Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XVI, nº 923, 15 de mayo de 2011

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

ARRANJOS URBANO-REGIONAIS NO BRASIL: ESPECIFICIDADES E REPRODUÇÃO DE PADRÕES

Rosa Moura
Geógrafa do Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social (IPARDES) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles – INCT-CNPq
Rua Marechal Mallet 185/401 CEP: 80540-230Curitiba – PR – Brasil
rmoura@pr.gov.br


Recibido: 15 de septiembre de 2010. Devuelto para revisión: 7 de enero de 2010. Aceptado: 17 de febrero de 2010.

Arranjos urbano-regionais no Brasil: especificidades e reprodução de padrões (Resumo)

Há uma vasta literatura acerca de configurações aglomeradas que, em grande parte, explora processos espaciais, morfologias e transformações nas relações inter e intraurbanas, resultantes de avanços nos meios de comunicação e informação e da reestruturação produtiva. Há também uma tendência quase natural de incorporar, ajustar o uso ou paradigmatizar conceitos e noções decorrentes dessa fundamentação teórica, sem considerar as especificidades regionais. Neste artigo, com base em configurações espaciais que transcendem a noção do urbano aglomerado e incorporam a dimensão regional – os arranjos urbano-regionais – revisita-se a literatura especializada e desenvolve-se uma reflexão acerca de sua pertinência ao caso brasileiro. 

Palavras-chave: Urbano-regional, arranjos espaciais, metropolização, aglomeração urbana , região urbana.


Urban-regional arrangements in Brazil: specificities and patterns reproduction (Abstract)

There is a vast literature on clustered configurations that largely explores spatial processes, morphologies and transformations in urban relations resulting from advances as in communication and information technologies as in productive restructuring. There is also a natural tendency to incorporate, adjust and make paradigms in the use of concepts and notions proposed in this theory, despite regional specificities. In this article, based on a spatial configuration that transcends the concept of urban agglomeration and incorporates the regional dimension – the urban-regional arrangements – is revisited the theoretical approach and analyzed its pertinence on Brazilian case.

Key words: Urban-regional, spatial arrangements, metropolization, urban agglomeration, urban region.


Conglomerados urbano-regionales en Brasil: especificidades y reproducción de patrones (Resumen)

Existe una vasta bibliografía sobre las configuraciones aglomeradas que, en gran parte, exploran procesos espaciales, morfologías y transformaciones en las relaciones inter e intraurbanas, como resultado de los avances en los medios de comunicación e información y de la reestructuración productiva. Existe, también una tendencia casi natural a inincorporar, ajustar el uso y crear paradigmas sobre conceptos y nociones de esos fundamentos teóricos, sin considerar las especificidades regionales. En nuestro artículo, basándonos en configuraciones espaciales que trascienden la noción de urbano aglomerado e incorporan la dimensión regional -las reformas urbano-regionales- realizamos una revisión de la bibliografía especializada y se desarrolla una reflexión sobre su aplicabilidad al caso brasileño.

Palabras clave: Urbano-regional, conglomerados espaciales, metropolización, aglomeración urbana, región urbana.



A principal característica das dinâmicas territoriais contemporâneas no Brasil é a configuração de aglomerações ampliadas, adensadas e ao mesmo tempo descontínuas[1]. Tal processo encontra referências na substantiva literatura dedicada à metropolização, que descreve e analisa padrões internacionais e redefine a base conceitual consagrada. Pesquisa realizada com vistas a identificar e caracterizar as configurações em torno das principais metrópoles brasileiras, que cada vez mais aglutinam aglomerações e centros urbanos, – os arranjos urbano-regionais[2]– levou a concluir que há grande similaridade entre processos e morfologias descritas nessa literatura e as formas espaciais identificadas. No entanto, particularidades decorrentes do modo de produção do espaço e das lógicas que incitam os processos que consolidam e dão novos conteúdos à metropolização no Brasil justificam cuidados na apreensão, assimilação e apropriação de conceitos, noções e expressões internacionais.

Essa necessidade ficou explícita quando da busca a conceitos e processos que melhor descrevessem e caracterizassem os arranjos identificados no Brasil; que de fato revelassem as dinâmicas que lhes dão forma e nominassem a morfologia gerada. Com a intenção de compartir a reflexão que acompanhou essa busca, objetiva-se neste artigo revisitar a literatura pertinente e apontar similaridades e reprodução de padrões internacionais ao caso brasileiro, bem como suas especificidades. Objetiva-se, também, discutir os riscos da incorporação acrítica de modelos decorrentes dessa literatura.

Para tanto, no artigo descrevem-se a natureza e o conteúdo dos arranjos identificados, caracterizados como unidades concentradoras e expandidas. Logo, discutem-se as similaridades e peculiaridades dos processos indutores, bem como os elementos que fazem com que esses arranjos transcendam a noção de cidade ou aglomeração. Vale-se, para tal, de conceitos relativos aos processos de expansão urbana, desde os que resultam em morfologias singulares até os que incidem nas mais complexas formas metropolitanas.

É dedicada uma reflexão específica ao papel das redes na dinâmica da metropolização, posto que elas engendram relações distintas e transformações expressivas no urbano contemporâneo. Nesse aspecto, interpreta-se a natureza dessas relações em diferentes contextos econômico-sociais e discute-se se efetivamente as relações em redes contribuem para a dissolução ou ativação de morfologias concentradoras. Discute-se ainda o conteúdo modificado dessas morfologias, fundamentalmente na escala urbano-regional. Dada a importância que algumas categorias assumem na retórica de formuladores de políticas urbanas e de pesquisadores acadêmicos, são consideradas a produção de simulacros e a paradigmatização em torno de determinadas categorias espaciais, particularmente em casos brasileiros.

Em conclusão, enfatiza-se no artigo que em razão da natureza e das características dos arranjos urbano-regionais, mesmo ante um amplo espectro de conceitos consagrados na literatura especializada, justificou-se a escolha de uma nova expressão que os designasse. De fato, o processo de expansão das aglomerações urbanas brasileiras – e latino-americanas, de modo geral[3] – reproduz lógicas indutoras dos países centrais, mas adquire nos países periféricos características bastante distintas, o que reforça a importância da construção de categorias, conceitos e noções próprios.


Uma categoria concentradora e expandida

Da urbanização concentrada emergem espaços aglomerados. Alguns, com o tempo, expandem-se física, econômica e funcionalmente, e passam a aglutinar em uma morfologia contínua ou descontínua, outras aglomerações, centros urbanos e suas áreas intersticiais, urbanas ou rurais. Tal morfologia é entendida, neste artigo, por arranjo espacial, cuja formação tem estreitas relações – mas não obrigatórias – com a origem e expansão das aglomerações urbanas decorrentes do processo de urbanização e metropolização, consideradas como principais resultados dos movimentos concentradores do modelo capitalista de produção. Pode também ter origem em projetos organizados de ocupação, na presença de infraestruturas marcantes ou grandes projetos de desenvolvimento, todos capazes de impulsionar o fenômeno da urbanização concentrada.

Alguns arranjos são mais complexos, devido à multiplicidade de escalas e fluxos multidirecionais de pessoas, mercadorias, finanças, conhecimento e relações de poder, que perpassam seu interior. São essencialmente híbridos, pois conjugam as dimensões urbana, urbana-aglomerada e regional. Esses, pela sua natureza e características, são denominados arranjos urbanos-regionais. Outros arranjos se mantêm como morfologias singulares, com relações menos densas e em alguns casos majoritariamente biunívocas entre o polo e as periferias. Quase sempre estão articulados aos arranjos urbano-regionais. Em qualquer caso, as especialidades e a diversificação das unidades interiores, bem como as relações antagônicas entre as muitas partes dos arranjos, compõem uma totalidade sem romper as contradições internas.

Na pesquisa realizada, a aplicação da análise exploratória espacial, com base em dados de concentração (da população e da renda da economia) e dos movimentos pendulares da população, contribuiu para identificar os arranjos espaciais do território brasileiro. Entre eles, expressam natureza urbano-regional: São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília/Goiânia, Porto Alegre, Curitiba, Leste Catarinense, Belo Horizonte, Salvador e Recife/João Pessoa. Como os demais, esses arranjos urbano-regionais não demarcam limites precisos e são polarizados pela principal metrópole regional. Salvo exceções, trazem em sua composição conjuntos de centralidades expressivas, categorizadas como capitais regionais e centros sub-regionais com suas áreas de influência, conforme definidos por IBGE (2008), e não se restringem a limites estaduais (quadro 1). Destaca-se o arranjo Leste Catarinense, como o único com polaridade difusa entre três capitais regionais da rede urbana de Santa Catarina. Parte dele, a área de influência de Joinville, forma ainda uma intersecção com o arranjo urbano-regional de Curitiba.

 

Quadro 1
 Centralidades superiores integrantes dos arranjos urbano-regionais
Brasil (2007)

ARRANJO

MET'RÓPOLE

CAPITAL REGIONAL

CENTRO SUB-REGIONAL

São Paulo

São Paulo (GMN)

 

São Carlos (CSRA)

Limeira (CSRA)

Campinas (CRA)

Rio Claro (CSRA)

Araras (CSRB)

Bragança Paulista (CSRB)

Piracicaba (CRC) (subordinada a Campinas)

 

Santos (CRC)

Registro (CSRB)

São José dos Campos (CRC)

Guaratinguetá (CSRB)

Sorocaba (CRC)

Itapetininga (CSRB)

Ribeirão Preto (CRB)

 

Araraquara (CRC)

 

Rio de Janeiro

Rio de Janeiro (MN)

 

Cabo Frio (CSRA)

Itaperuna (CSRA)

Macaé (CSRA)

Nova Friburgo (CSRA)

Angra dos Reis (CSRB)

Teresópolis (CSRB)

Campos de Goytacazes (CRC)

 

Volta Redonda/Bara Mansa (CRC)

Resende (CSRB)

Juiz de Fora (CRB)

 

Brasília/Goiânia

Brasília (MN)

   

Goiânia (M)

 

Anápolis (CSRA)

Porto Alegre

Porto Alegre (M)

 

Lajeado (CSRA)

Santa Cruz do Sul (CSRA)

Novo Hamburgo/São Leopoldo (CRC)

 

Caxias do Sul (CRB)

Bento Gonçalves (CSRA)

Curitiba

Curitiba (M)

 

Paranaguá (CSRA)

Mafra (CSRB)

Ponta Grossa (CRC)

Joinville (CRB)

 

Leste Catarinense

Curitiba (M)

Mafra (CSRB)

 

Florianópolis (CRA)

Itajaí (CSRA)

Blumenau (CRB) (subordinado a Florianópolis)

Balneario Camboriú (CSRB)

Brusque (CSRB)

Belo Horizonte

Belo Horizonte (M)

 

Conselheiro Lafaiete (CSRB)

Divinópolis (CRC)

 

Ipatinga/Coronel Fabriciano/Timóteo (CRC)

 

Salvador

Salvador (M)

 

Santo Antonio de Jesus (CSRA)

Cruz das Almas (CSRB)

Alagoinhas (CSRB)

Valença (CSRB)

Feira de Santana (CRB)

 

Recife/João Pessoa

Recife (M)

João Pessoa (CRA)

Vitória de Santo Antão (CSRB)

Fonte: IBGE (2008) Organização: Moura (2009)
Nota: As centralidades superiores, conforme IBGE (2008), correspondem às categorias: Grande Metrópole Nacional (GMN);
Metrópole Nacional (MN); Metrópole (M); Centro Regional A, B ou C (CR); Centro Sub-regional A ou B (CSR).

