda que o valor  tenha inflacionado (R$1,99 é atualmente apenas o nome popular dessas lojas), há uma variedade de mercadorias para o lar, que antes eram supridas pelos artesãos, por preços aquém do custo de produção artesanal, o que torna a concorrência muito desigual.

A questão é que, na Economia Solidária a mercadoria revela o real valor do trabalho humano. Mas isso implica um desembolso adicional por parte do consumidor, que nem sempre está disposto a pagar.

O consumo solidário mostra-se incondicionalmente atrelado a um posicionamento crítico do consumidor. A simples comparação de preços deixará na prateleira a mercadoria da Economia Solidária. Mas a revelação do processo produtivo implicado em cada mercadoria pode inverter o raciocínio do comprador. Na China a mão de obra empregada tem remuneração inferior à de outros países e sem direito a seguridade, porque o empregador está livre dos encargos sociais.  A média salarial chinesa é três vezes menor que a brasileira. Indubitavelmente esses são fatores que implicam a economia de mercado na qual a Economia Solidária está inserida.


O lugar da Economia Solidária no Brasil

Estudar espaços que se pautam pelas formas da democracia participativa, seja ela política ou econômica, é um desafio num mundo onde o capitalismo avança a passos largos, cooptando experiências potencialmente embrionárias de uma nova forma de reprodução social.  A teoria crítica nas ciências sociais, de um modo geral, e na Geografia, particularmente, tem produzido um conhecimento revelador dos estratagemas capitalistas para a execução do projeto da globalização. Mas como saber se as experiências relacionadas às alternativas a essa globalização hegemônica estão reproduzindo anseios que se diferenciam da busca pelo acesso ao consumo dirigido?

O título que abre esta seção do artigo é propositalmente ambíguo. Tomamos como lugar da Economia Solidária no Brasil tanto a sua expressão geográfica, a sua relação espacial que, como veremos apresenta características distintas nas regiões brasileiras, quanto o tratamento que lhe é dado pelo Estado e pelo pensamento que se vem construindo a seu respeito. O lugar que a Economia Solidária ocupa nas ações políticas, sejam elas do Estado ou dos movimentos sociais, em direção a construção de uma forma coletiva de produzir e de viver ou apenas uma saída econômica que arrefece os conflitos sociais, sintetiza nossa preocupação neste momento.

Parece-nos evidente neste momento que é nos lugares economicamente menos privilegiados que estão as possibilidades mais concretas de estabelecimento de formas de viver baseadas numa organização da vida social pautada pela apropriação coletiva da riqueza produzida e pela escolha coletiva do destino histórico de suas comunidades. Faz-se necessário pôr em evidência as experiências populares que estão emergindo onde o capitalismo fez mais vítimas do que favorecidos pelo seu sistema de apropriação privada da riqueza construída coletivamente.

Mas para que o conhecimento dê conta de revelar toda essa potencialidade é preciso estabelecer meios legítimos de cognição das experiências. A teoria crítica tem de buscar, incessantemente, a superação dos dogmas científicos, estabelecer uma interlocução com o conhecimento popular e formular novos conceitos que traduzam não apenas o que está aparente na paisagem social. Ela deve, também, ser capaz de revelar o que existe e ainda não é visto. Não é possível interpretar as experiências contra-hegemônicas com conceitos, categorias e paradigmas hegemônicos, porque eles sempre darão às experiências o caráter de alternativa inferior ao capitalismo, invisibilizando a construção de outro modo de produzir e de viver.

Três questões dentre todas as aquelas que nos inquietaram durante a realização da pesquisa se destacam. Elas nos são particularmente importantes porque partem da nossa premissa sobre o espaço geográfico, da maneira como o entendemos e como procedemos às análises. Essas questões são:

·  Se, ao produzir a sua vida, uma sociedade produz, concomitantemente, o espaço da vida, quais as lógicas que orientam as relações sociais solidárias em espaços que, enquanto condição para sua reprodução, são regidos por relações sociais capitalistas?

·  Quais as possibilidades destes espaços para a emancipação social?

·  Qual o papel da Economia Solidária na produção de espaços que comportem práticas socioespaciais democráticas e participativas?

No nosso entendimento o espaço geográfico é produto das relações sociais que os homens estabelecem entre si para se apropriar da natureza através do trabalho. E esse mesmo espaço que é produto também é condição para a reprodução destas relações sociais[5]. Portanto, o espaço é produto do trabalho humano, da maneira como ele é realizado sob a regência do modo de produção hegemônico e é condição de reprodução das relações sociais que nele se inserem.

