Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788]
Nº15, 15 de enero de 1998

O SINDICALISMO RURAL NO BRASIL, NO RASTRO DOS ANTECEDENTES
Antonio Thomaz Júnior(1)



Resumo

É na perspectiva histórica de construção do sindicalismo rural no Brasil que, nesse texto, nos ocupamos. Mais precisamente, nos colocamos a discutir, de que forma e como, historicamente, o sindicalismo, como prática institucional de organização do trabalho, se insere no debate político mais amplo na sociedade. Isto é, abordar as disputas que se travam a partir de então e a materialização espacial desse processo, enquanto dinâmica e expressão geográfica da sociedade de classes.



Abstract

The historical of the trade union development in Brasil is the main topic of this article. More precisely, we discuss the kind and how, historically, the trade union, as practical of work organization is inserted in the society political debate.The controversy that arise from this and the spatial materialization of this process while dynamic and geographical expression of class society are also discussed in the article.



Nos colocamos, nesse momento, diante do desafio de trazer ao debate questões que se inserem nas reflexões em torno do enraizamento histórico do sindicalismo rural no Brasil, ou seja, o processo no qual é gestado a dinâmica do movimento sindical dos trabalhadores rurais (MSTR), que se traduz, concretamente, num amplo imbricamento de ações. Porém, considerando os limites a que nos propomos discutir o assunto em pauta, nesse artigo, restringeremos nossa análise (2) no tocante aos aspectos fundamentais do processo de construção histórica do sindicalismo rural e sua materialização, enquanto expressão espacial.

Nesse sentido, o sindicalismo rural, que somente é regulamentado em 1962, no contexto das tentativas de reelaboração do pacto populista, liderado por João Goulart, que não se pautou por acordos com a oligarquia rural, que o rejeitava frontalmente, porém elevou ao extremo, o que se tornou a marca registrada do movimento sindical brasileiro, o corporativismo, o aparelhismo e a referência de "ação" limitada à base territorial de abrangência municipal.

Porém, desde 1903, se registram as primeiras tentativas (no plano legal) de organização sindical do trabalhador rural. No entanto, através do Decreto 979, as intenções já apontavam para o cerceamento da liberdade de organização dos trabalhadores rurais(3), principalmente os colonos do café, que iniciavam movimentos de resistência e contestatórios às condições de trabalho vigentes.

Mas, ao alcançe da nascente classe operária urbana que, reunia fundamentalmente imigrantes europeus, envolvendo 100.000 trabalhadores no início do século, já em 1906, em vista das insatisfações com a política governamental e com os recentes conflitos entre capital x trabalho, os trabalhadores brasileiros realizaram, no Rio de Janeiro, o I Congresso Operário Brasileiro (COB)(4), reivindicando principalmente a fixação da jornada de trabalho de 8 horas por dia, sendo que na sequência deu origem à central sindical, Confederação Operária Brasileira (COB), que pouco ou quase nada influiu no redirecionamento das reivindicações dos trabalhadores rurais, quanto à questão específica da sua organização específica(5).

Com os olhos voltados para a industrialização nascente, portanto voltando-se ao sindicalismo urbano, em 1932, regulamenta-se a organização sindical de profissões afins (com base ampla e heterogênea), confluindo, em 1934, na instituição do modelo federativo (o que passa a valer para o meio rural em 1941), sendo que, em 1939 tem-se a consubstanciação, no regramento trabalhista, da unicidade sindical e do atrelamento da estrutura sindical ao Estado.

No final da década de 40, surgiram as primeiras organizações de trabalhadores no campo, constituindo-se por local de conflito. Do ponto de vista da regulamentação sindical, amparou-se na "possibilidade de organização em quatro categorias distintas: trabalhadores na lavoura, trabalhadores na pecuária e similares, trabalhadores na produção extrativa e produtores autônomos" (MEDEIROS, 1990:2).