 

Os arranjos urbano-regionais identificados estruturam-se a partir das principais centralidades da rede urbana do Brasil e as áreas de influência dos respectivos polos têm alcance bem diferenciado, com proeminência do arranjo de São Paulo. Todos respondem por elevada participação do conjunto no total da população e no produto interno bruto dos respectivos estados e regiões. Além disso, são focos de convergência dos mais densos fluxos de população para trabalho e/ou estudo em município que não o de residência. As regiões de influência funcional, econômica e técnico-científica dos arranjos identificados ultrapassam os limites dos estados/regiões onde se inserem.

As principais aglomerações industriais brasileiras situam-se nesses arranjos, o que aponta para uma forte associação entre a atividade da indústria e o fenômeno da concentração expandida. Mesmo assim, fica claro que essa não é a atividade determinante, posto que há arranjos urbano-regionais pouco industrializados, como o de Brasília/Goiânia – que se sobressai pela função político-administrativa. Há também importantes aglomerações industriais no Brasil que não configuram arranjos urbano-regionais, a exemplo de Manaus e Fortaleza.

Os arranjos urbano-regionais são frutos do modelo de desenvolvimento vigente, no qual a produção do espaço urbano-regional se dá pela interação de processos concentradores de pessoas, bens, riqueza e conhecimento, profusão de fluxos e multiplicidade de escalas nas relações socioespaciais. Tal conjunção resulta em assimetrias entre os elementos componentes, o que faz com que determinadas porções do território assumam a condução das dinâmicas principais na inserção regional na divisão social do trabalho.

Processos comuns e suas peculiaridades

A expansão das cidades e a formação das aglomerações urbanas no Brasil foram marcadas pela produção industrial e pela consolidação das metrópoles como locus de seu desenvolvimento. Na segunda metade do século XX, as metrópoles brasileiras estenderam-se por áreas de ocupação contínua, a agregar municípios vizinhos num mesmo complexo de relações. Configuraram densas regiões urbanizadas, nas quais o célere padrão de crescimento populacional dos polos, que passaram a assumir seletivamente funções mais qualificadas, cedeu lugar ao crescimento elevado das periferias. Constituíram espaços nitidamente desiguais.

Tendo forte associação ao valor da terra e a projetos imobiliários altamente especulativos, com as áreas incorporadas à ocupação permeadas por vazios urbanos, nitidamente mantidos como reservas de valor, essa expansão periférica criou espacialidades caracterizadas majoritariamente pela extrema pobreza e carências diversas. Mais recentemente, passou a apresentar também, em alguns pontos determinados, marcas de diversificação socioeconômica. Em tal expansão, uma sucessão de eventos em simultaneidade, sob temporalidades diversas, convive em proximidade e torna-se a principal marca das aglomerações urbanas brasileiras[4].

Esse fenômeno de expansão e suas aglomerações resultantes distinguem-se do que Monclús (1998) chama de cidade dispersa, processo relacionado com a reestruturação econômica que atua na escala global. Como nas aglomerações brasileiras, nela, a ocupação de novas superfícies nos limites físicos da cidade em seu constante avanço e dinamismo esvaece a fronteira entre os âmbitos urbano e não-urbano e desconstroi a noção de cidade tradicional, compacta, densa, delimitável, caracterizada pela diversidade de usos e mescla de atividades. A diferença entre o que se postula como cidade dispersa e os arranjos espaciais em análise reside na ordem dos processos. A relação com a cidade dispersa chega a ser sugerida pelo aspecto físico caoticamente expandido de muitas aglomerações brasileiras. Porém nestas, a indução do crescimento se dá pela seletividade na apropriação do espaço e periferização das populações pobres, conduzida pela lógica do mercado imobiliário, e não pela criação de assentamentos planejados para populações de renda média ou alta. Tampouco associa-se ao surgimento de núcleos autônomos no periurbano, como nas edge cities, entre outras formas de expansão urbana nos países centrais que remetem à cidade dispersa.

Dematteis (1998) decompõe a cidade dispersa em várias categorias que se sucedem a partir do ciclo de vida urbano, cujos processos regem duas dinâmicas diferentes: (i) a periurbanização, ou recuperação da polarização urbana, manifestada como uma dilatação progressiva das coroas externas e das ramificações radiais dos sistemas urbanos; e (ii) as formas de expansão urbana independentes dos campos de polarização dos grandes centros, que na Itália se denominam cidade difusa.

Periurbanização corresponde ao processo de criação de novos assentamentos urbanos próximos às grandes cidades, em seus limites, como uma fronteira entre o urbano e o rural; ou próximos a grandes vias de comunicação, com uma morfologia difusa, uma “desconcentração concentrada” [5]. Associa-se à suburbia, termo que, a partir dos anos 1960, passa a denominar os assentamentos de classe média no entorno de grandes cidades norte-americanas. Nesse contexto se insere a edge city, que Garreau (1991) define como a cidade do limite ou das bordas, resultante da localização e re-localização, fora da grande cidade, das indústrias mais competitivas e dos centros direcionais. Segue a dinâmica da suburbanização, porém é conduzida sob forte apelo da mídia e do capital imobiliário na conformação de um imaginário social peculiar. Garreau diferencia edge cities e suburbia, ao demonstrar que as primeiras são cidades, não subúrbios ou cidades satélite como as segundas.

No Brasil, a promoção dos grandes condomínios horizontais, que concorrem com as ocupações de baixa renda nas periferias das cidades, muitas vezes tem apelado para a noção de edge city. Embora esses condomínios procurem oferecer serviços de consumo, educação, lazer e, em alguns casos, até empresariais em seu próprio interior, constituem verdadeiras apartações urbanas, apesar de inseridos e de se relacionarem com o território do entorno. Servem-se da mão-de-obra pobre da vizinhança e dos serviços das administrações municipais, com quem estabelecem um difícil diálogo no processo de gestão urbana.

A segunda dinâmica sugerida por Dematteis (1998), a da cidade difusa, é conceituada por Indovina (1990), que toma como referencial a dispersão urbana da região do Vêneto nos anos 1970 e 1980. Emana de uma organização reticular de pequenos e médios centros urbanos, sem prescindir dos espaços agrários intersticiais, associada à proliferação de pequenas e médias empresas e à consolidação de distritos industriais. Sua morfologia resulta da dispersão e transformação nas práticas sociais e nas relações socioespaciais, análoga à periurbanização. Diferencia-se dessa evoluir de um modelo peculiar de ocupação do território, de um determinado modo de produção. No caso considerado, a partir da transformação da economia familiar agrária de regiões de pequenas propriedades, com excesso de mão-de-obra e sem terem vivido migração, posto que a busca de trabalho efetivou-se em outros setores da economia, em cidades próximas ou no próprio meio. Mais tarde, a industrialização endógena desses espaços agrários, com pequenas empresas dependentes do entorno social e territorial onde surgem, contribuiu na formatação de um modelo de urbanização difusa.

A configuração estendida presente nos arranjos urbano-regionais brasileiros, que aglutina núcleos urbanos e áreas de produção rural, com intensa mobilidade de população e mercadorias, pode remeter à noção de cidade difusa. Mas, no caso, tem o sistema viário e a oferta imobiliária como indutores, sem vínculos de origem a um modo de produção que se transforma, desenvolve-se e se consolida endogenamente. Esse é o elemento essencial da distinção dos processos.

Reforça-se que, no Brasil, a expansão das periferias constituiu-se a partir de verdadeiras ocupações pioneiras da classe trabalhadora pobre, que desenvolveu enorme esforço em lutas para conquistar os benefícios da urbanização – posteriormente apropriados pelo mercado imobiliário. Em outros países, resultou majoritariamente da formação de núcleos urbanos conectados por sistemas de transportes eficientes e dotados de serviços qualificados, destinados a moradores de melhor rendimento. Frente a tais especificidades, há que se ter cautela na apropriação de teorias e na comparação de resultados.

No âmbito dos processos formadores dos arranjos espaciais no Brasil, encontram-se similaridades e reproduzem-se padrões internacionais, expressos na literatura recorrente, particularmente quanto ao modo de vida transformado pela urbanização. A expansão para além dos limites definidores de cidades ou aglomerações incorpora em toda a amplitude as noções de tecido urbano, de Lefebvre (1991), ou de urbanização extensiva, de Monte-Mór (2006). Noções essas que dizem respeito à extensão das condições de produção, antes restritas às cidades, ao espaço regional imediato e, eventualmente, ao campo longínquo, conforme demandas da produção coletiva. Expressam com propriedade os efeitos da urbanização a penetrarem no tecido social, a embrenharem-se pelo território.


A ordem dos conceitos superlativos

O consagrado conceito de metrópole e aqueles referentes a formas complexas, particularmente decorrentes das novas relações do capital e da reestruturação produtiva, favorecidas por avançadas tecnologias de comunicação, pelo que trazem de singular ou de similar, são pertinentes à reflexão sobre os arranjos urbano-regionais. A noção de metrópole embasa a maioria das definições que qualificam as principais aglomerações urbanas de um país, portanto está presente em todos os arranjos urbano-regionais identificados em território brasileiro. Associa-se ao processo de urbanização e se concretiza pela extensão, densificação e qualificação funcional das grandes cidades.

