Biblio 3W
REVISTA BIBLIOGRÁFICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona 
ISSN: 1138-9796. Depósito Legal: B. 21.742-98 
Vol. XVII, nº 987, 5 de agosto de de
2012
[Serie  documental de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

EXPANSÃO DA CULTURA DO TABACO NO SUL DO BRASIL (1996-2006): CARACTERISTICAS, MUDANÇAS E PERSISTÊNCIAS NA PRODUÇÃO DE TABACO E NOS USOS DO TERRITÓRIO

 

Rogério Leandro Lima da Silveira
Geógrafo, Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Departamento de História e Geografia, Universidade de Santa Cruz do Sul – Brasil.
rlls@unisc.br

Mizael Dornelles
Geógrafo - Universidade de Santa Cruz do Sul. Bolsista de Iniciação Científica – PUIC-UNISC.
geomiza@yahoo.com.br

Stela Ferrari
Aluna do Curso de Bacharelado em Geografia da Universidade de Santa Cruz do Sul, e Bolsista de Iniciação Científica – PUIC-UNISC.
stelaferrari@hotmail.com

Recibido: 30 de abril de 2011. Devuelto para revisión: 30 de mayo de 2011. Aceptado: 26 de marzo de 2012.


Expansão da cultura do tabaco no sul do Brasil (1996-2006): características, mudanças e persistências na produção de tabaco e nos usos do território (Resumo)

O trabalho analisa o processo de expansão da cultura do tabaco em folha na região Sul do Brasil, onde se encontram a principal área produtora do país e os principais objetos técnicos utilizados na produção, comercialização e processamento industrial de tabaco. Nela também se localizam os principais atores que participam desse complexo agroindustrial, notadamente os agricultores familiares e as empresas agroindustriais multinacionais. Nos últimos quinze anos, o aumento na demanda de tabacos claros e com sabor para a fabricação de cigarros no mercado mundial, aliado às condições ambientais favoráveis e à competitividade do produto brasileiro, favoreceu a expansão da cultura do tabaco e das atividades do complexo agroindustrial tabaqueiro nessa região. Esse processo revela permanências e mudanças no modo de produção de tabaco com importantes reflexos na dinâmica de organização espacial e de usos do território. Inicialmente se apresenta as principais razões dessa região ser a principal área de produção de tabaco do país, e como o complexo agroindustrial aí instalado se configura espacialmente. Após analisa-se variáveis selecionadas que caracterizam a organização e o desenvolvimento da produção regional de tabaco em folha, e sua dinâmica recente de organização do território nas áreas rurais das principais microrregiões produtoras do Sul do Brasil.

Palavras-chave: tabaco, complexo agroindustrial do tabaco, Região Sul do Brasil, usos do território.


Expansion of tobacco culture in south Brazil (1996-2006): characteristics, changes and persistence in tobacco production and in use of territory (Abstract)

This work analyzes the expansion process of the leaf tobacco culture in the south region of Brazil, where the main production area of the country is located and the main technical objects are used in the production, commerce and industrial processing of tobacco. In this area are also located the main actors that participate in this agribusiness complex, especially the family agriculturists and the agribusiness multinational enterprises.  In the last fifteen years, the augmentation of the demand of light-colored and flavored tobacco for the fabrication of cigarettes in the world market, allied to the favorable environmental conditions and the competition of the Brazilian product, favored the expansion of the tobacco culture and the tobacco agribusiness complex in this region. This process reveals permanence and change in the way of tobacco production with important reflex in the dynamic of space organization and use of the territory. Initially, we present the main reasons why this region is the main tobacco production area in the country, and how the agribusiness complex installed is configured spatially. Afterwards, we analyze the selected variables that characterize the organization and the development of the regional leaf tobacco and its recent dynamics of territory organization in the rural areas of the main production micro-regions of South Brazil.

Keywords: tobacco, agribusiness tobacco complex, South Region of Brazil, use of territory.


Expansión del tabaquero en el sur de Brasil (1996-2006): características, cambios y persistencias en la producción de tabaco y en los usos del territorio (Resumen)

El trabajo analiza el proceso de expansión de la cultura del tabaco en hoja en la región Sur de Brasil, donde se encuentran la principal área productora del país y los principales objetos técnicos utilizados en la producción, comercialización y procesamiento industrial de tabaco. En ella también se ubican los principales actores que participan en este complejo agroindustrial, destacando,  los agricultores familiares y las empresas multinacionales. En los últimos quince años, el aumento de la demanda de tabacos claros y con sabor, para la fabricación de cigarrillos para el mercado mundial, aliado a las condiciones ambientales favorables y a la competitividad del producto brasileño, favoreció la expansión de la cultura del tabaco y de las actividades del complejo agroindustrial tabacalero de esta región. Ese proceso revela permanencias y cambios en el modo de producción de tabaco con importantes reflejos en la dinámica de la organización espacial y de los usos del territorio. Inicialmente se presentan las principales razones por las que esta región es la principal área de producción de tabaco del país, y como el complejo agroindustrial ahí instalado se configura espacialmente. A continuación se analizan las variables seleccionadas que caracterizan la organización y el desarrollo de la producción regional de tabaco en hoja y su dinámica reciente de organización del territorio en las áreas rurales de las principales microrregiones productoras en el Sur de Brasil.

Palabras clave: tabaco, complejo agroindustrial del tabaco, Región Sur de Brasil, usos del territorio.


O presente ensaio tem como objetivo apresentar algumas das características identificáveis no processo de expansão da cultura do tabaco ocorrida na região Sul do Brasil, nos últimos quinze anos. Expansão essa, inserida no contexto de intensa expansão do setor tabaqueiro em âmbito mundial, caracterizada por acirrada concorrência oligopolista pelos mercados consolidados e pelos mercados emergentes de tabaco e de cigarro, e pelo aprofundamento dos graus de centralização e de concentração de capital. Em tal processo, ampliaram-se a modernização e a integração das atividades produtivas, e, diversificou-se o conjunto de agentes sociais que participa da produção e da circulação do tabaco, revelando uma maior complexificação do modo de funcionamento do setor, e de sua correspondente organização espacial, tanto na escala global quanto na escala nacional[1].

Importa, sobretudo, analisar as principais permanências e mudanças que têm caracterizado, nesse período, a organização e o desenvolvimento da produção do tabaco no Sul do Brasil, bem como refletir sobre alguns dos principais reflexos desse processo na dinâmica de organização espacial e de usos do território nas principais microrregiões produtoras.

Cabe destacar que as reflexões que aqui apresentamos têm origem nos resultados obtidos no projeto de pesquisa “Rede agroindustrial do tabaco e a dinâmica de organização espacial e de usos do território na região Sul do Brasil”, que desenvolvemos com o auxílio do CNPq e apoio da UNISC. Nessa pesquisa buscamos compreender e explicar como se configura espacialmente e como se organiza economicamente o complexo agroindustrial do tabaco instalado na região Sul do Brasil, e os principais reflexos do desenvolvimento desse ramo agroindustrial na dinâmica de organização espacial e de usos do território na região Sul do Brasil.

No presente ensaio, a abordagem sobre as características constitutivas do processo de expansão da cultura do tabaco no Sul do país, e seus reflexos socioespaciais no território, se realiza notadamente através do levantamento, análise e interpretação de dados secundários levantados pelos Censos Agropecuários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e de dados secundários obtidos junto à Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA), ao Sindicato das Indústrias de Tabaco (SINDITABACO), e ao Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais (DESER), bem como da sua espacialização no território.

O trabalho está constituído, além dessa introdução, de dois tópicos. No primeiro, apresentamos as principais razões e fatores que contribuíram para que essa região a partir da década de 1970, tenha se consolidado como a principal área de produção de tabaco em folha do país. Nela destacamos também a configuração espacial da expansão do ramo agroindustrial do tabaco instalado na região, os principais atores que participam do complexo agroindustrial do tabaco e a sua dinâmica de funcionamento.

