Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XV, nº 895 (17), 5 de noviembre de 2010

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

RIO DE JANEIRO E BARCELONA: OS LIMITES DO PARADIGMA OLÍMPICO

 

Nelma Gusmão de Oliveira
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
nelmaoliveira@hotmail.com


Christopher Thomas Gaffney
Universidade Federal Fluminense
geostadia@gmail.com


Recibido: 2 de septiembre de 2010. Devuelto para revisión: 16 de septiembre de 2010 . Aceptado: 30 de septiembre de 2010.


Rio de Janeiro e Barcelona: os limites do paradigma olímpico (Resumo)

Na condição de sede dos Jogos Olímpicos de 2016 e da final da Copa do Mundo de 2014 a cidade do Rio de Janeiro está no centro da produção global do espetáculo esportivo. A utilização dos megaeventos como elemento catalisador da transformação urbana e alavanca para o desenvolvimento econômico, tem sido o principal argumento para que cidades se lancem numa acirrada disputa pelo direito de sediá-los, invocando como paradigma a experiência vivida pela cidade de Barcelona. Que tipo de desenvolvimento pode ser esperado para a cidade do Rio de Janeiro como resultado da realização desses eventos? Considerando os pontos de aproximação e afastamento entre as duas cidades, até que ponto seria possível reproduzir no Rio de Janeiro os processos de transformação vividos na cidade de Barcelona? Tais transformações são desejadas no Rio de Janeiro? Que lições podem ser obtidas a partir das experiências vividas naquela cidade, sem transformá-la em modelo?

Palavras chaves: megaeventos esportivos, desenvolvimento, transformações urbanas, Rio de Janeiro, Barcelona


Rio de Janeiro and Barcelona: the Olympic Paradigm's Limits (Abstract)

As the host city of the 2016 Summer Olympics and the final game of the 2014 FIFA World Cup the City of Rio de Janeiro is at the center of the global production of sporting spectacle. The utilization of mega-events as a catalyst for urban transformation and economic development has been the primary argument that cities have used to launch themselves into a highly disputed global competition to host these events, typically evoking the paradigm of the “Barcelona experience”. What type of development can we expect to happen in Rio de Janeiro as a result of hosting these events? Considering the commonalities and differences between the two cities, to what degree will it be possible to reproduce the transformations obtained in Barcelona? Are these transformations even desirable in Rio de Janeiro? What lessons can we draw from the Barcelona experience without turning it into a paradigm?

Key words: sport mega-events, development, urban transformation, Rio de Janeiro, Barcelona


Em 02 de outubro de 2009, a festa brasileira em Copenhagen, diante do anúncio da cidade do Rio de Janeiro como anfitriã dos Jogos Olímpicos de 2016, sintetizou o “consenso” estabelecido entre os grupos hegemônicos no Brasil em torno da tentativa de inserir a cidade no circuito mundial de produção do espetáculo esportivo[1]. A ênfase conferida à candidatura carioca não se trata de fato isolado. A disputa por megaeventos tem se tornado cada vez mais acirrada no mundo contemporâneo onde, a partir de um diagnóstico de inexorabilidade da globalização, uma agenda determinada pela lógica do mercado tem dominado as teorias e as práticas do planejamento de cidades.

A experiência de Barcelona, que se valeu da grande inversão de recursos destinados à preparação para os Jogos Olímpicos de 1992 para colocar em marcha um conjunto de projetos de intervenção urbana, resultando em uma reestruturação física, econômica e cultural da cidade, representa, sem dúvida, a principal fonte de inspiração para tal disputa.

A iminência de realização de quatro grandes eventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro, nos próximos seis anos[2], convida-nos a refletir se podemos esperar desses eventos o mesmo poder transformador que o exercido na cidade de Barcelona pelas Olimpíadas de 1992. A partir da observação de alguns dados referentes aos Jogos Olímpicos de 2016, que dentre esses eventos se destaca como aquele com maior potencial de mobilização de capitais econômicos, políticos e simbólicos, pretendemos oferecer uma contribuição a tal reflexão.

A aproximação dos processos em curso na cidade do Rio de Janeiro com a experiência Catalã não se resume ao elevado potencial cultural e paisagístico peculiar às duas cidades. Ela nos remete à origem do “sonho olímpico carioca”: a candidatura aos Jogos Olímpicos de 2004, apresentada como projeto emblemático para a promoção do desenvolvimento no primeiro Plano Estratégico da cidade em 1996. Como consultores desse plano e do projeto Rio 2004[3], estavam Jordi Borja[4] e Manoel de Forn que, tendo conduzido as transformações ocorridas em Barcelona por ocasião das Olimpíadas de 1992, tomaram-na como paradigma orientador de um determinado modelo de planejamento e gestão de cidades, cuja inspiração baseia-se do em técnicas de gestão empresarial[5].

