Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XVII, nº 967, 20 de marzo de 2012

[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

A PESQUISA E O DEBATE SOBRE A ELETRIFICAÇÃO DO TERRITÓRIO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O SIMPÓSIO INTERNACIONAL “GLOBALIZAÇÃO, INOVAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE REDES TÉCNICAS URBANAS EM AMÉRICA E EUROPA”.

 

Denis Castilho
Universidade Federal de Goiás
deniscastilho@hotmail.com

Recibido: 30 de enero de 2012. Devuelto para revisión: 6 de febrero de 2012. Aceptado: 13 de febrero de 2012.


A pesquisa e o debate sobre a eletrificação do território: considerações sobre o Simpósio Internacional “Globalização, inovação e construção de redes técnicas urbanas em América e Europa”. (Resumo)

A energia elétrica é um importante meio para o processo de modernização e também um dos elementos chaves para a produção, por isso envolve um conjunto de políticas e estratégias que corroboram em disputas e conflitos pela sua apropriação. Reunir pesquisadores e estimular o debate sobre a eletrificação foram os objetivos gerais do Simpósio Internacional “Globalización, innovación y construcción de redes técnicas urbanas en América y Europa, 1890-1930 - Brazilian Traction, Barcelona Traction y otros conglomerados financieros y técnicos”, realizado na Universidad de Barcelona em janeiro de 2012. Considerando a relevância deste evento, a ampla perspectiva teórica dos trabalhos apresentados e a diversidade das experiências analisadas, apresentamos uma síntese geral das pesquisas e dos debates desenvolvidos nesse simpósio. A partir disso, também analisamos algumas questões levantadas no evento, relacionamos a eletrificação ao tema da modernização territorial e elencamos alguns desafios no sentido de contribuir com as reflexões acerca de temas que estão em construção.

Palavras-chave: pesquisa, eletrificação, redes técnicas e modernização territorial.


The research and debate about electrification of the area: considerations about the International Symposium “Globalization, innovation and construction of urban technical networks in America and Europe”. (Abstract)

Electricity is a mean for the modernization process and is also one of the key elements for the production, that´s why it involves a set of policies and strategies that corroborate in disputes and conflicts over its ownership. Bring together researchers and stimulate debate about electrification were the overall objective of the Symposium International “Globalization, innovation and construction of urban technical networks in America and Europe, 1890-1930 – Brazilian Traction, Barcelona Traction and other financial conglomerates and technicians”, held in University of Barcelona in january 2012. Considering the importance of this event, the broad theoretical perspective of the presented papers and the diversity of experiences analyzed, we present in this article, an overview of research and discussions developed in this symposium. From this, we analyze some issues raised at the event, relatet to the theme of the electrification an modernization proposing some territorial challenges in order to contribute to the reflection about topics that are under construction.

Keywords: research, electrification, technical networks and modernization planning.


La investigación y el debate sobre la electrificación del territorio: consideraciones acerca del Simposio Internacional “Globalización, innovación y construcción de redes técnicas urbanas em América y Europa". (Resumen)

La energía eléctrica es un medio importante para el proceso de modernización y también uno de los elementos clave para la producción, por tanto, implica un conjunto de políticas y estrategias, disputas y conflictos para su apropriación. Reunir investigadores y estimular el debate sobre la electrificación fue el objetivo general del Simposio Internacional Globalización, innovación y construcción de redes técnicas urbanas en América y Europa, 1890-1930 - Brazilian Traction, Barcelona Traction y otros conglomerados financieros y técnicos, celebrado en la Universidad de Barcelona en enero del 2012. Teniendo en cuenta la importancia de este simposio, la amplia perspectiva teórica de los trabajos presentados y la diversidad de las experiências analizadas, presentamos en este artículo una visión general de las investigaciones y de los debates desarrollados. Además, el artículo ofrece un análisis de las cuestiones planteadas, relaciona el tema de la electrificación con la modernización territorial y se propone contribuir en las reflexiones sobre los temas que quedaron pendientes a desarrollar .

Palabras clave: investigación, electrificación, redes técnicas y modernización territorial.



Como insumo elementar para o processo de produção e também do consumo (sobretudo hoje), a energia elétrica tem se constituído como importante meio para o processo de modernização territorial. A sua distribuição e comercialização envolve um conjunto de políticas e um complicado jogo de articulações de poder, já que o aumento da sua produção tem denotado, também, o aumento do consumo em diversas escalas. Basta observar que o cotidiano ou a rotina diária de muitas pessoas que vivem em cidades (mas também em infinitas áreas rurais onde a eletrificação tem se expandido) é permeado hoje por um considerável número de aparelhos, dispositivos e equipamentos de base eletrônica. Além dos diversos tipos de indústrias, a própria iluminação pública, as residências, as redes, os transportes, etc. possuem uma dependência pela energia elétrica nunca vista na história. Por conseguinte, como assinalou Horacio Capel na introdução do simpósio, compreender a história da eletrificação assim como os impactos espaciais da eletricidade são desafios que se impõem em nossas pesquisas.

Considerando a relevância do tema e da possibilidade de ampliar o debate a partir de experiências de diferentes pesquisadores, desenvolvemos neste artigo uma análise das pesquisas e debates apresentados no Simpósio Internacional “Globalización, innovación y construcción de redes técnicas urbanas en América y Europa, 1890-1930 - Brazilian Traction, Barcelona Traction y otros conglomerados financieros y técnico”. Com a direção de Horacio Capel e coordenação de Vicente Casals, o evento foi organizado por integrantes e colaboradores do grupo Geocrítica nos dias 23 a 26 de janeiro de 2012, na Facultad de Geografía e Historia da Universidad de Barcelona. Mediante a ampla perspectiva teórica dos trabalhos e a diversidade das experiências analisadas, apresentamos uma síntese das exposições e um panorama geral dos debates desenvolvidos nesse simpósio. Para tanto, nos valemos de nossa própria participação (como integrante da equipe organizadora, ouvinte, interventor e também apresentador em um eixo-temático) assim como da leitura das comunicações que foram previamente publicadas com o programa do simpósio na página eletrônica de Geocrítica em forma de “Actas”[1].

Durante a realização do evento também escrevíamos e publicávamos (na página de Geocrítica, no Facebook) sínteses diárias das comunicações e dos debates. Esse exercício foi profícuo na medida em que exigiu a distinção detalhada dos debates e também por divulgar e ampliar nossas discussões e inquietações. É por isso que pensamos delinear e refletir neste artigo um pouco mais das discussões acerca das pesquisas sobre a eletrificação. O evento contou com a participação de pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento (Arquitetura, Geografia, Engenharia, História, Economia e Sociologia), de várias instituições de diferentes nacionalidades (Espanha, Brasil, México, Portugal, Argentina, Chile e Colômbia).

O Simpósio se situa em uma linha de investigação que há anos vem-se desenvolvendo no Departament de Geografía Humana da Universidad de Barcelona com a direção do Prof. Dr. Horacio Capel acerca de estudos sobre gás, telégrafos, telefones, eletricidade, redes técnicas urbanas entre outros. Um bom número de publicações tem dedicado a estes temas, como exemplo do livro “Las Tres Chimeneas” dirigido pelo professor Capel e publicado em 1994 em três volumes[2]. Alguns dos participantes do simpósio também possuem rica experiência com o tema da eletrificação, como exemplo da professora Odette Carvalho de Lima Seabra (Universidade de São Paulo) em sua tese de doutorado intitulada “Os meandros dos rios nos meandros do poder: o processo de valorização dos rios e das várzeas no Tietê e do Pinheiros na cidade de São Paulo[3]; Pedro Pires (Universidad de Buenos Aires) que desenvolve pesquisas sobre a energia elétrica a partir da gestão urbana na cidade de Buenos Aires – Argentina[4]; Mercedes Arroyo (Universidad de Barcelona) que durante anos estuda a indústria de gás e a eletricidade[5]; Alexandre Macchione Saes (Universidade de São Paulo), em sua pesquisa de doutorado sobre os conflitos entre a Light e a Companhia Brasileira de Energia Elétrica na formação do capitalismo brasileiro no início do século XX; Leticia Campos Aragón (Universidad Nacional Autónoma de México), que tem pesquisado e publicado trabalhos sobre a eletricidade na região metropolitana da Cidade do México[6]; e Joan Carles Alayo (Universidad Politécnica de Catalunya), autor de um valioso estudo sobre a eletricidade na Catalunha[7].