Em um segundo e último tópico, com base nos dados obtidos dos Censos Agropecuários do IBGE, de 1996 e 2006, e pelos dados quantitativos e qualitativos levantados junto à AFUBRA, ao SINDITABACO e ao DESER analisamos variáveis selecionadas que caracterizam o processo de expansão da cultura do tabaco, como: quantidade produzida, área colhida, produtividade, condição do produtor de tabaco, grupos de área das propriedades produtoras de tabaco, e cobertura vegetal das propriedades. Nessa análise busca-se melhor identificar as principais características referentes às mudanças e permanências observadas na organização e no funcionamento da produção agroindustrial de tabaco, e em sua relação com a dinâmica de organização do território nas áreas rurais produtoras de tabaco da região Sul do Brasil.

Por fim, tecemos considerações finais buscando sintetizar as principais características e tendências dessa dinâmica de expansão espacial da cultura do tabaco e do complexo agroindustrial do tabaco no território da região Sul do Brasil.


A expansão da cultura e do complexo agroindustrial do tabaco instalado na região Sul do Brasil

Antes mesmo da chegada dos primeiros europeus ao Brasil o tabaco já era cultivado e utilizado pelos indígenas, sendo posteriormente introduzido na Europa. Embora houvesse diferentes usos associados ao tabaco, o mais relevante era o hábito de fumar[2].

A produção de tabaco no Brasil para fins comerciais inicia no século XVII sob o monopólio português quando a metrópole colonial passou a incentivar esse cultivo, sobretudo no Nordeste Brasileiro, com a finalidade de fomentar as trocas comerciais com a Europa, a fim de garantir o fornecimento de mão-de-obra escrava para o cultivo e o beneficiamento do açúcar, nos canaviais.

Até 1810, somente era permitido o plantio de tabaco na Bahia, entretanto, a abertura dos portos às nações amigas do Brasil proporcionou a desconcentração das áreas produtoras para as outras províncias brasileiras. A partir de 1850, Rio Grande do Sul e Santa Catarina começaram a ganhar destaque na produção de tabaco, em razão do cultivo que passava a ser realizado em pequenas propriedades, nas áreas destinadas à colonização com imigrantes europeus, notadamente, nas áreas com imigrantes alemães[3].

Nas três primeiras décadas do século XX, em razão do advento e crescente aumento do consumo de cigarros tanto no mercado interno quanto externo, houve uma gradativa diminuição da produção de tabacos escuros destinados a produção de charutos, como os cultivados nos estados do Nordeste do país, enquanto no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina a produção ampliava-se e se especializava em tabacos claros, ideais para a confecção de cigarros[4].

Segundo registros do IBGE, na década de 1940 a região Sul já alcançava a posição de maior produtora de tabaco em folha, com 52% da produção nacional. Não obstante, a partir da década de 1970, com a intensificação da internacionalização do setor, com o incremento dado aos tratos convencionais da agricultura e o advento tecnológico também incorporado, a região Sul quase triplicou a quantidade produzida em relação à região Nordeste. De 1940 a 2006 a região Sul apresenta um crescimento de aproximadamente 31 vezes. Nela, destacam-se Santa Catarina e Paraná que a partir dos anos 1975 passam a ser segundo e terceiro maiores produtores, respectivamente, atrás apenas do Rio Grande do Sul. Se em 1940 as regiões Sul e Nordeste respondiam juntas por 93% da produção nacional, em 2006 apenas o Sul respondia por 96,8% da produção nacional.

Atualmente, no Sul do Brasil são produzidos tabacos claros da variedade Virginia e Burley secados, respectivamente, em estufas a base de lenha e elétricas, e em galpões. Esses tabacos são do tipo flavour que dão sabor ao cigarro, os preferidos pelo mercado internacional. O restante da produção brasileira de tabaco é cultivado principalmente nos Estados da Bahia e de Alagoas, onde predomina ainda o tabaco para a fabricação de charutos e cigarrilhas. (Figura 1).

 


Figura 1. Brasil, principais regiões e Estados produtores de tabaco em folha (em toneladas) - 1940 a 2006
Fonte: SIDRA - IBGE Serie Histórica.

O crescimento progressivo da produção de tabaco no Sul do país, fez com que o Brasil alcançasse atualmente a posição de segundo maior produtor mundial de tabaco em folha, e desde 1993 o posto de principal país exportador. Se por um lado a longa tradição do país em cultivar e exportar o tabaco contribui para essa participação no mercado mundial de tabaco, por outro lado é preciso registrar que existe um conjunto de fatores internos e externos que explica e fundamenta esse desempenho.

Do ponto de vista interno é preciso destacar alguns fatores que combinados têm sido importantes para garantir esse desempenho do país. O tabaco brasileiro, especialmente o produzido na região Sul do País, dada as características ambientais favoráveis de solo, e de micro climas existentes nos locais de produção, e a gradativa consolidação de seu complexo agroindustrial com o crescente aperfeiçoamento tecnológico de seu modo de produção e a consistente regulação de suas relações de produção, apresenta altos índices de qualidade e de produtividade. Isto se deve aos investimentos contínuos e as mudanças técnicas e organizacionais implementadas no modo de produção e no processamento do tabaco, pelas agroindústrias multinacionais no âmbito do complexo agroindustrial do tabaco, que passou a se consolidar na região a partir da década de 1970.

Também tem sido favorável à competitividade da produção e exportação brasileiras, o baixo preço do produto pago aos produtores de tabaco pelas agroindústrias. “No Brasil, o preço recebido pelo produtor é 4,5 vezes menor que nos Estados Unidos, 7,5 vezes menor que na Europa e 13,5 vezes menor que no Japão, conforme dados divulgados pelo SINDIFUMO-SP.” [5]

Além disso, desde meados da década de 1990, a relativa estabilidade da economia brasileira e a farta oferta de financiamento bancário à produção do tabaco tornaram o produto brasileiro altamente competitivo no mercado mundial, e a atividade de beneficiamento industrial do tabaco no país, um negócio altamente lucrativo às corporações multinacionais que controlam oligopsonicamente essa atividade no território brasileiro.

Quanto aos fatores externos podemos destacar inicialmente o fato de que nos quinze últimos anos o consumo mundial de tabaco tem apresentado relativa estabilidade, em torno de 6,5 milhões de toneladas. O mercado mundial de cigarros, especialmente na China, Japão, nos países da Comunidade Européia, do Leste europeu, e no Sudeste Asiático, tem apresentado nesse período um aumento na demanda por tabacos claros e com sabor que possibilitam a confecção dos vários blend[6] que caracterizam cada marca de cigarro[7]

Simultaneamente, enquanto os Estados Unidos e o Zimbabue - tradicionais países exportadores desse tipo de tabaco – vêm perdendo posições no mercado mundial em razão do aumento no custo de produção, como é o caso norte-americano, e por problemas políticos internos, no caso do país africano, o Brasil aproveitou bem essa oportunidade. Nesse período, os constantes investimentos das corporações transnacionais realizados na modernização e na ampliação das plantas agroindustriais e nas fábricas de cigarros, localizadas no Sul do Brasil, tem permitido ao setor fumageiro manter-se atualizado em termos de capacidade produtiva e tecnológica para atender a demanda do mercado mundial de tabaco, afirmando assim sua condição de liderança. 

A produção brasileira de tabaco em folha alcançou na safra de 2008/2009 o volume de 715 mil toneladas que tiveram o seguinte destino: em torno de 85% do tabaco produzido, após ser beneficiado industrialmente, foi exportado, sendo o restante da produção consumido internamente pelas fábricas de cigarros instaladas no país[8].