De fato, a aproximação dos processos relacionados aos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro com os ocorridos em Barcelona é evidente. Se no cerne da mobilização para o projeto olímpico das duas cidades se encontra o modelo de gestão empresarial competitivo, nada mais natural que as principais ferramentas acionadas nos dois casos sejam as mesmas. A flexibilidade regulatória, as Parcerias Público-Privadas (PPPs), as intervenções urbanas pontuais em áreas com alto potencial de valorização, os projetos de revitalização de áreas centrais e portuárias e a construção de um pacto consensual em torno da busca do desenvolvimento econômico, podem ser apontados como algumas dessas ferramentas. O sentimento de crise como condição necessária para a criação de tal consenso, também se fez presente nas duas cidades[6].

Não obstante, alguns aspectos nos indicam a existência de um otimismo exagerado na pretensão de repetir, na cidade do Rio de Janeiro, as transformações conseguidas na experiência Catalã[7]. A primeira delas é a dimensão territorial e localização geográfica das duas cidades. Barcelona, com uma área 100 km2, abrigava apenas 1,5 milhões de habitantes; o município do Rio de Janeiro, abriga mais de 6 milhões de habitantes[8] em uma extensão territorial de 1.182 km2. A localização privilegiada de Barcelona no circuito turístico internacional, também não pode ser esquecida. Enquanto a Espanha é hoje o destino de 50 milhões de visitantes estrangeiros por ano – cerca de 1 para cada habitante do país – o Brasil, com toda a sua extensão territorial e potencial paisagístico, recebe apenas cinco milhões de visitas internacionais a cada ano. O potencial transformador do investimento nesse tipo de atividade é, portanto, muito menor no Rio de Janeiro que em Barcelona ou qualquer outra cidade espanhola.

Se, em Barcelona, a realização dos Jogos Olímpicos foi utilizada para catalisar projetos já inseridos em seu plano de reestruturação urbana[9], no Rio de Janeiro o planejamento da cidade e a prioridade dos investimentos públicos é que passam a ser determinados pelo projeto do evento[10].  Com ênfase exacerbada ao mercado, o conjunto de intervenções proposto no projeto Rio-2016 não apresenta um objetivo claro de reestruturação global e articulada da cidade nem contempla a possibilidade do uso racional dos recursos públicos para o benefício do conjunto de seus habitantes[11]. A Barra da Tijuca, área de expansão destinada à classe-média alta, objeto de forte especulação imobiliária e historicamente privilegiada pelos investimentos públicos, será também a grande beneficiária dos investimentos previstos nesse projeto. Quanto aos subúrbios, que concentram a maior parte da população e carências da cidade, continuarão esquecidos pelo poder público nos próximos anos, quando todos os recursos serão canalizados para preparação para os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo 2014.

Dentro da dimensão econômica, a disponibilidade de recursos oriundos dos Fundos Europeus para o Desenvolvimento (FEDER) foi um dos fatores que contribuíram para o êxito experiência Catalã. Por outro lado, enquanto na cidade de Barcelona as PPPs representaram forte investimento da iniciativa privada nos projetos de reestruturação urbana, no Rio de Janeiro elas têm representado a quase exclusiva participação dos recursos públicos nas inversões e a apropriação sempre privada dos benefícios produzidos[12]. Além disso, a progressiva espetacularização dos Jogos Olímpicos tem estabelecido um padrão que incrementa os custos de sua preparação a cada nova edição, criando um grande abismo entre a ordem de grandeza dos recursos exigidos para a organização do evento nas duas cidades[13]mensão político-institucional, destaca-se o autoritarismo na preparação e condução do projeto Rio 2016, à revelia das necessidades do conjunto da sociedade, bem como, o grande poder de decisão conferido às instituições não-governamentais responsáveis pela organização do evento, no caso o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e o International Olympic Committee (IOC)[14]. Enquanto em Barcelona a condução do projeto olímpico foi confiada a urbanistas e planejadores, na cidade do Rio de Janeiro a coordenação dessa tarefa foi delegada ao presidente do COB, Carlos Artur Nuzman[15].