Se estas três questões nos inquietaram, a consideração que apresentamos como hipótese ainda nos é mais angustiante: “Se o capitalismo se metamorfoseia para continuar hegemônico, não seria a Economia Solidária uma dessas metamorfoses?”, já que os empreendimentos econômicos solidários dependem da troca capitalista para reproduzir a sua existência.

 A realidade, complexa e contraditória como é, nos impunha a considerar a característica de cooptação pelo capitalismo das experiências que de alguma forma o questionam e que podem, cooptadas, oferecer novos elementos para a reprodução do modo de produção. Diversas experiências, entre elas o próprio cooperativismo, foram apropriadas pelo capitalismo. Assim, nossa preocupação centra-se no fato de que a Economia Solidária mostra de forma solidificada a autogestão na esfera da produção, mas a troca, que é condição para a sua reprodução, ainda está submetida aos parâmetros capitalistas.

Embasamo-nos no que Karl Marx, na contribuição à crítica da economia política (2008)[6], coloca como esferas indissociáveis da relação geral da produção, distribuição, troca e consumo. Esta condição não é apenas para o capitalismo, mas mostra-se com igual pertinência na Economia Solidária. Se ela pode vir a ser um modo de produção, como afirma Paul Singer (2002), é condição que todas as suas esferas realizem-se sob os mesmos princípios, no nosso entendimento, o princípio da autogestão. Assim, é só através das formas de troca justa que a produção solidária se realiza e se torna condição para a reprodução da Economia Solidária. Resumidamente, nossa tese é que somente através da troca que a produção se realiza e se transforma em reprodução.

A análise, por meio da categoria produção/reprodução das relações sociais, permitiu estudar uma forma em gestação. As condições apresentadas no presente momento para a Economia Solidária no Brasil nos instigam a especular quais são as possibilidades das práticas socioeconômicas da Economia Solidária se concretizarem em práticas socioespaciais. Sendo assim,  nos perguntarmos sobre qual é a possibilidade de emergência de um espaço econômico diferenciado produto de relações solidárias de produção.

Algumas considerações são importantes para entendermos as condições de realização desta economia no Brasil. Dados oficiais de um levantamento sistematizado realizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, através de sua Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) indicam a existência em 2007 de aproximadamente 22.000 empreendimentos econômicos solidários e de 1.687.000 trabalhadores associados. Esses números podem estar aquém da realidade, já que, a divulgação dos últimos dados em 2007 constava de apenas 52 por cento dos 5.561 municípios brasileiros. Algumas regiões do país, como o Sudeste, por exemplo, tiveram a pesquisa realizada em apenas 31 por cento dos seus municípios. O levantamento está tendo prosseguimento e deverá em breve divulgar novos dados e informações.  A figura 2 ilustra o crescimento do número de empreendimentos desde o início do século XX, de acordo o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES).

 

Figura 2. Ano de criação dos empreendimentos econômicos solidários por regiões do Brasil
Fonte: SIES/MTE, 2007.

Práticas de Economia Solidária são identificadas no Brasil desde o início do século XX. Um exemplo são as associações de pescadores, uma categoria que sempre precisou trabalhar coletivamente. O primeiro empreendimento identificado pelo SIES trata exatamente deste exemplo em 1901. A figura 2 expressa linearmente a história da Economia Solidária no Brasil. Embora existam cooperativas e associações em todo o período contemplado, o crescimento exponencial desta economia resulta de mudanças estruturais na economia mundial e no mundo do trabalho. Enquanto os níveis de emprego pleno eram mantidos por uma economia assentada no modelo de produção fordista o número de empreendimentos pautados pela autogestão restringia-se às associações de produtores rurais, uma categoria que, embora juridicamente tenha o estatuto associativista, na prática não tinha a autogestão exercida como relação de trabalho e produção.

Para os trabalhadores, principalmente urbanos, a imposição de novas formas de reprodução das condições de vida coloca-se em meados da década de 1980 e se acentua partir de 1990. As diretrizes da economia neoliberal com a reestruturação do processo produtivo e a alavancagem do mercado financeiro especulativo resultaram na bem conhecida dispensa em massa de trabalhadores em todo o mundo. No Brasil e nos países que não desfrutaram das políticas de bem-estar social as consequências desta reestruturação foram sentidas com mais intensidade. Nas cidades, onde as desigualdades sociais, através da fragmentação do espaço e da diferenciação dos lugares se expressam com maior nitidez, a reprodução social dificultada pela falta de emprego reproduz no espaço social a dificuldade de acesso à moradia, aos serviços de saude, educação, segurança, entre outros.