A síntese das comunicações e dos debates, que compõe a primeira parte deste artigo, foi feita seguindo os eixos temáticos do simpósio, a saber: “Introdução geral do simpósio” (ou conferência de abertura); “Capital e técnica na organização do negócio elétrico”; “A eletricidade e a vida urbana”; “Redes de ferrovias, extensão urbana e projetos urbanísticos”; “Eletricidade e organização regional”; “O patrimônio da eletricidade e o turismo industrial”; e “Seção de encerramento" onde também pontuamos os principais temas suscitados nos debates. Em um segundo momento analisamos alguns tópicos para o debate sobre o sentido espacial da energia elétrica, relacionamos este tema à modernização territorial e apresentamos, no final, algumas questões para compor uma agenda de pesquisa.


Os temas abordados e os debates desencadeados

Os modelos de eletrificação em diversos países da Europa e da América assim como a (re)organização espacial de seus territórios permeou os principais temas de pesquisas apresentadas no simpósio. Passado um século desde a criação da Brazilian Traction em 1899 e, posteriormente, em 1911, da Barcelona Traction, o evento também objetivou comparar a eletrificação no Brasil e na Espanha assim como outras experiências em países como México, Argentina, Colômbia e Portugal. As sínteses das exposições e dos debates estão divididas conforme os eixos temáticos do simpósio, começando pela conferência de abertura. O foco foi dado nos trabalhos que de fato foram apresentados (total de 56 comunicações divididas em 15 mesas e 5 eixos temáticos), já que uma de nossas preocupações se funda nos debates e nos assuntos desencadeados durante o evento.

A síntese também priorizou os temas gerais apresentados e os assuntos debatidos com menção, sempre que necessário, dos nomes dos autores que participaram das apresentações e debates (as informações relativas à filiação institucional e nacionalidade estão dispostos em quadros por eixo temático). Nesse sentido, onde nos referimos às exposições gerais, e não necessariamente às informações publicadas, citamos os nomes completos dos integrantes das mesas – até por se tratar, na maioria dos casos, de debates informais (o que não deixa de ser relevante). Mas sempre que possível, também nos recorremos aos textos publicados nos anais do simpósio e a outras publicações de autores que participaram do evento.


A introdução geral do simpósio

A seção inaugural do simpósio ocorreu na manhã do dia 23 de janeiro de 2012, na Aula Magna da Facultad de Geografia e Historia da Universidad de Barcelona[8]. A introdução geral foi proferida pelo professor Horacio Capel, da Universidade de Barcelona. Com o tema "Estructura empresarial, financiación e innovación técnica en el capitalismo global de comienzos del siglo XX: los casos de Brazilian Traction y Barcelona Traction", Capel apresentou uma análise da formação dos conglomerados financeiros e técnicos ligados a eletrificação em países como Brasil, Espanha e México. Além de temas concernentes à inovação das redes técnicas no capitalismo global no início do século XX, da estrutura empresarial e tecnológica de Brazilian Traction e Barcelona Traction, o professor realizou uma sucinta análise das estratégias de atuação dessas empresas assim como as complexas lógicas de poder que constituem suas ações nos territórios supracitados. Também falou de temas como inovação técnica e sua difusão; importância da gestão; as estratégias cautelosas das empresas capitalistas; o capitalismo e a relação com o meio local; o monopólio e o financiamento; a regulação espacial, as crises e a forma como estas afetam as empresas capitalistas; o modo como essas empresas atuam no campo da eletricidade, etc.

“Avançar na investigação da história da eletrificação e das conseqüências espaciais da eletricidade” foi ressaltado como um dos principais objetivos das discussões. Isso por que, por um lado, a história da eletrificação revela que o avanço das redes técnicas tem ocasionado movimentos de (re)organização espacial que desafiam nossas investigações. Por outro, em relação às conseqüências espaciais da eletricidade, o professor destacou a criação do telégrafo e do telefone, que permitiram, por exemplo, a localização das fábricas nas periferias[9], possibilitando a conexão de espaços da diretoria (gestão) e dos locais de fabricação (trabalho). No caso do telefone, Capel falou do seu papel no sistema de controle social[10].

Várias pesquisas têm dado ênfase à importância das redes técnicas na organização do território da cidade, haja vista as linhas de transportes, as ferrovias e/ou as redes que têm como base a eletricidade. A transferência de tecnologia e capital de empresas como Brazilian Traction para o Brasil, permitiu a construção de redes técnicas e a criação de sistemas integrados de transportes nas grandes cidades (como exemplo de São Paulo) que promoveram efeitos indiscutíveis na vida urbana e na industrialização[11].

Todavia, nas duas últimas décadas do século XIX, a energia elétrica teria um grande número de problemas, como as dificuldades de sua produção em grande escala e para transmissão em longa distância; funcionamento inseguro; dúvidas sobre o seu uso nas indústrias; etc. Porém, no início do século XX as melhorias técnicas permitiram um rápido aumento na produção em termelétricas e na potência das centrais. A produção da energia elétrica, portanto, envolveu todo um aparato técnico onde se verificou um aperfeiçoamento nos postos de trabalho.

O capital estrangeiro, em países como o Brasil, encontrou alguns desafios perante fatores como “extensão territorial” e a própria “demanda por insumo de capitais”. Segundo Capel, esse capital também foi responsável pela instalação de linhas transmissoras, de transformadores e pela implantação de grandes hidrelétricas. Isso foi verificado no México, onde a experiência com a eletrificação também exigiu grande contingente de capital estrangeiro.

A implantação de grandes usinas hidrelétricas[12] promoveu muitas transformações nas regiões onde foram construídas. Além de impactos no trabalho, propiciou o surgimento de indústrias de cimento, construção de estradas, surgimento de povoados, etc. Capel destacou o papel protagonista dos técnicos, os quais, segundo o conferencista, foram essenciais no desenvolvimento da energia elétrica. Frederick Stark Pearson, por exemplo, foi um caso emblemático em países como Espanha, México e Brasil. Seu modelo promoveu a implantação de uma infraestrutura em escala urbana até a integração de outras áreas, já que as usinas hidrelétricas (de porte maior) permitiram a transmissão de energia para áreas mais distantes[13].

A eletrificação também envolveu conflitos com o tipo de energia até então existente (como da luz de gás). As empresas tiveram que convencer a população dos benefícios da luz elétrica e das controversas informações que existiam a seu respeito. Importante ressaltar que as inovações tecnológicas passaram por outros tipos de conflitos e inseguridades, como assinala Capel em uma recente publicação: “la innovación técnica se aplicó a veces durante el siglo XIX en un marco de inseguridad jurídica”[14].

Também foi evidenciada a indiscutível experiência técnica acumulada pelas grandes empresas da eletricidade. Mas elas também sempre tiveram estratégias cautelosas, como relações com as elites e políticos locais para facilitar as suas ações onde se estabeleciam. Isso também esteve ligado à busca, por parte das empresas, pelo monopólio da produção absorvendo as competidoras e/ou pequenas geradoras pioneiras. No caso dos transportes, também ocorreu algo similar, onde as empresas de ferrovias já existentes foram sendo compradas pelas geradoras na medida em que o transporte urbano foi sendo eletrificado.