A produção e comercialização de insumos, o financiamento, a produção agrícola, a comercialização do tabaco, o processamento industrial, e a exportação do tabaco apresentam-se como as principais etapas que constituem o complexo agroindustrial do tabaco. Tais etapas da produção agroindustrial de tabaco, principalmente a partir da década de 1960, têm sido realizadas sob o domínio hegemônico e oligopolista das subsidiárias de grandes conglomerados multinacionais que operam no mercado nacional e internacional. Atualmente, três dessas empresas multinacionais – a Universal Leaf Tobacco, a Alliance One International e a British American Tobacco (através da Cia. Souza Cruz S/A) – comandam a produção agroindustrial e a exportação de tabaco em folha nessa região e no País. Juntas, essas empresas multinacionais responderam em 2005 por 75,3% do beneficiamento industrial do tabaco em folha produzido no Brasil e pela sua comercialização no país e para o exterior, evidenciando o absoluto controle que as mesmas possuem sobre a dinâmica do mercado nacional de tabaco em folha.

O complexo agroindustrial do tabaco no Brasil está instalado, principalmente, na região Sul do país, onde 95% da produção de tabaco do país, em 2006 foram realizadas por aproximadamente, 186 mil famílias de agricultores em pequenas propriedades com área média de 17 ha, localizadas em 730 municípios nos três Estados do Sul do Brasil. A figura 2, destaca as principais microrregiões de produção de tabaco em folha, na safra de 2005/2006, bem como as principais plantas de processamento industrial e unidades de compra de tabaco instaladas no território, que empregam cerca de 30 mil pessoas, entre trabalhadores efetivos e temporários[9].

Observa-se a concentração espacial das principais plantas de processamento das empresas agroindustriais no Rio Grande do Sul. Na microrregião de Santa Cruz do Sul, notadamente nas cidades de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e Vera Cruz, que processam cerca de 80% da produção de tabaco realizada no Sul do Brasil. O restante do processamento é realizado em Santa Catarina, nas cidades de Joinville e Blumenau, situadas em microrregiões onde não ocorre uma significativa produção de tabaco, e no Paraná em Rio Negro. Nesses Estados, a distância em relação às principais e maiores usinas de processamento instaladas no Rio Grande do Sul, levou às empresas a instalarem unidades de compra de tabaco próximas às áreas de produção, que depois encaminham o tabaco para o processamento nas usinas gaúchas.

 

Figura 2. Região Sul do Brasil: principais microrregiões produtoras de tabaco em folha e unidades de compra e processamento industrial de tabaco - 2006.
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2006. Sites das Empresas e Levantamento de Pesquisa de Campo, 2009. Org. Mizael Dornelles e Rogério Silveira.

 

Também estão localizadas nessa região as principais organizações políticas e sindicais representantes das empresas, como o Sindicato das Indústrias de Tabaco (SINDITABACO), com sede em Santa Cruz do Sul, e dos produtores de tabaco[10], como são os casos da Associação dos Fumicultores do Brasil – AFUBRA, com sede em Santa Cruz do Sul-RS, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF – SUL), com sede em Chapecó-SC, e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), organizado nos principais municípios produtores de tabaco. Tais atores com distintos interesses políticos e estratégias diferenciadas de ação ditadas pela sua posição política na disputa em relação à apropriação e distribuição dos ganhos advindos com a cultura do tabaco, tem participado ativamente do processo de organização espacial e de usos do território na região.

A agroindustrialização do tabaco nessa região é viabilizada e regulada pelo sistema integrado de produção. Nesse sistema os agricultores familiares produtores de tabaco, por meio de contrato firmado com as empresas agroindustriais, comprometem-se em produzir o tabaco na quantidade e de acordo com as instruções técnicas de qualidade definidas pelas empresas, e a repassar a elas integralmente sua produção, em troca da garantia pelas empresas do fornecimento de insumos, de assistência técnica, da intermediação de financiamento junto aos bancos, do transporte do tabaco das propriedades rurais até as usinas ou postos de compra das empresas, e da compra integral do tabaco.

O contrato de integração entre fumicultores e agroindústrias prevê que são estas que avalizam e intermedeiam o financiamento junto aos bancos. São elas também que, em nome do receituário tecnológico, adquirem e repassam aos fumicultores, em forma de adiantamento, os insumos químicos e biológicos necessários ao plantio. Baseado nesse procedimento, e mediante a comprovação das despesas das empresas com os fumicultores, o banco então transfere os recursos financiados em nome dos agricultores para as contas das empresas. Esse modelo de financiamento tem permitido às empresas fumageiras dispor de recursos com juros subsidiados, inclusive recursos públicos como quando utilizaram recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) [11] e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bem como de recursos financeiros advindos dos bancos privados, para financiar a produção de sua principal matéria-prima. Para as empresas, esse modelo de financiamento é de fundamental importância, na medida em que garante os recursos para a continuidade da produção do tabaco. Além de possibilitar às empresas multinacionais ganhos adicionais de capital, na medida em que estas não precisam mobilizar recursos próprios para financiar a safra, também permite às mesmas auferirem ganhos extraordinários advindos da utilização de recursos do financiamento bancário para a compra, em grande escala, dos insumos utilizados na produção e cura do tabaco, antes de repassá-los aos fumicultores.

Por sua vez, na comercialização do tabaco, o controle unilateral exercido pelas empresas na definição das classes do tabaco entregue pelos produtores de tabaco nas unidades de compra e nas usinas de tabaco, acaba sendo decisivo para garantir margens significativas de lucratividade pelas empresas. O processo de comercialização do tabaco revela uma total subordinação dos fumicultores às empresas, na medida em que são elas que decidem, de acordo com seus interesses, o grau do rigor a ser adotado na classificação do tabaco. Tal processo de comercialização amplia o grau de subordinação econômica, os níveis de apropriação do sobretrabalho das famílias de produtores de tabaco, e o endividamento dos agricultores junto aos bancos por conta do pagamento do financiamento do custeio e/ou dos investimentos necessários realizados em suas propriedades para realizarem a produção de tabaco.


Características socioespaciais da expansão da cultura do tabaco no Sul do Brasil

A análise dos dados obtidos nos Censos Agropecuários do IBGE, de 1996 e 2006, e dos dados e informações levantados junto à Associação dos Fumicultores do Brasil (AFUBRA) e ao Departamento de Estudos Socioeconômicos Rurais (DESER) relativos a variáveis selecionadas – produção e produtividade do tabaco, condição do produtor, área colhida e cobertura vegetal das propriedades, e comercialização – permitiu identificar e compreender melhor as características do processo de expansão da cultura do tabaco no Sul do Brasil. Isso possibilitou compreender como vem ocorrendo a organização e o funcionamento da produção agroindustrial de tabaco, e também a dinâmica de organização espacial e de usos do território nessas áreas rurais produtoras de tabaco.

Observando o quadro 1, verifica-se que entre 1996 e 2006, no contexto da região, o principal Estado produtor permanece sendo o Rio Grande do Sul com 43% da produção regional e com 45% da área colhida de tabaco na região. Observa-se também que nesse período tivemos na região Sul um aumento expressivo de 154% na produção de tabaco, resultante do acréscimo de 249 mil novos hectares colhidos com tabaco.


Quadro 1. Brasil, Região Sul e Estados: quantidade produzida, área colhida e produtividade da lavoura de tabaco - 1996 e 2006

Unidades Territoriais

Quantidade Produzida em toneladas

Área colhida em. hectares

Produtividade em tonelada/hectare

1996

2006

1996

2006

1996

2006

Brasil

451.418

1.109.036

304.376

567.970

1.48

1.95

Sul

413.342

1.049.724

267.234

516.733

1.55

2.03

Paraná

53.128

294.660

38.160

127.923

1.39

2.30

Santa Catarina

163.310

306.530

101.520

154.702

1.61

1.98

Rio Grande do Sul

196.904

448.534

127.554

234.108

1.54

1.92

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1996 e 2006.

 

No entanto, é preciso considerar que esse forte aumento na produção deve-se também ao aumento da produtividade na lavoura de tabaco. Os dados evidenciam que se em 1996, a produtividade era, em média, de 1,55 tonelada/hectare, em 2006 ela ampliou para 2,03 tonelada/hectare. Isso mostra a importância nessa expansão do papel da introdução, pelas empresas agroindustriais, de um conjunto de novas normas técnicas de produção agrícola e de cura do tabaco, e o crescente, ainda que desigual, uso de novos objetos técnico-científicos e informacionais pelos produtores de tabaco.