Extendido ao meio rural devido às pressões das lutas presentes nas cidades e no campo e objetivando recriar uma relação de forças a seu favor, Vargas instituiu o decreto 7038, autorizando a organização sindical rural, estabelecendo que 5 sindicatos poderiam formar uma Federação e três Federações poderiam criar uma Confederação(6).

Tudo isso imerso numa onda de greves que abrangeu diversas categorias de operários urbanos em São Paulo, desde meados dos anos 50, que mesmo sendo experiências localizadas, quando alcançaram maior expressividade, abarcando outros Estados, não se converte em propostas de unificação do operariado, mas sim de algumas categorias, não contemplando mais uma vez os trabalhadores rurais. "Assim ficaram conhecidas as siglas PUI, em São Paulo (Pacto de Unidade Intersindical), o PUA no Rio de Janeiro (Pacto de Unidade de Ação)", que emglobava os ferroviários, os estivadores e portuários e a "CPOS (Comissão Permanente das Organizações Sindicais), do Distrito Federal e, especialmente, o CGT (Comando Geral dos trabalhadores)" (NEVES, 1981:32).

O CGT, com vida efêmera, de 1961 a 1964, embora não tenha sido reconhecido oficialmente, apresentou como uma das suas principais características, a ligação à estrutura sindical oficial criada por Vargas(7) e o privilegiamento das categorias urbanas, sendo que, logo após o golpe militar de 1964 foi completamente esfacelado pelos órgãos de segurança do novo regime. Mesmo propondo-se "ser um órgão de orientação, cordenação e direção do movimento sindical Brasileiro" e com data marcada para julho de 1964, quando se realizaria o V Congresso Sindical dos Trabalhadores, "a proposta dos dirigentes, era transformá-lo, efetivamente em Central Sindical", o que jamais foi levado a efeito (GIANOTTI e LOPES NETO, 1991:11)(8).

Isso influenciou o conjunto dos trabalhadores, inclusive indiretamente os rurais, que questionavam as desigualdades sociais, tendo como referência a estrutura fundiária, que tinha nas alianças sustentadas dentro do Estado, ardorosos defensores do latifúndio.

A partir de meados dos anos 50, emergiram na cena política diferentes categorias de trabalhadores em luta (meeiros, foreiros, colonos, camaradas, posseiros etc), notabilizando-se as Ligas Camponesas, com a conotação de "um movimento radical de constestação ao sistema de monocultura, à mecanização e à estrutura fundiária nordestina", que tomava o nome de latifúndio, sinônimo não só de grande propriedade, mas também das formas de dominação e opressão nela existente (RICCI, 1992:4).

As Ligas Camponesas(9) não gravitavam na órbita do controle do Estado, colocando em xeque a "ordem" institucional (mas aproveitando-se de todos os canais legais existentes para encaminhar suas lutas) e, em curto período de existência já se alastravam para 40 municípios de Pernambuco e na Paraíba, principalmente com a adesão de Francisco Julião às suas fileiras(10).

Nesse período, criou-se um ambiente de discussões e disputas políticas em torno das Ligas Camponesas, tendo Francisco Julião à frente de um amplo expectro de movimentos: as associações criadas e dirigidas pelo PCB(11), depois de abandonarem as Ligas, bem como na ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil); a AP (Ação Popular), movimento dos chamados "católicos radicias, originários da JUC (juventude Universitária Católica); a ala da Igreja que se expressava no sindicalismo cristão de Pernambuco e Rio Grande do Norte; o MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra) no Rio Grande do Sul" (MEDEIROS, 1989:63).

Essas divergências político-ideológica-organizativas, alastraram-se no bojo dos encaminhamentos das alianças entre as forças políticas, no tocante à condução das lutas dos trabalhadores do campo, tendo como princípio diretivo a Reforma Agrária(12) e, como referência estratégica, os rumos da "Revolução Brasileira"(13), que selou importantes consequências sobre os destinos dos movimentos.