No primeiro momento coube as administrações municipais elaborarem políticas públicas e programas de geração de trabalho e renda porque é na escala dos municípios que os problemas sociais resultantes do desemprego se manifestam. A vida acontece no lugar e, na estrutura administrativa brasileira esse lugar é o município, a esfera mais próxima do cidadão. Assim, governos municipais, em geral de tendência progressist[7], foram os primeiros a formular sistemáticas de formação e apoio a grupos de trabalhadores na transição da década de 1980 para 1990.

A partir de então, movimentos sociais que não se limitaram as questões que asseguravam os direitos trabalhistas garantidos apenas aos empregados formais, mas que demandavam apoio do Estado para empreendimentos autogestionados por trabalhadores direcionaram suas ações para constituir fóruns e redes de discussão, participando também da elaboração de propostas em planos de governo de candidatos das diferentes esferas do poder executivo. A criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária na estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego foi o atendimento das demandas destes movimentos sociais.

Na figura 2 as diferenças regionais brasileiras se evidenciam a partir de 1980, quando o crescimento do número de empreendimentos se acentua. Na região Nordeste, que concentra 44 por cento dos empreendimentos pesquisados em 2007, o crescimento acelerado a partir de meados da década de 1970 cessa nos anos 2000, período em que a região Sudeste lidera a criação de novos empreendimentos. Algumas características demonstradas nas figuras 3, 4 e 5 revelam o contexto deste crescimento.

 


Figura 3. Formas de organização dos empreendimentos econômicos solidários no Brasil
Fonte: SIES/MTE, 2007

 

 

 

Figura 4. Formas de organização dos empreendimentos econômicos solidários no Nordeste
Fonte: SIES/MTE, 2007
                 

                        

                                                                                                 

 

Figura 5. Formas de organização dos empreendimentos econômicos solidários no Sudeste
Fonte: SIES/MTE, 2007


 Apresentamos nestas figuras as formas de organização dos empreendimentos econômicos solidários brasileiros com destaque para as características nacionais como um todo e de duas regiões que são mais representativas para a nossa argumentação. Primeiro é preciso esclarecer as diferenças entre as formas de organização dos empreendimentos.

Todas as organizações devem primar pela autogestão, ou seja, pelas práticas participativas em todo o processo de trabalho e definição das ações. Para o Ministério do Trabalho e Emprego os empreendimentos podem ser classificados em cooperativas, associações, grupos informais e outras formas. As cooperativas e as associações são as formas legalizadas, mas a diferença essencial está na natureza dos dois processos. Enquanto as associações são organizações com finalidade de promover assistência social, educacional, cultural, representação política, defesa de interesses de classe, filantrópicas; as cooperativas têm finalidade essencialmente econômica. Seu principal objetivo é o de viabilizar o negócio produtivo de seus associados junto ao mercado. Essa diferença de natureza estabelece também o tipo de vínculo e o resultado que os associados recebem de suas organizações. Destaca-se também que, se a questão é atividade econômica, o modelo mais adequado é a cooperativa.

A desvantagem da associação em relação à cooperativa é que ela engessa o capital e o patrimônio. Por outro lado, o gerenciamento da associação é mais simples e o custo do registro é menor, o que compensa para os grupos que querem se organizar, mesmo para comercializar seus produtos. Para a formação de uma cooperativa a legislação exige o mínimo de 20 pessoas, para as associações bastam 2 pessoas. Assim as associações, são legalizadas, mas são mais flexíveis que a cooperativas que oferecem mais segurança para quem faz parte de seu quadro jurídico.

Os grupos informais não possuem reconhecimento legal. Podem constituir, num primeiro momento, o caminho inicial para a formalização, seja através de cooperativas ou de associações, já que agregam um número de trabalhadores predispostos a trabalhar de forma coletiva. Os dados oficiais ainda não caracterizam a potencialidade de formalização desses grupos. Mas, o fato de não terem registro legal os exclui do acesso ao crédito bancário e dificultam a realização de investimentos.

No Brasil, tomado como um todo, a maior parte dos empreendimentos está organizada sob a forma de associações, seguidas por grupos informais, cooperativas e outras formas de organização. Porém, cada região apresenta uma distribuição diferenciada.

As figuras mostram que o Nordeste segue o mesmo padrão nacional, o que também ocorre com o Norte e o Centro-Oeste (não representados). Já o Sudeste tem um expressivo número de grupos informais. Caso semelhante ocorre com a região Sul (não representado).