De acordo com Merenne-Schoumaker (1998), a metrópole ganha novo destaque após meados da década de 1980, quando emergem funções metropolitanas que se relacionam muito mais aos serviços voltados às empresas do que àqueles voltados à população, como ocorria nas décadas de 1960 e 1970. Para Julien (2002), desenvolvem-se nelas e qualificam sua expansão as funções metropolitanas superiores[6] – funções cujo conteúdo decisório é elevado ou que contribuem para a imagem de marca da cidade onde são exercidas. Símbolos de dinamismo, de decisão, portadoras de positividade, tais funções peculiarizam a natureza metropolitana dos grandes espaços urbanos e imprimem neles a dimensão urbano-regional.

A concepção de metrópole aproxima-se e se distingue do que se pode chamar grande cidade, dado que a condição do exercício do comando se manifesta nos espaços efetivamente metropolitanos. Para Leroy (2000, p.81), a metrópole é um território de geometria variável, com grandes limites, mono ou pluricentrada e permite que a espacialidade dela decorrente se livre da cidade legal para engendrar a cidade real, conforme aporta de Leresche et al. (1995).[7]

Associados à noção de metrópole foram construídos alguns conceitos meramente programáticos. Caso das regiões metropolitanas brasileiras,[8] unidades institucionalizadas que se dissociam da dimensão do fenômeno efetivamente metropolitano; ou das megacidades, amplamente citadas nos anos 1970 pelo projeto Mega-Cities, que se referia objetivamente a áreas urbanas com mais de 10 milhões de habitantes, independentemente de suas características políticas, econômicas, sociais e culturais. Logo, a expressão megacidade passou a ser empregada no sentido de grandes aglomerações, particularmente situadas no hemisfério Sul.

Não obstante, algumas vezes foi incorporada como sinônimo de metrópole. Borja e Castells (1997, p.49-50) argumentam que as megacidades não são definidas pelo tamanho, mas pelos nós com a economia global. Em seu território “concentran las funciones superiores de dirección, producción y gestión del planeta; los centros de poder político; el control de los medios de comunicación; la capacidad simbólica de creación y difusión de los mensajes dominantes”. Sua singularidade vai além de se constituírem centros dominantes da economia global, mas por se tornarem pontos de conexão que, por causa mesmo dessa condição, atraem mais e mais população. Os autores resumem bem as contradições existentes nessas cidades quando dizem que elas reúnem o melhor e o pior da sociedade.

Mais tarde, Castells (1999) posiciona e reforça as contradições advindas da dimensão dessas unidades, ao admitir que, tanto são megacidades as situadas no Sul, quanto no Norte, pois todas apresentam os problemas relacionados ao seu grande porte, ao mesmo tempo em que atuam globalmente conectadas ao sistema, ainda que nem todas assumam papel central dominante na economia mundial.

Mais abrangente no território, a expressão megalópole reúne parâmetros de tamanho populacional e extensão física, e foi explorada por diversos autores. Para Castells (2000), corresponde à “reunião articulada de várias áreas metropolitanas no interior de uma mesma unidade funcional e social” (p.60). Ademais, “exprime o domínio da lei do mercado na ocupação do solo e manifesta, ao mesmo tempo, a concentração técnica e social dos meios de produção e a forma atomizada do consumo, através da dispersão das residências e dos equipamentos no espaço.” (p.62)

Para Lefebvre (1991), a megalopolização ocorre a partir da “implosão/explosão” da cidade, e a indústria opera como atividade central da dinâmica econômica urbana e da extensão do fenômeno urbano por sobre uma grande parte do território, atravessando as fronteiras nacionais nos grandes países industriais. Como resultado desse processo, a Megalópolis da Europa do norte vai do Ruhr ao mar e mesmo às cidades inglesas, e da região parisiense aos países escandinavos. Este território está encerrado num tecido urbano cada vez mais cerrado, não sem diferenciações locais e sem ampliação da divisão (técnica e social) do trabalho para as regiões, aglomerações e cidades. Ao mesmo tempo, nesse tecido e mesmo noutros lugares, as concentrações urbanas tornam-se gigantescas; as populações amontoam atingindo densidades inquietantes (por unidade de superfície ou de habitação)[9].

A noção mais difundida de megalópole é a de Gottman (1970). Refere-se a um contínuo urbano de considerável extensão (centenas de quilômetros) originado como consequência do crescimento de uma cidade até tomar contato com a região de influência de outra cidade, e assim sucessivamente. Este crescimento se produz em cada cidade, pela concentração de atividades e população, a custo do espaço circundante, e se encontra favorecido pelos novos meios de comunicação e transporte. Gottman ainda enfatiza o critério populacional – superior a 20 milhões de habitantes – como parâmetro definidor da megalópole. Situa a megalopolização como própria dos países desenvolvidos, em contraposição à noção de megacidades que, para ele, emergem e crescem com maior volúpia nos países subdesenvolvidos.

Davis (2004) também sinaliza o extremo crescimento das áreas urbanas desses países, com a emergência de novas megacidades e hipercidades – com população superior a 20 milhões de habitantes, como frisa. Tal processo envolve cidades do Terceiro Mundo em novas redes, corredores e hierarquias, e com isso se criam megalópoles urbano-industriais comparáveis às do mundo desenvolvido. Para o autor, o preço dessa nova ordem urbana será o crescimento da desigualdade dentro e entre cidades de diferentes tamanhos e especializações – percepção do fenômeno e preocupação que cercam a abordagem sobre os arranjos urbano-regionais.

Verifica-se que elementos desses conceitos permanecem subjacentes nas categorias espaciais propostas em anos recentes. Porém, na contemporaneidade, cada vez mais se destacam as relações em rede e as funções de caráter superior, de gestão e comando, como estruturadoras de arranjos espaciais, em detrimento de volumes populacionais, massa edificada, ou da contiguidade da ocupação. Tal destaque foi incorporado ao conceito de arranjo urbano-regional.

Com exceção de metrópole e de seu uso sinonímico como megacidade – restrito ao caso dos arranjos de São Paulo e Rio de Janeiro –, megalópole ou hipercidade são conceitos para realidades que superam em tamanho populacional e complexidade as morfologias centrais que polarizam os arranjos urbano-regionais no Brasil. Ainda que o tamanho relativamente elevado da metrópole de São Paulo e seus vetores de expansão tendentes a alcançar os da metrópole do Rio de Janeiro sejam comumente lembrados como uma perspectiva iminente à megalopolização, não confirmam o conteúdo teórico e a dimensão integrada nesse conceito.


Redes: dissolução ou ativação do espaço aglomerado?

Redes constituem-se em forças produtivas da economia globalizada e expressam fundamentalmente as dinâmicas da circulação do capital. Tal sua importância na contemporaneidade que, indevidamente, houve afirmações de que o espaço perdia o sentido diante desse novo universo reticular. O espaço, pelo contrário, torna-se um meio e realiza, conforme Lencioni (2006, p.66), “a mediação necessária à reprodução do capital em escala globalizada”.

Nos arranjos urbano-regionais – espaços perpassados por uma multiplicidade de fluxos materiais e imateriais –, as relações em redes fazem com que os contatos entre os centros principais interarranjos criem laços mais estreitos que os contatos com as proximidades. As regiões do próprio entorno são, assim, desfavorecidas, minimizadas. A dinâmica que privilegia alguns centros urbanos se subordina a estratégias de implantação de empresas, essencialmente as que produzem e vendem serviços. Tais estratégias empresariais reforçam a aglomeração, requalificam o espaço e contrariam a previsão do declínio das grandes cidades ou da dissolução das aglomerações. A natureza das relações entre as cidades se modifica e ressalta a importância da conectividade, sem relegar a proximidade e a mobilidade nas relações entre os lugares.

Caravaca Barroso (1998), ao tratar do espaço de fluxos em constante evolução, faz uma síntese das mudanças metropolitanas no âmbito das estruturas econômicas, sociotrabalhistas, institucionais e territoriais, associadas à transição do regime de acumulação para uma nova fase, e que afetam as mais distintas escalas e os mais diversos âmbitos territoriais. Mostra que a incorporação de inovações altera não só os produtos como a produção em si, as formas de organização das empresas, as relações de produção e os fatores de localização. Mais que isso, faz crescer o peso do capital intangível em relação ao fixo, antes dominante. Tal tendência se contrapõe à concentração e centralização, pois não se submete a modos de regulação que freiem a livre circulação. A mesmo tempo, o desenvolvimento dos transportes e das comunicações muda significativamente a relação espaço/tempo, ao densificar os fluxos de produtos, pessoas, capital, tecnologias e informação entre estabelecimentos de uma mesma firma, empresas, setores e espaços. Dá origem a redes crescentemente complexas em uma economia cada vez mais mundializada. Os impactos territoriais derivados desses processos são muito distintos, dado que respondem a diversas formas de articulação das sociedades em um sistema global. Levam a novas formas de organização do território e a novas morfologias de cidades.

Algumas dessas mudanças se fazem sentir em partes das aglomerações e arranjos urbano-regionais brasileiros, e certamente nos demais latino-americanos, seja na natureza ou na complexificação de suas dinâmicas. De modo geral, o desenho da expansão e as relações centro-periferia assumem formas mais diversificadas e processos mais complexos, sempre associados ao modo de produção e acumulação do capital, que nos últimos decênios do século XX mudou valores, acentuou heterogeneidades e diferenças. Mas, nestes casos, proximidade, pendularidade e aglomeração seguem como escalas e processos preponderantes.

Com foco nos países centrais, Leroy (2000) refere-se à passagem de um espaço unipolar para um espaço multipolar. Ou seja, de uma metrópole intensiva – um hipercentro funcional, um nó ou junção de diferentes redes e funções raras –, para extensiva – que faz de um “cacho de cidades” uma metrópole coletiva, neste caso, que usufrui das funções de proximidade. Nesses países, a mobilidade e a proximidade espacial condicionaram a metropolização, por beneficiarem a economia de aglomeração, apesar de limitarem as estratégias de localização residencial para acesso ao trabalho, posto que determinadas distâncias operam como um freio aos deslocamentos cotidianos. No novo modelo, de hubs (metrópoles) e spokes (meios de transportes materiais e imateriais), o que estaria a ocorrer é o “efeito túnel”, que para Ascher (1995) corresponde ao desaparecimento dos efeitos da travessia entre duas paradas. Assim, a posição de meia distância, que outrora se beneficiou do dinamismo das pontas, com as novas tecnologias de transporte rápido e comunicações torna-se a localização menos adequada. Isso pode explicar, em parte, o enfraquecimento das hierarquias urbanas e a perda de pertinência dos esquemas propostos por Christaller e seus seguidores, como admitim alguns autores. Engendram-se, pois, espaços “pós-urbanos”, sob a deslocalização da cidade pelos efeitos descentralizadores e deslocalizadores dessas novas tecnologias – muitas das quais, indisponíveis nos países periféricos.