Também tem sido muito evidente a relação entre energia elétrica, ferrovias e negócios imobiliários. Como o autor afirma em outro trabalho: “el aumento del valor de los terrenos por los que circulaba este nuevo médio de transporte se comprobó ya desde la instalación de la primera línea de viajeros, de Liverpool a Manchester en 1839 [...][15]. Capel também destacou aspectos do financiamento, das estratégias de ação das empresas internacionais e da gestão financeira diante da crescente demanda de capital pela geração de energia elétrica. Segundo o professor é necessário compreender melhor o modo como o mercado financeiro internacional captou e articulou um montante de capital capaz de criar empresas do porte da Brazilian Traction e Barcelona Traction. Ou seja, está posto em nossa agenda de pesquisa a complexidade de todo esse processo, que supõe uma trama societária.

A regulação estatal e a estrutura social, econômica e política de cada país onde essas empresas foram instaladas também é um campo onde precisamos refletir melhor, pois que os mecanismos de regulação dos municípios e Estados sempre influenciaram as estratégias de eletrificação. Aqui podemos mencionar as crises e os próprios momentos onde muitas empresas foram nacionalizadas. Capel concluiu sua introdução ao simpósio ressaltando a necessidade de elencarmos programas internacionais de investigações das conseqüências positivas e negativas do capitalismo para pensarmos em alternativas concretas diante do que criticamos no mundo atual.

Além de todos os detalhes apresentados pelo professor, gostaríamos de evidenciar que a compreensão das estratégias de poder montadas no âmbito da eletrificação nos instiga a pensar, também, nas novas articulações pela apropriação da produção e comercialização de energia elétrica (o que influencia no modo como o território vai sendo configurado, reorganizado e planejado) e nos novos atores (como aqueles ligados a mineração e ao agronegócio no Brasil) que vão surgindo no contexto do que podemos chamar de geopolítica da energia e da água, já que a construção de grandes usinas hidrelétricas também pressupõe a apropriação da água e do abastecimento.


Capital e técnica na organização do negócio elétrico

O eixo “Capital y técnica en la organización del negocio eléctrico” foi composto por 14 comunicações. A primeira seção se desenvolveu em quatro mesas moderadas pelos professores Hindenburgo Pires (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Rodrigo Hidalgo (Universidad Católica de Chile), Francesc Nadal (Universidad de Barcelona) e Floriano José Godinho de Oliveira (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Os nomes dos autores, instituições, nacionalidades e títulos das comunicações que compuseram o eixo aparecem no quadro 1.

Quadro 1
Autores, instituições, países e títulos das comunicações do eixo temático
“Capital e técnica na organização do negócio elétrico”.

 

Nome

Instituição

País

Título da comunicação

1ª

Odette Carvalho de Lima Seabra

Universidade de São Paulo

Brasil

Energia Elétrica e Modernização Social: As implicações do sistema hidrelétrico e do sistema técnico de drenagem superficial na Bacia do Alto Tietê, em São Paulo.

Alexandre Macchione Saes

Universidade de São Paulo

Brasil

Light versus CBEE: energia elétrica na formação da indústria brasileira (1900-1920).

Glauco Gonçalves

Universidade de São Paulo

Brasil

O marketing da Brazilian Traction.

Floriano José Godinho de Oliveira

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Brasil

Redes técnicas e urbanização: a influência da Light and Power no desenvolvimento urbano e industrial do Rio de Janeiro.

2ª

Márcio Piñon de Oliveira

Universidade Federal Fluminense

Brasil

A indústria elétrica no Brasil no início do século XX: A Companhia Brasileira de Energia Elétrica e a atuação do Grupo Guinle & Cia na produção do urbano e suas redes técnicas.

Horacio Capel

Universidad de Barcelona

Espanha

Estrategias espaciales de Barcelona Traction: la creación de Catalonian Land.

Ana Ribera Carbó

Instituto Nacional de Antropología e Historia

México

La Revolución Mexicana contra la Mexican Tramways Company y la Mexican Ligth and Power Company.

Celina Peña Guzmán

Universidad Autónoma de México

México

Frederick Stark Pearson y la construcción de la hidroeléctrica de Necaxa.

3ª

Jaume Font

Universidad de Barcelona

Espanha

Las primeras centrales hidroeléctricas en la cabecera del Ter, 1900-1910.

Joan Tatjer

Associació del Museo de la Ciència i de la Tècnica i d'Arqueologia Industrial de Catalunya

Espanha

Emili Riu versus Fred Stark Pearson. Apunts biogràfics d'un emprenedor i una reflexió sobre la utilidad del patrimoni Industrial.

Josep Maria Rovira i Ragué

Col legi Oficial d'Enginyers Industrials de Catalunya

Espanha

La xarxa tramviària a Barcelona, dels cavalls i el vapor a l'electricitat 1895-1920. El protagonisme de la Barcelona Traction, Light & Power.

4ª

Martí Boneta

Generalitat de Catalunya

Espanha

Las construcciones hidroeléctricas de la Vall Fosca, de Energía Eléctrica de Cataluña.

Joan Carles Alayo

Universidad Politécnica de Catalunya

Espanha

El proceso de electrificación de Cataluña. Recursos naturales y actuaciones empresariales, 1896-1936.

Berenguer Gangolells

Universidad Politécnica de Catalunya

Espanha

La evolución del modelo de implantación de empresas eléctricas de F. S. Pearson.

Fonte: elaboração própria com base em dados do Simpósio.

Odette Seabra abriu a seção com uma análise do sistema técnico de drenagem superficial na bacia do Alto Tietê (São Paulo) elaborando uma cuidadosa interpretação da energia elétrica como elemento da modernização social e que interfere na divisão do trabalho. Como a autora afirma, 

“O desenvolvimento desigual, em extensão (entre territórios) e em profundidade (entre setores produtivos) mostrou-se virtuoso em relação à formação de capital e a reprodução capitalista, expressas na fórmula expropriação, acumulação, investimento, e reinvestimento; explorar tal virtuosidade conduz à conquista de territórios (expansão horizontal) e se faz pela articulação de diferentes mercados (de trabalho e de fatores), com o conseqüente aprofundamento das relações verticais, as quais alcançam à divisão do trabalho. Tanto que do ponto de vista das sociedades nacionais as implicações da modernização em geral, expressas na presença de novas tecnologias e de novas estruturas empresarias, perpassam o nível político, redefinem as bases da economia local e o patamar tecnológico”[16].

Alexandre Saes, Glauco Gonçalves e Floriano José Godinho de Oliveira analisaram o papel dominante e estratégico da Light no Brasil. O primeiro falou dos conflitos entre essa empresa com a Companhia Brasileira de Energia Elétrica no início do século XX e das influências da eletrificação na formação da indústria paulista. Glauco Gonçalves defendeu a ideia de que o marketing da Light foi fundamental para a expansão de seu domínio, estando a evolução de suas práticas ao longo do século XX acompanhadas pela evolução do próprio mercado do marketing brasileiro. Floriano José Godinho de Oliveira apresentou uma análise das redes técnicas no Rio de Janeiro a partir das influências da Light e de suas articulações técnicas e políticas para garantir o monopólio dos serviços ligados a eletricidade. Segundo Oliveira, “a estratégia da Light foi, desde o início, construir uma holding regional, unificando sob seu comando o maior número possível de concessionárias de serviço público”[17].

Márcio Piñon de Oliveira analisou a formação de redes técnicas no espaço urbano a partir da atuação da Companhia Brasileira de Energia Elétrica e do Grupo Guinle & Cia no início do século XX. Horacio Capel desenvolveu uma análise das estratégias espaciais da Barcelona Traction a partir da criação da Catalonian Land. Celina Peña Guzmán fez uma análise do ponto de vista histórico acerca das influências de Pearson na construção da hidrelétrica de Necaxa (México). Ana Ribera Carbó discorreu sobre a revolução mexicana contra as empresas que ali exerciam o monopólio da produção de energia elétrica (Mexican Tramways Company e a Mexican Light and Power Company).