É importante frisar que o Sudeste apresenta a partir de 2000 a maior taxa de crescimento do número de empreendimentos econômicos solidários dentre todas as regiões. Essa situação é inversa aquela constatada no período anteriormente analisado (1991-2000), quando o Sudeste detinha a menor taxa de crescimento dentre as regiões. É possível visualizar essas constatações na figura 2, mas o quadro a seguir indica as taxas de crescimento do número de empreendimentos econômicos solidários por regiões do Brasil a partir de 1951.

 

Quadro 1

Taxa de crescimento do número de empreendimentos econômicos solidários no Brasil e por regiões de 1951 a 2007

 

1951-1970

1971-1980

1981-1990

1991-2000

2001-2007

Nordeste

56,25

140

655,8

358,4

-0,70

Norte

1300

85,7

753,8

433,3

-6,50

Sudeste

138,5

25,8

651,3

266,2

126,84

Centro-Oeste

200

1100

416,7

346,2

35,30

Sul

127,8

4,9

586,0

343,7

42,09

Brasil

113,8

89,9

620,8

349,5

24,54

Organização da autora a partir dos dados do SIES/SENAES MTE, 2007.

 

É também visível neste quadro que o grande crescimento relativo do número de empreendimentos aconteceu entre os anos de 1981 a 1990. A partir de então há uma redução na taxa de crescimento, se comparada com décadas anteriores. Em números absolutos, entretanto, o período de 1991 a 2000 evidencia a criação de 8.854 novos empreendimentos no Brasil. Entre 1981 e 1990 foram criados 1.903 novos empreendimentos e, entre 1971 e 1980, foram 264 novos empreendimentos. As estatísticas podem esclarecer a situação da Economia Solidária no Brasil, mas também podem ocultar uma realidade, se não for bem empregada. Apesar do intervalo de análise do último período ser reduzido (2001-2007), neste período foram criados 10.653 novos empreendimentos econômicos solidários no país.

Neste quadro 1 a região Sudeste apresenta a maior taxa de crescimento no período mais recente (2001-2007). Mas há especificidades para analisar. No Sudeste apenas 40 por cento dos empreendimentos estão legalizados. A interpretação do fato demanda a análise de outras variáveis. Podemos levantar algumas hipóteses. O Sudeste é a região mais urbanizada do país. Sua estrutura produtiva é mais complexa e, por muitos anos, recebeu de outras regiões um fluxo migratório que buscava emprego. Se a abertura dos mercados e a flexibilização das relações de trabalho atingiram todos os lugares, a intensidade do impacto pode ter sido maior onde havia uma estrutura alicerçada em condições de reprodução do capital definidas em um momento anterior.

As relações formais de emprego sempre estiveram mais presentes na região geoeconômica Centro-Sul[8] do país do que nas demais. Portanto, a adequação às novas diretrizes do capital, que passa a demandar menos mão-de-obra em virtude dos novos sistemas de informação incorporados à reestruturação produtiva já não garante as condições de reprodução para o trabalhador.

Nas regiões onde o capitalismo não aplicou a sua maior força[9], as pessoas que ali vivem criaram outras formas de se reproduzir. Por isso o Nordeste, menos industrializado, assim como o Norte e o Centro-Oeste, mas mais povoado que essas duas regiões, estrutura a sua reprodução através das atividades associativas, principalmente rurais.

O Sudeste, industrializado, precisa rearranjar sua organização do trabalho quando já não há mais uma grande demanda por operários. Assim, muitos trabalhadores se associam, mas ainda não formalmente, porque demanda custos. Se voltarmos a figura 2 veremos que, a linha de criação de novos empreendimentos econômicos solidários se estabiliza na horizontal na região Nordeste, mas segue ascendente na região Sudeste nos anos 2000. No quadro 1 é possível ver que as taxas de crescimento no Nordeste e no Norte foram negativas entre 2001 e 2007.

A estrutura de organização dos empreendimentos da Economia Solidária revela muito dos contextos em que eles estão inseridos. Vimos, anteriormente, que, entre as formas de organização, a que juridicamente assegura maiores direitos ao trabalhador são as cooperativas. Os dados demonstram que no Sudeste o número de cooperativas está aquém do número de grupos informais e das associações. No Nordeste, região com maior presença dos empreendimentos, as cooperativas estão abaixo das estimativas nacionais e das demais regiões. Vale relembrar que, legalmente mais flexíveis, as associações formalizam os empreendimentos, mas não garantem a mesma seguridade das cooperativas.