Veltz (1996) chama território-rede o espaço facilitado pelas redes de comunicações e transportes, sob efeitos de novas conexões “túnel” e “tele-atividade”, caracterizados pela linearização do crescimento. Crescimento que se organiza geograficamente em filamentos, em redes lineares, em polímeros que se contrastam com o modelo aureolar da geografia tradicional, em completa ruptura com o modelo christalleriano.

Para Veltz (1996), a economia territorial em rede não é nova. O que é novo são os sistemas de fluxos mundializados, provocados pela acelerada transformação no modo de competição entre firmas e mudanças na estrutura territorial, que fazem com que a metropolização da economia se afirme como uma tendência. Veltz mostra dois modelos da economia territorial. O primeiro é o modelo do espaço taylorista dos anos 1950/1960, em que centro e periferia se opõem desigualmente, porém se acoplam ligados por mecanismos de interdependência que prometem a homogeneização gradual. O segundo é o modelo da divisão versus exclusão, do espaço globalizado dos anos 1980/1990, no qual as solidariedades geográficas se fragilizam, o crescimento dos polos se deixa nutrir mais da relação horizontal com outros polos que das verticais, no próprio país. A expressão territorial rompe a correspondência com o “velho” território hierarquizado – mosaico de zonas embutidas como bonecas russas, onde as atividades e funções se davam em cascatas da cidade capital aos núcleos rurais. Emerge um território de redes, no qual o local e o global se interpenetram por entre malhas horizontais complexas de atividades e de lugares.

Toma corpo o que Veltz denomina economia de arquipélago, com zonas, polos e redes em movimentos que desenham uma geografia complexa e paradoxal, na qual a própria noção de centro e periferia torna-se menos pertinente. Um espaço no qual as relações em rede de polo a polo o descrevem melhor que as hierarquias verticais tradicionais.

A consolidação das cidades como centros nodais em torno dos quais se articulam as novas dinâmicas da acumulação, sob impulso das políticas de liberalização econômica, desregulação e das novas tecnologias, configura o que Sassen (2007) concebe como uma grande rede global de cidades transfronteiriças, a funcionar como pontos estratégicos para as operações econômicas globais. Ressalta-se que, nessa concepção, a expansão dos fluxos transfronteiriços conecta não só as cidades globais e aglomerações, como as cidades dos diversos níveis da hierarquia urbana. Tais fluxos operam em circuitos altamente especializados e diferenciados, multidirecionais, que alimentam a “geografía inter-ciudades con nodos estratégicos esperados e inesperados” (p.26). As cidades estariam, assim, em conexão com circuitos distintos, especializados; redes particulares a conectar grupos particulares de cidades, conforme seus diferentes papéis na dinâmica internacional da economia.

Há que se refletir com cuidado em relação à abordagem de Veltz (1996) e de Sassen (2007), pois embora algumas das principais metrópoles, a exemplo de São Paulo, estejam globalmente interconectadas a esse arquipélago ou a essa rede transfronteiriça, há todo um conjunto de importantes aglomerações que apenas participam do diálogo global a partir das centralidades principais dos respectivos países. É necessário, portanto, um olhar mais localizado e comprometido com as especificidades regionais à literatura consagrada. Nesse sentido, muito apropriadamente, Pradilla (1997, p.46) observa que os territórios homogeneizados e incluídos pelo capital no sistema de acumulação em escala mundial, de fato, não são contínuos. Seu número reduzido os situa como “ilhotas” de prosperidade em um “mar” de crescente atraso. Ilhotas essas que, agrega-se, restringem-se muitas vezes a pedaços das próprias metrópoles.

Também há que se ter cuidado ao menosprezar as relações centro-periferia. A leitura de Veltz (1996) e sua releitura por Benko (2002), que ressaltam a desconexão crescente entre a economia dos centros e das periferias, merecem ser repensadas para o caso brasileiro, e certamente ao latino-americano, como mostram os arranjos urbano-regionais. Benko (2002) salienta a essencialidade da solidariedade entre territórios, pois como as periferias estão em parte desconectadas das economias das grandes cidades, o seu destino continua associado a elas pelo viés compensatório das redistribuições estatais. Juntamente com Veltz (2001) apontam que a extensão dos laços metropolitanos com hinterlands nacionais e regionais abarca espaços que cada vez mais se identificam a “fardos” que perturbam inutilmente o dinamismo das zonas mais avançadas.

Alguns dirão que essas periferias, hoje, pesam mais sobre as economias metropolitanas do que as nutrem (pois não servem mais, como no passado, de reservatório de mão-de-obra pouco ou meio qualificada). Na geografia, como na sociedade em geral, o drama dos pobres é que os ricos precisam cada vez menos deles! [10]

Em países nos quais as redistribuições são escassas e as relações entre centros da rede mundial de cidades restringem-se a poucas e desiguais “ilhotas” [11], as relações centro-periferia permanecem, portanto, prementes. Enquanto o novo modelo provoca cada vez mais a divisão e a exclusão, percebe-se nas aglomerações analisadas o que Santos (1996) chama de um jogo dialético entre forças de concentração e dispersão na organização do espaço, no qual, neste período do capitalismo, as primeiras são poderosas, mas as segundas permanecem igualmente importantes.

Da mesma forma, o universo das redes tem efeitos distintos nos países periféricos, conforme Santos (1999). Como a técnica que as viabiliza – infraestruturas que permitem transporte de matéria, energia ou informação –, as redes são sociais e políticas, pelas pessoas, mensagens e valores que nelas circulam. O espaço da conectividade é organizado pelo discurso, veiculado por uma linguagem de normas e ordens, que atores longínquos fazem repercutir instantaneamente e imperativamente sobre outros lugares. De tal modo, esses atores presidem uma sociabilidade à distância. “Tais redes são os mais eficazes transmissores do processo de globalização a que assistimos”, diz Santos (1999, p.212). Sua existência é inseparável da dimensão do poder, posto que “a divisão territorial do trabalho resultante atribui a alguns atores um papel privilegiado na organização do espaço” (p.212), sob perspectiva funcional e territorial. Esse fato provoca assimetria nas relações entre atores, com aceleração do processo de alienação dos espaços e dos homens. Mediante redes “há uma criação paralela e eficaz da ordem e da desordem no território, já que as redes integram e desintegram, destroem velhos recortes espaciais e criam outros.” (p.222) Os arranjos urbano-regionais são, inequivocamente, unidades espaciais onde a ordem e a desordem provocadas por esse universo de relações convivem em sua mais completa dialética.

Santos (1999) também admite que, nesse ambiente reticular, as relações se dão sob verticalidades e horizontalidades.[12] Em seu entendimento, as verticalidades são estabelecidas a partir de um conjunto de pontos que formam um espaço de fluxos, cujas decisões essenciais concernentes aos processos locais são estranhas ao lugar, a obedecer a motivações distantes. As horizontalidades são zonas que formam relações contínuas; espaços que sustentam um conjunto de produções localizadas, interdependentes, dentro de uma área cujas características constituem, também, um fator de produção. Todos os agentes são implicados e os respectivos tempos, mais rápidos ou mais vagarosos, são imbricados. Funcionam “sob vários relógios realizando paralelamente diversas temporalidades” (p.111).

A tendência atual é no sentido de uma união vertical dos lugares. (...) Nessa união vertical, os vetores de modernização são entrópicos. Eles trazem desordem aos subespaços em que se instalam e a ordem que criam é em seu próprio benefício [13]. (Santos, 1999, p.228) Graças aos progressos técnicos e às formas atuais de realização da vida econômica, cada vez mais as redes são globais (...) e seriam incompreensíveis se apenas as enxergássemos a partir de suas manifestações locais ou regionais, embora indispensáveis à sua compreensão. (p.214)

A mundialização das redes enfraquece fronteiras territoriais, a despeito das formas de regulação existentes nos territórios. No lugar, os fragmentos da rede ganham sua dimensão social concreta e compõem uma realidade ao mesmo tempo global e local. De acordo com Santos (1999, p.228), o processo de ação integra-se em relações solidárias, obtidas mediante solidariedades horizontais internas, tanto econômica, social e cultural, como propriamente geográfica”. [E assim,] “os lugares também se podem refortalecer horizontalmente, reconstruindo, a partir das ações localmente construídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade civil, a serviço do interesse coletivo.

Na organização do espaço dos países periféricos, enquanto prevalecem as forças de concentração e dispersão, as solidariedades geográficas nas periferias mantêm a importância e a interdependência destas aos centros, ainda que sob oposição e desigualmente.

A despeito da densificação das relações em rede e da ideia de que as novas tecnologias de comunicação e informação tenderiam a romper a importância das economias de aglomeração na organização do espaço urbano-regional, também se mantém (e se recoloca) a centralidade do tema metropolitano e, consequentemente, das aglomerações em seu entorno. Fato que aponta que em pouco se concretizaram as hipóteses quanto aos efeitos deslocalizadores e desconcentradores das novas tecnologias. Ao contrário, as grandes metrópoles se reforçam no processo de reestruturação do capital e passam a ditar o comportamento do sistema global. São as regiões ganhadoras, segundo Benko e Lipietz (1994).

Para Davidovich (2004), a presente “volta” das metrópoles ao debate não se restringiu à agenda dos países desenvolvidos, mas compôs a agenda da política urbana de multilaterais. Estas passam a focalizar a metrópole “como motor do crescimento econômico, não mais estigmatizada como uma expressão de patologia urbana” (p.201). Para a autora, apoiada em Veltz (1996), a base da volta da metrópole está nas mudanças econômicas mundiais, nos movimentos de recentralização do poder e reconcentração da riqueza. A concentração urbana (metropolitana) retoma seu papel estratégico na atração e fixação de ativos, e na valorização do capital. Opera agora como elo, por excelência, das articulações que se processam com a globalização da produção, do consumo e dos circuitos financeiros. Tal retomada deveria apoiar debates e medidas atinentes à dinâmica da produção do espaço, particularizada no aumento do número de concentrações urbanas, que acarretam “desafios novos para a gestão” (p.201).