Tais mudanças técnicas no modo de produção e cura do tabaco, que ainda se faz, sobretudo através do emprego da mão de obra familiar, têm contribuído para o aumento da produtividade. Na etapa de produção, é cada vez maior o uso de novos objetos técnicos envolvendo o uso de sementes com melhoramento genético, o emprego do sistema float para o cultivo das mudas, e o uso de novos compostos de fertilizantes e agrotóxicos. Ao mesmo tempo, na etapa de cura das folhas de tabaco, novos instrumentos eletrônicos de controle de temperatura e de umidade, e novos sistemas de acondicionamento por meio de grampos de metal passaram a ser utilizados no interior das estufas. Estas, por sua vez, também se modernizaram com emprego de novos sistemas de circulação de ar quente, novas fornalhas e novas fontes de energia, como as estufas elétricas. 

A dinâmica de expansão da área colhida de tabaco, entre 1996 e 2006, no território da região Sul pode ser observada na figura 3, que evidencia a distribuição da área colhida com tabaco, por microrregiões geográficas, em 1996 e em 2006.

 

Figura 3. Sul do Brasil: Expansão da área colhida de tabaco por microrregião geográfica em 1996 e 2006.
Fonte: Mizael Dornelles, 2010. IBGE, Censo Agropecuário 1996 e 2006.

 

Observa-se que a microrregião geográfica de Santa Cruz do Sul-RS permanece como principal área de cultivo do tabaco da região Sul, acompanhada em 2006 das microrregiões de Pelotas - RS, Canoinhas - SC e Iratí - PR que igualmente apresentam mais de 30 mil hectares de área colhida com tabaco. Seguidas, pelo expressivo aumento do cultivo do tabaco, nas microrregiões de Camaquã - RS, de Rio do Sul - SC e de Prudentópolis - PR, onde a área colhida em 2006 apresentou um montante de 20 a 30 mil hectares.

Verifica-se também, em 2006, o crescimento do cultivo de tabaco, no intervalo de 10 a 20 mil hectares, onde se destacam as microrregiões[12] que se localizam no entorno de Santa Cruz do Sul, como a de Cachoeira do Sul, de Lajeado e de Soledade, bem como nas microrregiões de Araranguá, Tubarão, Chapecó e São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, e de São Mateus do Sul, no Paraná.

O quadro 2, com o ranking regional das dez microrregiões com maior produção de tabaco em 2006, e a sua respectiva posição no ranking de 1996, demonstra bem essa dinâmica de expansão da área cultivada e da quantidade produzida nas principais microrregiões produtoras. Permite também identificar na região as áreas onde a produção de tabaco tem se consolidado e as áreas que têm se caracterizado como áreas de expansão da cultura de tabaco.

Quadro 2. Região Sul do Brasil: Ranking das principais microrregiões produtoras de tabaco em 1996 e 2006, (quantidade produzida em toneladas)

Microrregião

2006

1996

Quanti. t.

Ranking

Quanti. t.

Ranking

Santa Cruz do Sul - RS

137.524

69.566

Irati - PR

125.481

9.496

17º

Pelotas - RS

77.449

13.848

Canoinhas - SC

70.662

26.790

Prudentópolis - PR

48.341

13.739

10º

Rio do Sul - SC

46.857

27.872

Camaquã - RS

41.205

22.005

Araranguá - SC

39.239

23.563

Tubarão - SC

32.908

16.418

São Mateus do Sul - PR

31.716

10º

5.107

23º

Fonte: IBGE Censo Agropecuário 1996 e 2006.

 

No período entre 1996 e 2006, enquanto a microrregião de Santa Cruz do Sul-RS consolida-se como principal área de produção do país, apresentando um aumento de quase 100% na produção de tabaco, a microrregião de Canoinhas-SC, embora perca uma posição no ranking, igualmente consolida-se como principal área catarinense de produção tabaqueira, com um crescimento de 164% no volume produzido.

Por sua vez, os dados revelam também onde essa expansão do tabaco tem se mostrado mais intensa. Esse é o caso da microrregião de Irati-PR que embora seja uma tradicional área de produção de tabaco, assume em 2006 a segunda posição em volume produzido, apresentando um extraordinário crescimento de aproximadamente 13 vezes quando comparado a 1996. Também a microrregião de São Mateus do Sul-PR apresenta um intenso crescimento, de 521%, no volume produzido se afirmando, juntamente com Prudentópolis-PR – que ampliou no período sua produção em 252% –, como parte integrante da zona de expansão da produção de tabaco no Paraná. No Rio Grande do Sul, esse também é o caso de Pelotas que no período viu crescer 5,5 vezes sua produção de tabaco, alcançando em 2006 a condição de terceira maior microrregião produtora.

A ampliação da produção de tabaco nas propriedades rurais tem sido resultado principalmente do aprofundamento da relação de subordinação técnica e econômica dos produtores de tabaco e do aumento da exploração do trabalho familiar pelo capital agroindustrial.

Além desses fatores, o incremento da produção também se deve ao aumento da área plantada de tabaco que tem substituído gradativamente o cultivo de outras culturas tradicionais e de subsistência como a batata e o feijão, como no caso de Prudentópolis, São Mateus do Sul e Rio Negro, no Paraná, ou mesmo de outras culturas como o pêssego e aspargos por conta da crise das agroindústrias de conservas, como ocorreu em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Para os agricultores a menor rentabilidade, a maior dificuldade de financiamento, os custos de transporte e a incerteza do ponto de vista da comercialização, levam a substituição de tais culturas pelo tabaco, por conta da maior segurança e lucratividade que o sistema integrado de produção do tabaco aparenta possuir[13].

Além da expansão da área colhida e da introdução de mudanças técnicas inseridas pelas empresas multinacionais no sistema integrado de produção de tabaco, outras variáveis relativas à condição do produtor de tabaco e a estrutura fundiária das propriedades produtoras de tabaco, revelam igualmente outras características da evolução da cultura do tabaco no território, nesse período.

Os quadros 3 e 4 evidenciam que entre 1996 e 2006, os produtores de tabaco que são proprietários da terra permanecem respondendo pela quase totalidade da produção regional, sendo responsáveis, em 2006 por 81% do tabaco produzido. Nos três Estados do Sul esse desempenho dos proprietários é praticamente similar.

Quadro 3. Quantidade produzida de tabaco (em t) e condição do produtor/1996

Unidade territorial

Proprietário

Arrendatário

Parceiro

Ocupante

Total

Brasil

351.774

77,93%

38.740

8,58%

31.281

6,93%

29.623

6,56%

451.418

100,00%

Sul

324.651

78,54%

34.958

8,46%

30.811

7,45%

22.922

5,55%

413.342

100,00%

*PR

41.976

79,01%

4.019

7,56%

2.298

4,33%

4.834

9,10%

53.127

100,00%

*SC

131.687

80,64%

15.651

9,58%

6.772

4,15%

9.199

5,63%

163.309

100,00%

*RS

150.988

76,68%

15.288

7,76%

21.740

11,04%

8.889

4,51%

196.905

100,00%

*SC=Santa Catarina; PR=Paraná e RS=Rio Grande do Sul
Fonte: IBGE Censo Agropecuário 1996.


Chama atenção que tanto na região quanto nos Estados ocorreu um aumento, embora pequeno, no percentual de participação dos proprietários na produção de tabaco, ao passo que de modo geral diminuiu a participação das demais condições dos produtores, evidenciando que a expansão da produção tem sido implementada pelos proprietários, através do aumento da área destinada à lavoura de tabaco.