Ao buscarmos uma compreensão histórico-geográfica da divisão do trabalho no Brasil partimos da noção de “desenvolvimento geográfico desigual” presente nas obras de David Harvey (2004 e 2005), Edward Soja (1993) e Neil Smith (1988), como centro explicativo das diferenciações socioespaciais, que esclarece a existência de uma sociedade de classe que diferencia seus membros a partir do lugar que ocupam, tanto na produção, quanto na distribuição da riqueza gerada, segundo a análise desses autores feita por Ana Fani Alessandri Carlos (2007, p. 47) para embasar a sua hipótese de que, para além de um elemento, a desigualdade é imanente à produção.

Esse desenvolvimento desigual é produto de uma ação conjunta entre o Estado e o capital. O Estado capitalista moderno, surgido da necessidade de mediar os conflitos de classe, é um agente de produção e reprodução das relações sociais, concomitantemente, um agente de produção e reprodução do território enquanto espaço da regulação política.

O território brasileiro expressa as desigualdades do capitalismo através das diferenças regionais. Sua divisão territorial do trabalho é reconhecida pela desigualdade de oportunidades entre as grandes regiões. Se o Sudeste é reconhecido pela concentração industrial e financeira, o Nordeste tem como característica mais aparente uma agricultura pouco mecanizada e dependente das condições naturais. Nas áreas coadjuvantes do processo de reprodução ampliada do capital concentram-se o número de empreendimentos econômicos solidários: no Nordeste estão 44 por cento. Assim como em outras políticas públicas do governo federal, Norte e Nordeste são as áreas prioritárias do programa “Economia Solidária em Desenvolvimento” que destina recursos para o fomento das iniciativas neste tipo de economia. Embora os dados mais recentes indiquem o maior crescimento dos empreendimentos na região Sudeste e, principalmente, de empreendimentos informais. Um exemplo está na previsão de recursos da Secretaria Nacional de Economia Solidária para a instalação de Centros de Formação em Economia Solidária, conforme o quadro 2:

Quadro 2

Previsão Orçamentária para os Centros de Formação em Economia Solidária (2007-2010)

Centros de Formação – 2007 a 2010

Previsão de Recursos da SENAES/MTE (R$)

CFES Regional Norte

1.800.000,00

CFES Regional Nordeste

2.000.000,00

CFES Regional Sul

1.500.000.00

CFES Regional Sudeste

1.500.000,00

CFES Regional Centro-Oeste

1.500.000,00

CFES Nacional

1.700.000,00

Total

10.000.000,00

Fonte: SENAES/MTE, 2007.

A instalação de seis centros de formação, sendo um para cada grande região brasileira e um de esfera nacional apresenta previsões de gastos distintas. O Nordeste e o Norte contabilizam investimentos maiores que as demais regiões. A dúvida que se coloca é se estas ações são uma estratégia de um novo modelo de desenvolvimento ou uma estratégia de apaziguamento das extremas condições de pobreza destas regiões.

O território, enquanto expressão geográfica da regulação política, permite apreender a divisão do trabalho estabelecida através do Estado. São as suas ações que produzem a hierarquia dos lugares contidos no seu território, através da implantação de infra-estruturas que definem as suas capacidades técnicas e humanas de desenvolvimento. A defesa de uma política pública para a Economia Solidária baseia-se num modelo de desenvolvimento desconcentrador e não centrado no capital.

 

Resistência, cooptação ou virtualidade de transformação social?

A Economia Solidária tem sido visibilizada pela academia concomitante ao espaço em que se insere no plano social. Esse espaço, que vai além do concreto, da localização de suas formas, também está sendo produzido no imaginário social, na consciência coletiva por meio dos movimentos sociais e de campanhas como a que está sendo veiculada em 2010 pela Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) denominada “Economia e vida”. O ponto de partida comum para a discussão sobre a Economia Solidária é o desemprego. Para o Estado a Economia Solidária é vislumbrada como uma das soluções para o problema da classe que vive do trabalho.

Para a academia a questão que mais se coloca entre estudiosos do tema reside na contradição mor da Economia Solidária: será ela oposta ao capitalismo ou uma forma de produção cooptada por ele? Atrever-se a responder a essa questão incorre numa série de pressupostos.

Para entender as dinâmicas da produção e reprodução do espaço geográfico é preciso entender as dinâmicas das práticas sociais em toda a sua complexidade. Se vivemos em um modo de produção que prima pela acumulação sempre ampliada do capital, é de fundamental importância que se identifiquem seus agentes e suas práticas, suas relações de produção e, sobretudo, suas relações sociais de produção. Lefébvre afirma que é preciso ir além da (re)produção material da sociedade para entendê-la. Em suas palavras:

...a práxis engloba, simultaneamente, a produção material e a produção espiritual, a produção dos meios e a dos fins, a dos instrumentos, a dos bens, a das necessidades. Produzir e reproduzir não significa apenas lançar na circulação, troca e acumulação, um determinado número de objetos produzidos (instrumentos de produção ou bens de consumo). É também produzir e re-produzir as múltiplas relações sociais que permitem a produção e também a apropriação dos bens (e igualmente os limitam ou os obstaculizam) (Lefébvre, apud Ajzenberg, 2005, p.10).