De fato, mais que a dispersão da rede urbana, o que se verifica no Brasil é a expansão física das aglomerações urbanas e sua reprodução em novas localizações no território nacional. Consolidam-se as principais centralidades, com a incorporação de extensas áreas aglutinadas, e configuram arranjos urbano-regionais. Verifica-se também a concentração da riqueza em um número limitado de grandes polos, com forte assimetria entre a economia dos centros e das periferias, o que confirma a verticalidade (ou horizontalidade, conforme a corrente adotada) das relações entre núcleos principais, e a extensão mínima dos efeitos positivos dessas relações às áreas circunvizinhas.

O fortalecimento das grandes cidades se dá sob o ímpeto das mudanças advindas da globalização nas escolhas locacionais do capital, e essas passam a funcionar como suporte às relações internacionais, nas quais se localiza o comando do capital. Ao mesmo tempo, a centralidade urbana reitera seu papel fundamental na estruturação do espaço nacional. Storper e Venables (2005, p.22) argumentam que há fortes evidências de que as inovações informacionais ou na estrutura física de transporte “não acarretaram o fim das tendências urbanizantes do capitalismo moderno. Ao contrário, reforçam a localização industrial e o consequente crescimento das cidades”. Ademais, a força econômica do contato face a face, propiciado pelas cidades, contribui para a aglomeração espacial da atividade econômica e das pessoas, seja pelos efeitos de encadeamentos das firmas para frente e para trás, que incluem acesso aos mercados, seja pela aglomeração dos trabalhadores e pelas interações localizadas promotoras da inovação tecnológica. Em tais contatos ocorre tanto o que chamam de “burburinho das cidades”, quanto a inserção dos segmentos sociais, instituições, empreendedores e trabalhadores (e seus interesses) no âmbito das decisões que regem a alocação espacial de atividades e pessoas, como também mostra Markusen (2005).

É nesse cenário que Scott et al. (2001) introduzem a reflexão sobre cidade-região global e estendem o significado do conceito em termos econômicos, políticos e territoriais. Reafirmam seu papel como nós espaciais essenciais da economia global e como atores políticos específicos na cena mundial. Também Sassen (1998, p.76) admite que “as cidades são lugares fundamentais para a produção de serviços destinados às empresas”. No entanto, o crescimento dos serviços ocorre de modo diferenciado, de acordo com a inserção da cidade na rede urbana nacional. Com isso, privilegiam porções do território e contribuem para a expansão dos espaços aglomerados e para a formação do que, mais tarde, veio a chamar de megarregiões [14].

Ao lado da dispersão das atividades econômicas [...] surgiram novas formas de centralização territorial, relativas ao gerenciamento no nível dos altos escalões e ao controle das operações. Os mercados nacionais e globais, bem como as operações globalmente integradas, requerem lugares centrais, onde se exerça o trabalho de globalização. Além disso, as indústrias da informação necessitam de uma vasta infra-estrutura física que contenha nós estratégicos, com uma hiperconcentração de determinados meios [15].

A indústria continua requerendo concentrações. Lencioni (2003a e b) mostra que a cisão territorial entre produção e gestão redesenha as proximidades e as distâncias de um território, bem como a integração local/global. Essa lógica descontínua constitui a nova lógica da localização industrial.

Porém, a produção dessas condições não é ilimitada e por isso mesmo a dispersão territorial da indústria encontra seus limites territoriais. Assim, a idéia de desterritorialização da indústria, expressando extrema liberdade de localização do capital industrial deve ser colocada em seus devidos termos [16].

Tendo em vista a dimensão desses limites nas cidades latino-americanas, cabe ressaltar que as relações de proximidade alcançam espaços cada vez mais extensos e político-administrativamente fragmentados, que se consubstanciam graças à intensa mobilidade de fluxos. Entretanto, esses fluxos são relativamente vagarosos, os efeitos-túneis praticamente inexistem e os efeitos-proximidade se realizam ao longo dos caminhos que tentacularmente fazem expandir as aglomerações, remarcam suas desigualdades e reforçam as relações centro-periferia. Assim, devem ser consideradas com parcimônia os efeitos dos avanços das tecnologias de comunicações e informações na organização do espaço urbano e no estreitamento das relações em rede entre cidades, quando relacionados à realidade brasileira, onde o novo pontua partes das cidades e não o espaço urbano em sua totalidade.


Mais que novas morfologias, um conteúdo modificado

Entre os efeitos urbanos e territoriais do estágio recente do capitalismo, alguns autores também apontam a recuperação da importância das grandes cidades, de seu crescimento e consequente desencadeamento de novas modalidades de expansão metropolitana. Entre essas, De Mattos (2002) ressalta a suburbanização, a policentralização, a segregação residencial e a fragmentação da estrutura urbana. Admite que todos os países latino-americanos, em maior ou menor medida, vivem esses efeitos pautados em políticas de liberalização e desregulação. Tais políticas significaram uma diminuição tanto da intervenção como da inversão pública, ao colocarem o capital privado como protagonista do desenvolvimento urbano e mudarem radicalmente as regras da gestão das cidades.

Esse autor anota cinco grandes mudanças associadas ao processo de reestruturação socioeconômica e informacional, todas elas presentes nas aglomerações metropolitanas principais da América Latina, por conseguinte, em alguns arranjos urbano-regionais brasileiros. A primeira se dá na organização e funcionamento da cidade, derivada da formação e consolidação de uma base econômica altamente terciarizada e da consequente estruturação da produção sob um modelo celular em rede, conforme Veltz (2000).[17] É acionada por de redes de cidades transfronteiriças, articuladas ao marco de um espaço mundial de acumulação, no qual os capitais se valorizam em um número crescente de lugares e atividades. De Mattos (2002) destaca que, neste cenário perpassado por redes múltiplas, é plenamente válida a afirmação de Dematteis (1998) de que para o futuro de uma cidade não basta uma forte identidade, dado que a cidade só vive se é um nó.

A segunda mudança apontada se dá sobre os mercados metropolitanos de trabalho e na estrutura e funcionamento das grandes cidades. Desdobra-se na evolução a uma cidade dual, fractal ou organizada em múltiplos planos superpostos no tempo e no espaço, marcada pelo aumento das desigualdades e conflitos sociais, segregação residencial, entre outros efeitos. A terceira mudança se dá na ordem da mobilidade e autonomização dos capitais, em escala mundial, com oferta crescente de capital imobiliário altamente especulativo e oligopolizado. A cidade se fragmenta a partir da implementação de megaprojetos que funcionam como estruturadores do espaço. Em seu rastro ocorrem mudanças na morfologia urbana, apoiadas pelo predomínio do automóvel e das tecnologias de informação, com ampliação territorial do campo de externalidades metropolitano. Favorecem o que chama metropolização expandida, ou seja, a expansão territorial metropolitana, resultante de uma periurbanização praticamente incontrolável, mediante a qual o tecido urbano prolifera e se estende.

A quinta mudança se verifica na transformação da imagem e paisagem urbanas, com diversos tipos de novas atividades e artefatos, condicionados e modulados pelos requerimentos da globalização, em particular, shopping e grandes edifícios corporativos. Essas atividades e artefatos impõem sua presença e tendem a se constituir em verdadeiros ícones desta nova fase. Assim, apoiam a forte competição na rede mundial de cidades transfronteiriças.

Considerando las razones de estos cambios, sin dejar de reconocer que muchos de ellos ya habían comenzado a esbozarse en fases anteriores de modernización capitalista, ahora se puede observar cómo se avanza hacia la estructuración de un nuevo tipo de ciudad, que va estableciendo diferencias sustantivas con la que se había consolidado anteriormente. En todo caso, todos estos fenómenos corresponden, en su dinámica esencial, a procesos de reproducción urbana, donde muchos rasgos y tendencias se redefinen, se transforman y se afirman bajo la lógica específica de la urbanización capitalista[18].

De Mattos (2005) chega a questionar se o crescimento das aglomerações metropolitanas principais na América Latina obedeceria a um padrão análogo ao urban sprawl, com crescente expansão da metropolização. Observa que o modelo que se impõe é o de Los Angeles, que representa “a expressão culminante da cidade norte-americana, onde o automóvel e as novas tecnologias da informação desempenham papel fundamental na dinâmica expansionista.” (p.351) A imagem da mancha de óleo já não traduz o fenômeno urbano que caracteriza a aglomeração emergente, muito mais complexa e difícil de delimitar que a cidade que a precedeu, portanto mais propensa à imagem de um arquipélago urbano, como definida por Veltz (1996). Empresta de Sarlo (1994)[19] o termo angelinização (ou los-angelinização), que “adquire sua mais ampla perspectiva, situando-se como um inexorável destino.” (p.360)

Essa inexorabilidade é questionada por Limonad (2007) ao argumentar que nas periferias das grandes aglomerações metropolitanas brasileiras ocorre um movimento progressivo de dispersão pela multiplicação de núcleos e aglomerações urbanas – leap-frogging – sem que resulte necessariamente em uma interminável aglomeração urbana concentrada como Los Angeles. A autora recomenda que se diferencie cada caso e cada situação, para o que se deve considerar a estrutura social e fundiária anterior, a acumulação de condições gerais das edificações, infraestruturas e outras resultantes das práticas espaciais que atuaram na produção do espaço ao longo do tempo. Tais condições são responsáveis por induzir a extensão e a potencializar uma urbanização intensificada pela densidade técnica e demográfica, que contribui para gerar identidades e características socioterritoriais específicas. Associa a intensificação da urbanização nas aglomerações de grandes dimensões à combinação de três modelos clássicos de urbanização: expansão contínua do perímetro da área edificada, com densificação e verticalização da aglomeração; multiplicação de subúrbios em anéis concêntricos, intercalados com áreas de baixa densidade e ocupação; e crescimento tentacular, que acompanha os eixos de transportes e infraestrutura. Admite que, com o passar do tempo, essa urbanização forma macro-aglomerações urbano-metropolitanas, com um núcleo forte, como ocorre em São Paulo, Rio de Janeiro e Cidade do México, ou ainda sem um núcleo forte, como em Los Angeles.