Essa discussão, portanto, da formação de holdings regionais ou dos monopólios do negócio da energia elétrica por grupos internacionais, permeou grande parte dos debates no eixo temático “Capital y técnica em la organización del negocio eléctrico”. As pesquisas deste eixo trataram justamente do processo de formação do negócio elétrico no final do século XIX e início do século XX, em que, como afirma Seabra: “se a luz, para iluminar as casas e as ruas, e o bonde, para circular na cidade, integram a poética da cidade, integram também o drama traduzido ora nas reações contra as tarifas, ora contra a manutenção dos veículos, ora contra acidentes frequentes, assim por diante”[18]. Nos debates das duas primeiras mesas também foi realizado uma interessante discussão sobre a questão social que envolve as políticas e projetos de eletrificação territorial e os consequentes impactos socioeconômicos dos grandes empreendimentos hidrelétricos.

As outras duas mesas focaram suas análises na formação dos sistemas de produção de energia elétrica e nos modelos de aumento da capacidade produtiva. Foi analisado e discutido o processo de eletrificação da Catalunha, as construções de hidrelétricas nesse território e o modelo de implantação de empresas elétricas de F. S. Pearson. Jaume Font falou sobre a construção das primeiras hidrelétricas no rio Ter (Catalunha-Espanha) no início do século XX. Joan Tatjer teceu considerações sobre as biografias de Emili Riu e Frederick Stark Pearson e uma reflexão sobre a utilização do patrimônio industrial. Josep Ragué abordou o protagonismo da empresa Barcelona Traction na substituição das tradicionais formas de produção de energia no início do século XX. Na última mesa o processo de eletrificação da Catalunha (Espanha) também foi foco nas pesquisas de Martí Boneta e Joan Carles Alayo, em que o primeiro abordou a construção de hidrelétricas e o segundo falou dos recursos naturais e das atuações empresariais no processo de eletrificação no final do século XIX e primeiras três décadas do século XX.

Após a apresentação de Berenguer Gangolells sobre a evolução do modelo de implantação de empresas elétricas de Pearson, um interessante debate fechou os trabalhos apontando elementos que indicam a complexa estrutura organizacional das empresas elétricas, os seus fins econômicos, sobretudo políticos. Ou seja, a estrutura organizacional do sistema de produção, distribuição e comercialização de energia elétrica é tão complexa que nos leva a refletir sobre o seu sentido político e não somente econômico e social. No primeiro dia do simpósio algumas inquietações foram lançadas, dentre as quais podemos destacar a importância de compreendermos a eletrificação do território a partir de um debate que não deixe de vislumbrar os aspectos socioeconômicos e políticos, mas que seja feito a partir de uma contextualização histórica e espacial.

A eletricidade e a vida urbana

O eixo temático "La electricidad y la vida urbana" foi desenvolvido em quatro mesas compostas por 14 comunicações apresentadas no dia 24 de janeiro de 2012 (quadro 2). As mesas foram moderadas por Jordi Martí-Henneberg (Univerdidad de Lleida), Luis Urteaga (Universidad de Barcelona), Mercedes Arroyo (Universidad de Barcelona) e Angela Lúcia Ferreira (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).

Quadro 2
Autores, instituições, países e títulos das comunicações do eixo temático
“A eletricidade e a vida urbana”.

 

Nome

Instituição

País

Título da comunicação

5ª

Ana Cardoso de Matos

Universidade de Évora

Portugal

Tecnologia, engenharia e electricidade nas redes urbanas de iluminação e transporte. Portugal 1880-1926.

Carlos de Almeida Toledo

Faculdade de Campinas

Brasil

O sentido da urgência de domínio: as práticas da Light na eletrificação, mobilização e na produção do espaço – um estudo da metropolização brasileira.

Ignacio Muro Morales

Universitat Rovira i Virgili

Espanha

La red eléctrica y el alumbrado público en Barcelona, 1894-1922.

6ª

Américo Oscar Guichard Freire

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Brasil

A Light e os transportes coletivos no Rio de Janeiro: roteiro de questões.

Nelson de Nobrega Fernandes

Universidade Federal Fluminense

Brasil

Eletrificação do sistema suburbano da Estrada de Ferro Central do Brasil e a política urbana no Rio de Janeiro.

Doralice Sátyro Maia

Universidade Federal de Paraíba

Brasil

Luzes, Postes e Trilhos: equipamentos modernos que transformam a morfologia e a vida cotidiana da  Cidade da Parahyba  (Brasil) nos primórdios do século XX.

George Dantas, Barbara Lambert e Italo Dantas.

Univ. Federal do Rio Grande do Norte

Brasil

Ilumina-se a cidade: vida noturna, espaços públicos, usos privados em Natal.

Susana Pacheco

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Brasil

O caráter inovativo da Avenida Rio Branco (Rio de Janeiro) no início do século XX: luzes, trilhos e ações.

7ª

Edinelia M. O. Souza e Edilma O. Souza

Universidade Estadual da Bahia

Brasil

Modernização e vida urbana na cidade de Santo Antonio de Jesus - Ba.

Eulalia Ribera Carbó

Instituto José María Luis Mora

México

Moviendo telares e iluminando la ciudad. La electrificación de Orizaba 1880-1930.

Pedro Pirez

Universidad de Buenos Aires

Argentina

La configuración de la distribución eléctrica como servicio público en la ciudad de Buenos Aires.

Alberto Martínez e Jesús Mirás Araujo

Universidad de La Coruña

Espanha

La transición energética en las ciudades de Galicia. Del gas a la electricidad, 1880-1936.

Ángel Calvo

Universidad de Barcelona

Espanha

La electrificación de la industria en una ciudad mediterránea: Barcelona.

8ª

Mercedes Tatjer

Universidad de Barcelona

Espanha

Desde la producción de energía hasta el consumo doméstico: instalaciones e industrias auxiliares en la ciudad de Barcelona.

Guillem Fernández-González

Universidad de Barcelona

Espanha

Urbanisme i energia elèctrica a l'Exposició Internacional  de Barcelona de 1929.

Fonte: elaboração própria com base em dados do simpósio.

Ana Cardoso de Matos analisou as redes urbanas de iluminação e transporte ressaltando o papel da eletricidade no processo de modernização urbana. A configuração da rede elétrica e de iluminação pública em Barcelona no período de 1894 a 1922 foi o tema desenvolvido por Ignacio Muro Morales. Carlos de Almeida Toledo apresentou uma reflexão sobre o modo como as empresas ligadas ao negócio elétrico impõem suas práticas hegemônicas e dominadoras. Se o aumento da produção de energia elétrica tem denotado o aumento do consumo, isso está ligado a necessidade de acumulação de capital pelas empresas da eletricidade que agem e ordenam o território conforme as suas necessidades. A urbanização e/ou metropolização, portanto, está ligada a este contexto, como assinalado por Carlos Toledo.

A discussão dessa seção foi direcionada para o tema da modernização urbana intermediada pela eletrificação dos transportes e a consequente transformação do cotidiano nas cidades. Também foi sublinhado que a eletrificação, sobretudo no Brasil, inaugurou um padrão de produção e de consumo evidentemente voltado para a formação de um monopólio e, consequentemente, de um efetivo domínio territorial. O papel dos engenheiros na formação das redes técnicas e na expansão das cidades, sobretudo o modo como desenvolvem suas ações permeou um debate polêmico: de um lado foi enfatizada a relevância desses profissionais na expansão das redes técnicas; de outro, questionou-se suas atuações (assim como das empresas) por promoverem a expansão de uma lógica territorial segregadora. Os debates desse eixo foram densos do ponto de vista dos apontamentos críticos e das reflexões teóricas, mas também se caracterizaram por uma considerável base empírica também observada na grande maioria dos trabalhos apresentados nos outros eixos.

Na segunda mesa do eixo “La electricidad y la vida urbana” cinco comunicações foram apresentadas com a moderação de Luis Urtega. O processo de eletrificação do espaço urbano no Rio de Janeiro e as consequentes transformações socioespaciais foram temas bastante explorados nas comunicações de Américo Oscar Guichard Freire, Nelson de Nóbrega Fernandes e Susana Pacheco. Com uma análise voltada para duas cidades do Nordeste do Brasil no início do século XX, Doralice Sátyro Maia e George Dantas desenvolveram um estudo sobre o processo de eletrificação na Cidade da Parahyba e Natal, respectivamente.