O modo de produção organiza a vida produtiva dos sujeitos e, concomitantemente, organiza a vida social coletiva. Por meio dele estabelecem-se as relações sociais de produção, que não se restringem ao espaço produtivo, mas que se expandem para além de seus limites, isto é, para as relações sociais mais amplas.

O espaço é um produto social e, portanto, produto das relações sociais de produção determinadas pelo modo de produção vigente. Tal modo de produção organiza a força de trabalho, determina a distribuição dos meios de produção e da riqueza produzida. Assim, ele produz o espaço que condicionará a reprodução das relações sociais que o movem. Trata-se de um movimento incessante.

Se o modo de produção caracteriza um estágio histórico de desenvolvimento, ele, por sua vez, também caracteriza uma forma de produção social do espaço, promovida pelas relações sociais que o constituem. Esse espaço social corresponde às condições sociais de produção da existência humana, o que permite cogitar sobre a possibilidade de produção diferenciada do espaço mediante sucessão de um modo de produção por outro.

O capitalismo não é o único modo de produção da história. O entendimento marxista sobre a categoria modo de produção constitui-se, de maneira geral, o elemento central de uma sistemática da história enquanto transformação de diferentes modos de produção. Cada período congrega características de produção e apropriação da natureza e da riqueza produzida, que constituem um modo de produção específico.

Os modos de produção que vigoraram até o presente momento de maneira hegemônica, ou seja até a fase atual do capitalismo financeiro, não conjecturado propriamente por Karl Marx, mas pelos pensadores que o seguiram, sucederam-se por meio de revoluções. Esse é o entendimento denominado por Tom Bottomore (2001, p. 267) como típico do marxismo economicista da Segunda Internacional, e que foi reafirmado por Josef Stálin como a “interpretação correta da concepção materialista da história de Marx”.

Definir o período em que vivemos como uma época de revolução social, tal qual o esquema de desenvolvimento da história esboçado por Karl Marx e Friederich Engels,  talvez seja, uma ousadia. Entretanto, não se pode negar que vivemos um período cujas lutas de classes se manifestam das formas mais variadas: os movimentos sociais, as denominadas formas alternativas de produção e consumo, as insurreições localizadas nas diversas partes do mundo, a violência urbana, o terrorismo global. Não se pode deixar de considerar tais formas de contestação a uma ordem hegemônica global. Mas, para afirmar que um novo modo de produção está em vias de suceder o capitalismo são necessárias muitas outras teses para comprovar que a ordem de reprodução sociometabólica do capital está em colapso. A tese da reprodução sociometabólica do capital refere-se às engrenagens do sistema do capital para István Mészaros (2002) assentadas no tripé capital, trabalho assalariado e Estado. Essas três dimensões formam o núcleo central do sistema de metabolismo social do capital, que só poderá ser superado com a destruição do tripé que sustenta o sistema. A tese de István Mészaros afirma que o fim do capitalismo não significa o fim do capital, porque o capitalismo é uma das formas de realização do capital. Antes ou após o capitalismo o capital existe e persiste.

A proposição da Economia Solidária como um novo modo de produção, defendida por Paul Singer (2002 p. 10), coloca, segundo este autor, em contraposição ao capitalismo os princípios básicos que a regem, como a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. Mas, se como ainda afirma Paul Singer, a aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe trabalhadora, na qual todos são igualitariamente possuidores do capital através do trabalho cooperativo, associativo ou sociedade econômica, na esfera da troca, as condições de igualdade na produção se confrontam com a dinâmica de mercado do capitalismo.

Nesse sentido, o entendimento sobre a necessidade de aniquilação concomitante do tripé, capital, trabalho assalariado e Estado, para superação do capitalismo para além do capital, como coloca István Mészaros (2002), expõe a fragilidade da concepção de um modo de produção assentada apenas no fim do trabalho assalariado. A posse coletiva do capital produtivo também não qualifica um novo modo de produção se não houver posse coletiva do capital comercial, das estruturas de distribuição da mercadoria.