Quadro 4. Quantidade produzida de tabaco (em t) e condição do produtor/2006

Unidade territorial

Proprietário

*Assentado

Arrendatário

Parceiro

Ocupante

Total

Brasil

906.525

81,74%

11.427

1,03%

86.290

7,78%

29.960

2,70%

63.037

5,68%

1.109.036

100,00%

Sul

854.942

81,44%

11.182

1,07%

83.127

7,92%

29.586

2,82%

59.299

5,65%

1.049.724

100,00%

PR

233.563

79,27%

3.598

1,22%

26.820

9,10%

5.098

1,73%

23.710

8,05%

294.660

100,00%

SC

260.916

85,12%

5.637

1,84%

20.941

6,83%

3.745

1,22%

11.250

3,67%

306.531

100,00%

RS

360.463

80,37%

1.947

0,43%

35.365

7,88%

20.743

4,62%

24.339

5,43%

448.532

100,00%

*Assentado = sem titulação definitiva.
Fonte: IBGE Censo Agropecuário 2006.


Houve pequena redução na participação dos arrendatários na produção regional de tabaco, influenciada pelo decréscimo na participação dos arrendatários em Santa Catarina, de 9,58% para 6,83% da produção. Quanto à participação dos parceiros na produção regional de tabaco, percebe-se uma redução de 7,45% para 2,82%, influenciada principalmente pela redução que ocorreu no Rio Grande do Sul (de 11,04% para 4,62%). Chama atenção também, embora com inexpressiva participação no total da produção regional, a presença das lavouras de tabaco em áreas de assentamento, variável nova incorporada ao Censo Agropecuário de 2006. Ao observamos a distribuição da produção de tabaco por grupos de área dos estabelecimentos no período entre 1996 e 2006, verificamos mudanças importantes.

Quadro 5. Região Sul e Estados: Quantidade produzida de tabaco (em t e %) e grupos de área total/1996

Unidade territorial

Sul

%

Paraná

%

Santa Catarina

%

Rio Grande do Sul

%

Menos de 5 ha

54260

13,13

9960

18,75

18978

11,62

25321

12,86

 

5 a menos de 10 ha

90635

21,93

12265

23,09

35946

22,01

42423

21,55

 

10 a menos de 20 ha

131403

31,79

14713

27,69

52347

32,05

64343

32,68

 

20 a menos de 50 ha

111715

27,03

12389

23,32

45012

27,56

54314

27,58

 

50 a menos de 100 ha

20117

4,87

2891

5,44

9132

5,59

8093

4,11

 

100 ha e mais

5211

1,26

909

1,71

1894

1,16

2408

1,22

 

Total

413341

100,00

53127

100,00

163309

100,0

196902

100,00

 
Fonte: IBGE Censo Agropecuário, 1996.

 

Quadro 6 - Região Sul e Estados: Quantidade produzida de tabaco (em t e %) e grupos de área total/2006

Unidade territorial

Sul

%

Paraná

%

Santa Catarina

%

Rio Grande do Sul

%

Menos de 5 ha

512196

48,92

101464

34,43

150042

48,95

260688

58,48

5 a menos de 10 ha

133659

12,77

14706

4,99

49130

16,03

69823

15,66

10 a menos de 20 ha

55030

5,26

10324

3,50

17201

5,61

27505

6,17

20 a menos de 50 ha

115891

11,07

15552

5,28

30292

9,88

70047

15,71

50 a menos de 100 ha

100719

9,62

61986

21,04

25651

8,37

13082

2,93

100 ha e mais

129475

12,37

90627

30,76

34214

11,16

4634

1,04

Total

1046970

100,00

294659

100,00

306530

100,0

445779

100,00

Fonte: IBGE Censo Agropecuário 2006.

 

Se em 1996, aproximadamente de 59% da produção de tabaco regional era produzida em estabelecimentos agropecuários de 10 a menos de 50 ha, em 2006 os estabelecimentos nas faixas de menos de 05 ha e de até 10 ha responderam por 62% da produção de tabaco no Sul do Brasil. Isso revela um intenso processo de fragmentação do estabelecimento rural nas áreas de cultivo de tabaco, bem como informa a diminuta extensão dos estabelecimentos agropecuários dos produtores de tabaco nas quais essa expansão da cultura tem se efetivado na região. Esse é sem dúvida um aspecto que justifica nesses estabelecimentos a opção dos agricultores pelo tabaco, na medida em que ele é plantado em média em lavouras de 2 a 3 ha, basicamente através do uso da força de trabalho familiar. 

Também merece destaque o aumento de 6 para 22% na participação dos estabelecimentos agropecuários nas faixas de 50 ha ou mais na produção regional de tabaco, aumento influenciado principalmente pela maior participação desses estabelecimentos agropecuários na produção de tabaco em Santa Catarina e no Paraná, que passaram, respectivamente de 6% e 7%, em 1996, para 19% e 52%, em 2006. Este crescimento significativo nos estabelecimentos agropecuários com 50 ha ou mais, sugere uma indagação: qual a condição do produtor nestes estabelecimentos? Supomos que possam ser arrendatários ou então grandes proprietários que também passaram a cultivar tabaco em parte das suas terras, como verificado em alguns estabelecimentos que criam gado, ou produzem arroz no Rio Grande do Sul, mas ainda não temos uma resposta definitiva.

A figura 4 apresenta o tamanho médio dos estabelecimentos rurais por município, para os anos de 1996 e 2006, onde podemos identificar em destaque as dez microrregiões com maior produção de tabaco no Sul do Brasil. É perceptível uma redução do tamanho médio dos estabelecimentos agropecuários de 1996 para 2006, sugerindo um decréscimo na área média dos estabelecimentos por municípios.

 

Figura 4. Sul do Brasil: Tamanho médio dos estabelecimentos rurais por município em 1996 e 2006.
Fonte: Mizael Dornelles, 2010. IBGE, Censo Agropecuário 1996 e 2006.

 

A pesquisa também revelou que na produção de tabaco realizada na região nesse período, as inovações técnicas que surgiram não significaram a supressão do trabalho manual dos produtores, que continuou sendo vital para a manutenção dos diferenciais de qualidade do tabaco em folha produzido na região. A produção de tabaco em folha, de modo geral, manteve-se como antes, essencialmente, sendo realizada através do emprego intensivo da mão de obra dos agricultores familiares e regulada pelo sistema integrado de produção. A normatização desse sistema, através da celebração de contratos de compra e venda de tabaco entre agricultores e empresas, continuou sendo o principal meio de regulação das relações sociais de produção entre produtores e agroindústrias, e como instrumento maior da cooperação entre esses agentes.

Assim, a produção de tabaco, além de continuar a envolver o emprego intensivo da força de trabalho das famílias produtoras – contando muitas vezes inclusive com o trabalho infantil –, e, em alguns casos, a contratação de trabalhadores temporários durante a colheita do tabaco, também se caracteriza pelo uso de um conjunto renovado de insumos químicos, biológicos e mecânicos.

O modo de produção do tabaco tem recentemente incorporado inovações tecnológicas e experimentado novas orientações e informações técnicas repassadas pelas agroindústrias tabaqueiras aos produtores, o que têm possibilitado a ampliação dos níveis de qualidade e de produtividade do tabaco produzido na região (Figura 5).

 

Figura 5. Sul do Brasil – Produtividade do tabaco por município e microrregião em 1995 e 2005.
Fonte: Mizael Dornelles, 2010. AFUBRA, 2009.

 

Podemos observar o significativo aumento da produtividade do cultivo do tabaco, sobretudo nas áreas do centro-sul do Rio Grande do Sul, e nas microrregiões produtoras localizadas no leste de Santa Catarina e no sudeste do Paraná. Esse substancial aumento da produtividade tem ocorrido pela adoção de novas práticas agrícolas, como o plantio direto e o cultivo mínimo, que passaram a ser incentivadas pelas empresas junto aos seus produtores integrados como modo de melhor conservar o solo e de reduzir o volume de trabalho empregado nos tratos culturais da lavoura.

Muitas das inovações técnicas empregadas na produção de tabaco foram obtidas através de atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico realizadas pelas empresas tabaqueiras em seus centros de pesquisa na região, ou da cooperação dessas empresas com instituições de pesquisa na região.