Por outro lado, o consenso gerado em torno do discurso de “única via para o desenvolvimento” anula a possibilidade de discussão política de qualquer assunto que se relacione ao projeto olímpico. Desse modo, com o objetivo de driblar as estruturas tradicionais de planejamento e em nome da “urgência” imposta por um cronograma de obras que têm data exata para terminar, as “estruturas excepcionais de gestão” entram em cena. Além dos poderes conferidos ao Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos (COJO)[16], legislações são criadas[17], parâmetros urbanísticos são modificados sem atender às disposições constitucionais[18], secretarias especiais e força-tarefa são estabelecidas nos três níveis de governo e  formas particulares de exercício no poder e realização de serviços são instituídos, como a Autoridade Pública Olímpica (APO)[19] e a Empresa Brasil 2016[20].

É também o consenso estabelecido em torno do projeto de desenvolvimento econômico que tem justificado os altos custos sociais relacionados à produção de grandes eventos na cidade do Rio de Janeiro. Sob a retórica de acabar com uma alardeada “desordem urbana” e com a intenção de vender ao mundo a imagem de uma cidade asséptica e sem conflitos, despejos são autorizados[21], vendedores ambulantes e moradores de rua são perseguidos, pobreza e marginalidade são tratadas como sinônimos quando a violência policial é acionada contra comunidades carentes durante a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora e muros são construídos na produção de uma cidade cada vez mais dividida e menos democrática.

Os fatos observados revelam os riscos implicados nas tentativas de reprodução de modelos. Eles alertam para a impossibilidade de promover uma verdadeira transformação em uma cidade sem levar em consideração suas especificidades geográficas, sociais, econômicas e políticas, ainda que esta constatação não anule a importância da busca do aprendizado a partir de experiências já vividas. Embora justificadas no argumento do desenvolvimento e melhoria de vida de sua população, as transformações vinculadas à realização dos grandes eventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro, até o presente momento, só têm promovido o encolhimento radical do espaço público da discussão política[22] e ampliado as distâncias sociais entre os habitantes de uma cidade que já é tão desigual.

O modelo empresarial de gestão de cidades não representa, contudo, a única lição que podemos tirar de Barcelona. Outros aprendizados podem ser perseguidos. A grande capacidade de mobilização de seus cidadãos em defesa dos interesses da coletividade[23], pode ser um exemplo. Adotados como arena ou objeto de conflito, os Jogos Pan-Americanos de 2007 serviram como oportunidade para o surgimento de uma ampla rede de movimentos e lutas na cidade do Rio de Janeiro: a Plenária de Movimentos Sociais RJ[24]. A iminência de realização de novos grandes eventos nessa cidade se constitui como um dos principais eixos que levaram a mesma rede a uma nova mobilização no processo de construção do Fórum Social Urbano[25]. Algumas recentes articulações em torno da construção de espaços de discussão política que, de algum modo, se relaciona à temática, como da Rede dos Megaeventos Esportivos (REME), o Grupo de Trabalho da Área Portuária e o grupo que estuda a necessidade de políticas habitacionais em áreas centrais, têm sido alguns indicativos da possibilidade de mobilização da sociedade para acompanhar, reagir e propor alternativas às ações do poder público, instituições não-governamentais e iniciativa privada relacionadas à realização de mega-eventos na cidade do Rio de Janeiro. Talvez seja esse o maior legado que podemos esperar do “sonho olímpico” carioca, o avanço na organização dos movimentos sociais na luta pela construção de uma cidade justa e democrática.

Notas

[1] No caso específico do Rio de Janeiro, a trajetória percorrida no constante intento de realização de megaeventos esportivos compreende desde as aspirações fracassadas de sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 2004 e 2012, passa pela realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007 e culmina com as conquistas do direito de sediar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

[2] Além dos jogos Olímpicos de 2016, o Rio de Janeiro será palco dos Jogos Militares de 2011, da Copa das Confederações em 2013 e da final da Copa do Mundo em 2014.

[3] O projeto de candidatura do Rio de Janeiro aos Jogos Olímpicos de 2004, exposto no documento RBC (2004), apresentava como diferencial em relação às candidaturas subseqüentes o fato de incorporar em seu conteúdo as estratégias propostas no PECRJ, apresentando um ambicioso plano de reestruturação urbana da Ilha do Fundão como Cidade Universitária, cuja articulação com o restante da cidade se daria a partir da idéia de centralizar as competições e a Vila Olímpica naquela localidade.