As restrições observadas na realidade não impedem que um novo modo de produção esteja em gestação. Todas as informações apresentadas sobre a Economia Solidária advêm de uma situação manifestada concretamente. Os empreendimentos econômicos solidários são constituídos por unidades de produção em maior número, mas também se apresentam unidades de comercialização e de financiamento. A questão que se coloca é o de incorporar às pesquisas o entendimento da relação geral da produção com a distribuição, troca e consumo estabelecido por Karl Marx na sua “contribuição à crítica da economia política”.

Todo modo de produção implica uma forma de propriedade, ou seja, “uma forma social historicamente determinada de apropriação, pelos homens, dos bens materiais e em particular dos meios de produção”. A propriedade dos meios de produção desempenha papel determinante nas relações de produção. Para isso, ao contrário do capitalismo, a Economia Solidária preconiza a propriedade coletiva dos meios de produção. De que forma isso tem implicação nas relações de produção e, mais além, na produção e reprodução do espaço?

Se na produção a questão da propriedade parece resolvida, para este estudo o problemático é a distribuição e a troca. A propriedade social dos meios de produção na Economia Solidária elimina a exploração do homem pelo homem no “chão da fábrica”, nas relações de produção limitadas ao espaço propriamente restrito da produção material. Fora dos muros da produção está a contradição. Se dentro dos empreendimentos as relações sociais de produção podem ser caracterizadas pelo socialismo, fora de seus muros imperam as relações sociais capitalistas de produção. Na distribuição e na troca o produto da Economia Solidária concorre frontalmente com o produto da economia capitalista.

Na teoria marxista a distribuição dos produtos do trabalho depende da distribuição dos meios de produção. “A organização da distribuição acha-se completamente determinada pela organização da produção” (Marx, 2008 p. 250).

É preciso analisar os termos da distribuição e da troca na Economia Solidária porque, apesar de os meios de produção constituírem propriedade social, observa-se que os produtos do trabalho têm distribuição determinada pelo mercado capitalista.

Na relação geral da produção com a distribuição, a troca e o consumo na Economia Solidária, os termos centrais são os que se nos apresentam de forma mais instigante. Talvez porque a distribuição e a troca estejam na particularidade, enquanto a produção seja a generalidade e o consumo, a individualidade, conforme as regras do silogismo expostas por Karl Marx. Que particularidade é essa? Para Karl Marx o encadeamento existe, mas é superficial. Daí a dificuldade em entendê-lo fora do que se estabelece como padrão, como hegemônico. Nesse encadeamento superficial a distribuição é determinada pela contingência social, que, pela própria acepção da palavra, é imprevisível, fortuita,  escapa ao controle, uma eventualidade que não se conhece.

Uma regra da relação geral estabelecida por Karl Marx parece indiscutível, mesmo na Economia Solidária: a produção também é imediatamente consumo. Para além da consideração que o próprio ato de produção também seja um ato de consumo, mas além, porque o consumo estimula a produção, porque cria a necessidade de uma nova produção. “Sem necessidade não existe produção. Mas o consumo reproduz a necessidade” (Marx, ed. 2008 p. 246). A produção que não é consumida não se realiza. A finalidade do produto é o consumo. É no consumo que o produto se torna realmente produto. Os exemplos de Karl Marx ilustram bem a questão: um vestido converte-se verdadeiramente em vestido quando é usado; uma casa desabitada não é em realidade uma verdadeira casa. Da mesma forma a produção da Economia Solidária só se objetiva quando é consumida. A reprodução da Economia Solidária tem o consumo não como ponto final, mas como ponto de partida, porque, no momento da aquisição e do uso do produto, estão sendo fomentadas as condições de realização da produção, a sua reprodução.

Não basta haver produção solidária, é preciso o consumo solidário, ambos intermediados pela troca enquanto esfera de circulação, que contém a troca determinada pelo indivíduo e a distribuição determinada pela sociedade.

A construção de novos espaços democráticos pressupõe a existência de relações sociais baseadas nos princípios da solidariedade e da democracia radical, como aquela em que a participação seja efetiva em todos os níveis. Pode-se perguntar: Um outro mundo é possível na reprodução das práticas sociais que estabeleçam  outras relações com espaço em que vivemos?  Novos cenários estão em construção e a Economia Solidária, através de suas práticas sociais, tem a possibilidade de produzir um espaço diferenciado, menos desigual e que ofereça condições de uma outra organização da vida coletiva.

Cabe afirmarmos, através deste estudo que nos espaços menos desenvolvidos, do ponto de vista da reprodução ampliada do capital, estão presentes as virtualidades mais concretas de surgimento de novas formas de reprodução da vida e de organização da vida social baseadas nos princípios da autogestão, da reciprocidade e da solidariedade.