Mercedes Arroyo moderou os trabalhos da terceira mesa. Gilmar Mascarenhas apresentou a comunicação das autoras Edinelia Souza e Edilma Souza (Universidade Estadual da Bahia), acerca da modernização da vida urbana na cidade de Santo Antonio de Jesus (Bahia-Brasil). Eulalia Ribera Carbó e Pedro Pires apresentaram estudos sobre a configuração da eletrificação em cidades como Orizaba (México) e Buenos Aires (Argentina), respectivamente. Alberto Martínez López falou sobre a transição energética em cidades da Galícia-Espanha. Finalizando as apresentações dessa mesa, Ángel Calvo discorreu sobre a eletrificação da indústria em Barcelona a partir de suas peculiaridades enquanto cidade mediterrânica.

Duas comunicações, de Guillem Fernández-Gonzáles e Mercedes Tatjer encerraram os trabalhos do eixo “A eletricidade e a vida urbana” com a moderação de Angela Lúcia Ferreira.  Nessa mesa foi evidenciado não somente as lógicas que envolvem a produção de energia elétrica, mas também o consumo doméstico na cidade de Barcelona. No geral, as consequências socioespaciais do processo de eletrificação, especialmente nos espaços urbanos no final do século XIX e primeiro quartel do século XX, foram bastante discutidos. O fato de que o capitalismo não é homogêneo tanto historicamente como espacialmente (afirmação defendida por Capel), também transitou os debates e incitou a necessidade de contextualização histórica e espacial das pesquisas sobre redes de energia.

Redes de ferrovias, extensão urbana e projetos urbanísticos

“Redes de ferrocarriles: extensión urbana y proyetos urbanísticos” foi o tema geral de 11 comunicações distribuídas em três das quatro mesas realizadas no dia 25 de janeiro de 2012 (quadro 3). Com a moderação de Odette Seabra (Universidade de São Paulo) os principais temas abordados na primeira mesa foram relacionados ao papel dos bondes e das redes técnicas na (re)organização do espaço urbano do Rio de Janeiro e Natal. Alvaro Ferreira focou sua análise no porto do Rio de Janeiro e nos bondes no início do século XX e também do século XXI no sentido de questionar a questão da exclusão. Em sentido complementar, Gilmar Mascarenhas de Jesus abordou a “produção do abandono” a partir da modernidade das redes técnicas no período de 1890 a 1930. Angela Lúcia Ferreira apresentou uma comunicação acerca do impacto que a eletrificação dos transportes e implantação dos bondes desencadearam no espaço urbano de Natal, no Rio Grande do Norte (Brasil).

Quadro 3
Autores, instituições, países e títulos das comunicações do eixo temático
“Redes de ferrovias, extensão urbana e projetos urbanísticos”.

 

Nome

Instituição

País

Título da comunicação

9ª

Alvaro Ferreira

Pontifícia Univ. Católica do Rio de Janeiro

Brasil

O porto de Rio de Janeiro e o bonde no início do século XX e no início do século XXI: novas exclusões?

Gilmar Mascarenhas de Jesus

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Brasil

Modernidade das redes técnicas e temporalidades em contraste: a produção do abandono na área central do Rio de Janeiro (1890 - 1930).

Gabriel Leopoldino, Angela Ferreira e George Dantas

Univ. Federal do Rio Grande do norte

Brasil

A cidade sobre trilhos: o bonde e as transformações urbanas de Natal.

10ª

Miguel Mayoga

Universidad Politécnica de Cataluña

Espanha

Movilidad y nuevos modelos urbanos. El tranvía en la modernización de Bogotá (1884-1951).

Domingo Cuéllar Villar

Fundación de los Ferrocarriles Españoles

Espanha

Las primeras alternativas en la electrificación de los ferrocarriles de vía ancha en España (1907-1924).

Francesc Magrinya

Universidad Politécnica de Cataluña

Espanha

Las redes eléctricas y de transporte y la explosión de la ciudad: del Pla de Barcelona a Catalunya-Ciutat.

Teresa Navas

Universidad Politécnica de Cataluña

Espanha

Crecimiento urbano, red secundaria y tranvía eléctrico en el área de Barcelona.

11ª

Eduardo Romero

Universidade Estadual Paulista

Brasil

Eletrificação em empresas ferroviárias paulistas: aspectos da tecnologia e organização do espaço do trabalho (1902-1937).

Domingo Cuéllar Villar e Ramón Méndez

Museo del Ferrocarril de Madrid

Espanha

Líneas sin red: el suministro de energía a las primeras líneas electrificadas en los ferocarriles españoles.

José Luis Lalana Soto e Luis Santos y Ganges

Universidad de Valladolid

Espanha

Electricidad y cambio tecnológico. La implantación de la electricidad en los grandes talleres ferroviarios.

Maria Lucia Pires Menezes

Univ. Federal de Juiz de Fora

Brasil

Zona da Mata Mineira: ferrovias, eletricidade, urbanização e rede urbana.

Fonte: elaboração própria com base em dados do simpósio.

Com a moderação de Pedro Pires (Universidad de Buenos Aires), Miguel Mayorga abriu as apresentações da segunda mesa apresentando os novos modelos urbanos de mobilidade a partir da modernização e eletrificação dos transportes na cidade de Bogotá (1884 a 1951). Domingo Cuéllar Villar focou sua análise na questão da memória da eletrificação e dos transportes na Espanha no primeiro quartel do século XX.  A expansão urbana de Barcelona a partir das redes elétricas e dos transportes foi foco da apresentação de Francesc Magrinyà. Nesse mesmo sentido, Teresa Navas também abordou o crescimento urbano em Barcelona, porém com foco na rede secundária e nos trens elétricos.

Na mesa que fechou o eixo temático “Redes de ferrocarriles: extensión urbana y proyetos urbanísticos”, Domingo Cuéllar (Fundación de los Ferrocarriles Españoles) moderou as comunicações e apresentou um estudo sobre as primeiras linhas eletrificadas nos trens espanhóis.  Ele também apresentou a comunicação de autoria de Eduardo Romero (Universidade Estadual Paulista) acerca da eletrificação em empresas ferroviárias paulistas, no Brasil. A eletricidade e a mudança no padrão tecnológico a partir da implantação de grandes empreendimentos ligados aos sistemas ferroviários foram temas discutidos por Luis Santos. Maria Lucia Pires Menezes encerrou esta mesa com um estudo sobre o papel das ferrovias e da eletricidade na urbanização e configuração da rede urbana na Zona da Mata no estado de Minas Gerais (Brasil).

Os debates deste eixo centraram-se no papel da eletrificação nos transportes urbanos, na mobilidade, na expansão e (re)organização do espaço urbano em países como Espanha, Brasil, Colômbia, México e Argentina. A discussão sobre o histórico da eletrificação com foco nos transportes também foi bastante evidenciado. Como assinala Capel em um recente trabalho sobre redes técnicas e configuração do espaço urbano: a aplicação da eletricidade nos transportes urbanos influenciou profundamente tanto a morfologia urbana como a vida das pessoas em cidades onde foram implantadas[19]. A questão imobiliária e os novos sentidos do solo urbano no processo de sua formação ao longo do tempo também foram discutidos. Ou seja, a formação das redes de transporte e sua relação com a questão imobiliária são temas emblemáticos nos debates sobre a eletrificação do território, sobretudo nos espaços urbanos.


Eletricidade e organização regional

O eixo “Eletricidad y organización regional” foi composto por 12 comunicações divididas em 3 mesas (quadro 4). A primeira foi realizada juntamente com a última mesa do eixo “Redes de ferrocarriles: extensión urbana y proyetos urbanísticos”, no dia 25 de janeiro de 2012. Com a moderação de Alvaro Ferreira (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Virgínia Bertino Jorge Vaz abriu as exposições com uma abordagem sobre a represa de Ribeirão das Lages e os consequentes impactos socioespaciais no sul do Estado do Rio de Janeiro. Yuri Simonini apresentou uma comunicação (fruto de trabalho desenvolvido juntamente com Angela Lúcia Ferreira e Alexandro Ferreira Cardoso da Silva - ambos da Univiversidade Federal do Rio Grande do Norte) com análise do modo como a Companhia AMFORP geriu as redes técnicas ligadas a eletrificação do território brasileiro no período de 1927 a 1939. Eduard Josep Álvares Palau analisou os impactos da colonização do Alto Valle do Rio Negro, na Argentina, considerando as obras hidráulicas, os transportes e a eletricidade.