[4] O geógrafo e urbanista Jordi Borja foi vice-prefeito de Barcelona durante todo o período de candidatura e preparação para os Jogos Olímpicos de 1992. Juntamente com Manoel de Forn – Coordenador do Plano Estratégico de Desenvolvimento da Cidade de Barcelona – ele esteve a frente do projeto de reestruturação urbana daquela cidade, quando, dentre outras funções, assumiu também a de Vice-presidente Executivo da Área Metropolitana.

[5] Inspirado em técnicas de Harvard Busines school, esse modelo propõe uma reorganização de hierarquias e escalas de poder de modo a atribuir ao governo local o papel de protagonista no processo de promoção do desenvolvimento econômico, através de uma atuação direta no mercado global. Para garantir a própria sobrevivência num mundo cada vez mais globalizado as cidades, assim como as empresas, estariam desafiadas a se lançar no mercado, competido com outras cidades pela atração de capitais. Através da influência desses urbanistas - em alguns casos em parceria com o sociólogo Manoel Castells - e com a ajuda de algumas agências multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, este modelo encontrou eco em várias partes do mundo e de modo especial nas da América latina.

[6]Na primeira metade da década de 1980 a cidade de Barcelona vivia uma situação econômica difícil em conseqüência dos ajustes econômicos realizados na Espanha em decorrência da crise de 1973. De modo análogo, a cidade do Rio de Janeiro adentrou a década de 1990 imersa num sentimento de crise que, embora instaurada desde a mudança da sede do governo federal para Brasília em 1960, só foi percebida na década de 1980, quando todos se viram profundamente afetados pela crise econômico-fiscal que se instaurava em todo o país (Osório, 2006 ). O consenso em torno dos grandes eventos como estratégia indiscutível para a retomada do crescimento estancado com a perda da capitalidade encontraria aí as bases concretas para se estabelecer.

[7] A fala de Jordi Borja, durante o Seminário As Olimpíadas e a Cidade: Conexão Rio – Barcelona, nos dias 18 e 19 de março de 2010, promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil na cidade do Rio de Janeiro vem reforçar essa idéia: “En Barcelona teníamos que utilizar los Juegos Olímpicos para terminar. Sea que en algunos casos se acabaría después, pero era para terminar una etapa…Ustedes no poden plantearse, ni por el tiempo, ni por el tamaño de la ciudad, ni por, finalmente, los aspectos que los Juegos olímpicos tienen de  las posibilidades limitadas,  plantearse a transformar una ciudad metropolitana. Pueden plantearse al máximo abrir algunas líneas de transformación de una ciudad futura”.

[8] Além dos 6 milhões de habitantes no município do Rio de Janeiro, mais 5 milhões de pessoas vivem em outros municípios de sua região metropolitana compartilhando de suas demandas, carências e dificuldades.

[9] Ver Capel (2005).

[10] O trecho de uma matéria veiculada no dia 24 de agosto de 2009, no RJTV 2ª. Edição da Rede Globo de Televisão que inaugurava uma série de reportagens focadas na discussão do Plano Diretor da cidade exemplifica o recorrente discurso de políticos e mídia quando se referem ao que consideram prioritário para a cidade: “O Rio de Janeiro está correndo contra o tempo. Com a Copa de 2014 e a candidatura às Olimpíadas de 2016, a cidade precisa melhorar” (Disponível em http://rjtv.globo.com/Jornalismo/RJTV/0,,MUL1278780-9107-293,00-HABITACAO+E+DESAFIO+PARA+NOVO+PLANO+DIRETOR+DA+CIDADE+DO+RIO.html, Acesso em 24 de ago. de 2009).

[11] A fala de Jordi Borja durante o Seminário As Olimpíadas e a Cidade: Conexão Rio – Barcelona, no dia 19 de março de 2010, enfatiza a existência desse exagero no projeto carioca, mesmo quando se considera a perspectiva daqueles que entendem as leis do mercado como fator determinante para o alcance do desenvolvimento. “Cada vez me sorprende más el proyecto inicial que se aprobó en el Comité Olímpico Internacional. […] cada vez lo encuentro menos justificable independiente de su lado técnico. Una propuesta tiene que ter rigor técnico pero los alemanes entre los años 20 e 40 desarrollarán técnicas muí qualificadas para eliminar personas. Eso no los justificó. Técnicas sofisticadas no justifican los objetivos. Seamos realistas, tenemos que seguir las dinámicas del mercado, mas… seamos concretos: ¿las lógicas del mercado son abstractas que ninguno sabe quien  las directa o hay  grupos muy determinados que compran o solo e lo hacen promover con nombres y apellidos? Porque no es una fatalidad [...] El sector público no tiene que seguir el mercado,  tiene que utilizarlo; tiene que regularlo tiene que poner  las condiciones”.