Também tem ocorrido o emprego e a difusão de novos equipamentos e insumos biológicos e químicos adquiridos pelas empresas tabaqueiras junto às empresas fornecedoras, e depois repassados aos seus produtores. O emprego de novos objetos técnicos e a difusão de novas informações e técnicas produtivas tem permitido às empresas agroindustriais tabaqueiras atender às atuais exigências do mercado mundial quanto à necessária padronização do tabaco em folha produzido na região, especialmente no que se refere à sua densidade, à cor, ao sabor, aos níveis de umidade e teores de nicotina. 

Algumas das inovações implantadas na produção do tabaco evidenciam que também na cultura do tabaco tem havido um relativo avanço da chamada agricultura de precisão, aqui entendida como “o uso de tecnologias atuais para o manejo do solo, dos insumos e das culturas de modo adequado com as variações espaciais e temporais que afetam a produtividade das mesmas”[14]. Como exemplo, tivemos a introdução do “sistema float” para a produção de mudas de tabaco, em substituição ao sistema de produção de mudas diretamente realizado no solo, e que demandava o uso do Brometo de Metila - um gás altamente tóxico e prejudicial à camada de ozônio.

 O sistema float consiste no plantio de mudas de tabaco em bandejas de isopor colocadas sobre uma lâmina d’água. Esse sistema envolve ainda a utilização de substrato agrícola à base de turfa, de fibra de coco, ou de outros materiais orgânicos para a realização do plantio nas bandejas. Esse novo sistema tem também apresentado outras vantagens como a de reduzir o uso de fungicidas no trato cultural das mudas de tabaco, a de dispensar a irrigação das mudas, a de possibilitar a produção de mudas e lavouras mais uniformes, com maior qualidade e com um aumento de 5 a 10% na produtividade (kg/ha) das lavouras tabaqueiras[15].

Tivemos também inovações biotecnológicas que surgiram praticamente articuladas à difusão do sistema float, como foi a produção de sementes híbridas de tabaco através do uso de técnicas de melhoramento genético que selecionam genótipos superiores e possibilitam a produção de sementes com maior qualidade, produtividade e resistência aos nematóides e às doenças e pragas comuns à lavoura do tabaco.

Além disso, a peletização das sementes de tabaco também permitiu um manejo mais adequado no plantio das mudas pelo sistema float e de seu transplante para a terra, possibilitando um desenvolvimento mais homogêneo da lavoura. A peletização de sementes de tabaco foi também uma inovação técnica importante desenvolvida por empresas de biotecnologias especializadas na produção de sementes híbridas e envolve o processo de recobrimento das sementes, utilizando material inerte a fim de facilitar a sua manipulação, através da homogeneização de tamanho e forma e/ ou tratamento, diante do diminuto tamanho da semente de tabaco e da conseqüente dificuldade de seu plantio. As sementes peletizadas oferecem uma série de facilidades, com uma redução de custo expressiva na produção de mudas. A semeadura e a classificação das mudas por porte são exemplos de operações facilitadas. Outro fator importante é a não-necessidade de desbastes das mudas, já que cada uma das sementes é semeada nos espaços individualizados da bandeja do float[16].  

Essas inovações têm sido desenvolvidas e disponibilizadas tanto por empresas biotecnológicas instaladas na região, quanto pelos centros de pesquisa e de desenvolvimento das próprias empresas tabaqueiras, ou resultam também da cooperação econômica entre ambas. Outra inovação tecnológica importante, embora ainda restrita aos cultivos experimentais desenvolvidos pelos centros de pesquisa e laboratórios das empresas tabaqueiras e pelas empresas biotecnológicas especializadas em sementes de tabaco, tem sido o emprego da transgenia no tabaco buscando desenvolver plantas mais resistentes a vários tipos de vírus, fungos e bactérias, e com a capacidade de não-florescimento, de modo a permitir folhas mais largas e espessas, contribuindo assim para uma maior valorização do produto, e para um menor uso de agrotóxicos anti-brotantes.

A controvérsia ainda existente sobre o uso de produtos transgênicos no país e no exterior, aliada às campanhas antitabagistas, têm afetado o mercado de cigarros fazendo com que, mesmo que já haja domínio dessa tecnologia pelo setor, as empresas cigarreiras aguardem condições mais adequadas para a fabricação e comercialização de cigarros com esse tipo de tabaco.

A expansão da cultura do tabaco no Sul do Brasil, no período de 1985 a 2005, também se caracteriza, conforme ilustra o quadro 7, por outras características que merecem destaque, como o número de propriedades produtoras de tabaco, o número de estufas de cura, e a evolução da área com mata.


Quadro 7. Sul do Brasil: Evolução do número de propriedades, estufas, área plantada e situação florestal das propriedades com tabaco - 1985 a 2005

Safra/

Ano

   

Propriedades com tabaco

 Área em há

Área em ha com mata

Consumo em ha

Nº Prop.

Nº estufas

Área c/

tabaco

Área

Total das Prop

Área

Média Prop.

Nativa

%

Reflores

tada

%

Total

%

1985

54820

92290

143740

1633680

29.8008

352140

21.6

93360

5.7

445500

27.3

19640

1990

52210

91950

159290

1083470

20.75215

251300

23.2

78380

7.2

329680

30.4

18560

1995

66750

107460

158900

1285430

19.25738

281960

21.9

116860

9.1

398820

31

17680

2000

69590

117180

202760

1215160

17.4617

213580

17.6

131860

10.9

345440

28.5

20580

2005

94250

185810

357190

1587570

16.84424

255880

16.1

154410

9.7

410290

25.8

38350

Fonte: AFUBRA 2009.

 

De acordo com o quadro 7, no período de 1985 a 2005, ocorreu um significativo aumento do número de propriedades rurais produtoras de tabaco (de 92.290 para 185.810 propriedades), representando um acréscimo substancial de 39.430 novas propriedades rurais, o que evidencia o ingresso de novas famílias na cultura do tabaco. Associado ao aumento de propriedades, a área plantada com tabaco foi ampliada em 148% no mesmo período, com o acréscimo de 213 mil novos hectares. Também houve um aumento expressivo do número de estufas utilizadas na cura do tabaco da variedade Virginia, praticamente dobrando o número de estufas nesse período.  Já o tamanho médio das propriedades rurais produtoras de tabaco apresentou um decréscimo no período, passando de quase 29,80 ha em 1985, para 16,84 ha em 2005.

Também podemos observar no quadro 7, que as áreas de mata nativa das propriedades produtoras de tabaco, em números absolutos, diminuem até 2000, e em 2005 apresentam relativo aumento. Já em números relativos há uma progressiva e constante redução da área de matas nativas em relação à área total das propriedades produtoras de tabaco entre 1985 e 2005. Combinadamente, as áreas de mata reflorestada nas propriedades produtoras de tabaco diminuem de 1985 para 1990, aumentam até 2000 e diminuem novamente em 2005. Em números relativos, as áreas de mata reflorestada mostram um crescimento até 1995 e queda para 2000 e 2005, em relação à área total das propriedades produtoras de tabaco. Quanto ao consumo de hectares de mata – nativa e reflorestada – utilizada como lenha na cura do tabaco, os dados revelam gradativa queda de 1985 a 1995, e progressivo crescimento desde então, representando um aumento de 1,9 vezes no período entre 1985 e 2005.

Tal evolução evidencia a necessidade de um grande consumo de biomassa como fonte de energia para curar as folhas de tabaco no interior das estufas construídas nesse período. A despeito da crescente introdução de estufas elétricas, o elevado custo da energia elétrica, ou mesmo sua indisponibilidade em muitas das áreas rurais, faz com que ainda prepondere o uso da lenha no funcionamento das estufas.

Cabe destacar, a existência de dois grupos predominantes de tabaco em folha cultivados o grupo estufa com destaque para o tabaco tipo Virgínia e o grupo dos tabacos de galpão, com destaque para o tipo Burley. O primeiro requer solo leve, arenoso e com baixo teor de matéria orgânica ao contrário do segundo que necessita solos ricos em matéria orgânica. A figura 6 ilustra, na região Sul do país, a área plantada nos anos de 1995 e 2005 de tabaco dos tipos Virgínia e Burley. Podemos verificar um aumento da área de ambos tipos de tabaco.