É nesse quadro de enfrentamento que o Estado "resolve por bem", institucionalizar a sindicalização rural. Não obstante, "até 1960 não existiam mais do que 8 sindicatos rurais reconhecidos, dentre estes, três nos Estados de Pernambuco e Bahia e um no Rio de Janeiro e Santa Catarina" (MEDEIROS apud FUCHTNER, 1985:3).

A partir de então, cresceu rapidamente o número de sindicatos, sendo que, entre 1962 até meados de 1963, já existiam 800 entidades sindicais e cerca de 500.000 camponeses organizados nas Ligas em 10 Estados. Às vésperas do golpe militar de 1964, o número de sindicatos chegava a 1.200 e 42 Federações, "sendo 11 de assalariados; 18 de produtores autônomos; 6 de pequenos proprietários; 1 do setor extrativo; e 6 ecléticas (de pequenos proprietários e produtores autônomos)" (CESE, 1989:3-4).

Como já se delineava na época, a partir das fileiras do PCB, força hegemônica nas organizações camponesas, não se admitia qualquer forma de enquadramento (sindical) que pulverizasse o poder político da categoria. Ou seja, em nome da unidade da categoria trabalhadores rurais (assalariados, pequenos produtores), se assentava o princípio tático de eliminar os resquícios feudais e semifeudais da sociedade brasileira.

Importante notar que essa diretriz se consagrou a partir de 1965, quando o regime militar unifica todas as categorias numa única forma organizativa: o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), sendo que a nível estadual, criava-se a Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura (FETAG's)(14).

No entanto, lançadas as bases de estruturação do sindicalismo rural, agrupando diversos segmentos de trabalhadores (unificados sob a mesma categoria), como se o STR fosse um imenso "guarda-chuva", chegando até, em algumas localidades, a ter nos seus quadros, pescadores e, em muitos casos, patrões (pequenos proprietários e/ou produtores) e empregados (assalariados e semi-assalariados rurais).

Isso foi seguido, reproduzido e defendido a "unhas e dentes", de forma hegemônica, pelas lideranças abrigadas na CONTAG, mesmo considerando-se, que era a única possibilidade de integração do MSTR e o ponto de confluência de sindicatos fundados a partir de diferentes atores e propostas políticas (CUT, 1994:5).

Vale notar que, na sua criação em dezembro de 1963, articularam-se em torno da primeira diretoria da CONTAG, as forças políticas sob orientação da ULTAB e da Ação Popular (AP), reunindo 24 Federações com direito a voz e voto e 10 como observadoras. Somente mais tarde, as correntes ligadas à Igreja católica se engajariam na montagem de uma chapa para fundar a entidade.

Mas, por "obra do destino" e da diferencialidade ideológica existente dentre seus quadros, elementos do COC (Círculos Operários Cristãos), corrente ultra-conservadora

da Igreja, que atuava em sindicatos recém-fundados em São Paulo e Rio de Janeiro, são nomeados, a mando do governo militar, a dirigir a CONTAG. Foram indicados José Rotta e Agostinho José Neto para serem os interventores da entidade no período compreendido entre 1965 a 1967 (CESE, 1989:5).

De toda forma, nesse contexto, a sindicalização dos trabalhadores rurais (pequenos produtores, pequenos proprietários, posseiros e assalariados), surgiu no bojo de um amplo processo de mobilização pela regulamentação dos contratos de arrendamento e parceria, por direitos trabalhistas e, por reforma agrária, "bandeira" essa, que atravessou as últimas três décadas e tornou-se o baluarte e a principal frente de combate dos camponeses do Brasil.

Longe de alcançar expressividade numérica, na época, os assalariados não representavam qualitativamente a ordem das prioridades políticas, sobretudo, no tocante às questões específicas dos direitos trabalhistas e das campanhas salariais - também pelo fato das mesmas serem feitas na grande maioria dos casos, somente pelas diretorias encasteladas - que passaria a ser posteriormente, como vimos, o "salto" contaguiano dos anos 80, até fazendo por merecer a alcunha de "modelo".