Dois outros trabalhos sobre o México foram apresentados por Humberto Morales Moreno e Azucena Arango. O primeiro realizou um estudo pelo viés histórico acerca das origens da eletricidade em Puebla-México e Azucena Arango apresentou uma discussão sobre a eletrificação em San Rafael (México) a partir da energia de matriz hidráulica e pela demanda industrial.

Quadro 4
Autores, instituições, países e títulos das comunicações do eixo temático
“Eletricidade e organização regional”.

 

Nome

Instituição

País

Título da comunicação

12ª

Virgínia Bertino Jorge Vaz

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Brasil

A Represa de Ribeirão das Lages e os efeitos sócio-espaciais no planalto da Serra do Mar no sul do Estado do Rio de Janeiro.

Eduard Josep Álvares Palau

Universidad Politécnica de Cataluña

Espanha

La colonización del Alto Valle del Rio Negro (Neuquen) en Argentina: ferrocarril, obras hidráulicas y electricidad y la consolidación del poblamiento.

Humberto Morales Moreno

Universidad Autónoma de Puebla

México

Orígenes de la industria eléctrica en Puebla, México. La Hidroeléctrica de El Portezuelo, 1899-1910.

Azucena Arango

Universidad Humboldt

México

Energía hidráulica, industria y electrificación: el caso de San Rafael, México.

13ª

Letícia Campos Aragón

Universidad Nacional Autónoma de México

México

El servicio de alumbrado eléctrico en México a fines del siglo XIX y comienzos del XX.

Mercedes Arroyo

Universidad de Barcelona

Espanha

De las “fábricas de luz” a la creación de un sistema. La organización regional de Fuerzas Hidroeléctricas del Segre (1920-1945).

Rosa Llados Vidal

Universidad Politécnica de Cataluña

Espanha

Com s'ilumina la Vall Fosca?

Denis Castilho e Tadeu A. Arrais

Universidade Federal de Goiás

Brasil

Eletrificação e modernização do território em Goiás-Brasil.

14ª

Vicente Casals

Universidad de Barcelona

Espanha

El ingeniero Miguel Ángel de Quevedo y los inicios de la electrificación en México.

Paulo José Lisboa Nobre

Univ. Federal do Rio Grande do Norte

Brasil

Eletricidade, Engenharia e Defesa Florestal: mudança de rumo no desenvolvimento brasileiro (1900-1934).

Marta Castañé Sanmartín

Universidad Politécnica de Cataluña

 

Génesis del proceso de industrialización del río Ter en la comarca de Osona. De los molinos a las grandes colonias industriales.

Ana Paula Solis Rojas

Consejo Nacional de Ciência y Tecnología

México

La generación eléctrica en México: una aproximación cuantitativa, 1889-1930.

Fonte: elaboração própria com base em dados do simpósio.

Quim Bonastra (Universidad de Lheida) moderou a segunda mesa do eixo temático “Electricidad y organización regional”. Mercedes Arroyo abriu as apresentações com um estudo sobre a trajetória econômica e territorial da empresa hidrelétrica Fuerzas Hidrelétricas del Segre na Catalunha e a criação de um sistema que influenciou a organização regional no período de 1920 a 1945. Leticia Campos Aragón levantou uma discussão sobre o serviço de iluminação elétrica no México no final do século XIX e início do século XX. Rosa Llados Vidal, em seu trabalho intitulado “Com s’ilumina la Vall Fosca?”, criticou o abandono e o descaso de importantes edificações que guardam uma memória arquitetônica. A última comunicação dessa mesa foi de minha autoria e de Tadeu Alencar Arrais. Nela apresentamos um histórico da eletrificação no Brasil e em Goiás, ressaltando as políticas e estratégias que priorizaram a opção pela energia elétrica de matriz hidráulica e desenvolvemos uma análise do sentido territorial da geração, distribuição e comercialização de energia elétrica no estado de Goiás.

Eulalia Ribera Carbó (Instituto José María Luis Mora) moderou a terceira e última mesa deste eixo. Vicente Casals abriu as discussões apresentando uma comunicação sobre o engenheiro Miguel Ángel de Quevedo e os primórdios da eletrificação no México, estabelecendo uma análise do papel dos engenheiros mas, também, de outros atores e ações na construção de redes técnicas. Angela Lúcia Ferreira apresentou a comunicação de autoria de Paulo José Lisboa Nobre (da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) acerca da mudança da matriz energética brasileira – com opção pela energia hidráulica e a consequente diminuição das devastações indiscriminadas de grandes áreas florestais, já que anteriormente o carvão era intensamente explorado para a geração de energia. Marta Castañé Sanmartín apresentou a gênese do processo de industrialização nas proximidades do rio Ter (na Catalunha – Espanha) e os impactos nos patrimônios arquitetônicos a partir da implantação de grandes colônias industriais que, segundo a apresentadora, também promoveu um profundo prejuízo às identidades dos lugares. Ana Paula Solis Rojas fez uma análise quantitativa da geração de energia elétrica no México no período de 1889 até 1930, mostrando, também, a evolução dos números frente ao crescimento demográfico e urbano.

No geral, os debates desse eixo evidenciaram que a formação de redes de energia possuem um indiscutível poder de articulação e (re)organização do território e das regiões. Esse eixo deixou muito bem evidenciado o modo como a eletrificação interfere e até inaugura novos padrões regionais, novos modos de mobilidade e de produção do território.


O patrimônio da eletricidade e o turismo industrial

Com a moderação de Antoni Buj Buj (IES Doctor Puigvert), o eixo temático “El patrimônio de la electricidad y el turismo industrial” foi composto por quatro comunicações (quadro 5) apresentadas no dia 26 de janeiro, mesma data do encerramento do simpósio.

Quadro 5
Autores, instituições, países e títulos das comunicações do eixo temático
“O patrimônio da eletricidade e  o turismo industrial”.

 

Nome

Instituição

País

Título da comunicação

15ª

Vanessa Lópes Arrébola

Fondo Histórico de Endesa

Espanha

El Fondo Histórico Endesa y su papel en la recuperación del patrimonio histórico de la electricidad.

Carme Montaner Garcia

Institut Cartogràfic de Catalunya

Espanha

Mapas de FECSA (Fuerzas Eléctricas de Catalunya) en el Institut Cartogràfic de Catalunya.

Azucena Arango

Universidad Humboldit

México

Arquitectura y memoria en riesgo: el patrimonio industrial de las Fábricas de Papel de San Rafael, México.

Hindenburgo Francisco Pires

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Brasil

Imagens e história na Internet: os bondes, patrimônio brasileiro.

Fonte: elaboração própria com base em dados do simpósio.

Vanessa López Arrébola e Azucena Arango ressaltaram a importância de políticas para a manutenção de acervos históricos relacionados à eletricidade. Vanessa discorreu sobre o papel do Fondo Histórico da Companhia Elétrica Endesa na recuperação do patrimônio da eletricidade e Azucena Arango desenvolveu uma análise do risco que o patrimônio industrial das fábricas de papel em San Rafael (México) vem passando nos últimos anos. Carme Montaner Garcia apresentou um conjunto de imagens e mapas da FECSA (Fuerzas Eléctricas de Catalunya) retratando o processo de eletrificação na região da Catalunha-Espanha. Hindenburgo Francisco Pires falou sobre a importância do patrimônio da internet para o reconhecimento das imagens históricas dos bondes brasileiros. Defendeu que os recursos virtuais também se constituem como importantes meios de representação da memória social dos lugares e que a eletrificação dos bondes ocorreu em um momento onde a inserção de transportes movidos a petróleo também estava em evidência[20].