Tais transformações, que incluem a renovação das áreas urbanas e a extensão da área territorial com incorporação de cidades e mudanças nas centralidades, na reflexão de Lencioni (2006, p.72), configuram um novo aglomerado metropolitano “que se constitui num verdadeiro epicentro de fluxos de capitais”, onde a densidade das redes territoriais encontra maior complexidade. Assim, as transformações na metrópole contemporânea não espelham apenas mudanças interiores e na sua expansão física, mas em sua articulação em redes, no aumento de fluxos e em uma sobreposição de escalas de decisões e de materialização dos vetores de produção e de ocupação do espaço.

Polarizados por metrópoles que espelham essas características, alguns dos arranjos urbano-regionais no Brasil são as porções nas quais essas mudanças ocorrem com maior intensidade. Espaços privilegiados para o diálogo global, transformam-se vertiginosamente sem perder os traços originais compostos em sua história. Confirmam as transformações que De Mattos (2002) aponta para as cidades latino-americanas de modo geral, porém, estão longe de se constituírem em cidades sem centro; de se angelinizarem. Seguem a expandir-se para distâncias cada vez mais longínquas, a constituir novas ou a incorporar centralidades consolidadas, mas sem eliminar o papel polarizador da metrópole principal. Nela, as funções de comando e o conhecimento são intensificados, os serviços superiores se assentam, e a atividade industrial, salvo Brasília, prossegue localizada em seu interior estendido. As periferias, assim como outros arranjos espaciais singulares, mantêm-se como sustentáculos do crescimento da riqueza concentrada, a induzir o desenvolvimento desigual.

Há que se agregar às transformações citadas uma forte hibridização da condição urbana de algumas metrópoles, particularmente as que polarizam os arranjos urbano-regionais. Nelas, a convergência das relações verticais/horizontais, a confluência das relações em rede, as múltiplas escalas e os muitos sujeitos atuantes fazem com que sua presença funcional extrapole a dimensão da cidade e da aglomeração e incorpore, no mesmo fato metropolitano, a dimensão regional, o que torna sua natureza complexa e peculiar. Casos para os quais acenam alguns conceitos consagrados.


Escalas regionais e não-cidades

Entre os conceitos difundidos nas últimas décadas do século XX, o de cidade global é um dos mais discutidos, particularmente pela sua vertente paradigmática. Intrinsecamente associados a ele, dois outros conceitos referem-se a morfologias que transcendem espacialmente o âmbito urbano compacto ou disperso: cidade-região global [20] e megarregião [21].

As cidades-regiões globais [22] referem-se a uma categoria espacial que absorve desde aglomerações metropolitanas comuns, dominadas por um núcleo muito desenvolvido, a unidades geográficas policêntricas. Funcionam como atores decisivos do novo fenômeno de desenvolvimento ou de crescimento econômico, com influência crescente no mundo globalizado. Distinguem-se do conceito clássico de cidade, considerado muito restrito para o entendimento da crescente interdependência de múltiplas redes de atividades econômicas organizadas em configurações territoriais ampliadas (länder, províncias, municipalidades, áreas metropolitanas etc.).[23] São consideradas nós espaciais essenciais para a economia global, que funcionam como “plataformas territoriais a partir das quais grupos concentrados ou redes de empresas disputam os mercados globais.” (p.13) Configuram estruturas industriais concentradas, sobretudo intensivas em tecnologia, articuladas globalmente por seus arranjos de governança (ou formas de articulação do poder), que ampliam o significado do conceito em termos econômicos, políticos e territoriais.

Esse conceito reitera a afirmação de que a produtividade e o desempenho são favorecidos pela concentração urbana, que garante a eficiência do sistema econômico e intensifica a criatividade, a aprendizagem e a inovação, tanto pela flexibilidade crescente dos produtores quanto pelos fluxos de ideias e conhecimento. Tais fluxos se ancoram nos centros econômicos das maiores cidades-regiões do mundo e, em muitos casos, constituem a base para novas fases de expansão urbana.

Para Scott et al.(2001, p.13), o mosaico de grandes cidades-regiões constitui uma das principais redes estruturais da nova economia global, na qual economias e regiões ligam-se em redes flexíveis de firmas que cooperam e competem num crescente e extenso mercado. Entretanto, a geografia social interna das cidades-regiões globais é complexa, dada a heterogeneidade cultural, o policentrismo, a segmentação social e espacial. Assim, as cidades-regiões se aparentam “a um tabuleiro de xadrez altamente fragmentado, de desenvolvimento desigual e se estendendo sempre para seus limites externos” [24].Com um entendimento muito próximo e também associado à cidade global, Sassen (2007) se refere a megarregiões, como escalas urbanas crescentemente grandes.

A menudo, ellas son simplemente vistas como más de lo mismo —más personas, más paisajes urbanos interminables—. En su aspecto más elemental, la mega-región resulta del crecimiento de la población en un contexto geográfico donde ciudades y áreas metropolitanas se mezclan entre sí. Y esto, en efecto, conduce a infraestructuras interregionales, notablemente transporte y electricidad, y varias formas de planificación y coordinación regional, como puede ser observado hoy. [25].

A megarregião emerge como um território diverso em seu interior, que exige estratégias de desenvolvimento capazes de gerar vantagens tanto nas partes mais avançadas como nas menos avançadas. As vantagens específicas da escala megarregional estão na coexistência dentro de um mesmo espaço regional de múltiplos tipos de economias de aglomeração, atualmente distribuídos entre diversos espaços econômicos e escalas geográficas: distritos centrais de negócios, conjuntos de escritórios, parques científicos, transporte e moradia com eficiência derivada de grandes – “porém não demasiadamente grandes” – cinturões de comutação, distritos industriais de baixo custo, destinos turísticos, agricultura especializada (horticultura, orgânicos) e os complexos evidentes nas cidades globais.

La tesis es que una mega-región es suficientemente grande y diversa de manera que acomoda un rango bastante más amplio de tipos de economías de aglomeración y contextos geográficos que los que actualmente existen. Esto llevaría las ventajas de localización mega-regional más allá de la noción de economías de urbanización. [26].

Uma megarregião deve, portanto, ser entendida como uma escala que pode beneficiar-se do fato de que complexas economias necessitam tipos diversos de economias de aglomeração e distintos contextos geográficos, desde o urbano ao rural, e essa diversidade pode estar incorporada dentro de uma única megazona econômica. A escala megarregional consegue conectar os espaços ganhadores e os da retaguarda, incluir cidades e áreas tanto globais quanto locais, e pode ser estendida a redes intercidades transfronteiriças, mediante o fortalecimento das conexões de ganhadores e retardatários entre fronteiras.

Ressalta-se que tanto essa categoria como a anterior, por intermédio das cidades, são entendidas como plataformas para o protagonismo das condições gerais de produção do sistema global, e não como novas morfologias urbano-regionais ou como uma delimitação programática. Os arranjos urbano-regionais, longe de se constituírem em plataformas para esse grau de articulação, e também sem induzirem delimitações programáticas, protagonizam a inserção regional na divisão social do trabalho. Mesmo assim, não rompem as desigualdades inerentes ao desenvolvimento periférico.

Sob perspectiva da forma, tanto a noção de cidade-região global quanto a de megarregião resgatam ideias acerca da megalópole, dos anos 1970. A megalópole, por sua vez, inscreve a noção de metápole ou metametrópole: termos propostos por Ascher (1995) para uma pós-polis, ou como sugere a etimologia da palavra metápole, o que ultrapassa e engloba a polis.[27] Ascher postula que a metápole é profundamente heterogênea e não necessariamente constituída por contiguidade. Contém uma ou várias metrópoles ou como mínimo uma cidade de milhares de habitantes, com crescimento radioconcêntrico, linear ou em metástase (como grumos ou agregações em um corpo mais amplo). Tem origem num processo de metropolização metastásica, ou na aparição de elementos de natureza metropolitana em territórios não contíguos e não-metropolitanos. Ou seja, sua composição abarca espaços metropolizados cujo conjunto ultrapassa e engloba as zonas metropolitanas stricto sensu. Conforma arquipélagos em metástase, que se desenvolvem de maneira anárquica, não hierarquizada.

A estrutura da metápole origina-se em um conjunto de cidades existentes, que se altera por adensamento ou desdensificação, expansão, transformações ou eliminação de bairros degradados, incorporação de novos espaços, sem necessariamente impor contiguidade a um centro de cidade. Uma metápole seria um conjunto de espaços onde todos ou parte dos habitantes, das atividades econômicas ou dos territórios estão integrados no funcionamento cotidiano de uma metrópole.

A preponderância da natureza metropolitana disseminada na metápole não confere similaridade com as características das aglomerações e centros singulares que preenchem grande parte da extensão dos arranjos urbano-regionais brasileiros. Da mesma forma, nesses arranjos, nem todos os componentes estão afetos ao cotidiano da metrópole, mas muitos, articulados a ela no desempenho de funções e atividades da produção regional.

Segundo Ascher (1995), a colocação em perspectiva histórica confirma a tendência de que a metropolização, longe de assistir a um recuo das metrópoles e sim a formação das metápoles, não aparece como fenômeno contingente, mas como forma avançada de um processo de urbanização que começou muito cedo na história da humanidade e que não cessou de progredir até nossos dias. A metápole representa a configuração peculiar de uma etapa ou uma fase nesse processo de urbanização supra-histórico; uma forma urbana coestruturada pelo uso das novas técnicas de comunicação, de conservação e de deslocamento dos bens, pessoas e informações. Metropolização e metapolização constituem, assim, um quadro no qual atuam forças econômicas, sociais, políticas e culturais, que influenciam as dinâmicas e a evolução desses processos.

Outras concepções morfológicas são apontadas como exemplos de ruptura das estruturas hierárquicas de lógica christalleriana, pois acentuam as características de grandes espaços sem centro, sem unidade, pós-polis. É o que se verifica nas noções de exópole (ou ex-polis, o que já não é mais cidade) e pós-metrópole [28]. São designações voltadas para o fenômeno urbano dos anos 1970, decorrentes de análises particularmente em torno de Los Angeles, que consideram a evolução da forma e conteúdo da metrópole, e sua ação no comportamento da sociedade sob crises e reformulações do sistema capitalista, com a conformação de novas estruturas metropolitanas. Para Soja (1996), exópole, ou a cidade sem cidade, sintetiza toda uma ordem de conceitos anteriores pertinentes a amorfas implosões, como os arcaicos subúrbios, as outer city ou edge city, as technopoles, technoburbs, silicon landscapes, pós-suburbia, metroplex, entre outras.