Sobre essa lógica interna, os assalariados far-se-ão ausentes das direções políticas das entidades (STR's, FETAG's e da própria CONTAG), refletindo nacionalmente a hegemonia, em ordem decrescente, dos pequenos produtores, arrendatários, parceiros e assalariados no comando diretivo do movimento sindical. Isso evidenciava, no mínimo, uma representação desigual e distorcida de interesses dentro dos STR's, pois mesmo sendo os assalariados, em muitas localidades a maioria expressiva dos trabalhadores, não se faziam por representar dentro dos sindicatos, que aliás, permanece até hoje, inclusive na CUT, como comprovam os dados do IBGE, ao revelarem que, entre 1988 e 1990, cerca de 59% dos presidentes de STR's eram pequenos proprietários; 23% a 25% eram arrendatários/parceiros/assentados/posseiros e apenas 13% eram assalariados (IBGE, 1988).

Todavia, a CONTAG, desde sua criação, em 1963 e, mesmo passando de 1965 a 1967 por intervenção, até os anos 90, esqueceu-se muito rapidamente dos debates e questões políticas tático-estratégicas que anunciavam o socialismo, fundamentalmente no que tange à questão da terra e à reforma agrária, que passou a ser "exigida", de tal forma que deveria ser obtida através de um instrumento legal já existente, no caso o Estatuto da Terra.

Basta relembrarmos, os impactos para os trabalhadores, nos anos 70, motivados pelo processo de "modernização" da agricultura brasileira, com o avanço das monoculturas rumo à agroindustrialização, principalmente a cana-de-açúcar, com o Proálcool. Isso só foi possível devido à atuação direta do Estado, através dos projetos de intervenção e das políticas governamentais específicas, tais como, o Proterra, o Polonordeste, SUDAM, SUDENE etc. E ainda, os incentivos para as cooperativas no sul do país e para a construção de hidroelétricas etc. Tudo isso, incrementou a especulação imobiliária e fez com que cerca de 16 milhões de pessoas fossem expulsas da terra.

Ocorreu, então, uma redefinição do panorama rural, com as relações de trabalho e de produção redimensionando profundamente o mercado de trabalho. Isso criou, ao mesmo tempo, novas categorias sociais e recriou as já existentes, consoante às demandas do pacote tecnológico e práticas de gerenciamento. Como vimos, isso só fez aprofundar ainda mais a segmentação social entre os trabalhadores rurais.

E porque não lembrarmos do desvirtuamento de rota incidente sobre a reforma agrária que, em meados dos anos 80, com o PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária), sacramentado pela "Nova República", ganha status de política social, com o intuito de atenuar os custos sociais do próprio desenvolvimento econômico do país(15). Esse Plano foi chancelado pela CONTAG e na figura de co-participante, jogou na lata do lixo as referências táticas dos anos 60, bem como "tratorou" as propostas que as "diferentes categorias de trabalhadores rurais estão tentando construir através de todas as suas mobilizações" (BOTELHO e D'INCAO, 1987:80).

Os atores que emergiram do novo quadro de confronto, explicitaram as contradições contidas no processo de valorização do capital e expressaram demandas específicas e vêm, ao lado das críticas às práticas sindicais contaguianas, colocando na cena sindical, novos elementos no tocante à representação. Polemizando a hegemonia do "modelo" sindical oficial e acirrando as disputas políticas em torno da estrutura organizativa e das bases representativas, estava em "xeque" o monopólio do sindicalismo na condução das lutas no campo.

Colocava-se então, para esses novos atores sociais que despontaram no início dos anos 80, sob novas formas de organização, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no sul; do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB); dos posseiros do Pará, tomar rumo próprio em busca das suas demandas, opondo-se frontalmente à representação e formas de organização sindical no meio rural brasileiro.