A expansão das redes técnicas, portanto, representou a integração de diferentes áreas urbanas e também foi um componente a mais na capacitação da força de trabalho (logicamente que isso foi apropriado pelo jogo do mercado), mas que, enfim, transformou a configuração do espaço urbano, sendo os bondes um marco no processo de modernização das cidades. As políticas, ações e recursos voltados tanto para a recuperação como para a manutenção da memória da eletricidade engendrou os debates no sentido de valorizar uma memória que permita o reconhecimento da eletrificação, de seus conflitos e de suas influências na industrialização, na formação das cidades e na vida das pessoas.


Seção de encerramento e síntese dos principais temas levantados nos debates

Na seção de encerramento o professor Horacio Capel ressaltou a importância dos debates ora apresentados sobre a eletrificação. As redes técnicas impõem-nos um desafio: compreender o complexo sistema que articula, transforma e (re)organiza as lógicas espaciais. Nesse sentido, foi assinalado que as novidades apresentadas no simpósio foram fundamentais para impulsionar novas pesquisas e investigações sobre o tema. Capel ainda ressaltou a necessidade de aprofundarmos nossas concepções e abordagens acerca das redes elétricas em diferentes escalas: local, regional, nacional e internacional. No geral, o professor evidenciou a importância do modo como a ciência se coloca diante do tema destacando que a história da eletrificação tem evidenciado consequências espaciais que exigem novas interpretações. Por isso é preciso utilizar a história e a geografia para entendermos o passado e o presente, mas que isso nos possibilite pensar o futuro. A professora Odette Seabra, da Universidade de São Paulo (instituição que abrigará o próximo simpósio), também destacou que o tema da eletrificação, pesquisado por ela em seu doutorado, volta a participar de seus estudos uma vez que o evento e novas demandas despertaram a necessidade de dar continuidade aos debates e investigações acerca de um elemento tão fundamental para entendermos a modernização social, que é a eletrificação.

Do ponto de vista dos debates convém destacar alguns pontos que foram bastante evidenciados:

·        A relação capital – técnica – negócio elétrico e a formação de monopólios, o que exige uma leitura das tramas de poder;

·        A reorganização das cidades intermediada pela eletrificação dos transportes e a conseqüente transformação da vida urbana;

·        O papel dos engenheiros na eletrificação e na formação de redes técnicas;

·        A relação entre eletrificação dos transportes com a questão imobiliária;

·        O papel das redes de energia na configuração dos territórios;

·        O negócio elétrico, o capital (privado e estatal) e os serviços de distribuição e comercialização de energia elétrica;

·        As inovações e suas influências espaciais;

·        A formação das redes técnicas e o modo como temos que pensar a sua aplicação.

A compreensão das tramas de poder, o modo como grandes grupos empresariais ligados à eletricidade agem sobre o território e as consequências sociais desse processo, são assuntos que não podem deixar de compor nossas agendas de pesquisa. Destarte, além de toda descrição das mesas, cabe ressaltar o papel que a energia elétrica tem desempenhado (por meio das ações e das estratégias de poder) no processo de modernização, o que a constitui como insumo estratégico. Também é fundamental entendermos a modernização não somente como um fenômeno técnico, mas também político.


Eletrificação, padrão espacial e o tema da modernização territorial

O conjunto de interpretações e debates apresentados no simpósio nos permite elucidar algumas reflexões. Como insumo estratégico, a energia elétrica é um componente fundamental no processo de produção do território. A própria formação da infraestrutura produtiva assim como das redes, sobretudo no período contemporâneo, possui uma dependência à energia elétrica. As redes de energia, portanto, foram fundamentais na produção do território em muitos países, especialmente a partir da segunda metade do século XIX, quando ocorreu a segunda revolução industrial. Desde então tem-se verificado um aprimoramento exponencial das inovações tecnológicas.

Em países como o Brasil, Milton Santos e Maria Laura Silveira[21] ressaltam a importância das redes técnicas na formação de seu território. Diante disso, parece necessário uma leitura dos padrões espaciais que as mesmas vão fundando. No caso da energia, Gerald Manners também chama a atenção para o estudo do modo como a produção e o consumo se distribuem espacialmente ou o que ele chama de Geografia da Energia[22].

Nesse sentido, é indiscutível a importância da compreensão da eletrificação a partir de seu contexto histórico, mas devemos nos atentar, também, para o seu sentido espacial. Aqui podemos dizer que está em evidência dois assuntos fundamentais: a formação das redes de energia elétrica e o seu funcionamento ou o modo como ela se espacializa. Em função disso, algumas questões são fundamentais, como: onde e por quem a energia é produzida? onde e a que fim ela é consumida? Que tramas empresariais e interesses de poder estão envolvidos? Certamente a divisão territorial do trabalho está intimamente ligada as redes de energia. Mas isso também permeia as atuações e ações das grandes corporações, suas articulações políticas e o processo de localização dos sistemas produtivos. Acerca das localizações, Alain Bourdin[23] assinala que essa é fruto da construção da ação em um contexto de recursos e exigências. A ação dos grupos locais, segundo este autor, é também importante. Isso explica um fato muito evidenciado em algumas apresentações do simpósio: trata-se das articulações de empresas como Brazilian Traction e Barcelona Traction com grupos locais (além, é claro, de suas relações com o capital internacional).

O monopólio, bastante evidenciado quando falamos da cadeia produtiva de energia elétrica, evidentemente abranda ou fecha a entrada de outros atores no sistema da macro-produção. Mas em contrapartida o aumento da produção pressupõe, também, o aumento da demanda, lembrando o que Bourdin afirma: quanto mais o sistema de um lugar está aberto ao consumo, tanto mais as possibilidades de localização de determinados serviços são numerosos[24]. É por isso que as grandes empresas articulam (com apoio do Estado), o aumento dos serviços que demandam eletricidade.

Do ponto de vista da formação da cadeia produtiva e das redes de energia elétrica, especialmente o modo como a sua distribuição se espacializa, podemos dizer que ao longo do século XX temos uma evolução nos padrões de distribuição: da lógica local às redes interligadas de longo alcance. No Brasil, por exemplo, podemos compreender como se deu esse avanço considerando as políticas e estratégias de produção, que já na metade do século XX tinham um caráter territorial nacional. Todavia, por mais que as articulações políticas e econômicas ligadas à eletrificação adquiriram um caráter nacional mais rápido, a distribuição de energia elétrica por redes físicas teve uma evolução mais branda. Por exemplo, conforme expomos na comunicação apresentada no simpósio[25] podemos apontar alguns períodos e respectivos padrões de distribuição no Brasil:

·       1879-1898: experiências pioneiras (interesse local);

·       1899-1929: entrada de capital estrangeiro e atuação de grupos privados nacionais (padrão espacial local);

·       1930-1945: regulamentação e aumento da capacidade instalada (padrão espacial local);

·       1950-1964: políticas de governo e criação de empresas públicas (padrão espacial regional);

·       1965-1990: desenvolvimento estatal (padrão espacial regional com formação de redes);

·       1991-2011: privatizações e reformas (padrão espacial nacional com sistemas regionais interligados de longo alcance).

Os padrões espaciais de longo alcance foram possíveis a partir da construção de usinas hidrelétricas que possibilitam grandes alcances de distribuição. Mas esse tipo de produção também tem influenciado outros padrões espaciais (não somente aqueles ligados à distribuição), já que grandes áreas alagadas interferem na estrutura fundiária e promovem conflitos de diferentes escalas[26]. Primeiro porque desapropria grandes contingentes de famílias, propriedades rurais e comunidades tradicionais, envolvendo conflitos com ambientalistas, Organizações não Governamentais (ONGs) e Movimentos Sociais (como demonstrado por Marcelo Mendonça[27]). Segundo: a questão não se restringe somente à apropriação da energia elétrica, mas também da água e do próprio abastecimento.