A pós-metrópole surge como metáfora da metrópole no novo processo de urbanização, decorrente da globalização e reestruturação da economia [29]. Transformada nos últimos 30 anos com mudanças na organização espacial e na condição urbana, essa metrópole traz no “novo e diferente” um amplo espectro de termos e representações. É a cidade tornada inside-out, pela urbanização periférica e expansão dos entornos; ou out-side in, pois todas as periferias do mundo estão no centro, em sua própria zona simbólica. Ou seja, o processo de internacionalização cria conjuntos de paradoxos, pois implica em se estender para fora, do urbano para o global, e em se estender para dentro, do global para o local-urbano. Essas noções dividem, implícita ou explicitamente, a ideia de que a era da metrópole moderna acabou, pois longe de desaparecer, a metrópole requalifica seu domínio social, cultural, político e econômico, e faz aparecer uma nova forma de hábitat humano, não como uma total recolocação, mas como uma nova etapa do desenvolvimento urbano contemporâneo. “A suburbanização/metropolização difusa continua, mas já não parece tão inequivocamente associada ao declínio dos centros das cidades.”[30]

O autor destaca que a forma pós-metropolitana resulta da transformação que emana da crise gerada pela reestruturação econômica e implica em uma reconfiguração geográfica empírica dos novos padrões e especificidades da forma urbana, função e comportamento emergente. Uma recombinação que é síntese e extensão de processos opostos e argumentos duais que formatam o discurso e a morfologia urbana: descentralização/recentralização; desterritorialização/reterritorialização; espraiamento/nucleação; integração/desintegração socioespacial; homogeneização/heterogeneização. Todas na recomposição do urbanismo pós-metropolitano.


Produção de simulacros e paradigmas

Enquanto essas cidades “espicham-se” internamente, incorporam as tensões políticas e econômicas das relações internacionais que nelas se intensificam. Na perspectiva social, Soja (1993, p.228) mostra que “mais do que nunca a economia macropolítica do mundo está se contextualizando e reproduzindo na cidade. As cidades do Primeiro Mundo estão ficando repletas de população do Terceiro Mundo”. O autor vê na espacialidade construída pela pós-metrópole um misto de otimismo/pessimismo, nostalgia/exuberância, descrédito/esperança, utopia/distopia quanto à justiça social, desenvolvimento e redução da desigualdade. Uma nova forma de espaço é aberta à multiplicidade de interpretações.

Desse modo, mais que um conceito urbanístico, a pós-metrópole sintetiza um conjunto de relações sociais e espaço-temporais, de ruptura da lógica socioespacial da metrópole baseada em uma aglomeração física para um espaço descontínuo, um fenômeno poliédrico. Conclui-se, portanto, que nunca, em época anterior, “a espacialidade da cidade capitalista industrial ou o mosaico do desenvolvimento regional desigual tornaram-se tão caleidoscópicos, tão soltos de suas amarras do século XIX, tão cheios de contradições inquietantes.”[31]

Uma exacerbação da ação política na produção do espaço é absorvida por cidades-simulacro, concebidas e habilmente manejadas por intervenções de marketing e hipersimulações da utopia urbana. Tais intervenções operam uma refabulação ideológica, dominada por formas subliminares de regulação social e espacial, que manipulam a consciência cívica e as imagens populares do espaço e da vida urbana, para manter a ordem. Essas cidades-simulacro, marcadas pelo “crescente poder político e social das simulações do real como substitutos lógicos e comportamentais para eventos e condições materiais reais”, [implicam] “uma mudança radical no imaginário urbano, nas maneiras pelas quais relacionamos nossas imagens do real com a própria realidade” [32].

Tantas mutações em curso levam Soja (2002) a agregar adjetivos ou outros neologismos para expressar a pós-metrópole: cidade fractal, que descreve seu mosaico social reestruturado; flexcity, flexível em seus limites e conteúdos econômicos e comportamentais; cosmópolis, como um espaço “glocalizado”, capaz de conter simultaneamente a máxima fragmentação do lugar e a homogeneidade do global; polaricity, ou cidade socialmente polarizada, que leva à cidade carcerária. Esta caracterizada pelo controle, opressão e por muros visíveis ou invisíveis, com rigorosa diferenciação social e espacial, pela fragmentação e violência. O autor expõe ainda a metáfora da simcity, ou cidade simulacro, da hiperrealidade, na qual novas tecnologias redefinem a manipulação do imaginário urbano e social. Sumariza que em toda metrópole – e por suposto nos arranjos urbano-regionais – há vestígios dessa pós-metrópole.

Em suas análises sobre as metrópoles latino-americanas, De Mattos (2005, p.359) também conclui que essas proposições de Soja, relativas à pós-metrópole, em termos gerais, são aplicáveis às aglomerações metropolitanas principais em processo de globalização. De fato, entre outras características evidenciadas, Curitiba, polo de um dos arranjos urbano-regionais do Brasil, é um exemplo de simulacro.[33] Das estratégias de seu modelo de planejamento pairam imagens filtradas pelos mecanismos da mídia, que enfatizam uma positividade do espaço. Esse espaço “qualificado” passa a funcionar como diferenciador na esfera da produção e do consumo, e torna a própria cidade um produto[34]. Para construir a imagem de uma cidade competitiva entram em prática manipulações do imaginário social, como a espetacularização urbana, engenharia do consenso sobre a sociedade local, adesão acrítica ao projeto, pertencimen de novas formas de sociabilidade.to, patriotismo cívico, um imaginário de progresso, assim como mudanças na vida urbana, com destruição dos espaços públicos e de efetiva identidade local pela emergência

Nessa ordem de representações e simulacros, particularmente em torno da categoria cidade global, também atuam os próprios conceitos valoradores de cidades. Aplicada a cidades brasileiras, a categoria cidade global não traduz um processo histórico, mas orienta um paradigma fortemente ideologizado [35], que se torna o marco de referência para uma determinada prática, como narrativa ideal para gestores e formuladores de políticas urbanas ou regionais. As descrições do conteúdo de uma cidade global foram traduzidas em indicadores econômicos e sociais, aspectos arquitetônicos, entre outras medidas, como quesitos a serem cumpridos por toda uma sorte de cidades que buscam atingir a imagem à qual o conceito remete. Para tanto, são incorporados como se garantissem o futuro dessas cidades, “constituindo-se, assim, como um paradigma, um objetivo a ser perseguido por todas as localidades que pretendem inserir-se nos fluxos econômicos globais, fora dos quais não há esperança”, como ironiza Compans (1999, p.91). Mais que definir uma condição ou uma morfologia, tais conceitos, frutos de um modelo único, hegemônico, inspiram o ato de alcançá-los, a custo de superações, exclusão e mistificação.

Como adverte Santos (2006), tornam-se ainda objeto de comparações acadêmicas, sem qualquer reflexão sobre a totalidade, sobre a formação social, posto que induzem a que se esteja “sempre olhando para fora, buscando comparar e, o que é mais grave, para imitar” (p.22), pois a preocupação é apenas “de fazer globais as cidades do sul para que sejam parecidas com as cidades do norte” (p.22).

Especificidades de uma configuração

As análises teórico-conceituais realizadas como suporte à pesquisa sobre os arranjos urbano-regionais evidenciam que há conteúdos condizentes à lógica, aos processos e morfologias de sua configuração. Ao mesmo tempo, há muitas especificidades que, por vezes, tornam tais conteúdos pouco adequados à realidade brasileira.

Os arranjos urbano-regionais existentes em território brasileiro – e certamente os latino-americanos – concentram população, relevância econômico-social, conhecimento e infraestrutura econômica e técnico-científica. A morfologia materializada por eles sugere dinâmicas mais intensas e mais complexas que em outras porções do território nacional. Privilegiados pelo efeito proximidade, expressam fortemente as relações em fluxos, pela conectividade entre os municípios por funções, bens e serviços; a mobilidade de mercadorias; a centralidade e a polarização, demarcadas na escala dos centros e na sua área de influência. Concomitantemente, marcam-se pela desigualdade intra-aglomerados e intermunicipal, não só evidenciada nos distintos índices de desenvolvimento dos municípios, como reforçadas pelos diferentes níveis de integração à dinâmica principal das respectivas aglomerações[36].

Caracterizam-se como uma etapa avançada do processo de metropolização, com expansão das aglomerações principais e constituição de morfologias dispersas, porém articuladas, em processo que inclui periferização, suburbanização, periurbanização, cada caso com suas especificidades. Compõem redes de centros articulados em sistemas urbanos, com extensões territoriais macrorregionais, que funcionam em um modelo celular em rede, na perspectiva da economia de arquipélago, porém sem perder, na essência de suas articulações, o padrão de relações centro-periferia.

O crescimento e a densificação dos fluxos que aglutinam e articulam aglomerações e centros em arranjos espaciais não são engendrados por uma súbita mudança do modo de produção ou por um fenômeno de periurbanização induzido, nos moldes dos Estados Unidos ou da Europa, onde expandem o espaço ocupado e fazem pontuar centralidades dispersas ao longo do sistema viário. O que induz a expansão nos arranjos brasileiros, e por evidência nos latino-americanos, é o crescimento periférico de cada unidade, fundamentalmente pobre; a necessidade de acesso a vias de deslocamento para o trabalho e de abastecimento e escoamento de produtos; as transformações de ordem produtiva, particularmente da indústria e serviços; e a conformação de enclaves, principalmente condomínios residenciais, comerciais e de lazer.

Se na configuração os arranjos urbano-regionais brasileiros lembram a cidade dispersa e a cidade difusa, diferem dessas na natureza de sua formação. Não decorrem, pois, da criação de novos assentamentos urbanos próximos a grandes cidades ou a grandes vias de comunicação – que até podem acontecer –, mas da própria expansão periférica dessas cidades, em uma morfologia esparsa e seletiva. Decorrem ainda da desverticalização da atividade industrial e sua associação a serviços e comércio que buscam novas áreas de localização, desde que em centralidades vizinhas e dotadas historicamente de condições logísticas favoráveis, ou nas vias de acesso a elas.