Retomemos a pergunta que abre esta última parte do artigo: a Economia Solidária é uma resistência, uma cooptação ou uma virtualidade de transformação das relações de sociais que se manifestam ainda restritamente na esfera da produção? A autogestão não se efetivou na troca, que é condição para a reprodução da Economia Solidária enquanto um modo de produção que seja diferente do capitalismo.

A Economia Solidária traz um conjunto de experiências que não podem ser desperdiçadas, como propõe Boaventura de Sousa Santos (2002) em sua crítica da razão indolente e preguiçosa que ignora as práticas sociais portadoras de um novo modo de vida. Mas essas experiências ainda dependem de apoio do Estado, o que tem se feito apenas por alguns governos. Ela ainda parece depender da empatia ou da vontade política, o que a coloca de maneira vulnerável no projeto de construção de espaços democráticos, que sejam produto de uma sociedade participante das decisões.

As utopias variam de acordo com o tempo e o espaço para  Boaventura de Sousa Santos (2005, p. 15). As concepções e os desejos de uma vida melhor sempre estiveram presentes na história humana e exprimem as tendências e latências de uma dada época e de uma dada sociedade. Para conceber e desejar uma vida melhor é preciso saber que existem possibilidades e que a vida não se restringe ao que nos é oferecido pelas mercadorias. Saber o que se deseja implica em conhecer as alternativas, e são essas escolhas que vão estabelecer em que medida elas são subalternas ou inferiores às condições de nossa existência, hoje.

Assim, retomando a hipótese de que “se o capitalismo se metamorfoseia para continuar hegemônico, não seria a Economia Solidária uma dessas metamorfoses”, já que os empreendimentos econômicos solidários dependem da troca capitalista para reproduzir a sua existência, afirmamos por ora que:

A Economia Solidária, nos termos em que se realiza no momento atual, é apenas uma sinalização, entre outras necessárias, do caminho da emancipação social e da autodeterminação. Ela carrega em si o germe de novas relações sociais de produção (mais restrita à produção de mercadorias e serviços do que nas demais esferas de realização da economia) e que, por se caracterizar por uma prática portadora de uma nova pedagogia social com fundamento na autogestão, é potencialmente criadora de uma nova forma de organização da sociedade, possibilitada pela expansão da democracia, da solidariedade e da autogestão das relações sociais de produção às relações sociais que extrapolam o espaço restrito da economia e atingem toda a sociedade.

 

Notas

[1] Esse artigo é resultado da tese de doutorado intitulada “O espaço da Economia Solidária: a autogestão na reprodução das relações sociais e os limites da emancipação social”, orientada pela professora doutora Silvana Maria Pintaudi e defendida em novembro de 2009 no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista Campus Rio Claro. Tivemos o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo com a concessão de uma bolsa de doutorado.

[2] Segundo a OIT/ONU o Trabalho Decente é um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade, e segurança, sem quaisquer formas de discriminação , e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho. Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/trab_decente_2.php. [11 de abril de 2009].

[3] Não está entre os objetivos deste artigo discutir o conceito de desenvolvimento sustentável. Sua citação justifica-se por tratar de uma das representações assumidas pelos movimentos sociais, agentes e trabalhadores da Economia Solidária.

[4] Para maiores informações consultar: http://www.justatrama.com.br.  [11 de maio de 2009].

[5] Apoiamo-nos no conceito de espaço geográfico utilizado por Pintaudi (1984).

[6] O texto A contribuição à crítica da economia política foi publicado pela primeira vez em 1859, mas nós nos utilizamos de uma recente tradução brasileira feita por Florestan Fernandes e publicada em 2008.

[7] Embora no nosso entendimento os governos progressistas se definam por uma defesa mais radical do social, é preciso considerar que no discurso partidário vigente essa defesa tem sido independente da sigla ou ideologia fundante dos partidos políticos.

[8] As regiões geoeconômicas brasileiras fazem parte de uma proposta elaborada por Pedro Pinchas Geiger em 1967.

[9] Mas é preciso dizer que não se trata de regiões esquecidas ou abandonadas pelo capitalismo. Ao contrário, o capitalismo está presente nas relações sociais e materializadas no espaço geográfico diferencial que produz. Se existem áreas ricas e pobres é porque há um desigual desenvolvimento geográfico, produto de relações sociais de produção desiguais.

 

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Ficha bibliográfica:

GODOY, Tatiane Marina Pinto de. O espaço e o tempo da economia solidária. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 30 de agosto de 2010, vol. XV, nº 886. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-886.htm>. [ISSN 1138-9796].