Esse fato incrementa o debate geopolítico ligado a eletrificação e à água e estabelece novas questões. Até porque a apropriação desses insumos por parte de um grupo restrito de atores os deixa em condições privilegiadas na gestão e produção do território. Como ressalta Claude Raffestin, o domínio dos fluxos e das redes materiais, tal como as redes de energia, representa uma evidente estratégia de poder[28]. Assim, compreender as tramas territoriais da eletrificação parece ser um caminho importante para pensarmos na modernização como processo. O espaço ou a espacialização, portanto, são conceitos chaves para analisarmos o que Faoro chama de modernizações[29], processo que tem ocasionado profundas diferenciações tanto no tempo como no espaço.

A compreensão do sentido espacial da eletrificação também pode ser pensada na perspectiva da modernização territorial. Como processo de expansão do capital pelos lugares[30], a técnica não prescinde a política – e vice versa. Ou seja, “a modernização não se realiza somente nas fábricas, nos trilhos, nos portos, nos grandes edifícios etc., ou somente nas subjetividades e interesses políticos. Ela precisa se encontrar, de maneira dialética, nas duas opções”[31]. O problema é que falamos muito das conseqüências do processo de modernização (recorrendo, em muitos casos, às abordagens dualistas[32]) mas pouco analisamos a sua origem, os interesses envolvidos e, sobretudo a maneira como é produzida - como exemplo das condições e dos processos que envolvem a eletrificação.


Uma agenda de pesquisa

As apresentações e os debates desenvolvidos no simpósio, a conferência do professor Horacio Capel e as considerações que assinalamos anteriormente, evidenciam que o estudo acerca da eletrificação ainda se depara com muitas questões. Dentre elas, destacamos algumas que poderiam servir para o seguinte simpósio que acontecerá em São Paulo:

·        A história da eletrificação e os impactos espaciais da eletricidade;

·        As novas divisões territoriais do trabalho assim como os padrões espaciais que vão sendo inaugurados;

·        As determinações políticas e econômicas que influenciam o desenvolvimento de novas matrizes energéticas;

·        Os modelos de acumulação e/ou dos ganhos financeiros;

·        Os impactos socioambientais;

·        O monopólio da energia que também tem suscitado o monopólio da água em países como Brasil, Canadá, Estados Unidos e China;

·        As implicações na estrutura fundiária e na organização do território;

·        A inserção de novos atores na produção de energia elétrica, a exemplo daqueles ligados a mineração e ao agronegócio no Brasil[33];

·        Os conflitos em diferentes escalas que envolvem Estado, empresas e movimentos sociais;

·        A eletricidade, as tramas de poder e as consequências sociais[34];

·        A relação entre energia elétrica, ferrovias e negócios imobiliários;

·        O papel da técnica e da engenharia da construção de novas redes de energia;

·        Os mecanismos de regulação estatal da produção e comercialização de energia e sua relação com a estrutura social, econômica e política de cada país.

Também gostaríamos de ressaltar a necessária compreensão da energia elétrica como meio estratégico para o processo de modernização territorial. Os avanços das lógicas modernas ocorrem a partir de dois modelos muito bem assimilados nas revoluções industriais. Por isso, em nossas pesquisas e debates um desafio emblemático que se impõe é: não desvincular a compreensão das redes técnicas do necessário entendimento político de todo esse processo.


Agradecimentos

À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), pela bolsa concedida à minha pesquisa de doutorado.

 

Notas

[1] Disponível pelo endereço<http://www.ub.edu/geocrit/actassi.htm>

[2] Capel, 1994.

[3] Seabra, 1986.

[4]Pírez, 2000.

[5] Como exemplo de Arroyo Huguet, 1996 e 2010.

[6] Aragón, 2005.

[7] Alayo i Manubens, 2007.

[8] A mesa de abertura foi composta pelo Diretor do Simpósio Horacio Capel, pelo Coordenador Vicente Casals, pela Diretora do Departamento de Geografía Humana da Universidade de Barcelona Mercedes Marín, pelo Diretor Acadêmico do Consórcio da Universidad Internacional Menèndez Pelayo (Barcelona), pela Vanessa Lópes Arrébola (do Fondo Histórico da ENDESA) e pela Decana da Facultad de Geografía e Historia da Universidad de Barcelona María Ángeles del Rincón.

[9] Acerca dos estudos sobre os telégrafos, ver Capel e Tatjer Mir, 1994.

[10] Sobre a organização das redes telefônicas Capel, 1994b.

[11] Capel, 2012.

[12] No Brasil a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) adota três classificações para as usinas geradoras de energia de matriz hidráulica conforme a potência instalada: Centrais Geradoras Hidrelétricas – CGH (com até 1 MW de potência instalada); Pequenas Centrais Hidrelétricas - PCH (entre 1,1 MW e 30 MW de potência instalada); e Usina Hidrelétrica de Energia – UHE (com mais de 30 MW), que também são chamadas de grandes usinas hidrelétricas. De acordo com o Atlas de Energia Elétrica do Brasil (BRASIL, 2002), a energia elétrica geralmente é medida em watt ou seus múltiplos: quilowatt (kW), megawatt (MW) ou gigawatt (GW). 1 kW corresponde a 1.000 watt. Já 1 mW corresponde a 1.000 kW. Para mais informações, acesse: <http://www.aneel.gov.br>

[13] Segundo o Atlas de Energia Elétrica do Brasil (BRASIL, 2012) “o porte da usina também determina as dimensões da rede de transmissão que será necessária para levar a energia até o centro de consumo. Quanto maior a usina, mais distante ela tende a estar dos grandes centros. Assim, exige a construção de grandes linhas de transmissão em tensões alta e extra-alta (de 230 quilovolts a 750 quilovolts) que, muitas vezes, atravessam o território de vários Estados. Já as PCHs e CGHs, instaladas junto a pequenas quedas d'águas, no geral abastecem pequenos centros consumidores – inclusive unidades industriais e comerciais – e não necessitam de instalações tão sofisticadas para o transporte da energia”.

[14] Capel, 2011, p. 63.

[15] Capel, 2011, p.132.

[16] Seabra, 2012.

[17] Oliveira, 2012.

[18] Seabra, 2012.

[19] Capel, 2011.

[20] O artigo de Hindenburgo Francisco Pires foi  publicado na Revista Aracne no seguinte endereço eletrônico: <http://www.ub.edu/geocrit/aracne/aracne-156.htm>

[21] Santos e Silveira, 2001.

[22] Manners, 1967.

[23] Bourdin, 2001.

[24] Bourdin, 2001.

[25] Castilho e Arrais, 2012.

[26] A área alagada de uma usina hidrelétrica localizada no nordeste do Brasil (UHE de Sobradinho) é de 4.214km² , sendo 2,6 vezes maior que a cidade de Londres, que tem uma área de 1.579 km². No Brasil, o total da área alagada é de 36 mil km² (FERREIRA et. Al, 2000), maior que toda extensão da Belgica, que possui 30. 528  km².

[27] Mendonça, 2004.

[28] Raffestin, 1993.

[29] Faoro, 1992.

[30] Castilho, 2010.

[31] Castilho e Arrais, 2012.

[32] Essas abordagens geralmente são desenvolvidas por pares, como consequências positivas e negativas; concentração e dispersão; centro e periferia; bom e mal, etc – sem considerá-los em uma simbiose ou em uma unidade contraditória, para lembrar Oliveira (2003), ou sem abrir possibilidades para compreendemos o território no sentido de numa perspectivas que transcenda os pares opostos e separados.

[33] Como assinalado por Castilho e Arrais, 2012.

[34] Como pesquisado por Seabra (1986) e Pírez (2000), a eletricidade tem sido gerada e gestada por lógicas de poder que não podem escapar aos nossas olhos.

 


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Ficha bibliográfica:

CASTILHO, Denis. A pesquisa e o debate sobre a eletrificação do território: considerações sobre o Simpósio Internacional “Globalização, inovação e construção de redes técnicas urbanas em América e Europa”. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 20 de marzo de 2012, Vol. XVII, nº 967. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-967.htm>. [ISSN 1138-9796].


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