Cidade global e cidade-região global, como principais resultantes dos novos circuitos econômico-informacionais, poderiam estar representadas nas centralidades dos arranjos urbano-regionais. Contudo, as mesmas têm características mais singelas e, na grande maioria desses arranjos, as relações horizontais entre os centros principais e a região ou o país superam as relações em rede. Ou seja, nem os centros desses arranjos no Brasil são tão verticalizados e partícipes da rede intercidades transfronteiriças, nem os serviços e as conexões em rede constituem sua principal função. Da mesma forma, conceitos como pós-metrópole, exópole, metápole, megarregião não se ajustam por completo às especificidades das morfologias ampliadas brasileiras. Embora esses conceitos incorporem a natureza complexa e multidimensional das grandes metrópoles e avancem na percepção de que as dinâmicas urbanas contemporâneas engendram espaços que transcendem concepções restritas de cidade ou aglomeração, em direção a um fenômeno de caráter urbano-regional, reportam-se a um estágio ainda mais avançado da metropolização contemporânea, prenhe da presença da técnica que favorece as relações em fluxos materiais e imateriais. Objetos produzidos nesse estágio e densos em tecnologia estão presentes apenas em pontos privilegiados das metrópoles brasileiras e latino-americanas, e imersos em ambientes de visível desigualdade.

Alguns dos conceitos considerados, com ressalvas, podem se ajustar ao fato urbano-metropolitano encontrado em São Paulo, mas estão longe de corresponder às características evidenciadas nos arranjos urbano-regionais identificados no restante do território. No caso de São Paulo, essas dinâmicas efetivamente compõem “uma nova forma de produção do espaço” [37] um “novo fato urbano de caráter metropolitano de dimensão inédita” (p.7), cuja distinção dos demais faz com que seja alvo de tantas outras denominações. É o caso de complexo industrial metropolitano, complexo metropolitano expandido [38], macrometrópole [39] ou cidade-região [40]. Incita inclusive que seja relacionado a megalópoles, quando pensado em uma perspectiva tendencial de composição de um macroeixo articulado espacialmente à aglomeração metropolitana do Rio de Janeiro – como cogitado já nas políticas urbanas dos anos 1970.

Nesse arranjo, a nova forma de organização da produção, com intensificação de redes de proximidade territoriais materiais (circulação) e redes de proximidade relativa imateriais (informação e comunicação), gera uma metamorfose na morfologia urbana. As dinâmicas territoriais levam a que se dilua a separação entre cidade e região, como categorias consagradas na literatura, e façam emergir a cidade-região, que se coloca como “condição, meio e produto fundamental para a reprodução social nos dias atuais” [41].

Nesse sentido, pensar a metrópole, a região metropolitana ou o entorno metropolitano é pensar uma região. Mesmo examinando apenas a metrópole, o espectro da região aparece, porque ela em si, não é mais uma cidade isolada, mas uma cidade-região. Uma cidade-região que não se definiu por um planejamento, mas uma cidade que assim se definiu por um processo, por uma lógica histórica que desafia a compreensão de sua dinâmica e, até mesmo, o planejamento urbano. [42]

Essa região constituída pela expansão territorial da metrópole é distinta da “região metropolitana relacionada ao processo de industrialização e urbanização que caracterizaram grande parte do século XX” [43]. Mesmo assim, mantém a dispersão territorial da indústria como o componente indutor, relacionando-a com a concentração territorial das indústrias inovadoras e mais dinâmicas. Ainda que sob diferentes interpretações e denominações, é nítida a convergência quanto a que a dimensão urbana e a dimensão regional são insuficientes para sua compreensão. Tal insuficiência cabe aos demais arranjos urbano-regionais, embora sob dinâmicas territoriais bem mais modestas


Em conclusão

Genericamente, os arranjos urbano-regionais do Brasil não se desenvolvem em um processo de metropolização metastásica, da expansão e densificação de conjuntos de metrópoles. Eles procedem da expansão de simples aglomerações e centros, alguns destituídos de quaisquer das funções que caracterizam os espaços metropolitanos, e evidenciam aspectos dessa natureza apenas na porção mais central da aglomeração principal. Uma relativa hierarquia funcional se mantém entre as demais centralidades do arranjo. Mesmo que se articulem verticalmente e funcionem como localizações atrativas ao capital transnacional, sofrendo fortemente às exigências deste, não chegam a se articular globalmente em plataformas adequadas a sistemas de governança comandados por redes ou grupos empresariais. A continuidade espacial e um fio condutor pautado na realização de um determinado tipo de atividade produtiva ou função urbana não asseguram o desenvolvimento de relações articuladas entre agentes e escalas atuantes na produção do espaço intra-arranjo. Garantem apenas a aproximação de interesses territorializados do capital a concessões públicas, de forma fragmentada, que conformam arenas de disputas entre as múltiplas escalas espaciais que pouco ou nada dialogam entre si.

São pequenos os sintomas da desindustrialização em seu interior – em alguns, sequer há uma presença mais consolidada da indústria –, como nos países centrais, e sim a realocação de plantas e atividades, orientada por requisitos específicos a cada demanda. O movimento provocado induz uma ação seletiva na valorização e transformação do espaço para o exercício de novas funções. Embora os arranjos urbano-regionais façam emergir centralidades, produzem mais significativamente o reforço dos centros existentes historicamente, com o aparecimento de subcentros subordinados a eles. Assim, em vez de uma configuração amorfa, caracterizada por um grande espaço sem centro, sem unidade, uma não-cidade ou uma pós-metrópole, tem-se uma grande cidade expandida sobre muitos territórios autônomos e fragmentados, que alcança fisicamente outra cidade, de seu sistema urbano, que repete similar processo de expansão.

Os arranjos urbano-regionais conformam um território diverso e desigual, que concentra ao mesmo tempo riqueza e escassez, no qual coexistem múltiplos tipos de atividades beneficiadas pelas externalidades da economia de aglomeração e pelas relações de proximidade. No caso do Brasil, mesmo que comandem a inserção dos estados/regiões na divisão social hegemônica do trabalho, salvo (quiçás) o de São Paulo, os arranjos urbano-regionais não constituem uma megazona econômica ou uma megarregião, dado o alcance restrito de sua abrangência regional no sistema global. Da mesma forma, exceto o arranjo no entorno da metrópole paulistana, por mais que os demais se estendam por centenas de quilômetros, nenhum supera os 20 milhões de habitantes, que há quase quatro décadas foi tomado como parâmetro para se identificar uma megalópole.

Características do estágio de metropolização contemporâneo, expresso em dinâmicas territoriais estendidas e reticulares, porém ainda concentradoras, e limitadas pela precária infraestrutura implantada e por inovações tecnológicas restritas, as configurações identificadas, por mais que reproduzam lógicas e processos ou se assemelhem a morfologias expandidas, particularizam-se por uma natureza própria. Daí, a categoria “arranjo urbano-regional”, repleta de peculiaridades, responde à necessidade da adoção de um conceito específico.

 

Notas

[1] A autora agradece a contribuição de Olga Lucia C. de F. Firkowski, pela orientação e debate teórico-conceitual ao longo de todo o trabalho.

[2] Moura, 2009

[3] Embora não tenha sido objeto da pesquisa, a análise também contemplou evidências empíricas quanto à formação de arranjos urbano-regionais no México, Argentina, Chile e Equador (ver Moura, 2009).

[4] Santos, 1999

[5] Dematteis, 1998

[6] As 11 funções são: serviços às empresas, pesquisa e ensino superior, comércio, comércio na indústria, banco e seguridade, arte, gestão, telecomunicações, informação, informática e transporte (Julien, 2002).

[7] Leresche, J.P.; Joye, D.; Bassand, M. Métropolization. Interdépendences mondiales et implications lémaniques. Genève: Georg-Institut Universitaire Kurt Bosch, 1995, apud Leroy (2000).

[8] No Brasil, a institucionalização das Regiões Metropolitanas apropriou-se do conceito, porém limitando-o a um recorte institucional. A expressão passou a corresponder a uma porção definida institucionalmente, independentemente de ser ou não polarizada por uma metrópole.

[9]Lefèbvre, 1991, p.20

[10] Benko 2002, p.52

[11] Pradilha, 1997

[12] Alerta-se que Milton Santos inverte a compreensão acerca das relações “verticais” e “horizontais” em comparação a outros autores, que admitem que as primeiras expressam aquelas relações de proximidade enquanto as segundas, entre pontos distantes, sob conexões em rede.

[13] Santos, 1999, p.228

[14] Sassen, 2007

[15] Sassen, 1998, p.13

[16] Lencioni, 2003a, p.4

[17] Veltz, P. Le nouveau monde industriel. Paris: Editions Gallimard, 2000, apud De Mattos (2002).

[18] de Matos, 2002, p.10.

[19] Sarlo, B. Escenas de la vida posmoderna. Intelectuales, arte y videocultura en la Argentina. Buenos Aires: Ariel, 1994, apud De Mattos (2005).

[20] Scott, et al., 2001

[21] Sassen, 2007

[22] Scott et al., 2001

[23] Ascher (1995), referindo-se à Alemanha, descreve cidades-regiões como a extensão das áreas de moradia e de funcionamento econômico das grandes cidades sobre as periferias mais distantes, onde as superfícies maiores e menos caras estavam disponíveis. Torna similares os conceitos de cidades-regiões e regiões metropolitanas, como conjuntos regionais integrados que formam o que os americanos chamam de daily urban system. Essa compreensão, literalmente localizada, guarda proximidade à compreensão sobre os arranjos urbano-regionais.

[24]Scott, et al., 2001, p.18

[25] Sassen, 2007, p.11

[26] Sassen, 2007, p.12

[27] Bujalance e García (2009) tratam do desenvolvimento ainda inconcluso acerca desse conceito, mostrando, inclusive, como o próprio Ascher vem ampliando o alcance do termo. Os autores particularizam a análise considerando as paisagens da Andaluzia, em uma perspectiva de convergência entre metáforas globais e singularidades locais.

[28] Soja, 1994; 1996; 2002

[29] Soja, 2002

[30] Soja, 1993, p.227

[31] Soja, 1993, p.227

[32] Soja, 1994, p.165-166

[33] Esse arranjo urbano-regional foi escolhido como objeto de pesquisa em detalhe no trabalho de Moura (2009).

[34] Sánchez, 1997; 2003

[35] Companys, 1999; Carvalho, 2000; Vainer, 2000; Arantes, 2000; Ferreira, 2003

[36] Moura, 2009

[37] Lencioni, 2003a, p.2

[38] Emplasa, 1999

[39] Meyer et al., 2004

[40] Lencioni, 2003a

[41] Lencioni, 2006, p.71, grifo no original

[42] Lencioni, 2003a, p.8

[43] Lencioni, 2006, p.74


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Ficha bibliográfica:

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