[12] No caso dos Jogos Pan-Americanos, dos 3,5 bilhões investidos, apenas 4,3 % corresponde à iniciativa privada. As instalações construídas, entretanto, sob o pretexto do alto custo de manutenção, foram repassadas ao setor privado por uma pequena fração do seu valor de construção. A esse respeito ver Oliveira (2009). Quanto aos Jogos Olímpicos de 2016, dos 28,8 bilhões apresentados no dossiê de candidatura como necessários para a sua concretização apenas 3,6 bilhões apresentam fontes de receita que não sejam financiadas pelo poder público. Em relação à copa do mundo, cada um dos 12 estádios que sediarão o mundial, contará, para sua reforma ou construção com R$ 400 milhões de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDS), com juros subsidiados pelo governo federal. Além disso, 9 deles terão suas contas pagas pelos governos estaduais ou municipais. Por último, no projeto Porto Maravilha também vinculado ao projeto olímpico, como o mercado não se mostrou suficientemente atraído com a inversão de mais de 200 milhões de recursos municipais destinados as obras de infra-estrutura e embelezamento, a Caixa Econômica Federal antecipa 3,5 bilhões de recursos advindos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço do Trabalhador para a construção de um mergulhão cujo investimento estava inicialmente previsto ser bancado a partir dos recursos captados com a comercialização dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs).

[13] Enquanto a previsão de custos do projeto olímpico de Barcelona era da ordem de 1,5 bilhões de euros o dossiê de candidatura do Rio de Janeiro prevê um custo de 28,8 bilhões de reais (perto de 13 bilhões de euros).

[14] Em visita de inspeção à cidade do Rio de Janeiro no período 17 a 20 de maio de 2010 a Comissão de Coordenação do COI, embora tenha aceitado a transferência de algumas áreas operacionais e parte da Vila de Mídia para a área portuária vetou o projeto da prefeitura de transferência do Centro de Mídia e toda a Vila de Mídia e de algumas competições para a Zona Portuária, deixando claro que, independente do argumento apresentado, não aceitaria nenhuma alteração que implicasse em mudança substancial projeto de candidatura apresentado.

[15] No cargo de presidente do COB desde 1995, Carlos Nuzman conseguiu influenciar de forma determinante todas os principais processos relacionados à busca pelos grandes eventos esportivos na Rio de Janeiro.  Foi a partir de uma articulação direta dele com o então prefeito César Maia que, desde a organização para os Jogos Pan-Americanos, foi tomada a decisão de concentrar na Barra da Tijuca os principais equipamentos destinados à realização daquele evento (Publicado no site da Secretaria Especial Copa 2014 e Rio 2016. Disponível em  http://www.rio.rj.gov.br/rio2016/parapan_como_vencemos.htm . Acesso em 04  Abril de 2009). Durante a campanha para os Jogos Olímpicos de 2016, Nuzman foi o único representante de um Comitê Olímpico Nacional que conseguiu acumular o cargo de presidente do Comitê de Candidatura, o que lhe conferiu o direito de comandar toda a equipe responsável pela elaboração do projeto e agora, no processo de organização do evento, é também ele quem ocupa o cargo de presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos 2016 (COJO).

[16] Criado como entidade não governamental sem fins lucrativos, nos moldes de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), O COJO está autorizado a gerir recursos púbicos, além de contar com a garantia de cobertura de eventuais déficits operacionais conferida pelo governo federal através do Ato Olímpico.

[17] Na esfera federal ver a LEI ordinária de 12.035/2009 01/10/2009 que institui o Ato Olímpico e na esfera municipal ver o Decreto n° 30379 de 01 de Janeiro de 2009.

[18] Como exemplo cita-se o caráter de excepcionalidade, com que foi votado na Câmara de Vereadores o Plano de Estruturação Urbana das Vargens (PEU Vargens) alterando, de modo substancial, os parâmetros urbanísticos de 5 Bairros da cidade. Com base no argumento de viabilidade do projeto olímpico o conjunto de leis foi votado em caráter de urgência, sem oferece sequer um espaço de tempo que possibilitasse aos vereadores o entendimento das possíveis conseqüências do projeto que estavam votando.   Tomando como base o mesmo argumento, foi votado também em regime de urgência o  conjunto de leis vinculadas ao projeto Porto Maravilha que, mais uma vez, altera os parâmetros urbanísticos estabelecidos no plano diretor sem nenhuma discussão com o conjunto da sociedade. Vale salientar que, segundo o Estatuto da Cidade, lei que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, as audiências públicas são obrigatórias antes da votação de qualquer projeto de lei que implique em alteração de parâmetros estabelecidos no Plano Diretor, condição que não foi cumprida em nenhum dos casos.