 

Figura 6. Sul do Brasil: Expansão da área colhida por tipo de tabaco em microrregião geográfica em 1995 e 2005.
Fonte: Mizael Dornelles, 2010. AFUBRA, 2005.

 

Em linhas gerais, estes são os dois tipos de tabaco mais plantados na região Sul do país. Segundo AFUBRA (2010), na safra 2009/10, foram produzidos no Brasil 94,6 mil toneladas do Burley e 588,4 mil toneladas do Virgínia.

Atualmente a discussão acerca dos tipos de tabaco envolve a resolução 112 da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (ANVISA), que trata dos aditivos e saborizantes do cigarro. A proposição desta resolução é de restringir ou ainda proibir o uso de ingredientes nos cigarros, como açúcares, flavorizantes e umectantes, uma vez que estes aumentam a palatabilidade dos cigarros e podem aumentar seu nível de viciabilidade.

Nesse sentido, a restrição quanto ao uso de aditivos comprometerá principalmente tabacos de galpão, no caso da região Sul o tipo Burley, que por ser seco ao ar livre, perde o açúcar natural durante o processo de secagem e necessita da adição de açúcar para o aumento de sua palatabilidade. O tabaco tipo Burley é utilizado na mistura preferida dos brasileiros e é pouco exportado se comparado ao tipo Virgínia.

Além dessas características do atual processo de expansão da produção do tabaco, merece igualmente atenção o modo como têm se apresentado na região Sul do país, as etapas de classificação e de comercialização do tabaco pelos agricultores junto às empresas. Embora esses processos tenham mantido, de maneira geral, a mesma lógica e dinâmica de funcionamento existente no período precedente, podemos, contudo destacar algumas novas características: como a intensificação do embate entre produtores de tabaco e empresas quanto à normatização da classificação de tabaco e quanto à remuneração do trabalho familiar do fumicultor, e a atuação renovada de intermediários na compra e venda do tabaco para as empresas – os chamados “picaretas”.

A classificação do tabaco manteve sua importância no processo de comercialização, pois representa para os produtores de tabaco a possibilidade de se obter uma remuneração maior ou menor pelo tabaco produzido. Já para as empresas tabaqueiras, a classificação torna-se uma estratégia de controle da qualidade do tabaco a ser comprado, de definição do pagamento da produção do tabaco, e de subordinação econômica dos agricultores. Geralmente, em períodos de grande oferta de tabaco, a tendência tem sido que as empresas pratiquem uma classificação mais rigorosa do produto entregue pelos agricultores, determinando a desvalorização da produção de tabaco. Já quando há uma oferta menor de tabaco tem-se por parte das empresas uma classificação menos rigorosa, favorecendo o pagamento de valores maiores aos agricultores[17].

O processo de comercialização do tabaco tem revelado uma total subordinação dos produtores de tabaco às empresas, na medida em que são elas que decidem, de acordo com seus interesses, o grau do rigor a ser adotado na classificação do tabaco. Atualmente, inexiste uma efetiva fiscalização, ou mesmo o arbitramento necessário e independente da classificação praticada na entrega do tabaco, por parte de representantes do governo federal ou dos governos estaduais.

A classificação do tabaco tem-se tornado mais complexa em razão das novas variedades de sementes e, portanto, das alterações na constituição da própria planta, das mudanças técnicas realizadas no modo de produção e na cura do tabaco, e em função dos novos padrões de qualidade exigidos pelo mercado mundial. Novas classes de tabaco foram criadas através de portarias do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), dificultando o domínio pelos agricultores do processo de classificação e possibilitando às empresas melhores condições de apropriarem-se do sobretrabalho familiar dos produtores de tabaco.

Nesse período, nos momentos de comercialização do tabaco tem havido recorrentes embates políticos entre as entidades representativas dos produtores de tabaco e as representações das empresas tabaqueiras quanto ao preço. Muito embora os rendimentos obtidos pela lavoura de tabaco comparativamente à área plantada das demais lavouras apresentem maior retorno aos agricultores, a cada safra tem ocorrido um contínuo aumento no custo de produção da lavoura, especialmente dos custos variáveis de produção, como a mão-de-obra familiar e contratada, os insumos químicos e a lenha, e as despesas financeiras com os bancos, diminuindo a margem de rendimentos obtidos pelos produtores.

No atual processo de comercialização do tabaco tem-se a recorrente e a crescente participação de atravessadores ou intermediários na compra e venda do tabaco, que atuam perifericamente ao sistema integrado de produção, complexificando as relações de cooperação para a circulação do tabaco. Embora a presença de intermediários na comercialização do tabaco já ocorra desde a introdução da cultura do tabaco na região, a atuação desses agentes vem se intensificando e ganhando mais destaque no período recente.

O intermediário, muitas vezes, é um ex-instrutor técnico aposentado ou desempregado de alguma empresa tabaqueira que por já possuir relações com os produtores acaba atuando no comércio do tabaco. Ou ainda, em alguns casos, é aquele produtor com recursos disponíveis que investe na compra e venda da produção de outros produtores, em maior dificuldade econômica. Em ambos os casos, o que move o intermediário é a possibilidade de obter ganhos econômicos adicionais através da prática de compra e venda de tabaco a preços diferenciados entre o produtor e a indústria.

O aumento das ações desses agentes intermediários na região se deve a duas razões básicas. Uma primeira se refere às condições financeiras adversas em que muitos dos produtores de tabaco se encontram no final de cada ano, antes do começo da compra da safra de tabaco pelas empresas agroindustriais, que acabam levando os produtores de tabaco a procurar, ou mesmo aceitar, as ofertas dos intermediários, vendendo parte da sua produção por valores abaixo do mercado.  A outra razão tem sido a mobilização desses agentes, ainda que velada, pelas próprias empresas, na medida em que buscam assegurar o fornecimento do tabaco necessário para honrar seus compromissos internacionais, especialmente quando há eventuais quebras de safra, decorrentes de eventos naturais (granizo, chuvas, seca, etc.) ou quando há interrupção na entrega do tabaco pelos produtores, enquanto estratégia para barganhar melhores preços junto às empresas[18].

A posição das empresas a esse respeito tem sido ambígua. Embora o Sindicato das Indústrias do Tabaco da Região Sul do Brasil (SINDITABACO) costume afirmar que essa prática pode afetar o funcionamento do tradicional sistema integrado de produção, na medida em que pode gerar conflitos entre as empresas por conta da disputa pelo tabaco produzido por produtores integrados a distintas empresas, igualmente as empresas têm se valido dessa estratégia para viabilizar a continuidade do fornecimento do tabaco e garantir o atendimento da demanda de seus clientes no país e no exterior. Outro efeito dessa prática é a evasão de recursos dos cofres municipais, uma vez que se trata de operações clandestinas realizadas sem a emissão de nota fiscal, e sem o registro da quantidade de tabaco que está sendo comercializada.


Considerações Finais

Nos últimos quinze anos, num contexto de expansão do capital agroindustrial de tabaco, a região Sul do Brasil não apenas manteve-se valorizada como fortaleceu sua condição de lugar estratégico na produção e comercialização de tabaco em folha no âmbito mundial. As condições ambientais diferenciadas favoráveis ao cultivo das principais variedades de sementes de tabaco, o conhecimento tácito, entre os agricultores, do cultivo de tabaco, a elevada qualidade e o baixo custo de produção do tabaco brasileiro decorrente do emprego da mão de obra familiar, o crescente aperfeiçoamento tecnológico do seu modo de produção e processamento e a intensa regulação das relações de produção através do sistema integrado de produção são atributos territoriais que continuaram pesando na escolha da região.

Nesse contexto ocorreu a expansão e a consolidação do complexo agroindustrial do tabaco instalado na região. Os constantes investimentos realizados pelo capital multinacional na região visando ao aumento da produção de tabaco, através da crescente ampliação do número de produtores integrados, o desenvolvimento da pesquisa e da inovação tecnológica aplicadas ao aperfeiçoamento dos processos de plantio e de cura do tabaco, e a ampliação e a modernização de suas usinas de beneficiamento na região foram decisivos para ampliar de modo significativo o volume de produção e a produtividade agrícola do tabaco, a capacidade de processamento industrial e de exportação.