[19] Constituída na forma de consórcio público interfederativo, ìntegrado pela República Federativa do Brasil, pelo governo do Estado do Rio de Janeiro e pela Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de coordenar as a participação dos três níveis de governo na preparação e realização dos Jogos Olímpico de 2016, a APO tem existência garantida até 2018, com possibilidade de prorrogação até 2020, imbuída de todos os poderes necessários para assegurar o cumprimento das obrigações por eles assumidas perante COI. Dentre esses poderes encontra-se e o de, em caráter excepcional, assumir o planejamento, a coordenação e a execução de obras ou de serviços sob a responsabilidade dos órgãos ou entidades da administração direta ou indireta dos entes consorciados, podendo realizar novas licitações, contratações ou celebrar convênios para a execução das obras do serviços previsto permanecendo o ente originalmente competente pela obra ou serviço responsável pelo ressarcimento dos custos daí decorrentes.

[20] Criada como uma empresa pública federal para funcionar em regime jurídico próprio das empresas privadas, a Empresa Brasileira de Legado Esportivo S.A – Empresa Brasil 2016 – terá como objetivo prestar serviços à APO e aos órgãos e entidades federais, estaduais e municipais originalmente responsáveis pela execução das atividades que compõem a Carteira de Projetos Olímpicos, sem passar por processo licitatório. Entre suas competências incluem-se: a elaboração de estudos e projetos de diversos tipos; execução de obras e serviços necessários à realização dos Jogos Rio 2016; gestão do legado esportivo, econômico e social decorrente dos Jogos; contratação de obras, equipamentos e serviços de engenharia, monitoramento intensivo de projetos, acompanhamento e fiscalização da execução de convênios.

[21] Embora alguns autores apontem o deslocamento da população de baixa renda das áreas centrais de Barcelona, devido à escalada dos preços de imóveis e aluguéis (Sánchez, 2007; Capel, 2005; Broudehoux, 2007), não foi constata a existência de deslocamentos forçados relacionados às Olimpíadas na cidade. No Rio de Janeiro, por ocasião dos Jogos Pan-Amercanos, 113 famílias sofreram deslocamento forçados – como indenização  receberam cheques correspondentes a valores muito aquém do necessário ao reassentamento – e 28 comunidades foram ameaçadas (ver Benedicto, 2007). Para os Jogos Olímpicos de 2016, os habitantes de 122 comunidades têm vivido sob constante ameaça de expulsão.

[22] A respeito da relação entre o processo de produção do consenso, atrelado às práticas de gestão empresarial  nas cidades  e a eliminação do espaço político ver Vainer (2000).

[23] A constituição de uma espécie de “rede de movimentos sociais” na cidade por ocasião do Fórum Universal das Culturas envolvendo sindicatos, associações de moradores, movimentos de luta pela moradia e de ocupação, ONGs locais, nacionais e internacionais, partidos de esquerda; movimentos culturais, universidades, e o Fórum Social Europeu, entre outros, representa um desses exemplos.

[24]A esse respeito ver Benedicto e Marques (2009).

[25] Empunhando a bandeira “nos barros e no mundo: em luta pelo direito à cidade e pela democracia e justiça urbanas” o Fórum Social Urbano surgiu como um ato de resistência e crítica ao Fórum Urbano Mundial, organizado pela ONU, na pretensão de criar um espaço de debates alternativo. Reunindo mais de 20 entidades em sua organização, o evento aconteceu paralelo ao Fórum oficial da ONU e consegui reunir em média 3000 pessoas por dia em diferentes sessões que discutiram várias pautas unificadas em torno da construção de outro modelo de desenvolvimento e da busca do direito às cidades. Atualmente, o grupo envolvido em sua organização continua se reunindo na busca de dar prosseguimento às principais diretrizes por ele apontadas.


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Ficha bibliográfica:

OLIVEIRA, Nelma Gusmão de; GAFFNEY, Christopher Thomas. Rio de Janeiro e Barcelona: os limites do paradigma olímpico. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. XV, nº 895 (17), 5 de noviembre de 2010. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-895/b3w-895-17.htm>. [ISSN 1138-9796].