Todavia, verifica-se também nesse período que na etapa de produção do tabaco, envolvendo o plantio, a colheita e a cura, as inovações técnicas que surgiram, não significaram a supressão do trabalho manual dos agricultores, que continuou sendo vital para a manutenção dos diferenciais de qualidade do tabaco em folha produzido na região. A produção de tabaco manteve-se como antes, essencialmente, sendo realizada através do emprego intensivo da mão de obra dos agricultores familiares e regulada pelo sistema integrado de produção. A normatização desse sistema, através da celebração de contratos de compra e venda de tabaco entre agricultores e empresas agroindustriais, continuou sendo o principal meio de regulação das relações sociais de produção entre esses atores. Regulação essa que através da circulação de informações, ordens e capitais viabilizou a introdução de inovações técnicas e organizacionais na produção e na comercialização da matéria-prima, assegurando a continuidade do fornecimento do tabaco nas quantidades e qualidades desejadas pelas empresas, e ampliando suas margens de lucratividade através da extração do sobretrabalho dos agricultores, dada a manutenção de uma baixa remuneração da produção de tabaco em relação ao seu efetivo custo de produção.

As normas e ações globais, definidas externamente à região nos lugares mundiais onde se localizam os centros de gestão das multinacionais agrofumageiras e cigarreiras, alcançam a região e de modo hierárquico determinam mudanças na materialidade e no conteúdo da organização espacial e dos usos do território nas áreas rurais produtoras de tabaco e nas principais cidades da região. Mudanças essas realizadas através das decisões de ampliar, modernizar e racionalizar a produção agrícola e o processamento industrial do tabaco.

Essa maior integração vertical da região ao mercado internacional, aliada à grande dependência econômica dos municípios e das cidades em relação aos impostos gerados pela comercialização e exportação do tabaco e do cigarro, tem tornado os municípios mais expostos e suscetíveis às eventuais perturbações e mudanças que ocorrem no mercado, bem como às recorrentes alterações na política fiscal do país e dos Estados da região Sul do Brasil.

Por fim, merece também destaque, dada a sua importância no cenário da fumicultura mundial e quanto aos possíveis efeitos sobre o futuro da própria fumicultura na região e no país, a definição de um conjunto de normas e protocolos de intenção agrupados na Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco – tratado internacional instituído, em 2003, por 192 Estados membros da Organização Mundial da Saúde.

Dentre as principais medidas que os países signatários deverão observar na implementação da Convenção-Quadro estão a implementação de políticas públicas que promovam a redução da demanda por tabaco, a redução da oferta de produtos do tabaco, a proteção à saúde das pessoas e ao meio ambiente, a inclusão da responsabilidade civil e penal no descumprimento das ações e normas advindas com a implementação dessas políticas[19].

Em que pese a mobilização política de alguns atores regionais, como as empresas fumageiras, o SINDITABACO, a AFUBRA e as administrações municipais pela não-ratificação desse tratado pelo país, em outubro de 2005, o Congresso Nacional aprovou a adesão do Brasil à Convenção-Quadro. Nesse sentido, embora o tratado internacional não proponha a extinção das lavouras de tabaco, mas sim a redução do consumo do cigarro, esta a médio e longo prazos, talvez num período de 10 a 20 anos, poderá levar à diminuição da demanda de tabaco. Como o tabaco produzido na região é em sua grande parte exportado para os mercados consumidores europeu, americano e asiático, muito provavelmente o ritmo de implementação das políticas de controle do consumo do cigarro nesses países é que definirá também o ritmo de redução na demanda pelo tabaco brasileiro. Isso coloca para a região produtora de tabaco do Sul do país, a expectativa sombria de que, a partir desse período, os fumicultores possam vir a experimentar uma significativa perda de renda, e os municípios produtores de tabaco passem a apresentar uma gradativa queda na arrecadação de impostos e nos níveis de emprego de trabalhadores rurais e urbanos. Por conseqüência, a dinâmica de urbanização e da rede urbana regional, assentada especialmente na divisão territorial do trabalho agroindustrial do tabaco, igualmente pode vir a ser afetada, como resultado das possíveis mudanças que poderão ocorrer no funcionamento dos circuitos espaciais de produção do tabaco e do cigarro e dos círculos de cooperação que iniciam, atravessam ou terminam na região.

Nesse contexto, e como tentativa de reação ou de mitigação aos efeitos dessa norma internacional, tem se aprofundado na região, ainda que de modo desigual entre os municípios, o debate já existente há mais tempo sobre a necessidade de se buscar alternativas econômicas viáveis à fumicultura através, por exemplo, da diversificação da produção agrícola nas áreas rurais, bem como de se estimular e promover novas atividades industriais e de serviços, notadamente, nas principais cidades da região, como modo de não depender tanto dos tributos e dos empregos gerados pelas empresas fumageiras.

 

Notas

[1] (SILVEIRA e DORNELLES, 2010).

[2] (ETGES, 1991).

[3] (NARDI, 1996).

[4] (ETGES, 1991).

[5] (DESER, 2007, p.24).

[6] O “blend” é um dado padrão de mistura de tipos de fumos que, de acordo com a demanda dos compradores internacionais, combina variáveis como a cor, o sabor, o aroma, a combustabilidade, etc. das folhas de fumo, de modo a garantir a fabricação de dadas marcas de cigarro, com características próprias e adequadas às preferências dos seus consumidores.

[7] (SILVEIRA e DORNELLES, 2010).

[8] (AFUBRA, 2009).

[9] (SINDITABACO, 2009).

[10] Também reivindicam a condição de representação sindical dos produtores de tabaco no Sul do Brasil as federações dos trabalhadores na agricultura e seus sindicatos vinculados à CONTAG. Anualmente, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná – FETAEP, com sede em Curitiba-PR, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina – FETAESC, com sede em Florianópolis-SC, e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul – FETAG, com sede em Porto Alegre, participam juntamente com a AFUBRA das negociações sobre o preço do tabaco a ser praticado pelas agroindústrias. (SILVEIRA, 2011).

[11] Criado em 1995 para atender especialmente aos agricultores que residem em propriedades rurais menores de 4 módulos fiscais e que tenham no mínimo 80% da renda familiar originária da exploração econômica agropecuária, além de buscar ampliar a produção de alimentos, o PRONAF também acabou sendo acessado pelos fumicultores através da intermediação das empresas. Os programas do PRONAF de financiamento do custeio da produção e de investimentos na propriedade rural estipulam taxas de juros fixas de 4% ao ano. Através da denúncia dos movimentos sociais de que esses recursos públicos estavam financiando com juros subsidiados a produção de fumo e colaborando para a acumulação de capital das multinacionais fumageiras, em 2001 foi proibido no país o uso de recursos do PRONAF para o financiamento da fumicultura.

[12]  O conceito de microrregião faz referência a mais recente microrregionalização proposta pelo IBGE.

[13] (BUAINAIN e SOUZA FILHO, 2009).

[14] (DALLMEYER & SCHLOSSER apud  TSCHIEDEL & FERREIRA, 2002, p.161).

[15] (OLIVEIRA, 2006).

[16] (PROFIGEN DO BRASIL, 2006).

[17] (SILVEIRA, 2011).

[18] (SILVEIRA, 2007).

[19] (DESER, 2007).

 

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[Edición electrónica del texto realizada por Miriam Hermi Zaar]

 

Ficha bibliográfica:

SILVEIRA, Rogério Lenadro Lima da; DORNELLES, Mizael; FERRARI, Stela. Expansão da cultura do tabaco no sul do Brasil (1996-2006): características, mudanças e persistências na produção de tabaco e nos usos do território. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 5 de agosto de 2012, Vol. XVII, nº 987. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-987.htm>. [ISSN 1138-9796].

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