Sem contar, nesse período, a presença marcante, e o trabalho abnegado de militantes de diferentes filiações ideológicas, abrigados em ONG's, mas principalmente, os ligados à Igreja católica(16), destacando-se a partir de 1975 a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e as Comunidades Eclesiais de Base (CEB's) que, conseguiram introduzir questões políticas relevantes à ação sindical. Isso fez com que os sindicatos mostrassem o caráter de classe da sua existência, atuando junto a posseiros, pequenos produtores e assalariados, deixando marcas até hoje e tendo muita importância nas definições de rumos que se materializaram no III Congresso da CONTAG.

No entanto, o MSTR apegou-se aos padrões institucionais e burocráticos da ação sindical, defendendo a todo custo a "velha" estrutura sindical, barrando toda e qualquer iniciativa ou experiência de organização que fugisse ao modelo do STR, ao sindicato único (unicidade de qualquer jeito), mesmo tendo à sua frente os fatos conjunturais emergentes, como o avanço do assalariamento.

Do ponto de vista da organização sindical, o verticalismo oficial internalizou-se, no caso da CONTAG, "diferentemente da grande maioria dos sindicatos urbanos, uma forma de 'integração', localizando a liderança das lutas na Confederação e não nos sindicatos (STR's) e Federações (FETAG's). Essa forma de atuação favoreceu uma dependência dos sindicatos em relação às iniciativas das demais instâncias" (MARQUES, 1994:5). Dito isto, não é incomum deparar-se com avaliações de autores que se debruçaram sobre o assunto, em conformidade com a posição dos líderes e dirigentes do MSTR, que atribuem, exclusivamente, a "inércia" e os "recuos" do MSTR e da CONTAG, quando os admitem, à ditadura militar e suas ações de perseguições, assassinatos, intervenções e da forte repressão sobre as entidades sindicais.

Não está em questão ignorar esses fatos. No entanto, faz-se necessário incorporar à análise a outra faceta da realidade, componentes do mundo sindical, a rigor, os aspectos definidores, tais como: o apego de seus dirigentes à prática do aparelhismo; assistencialismo, fazendo dos sindicatos, em alguns casos, sucursais pobres dos postos de saúde; apaniguando direções "pelegas" e totalmente descomprometidas com as demandas dos trabalhadores, apenas se sustentando graças ao recolhimento compulsório das "contribuições sindicais".

Mantendo-se dogmático até hoje, quanto aos princípios impostos em 1965 e depois tranquilamente assumidos, grande parte dos STR's e Federações abrigados no raio de ação da CONTAG, continuam presos às "tradições".

Como exemplo, na efervescência dos debates do III Congresso da CONTAG, em 1979, de questões emergentes para o conjunto dos trabalhadores brasileiros, em particular aos movimentos sociais populares, o MSTR, hegemonicamente, permaneceu arraigado aos seus interesses "paroquiais", com a manutenção do raio de ação dos sindicatos permanecerem presos à delimitação de base territorial.

Mas é incontestável a rápida expansão do MSTR: existem hoje cerca de 3.200 sindicatos (estando em vigor a unicidade sindical) e várias instâncias de organização, como vimos anteriormente.

Em síntese, a CONTAG procurou manter sua hegemonia na direção das ações que se travavam no campo, na condição de exercitar sua função de representação da categoria através da luta por direitos já existentes (principalmente os trabalhistas) e, sobretudo, mediante a bandeira da reforma agrária, mas norteando-se em fortalecer o verticalismo, peculiar ao sindicalismo brasileiro.

O não cumprimento das deliberações do III Congresso, fundamentalmente no que tange ao privilegiamento do trabalho junto aos assalariados, reforça o caráter cupulista da CONTAG e da maioria das Federações e dos STR's(17). A própria luta pela ratificação da Convenção 87 da OIT, não será mais alvo de deliberação das entidades, quando fora praticamente expurgada em 1985, em ocasião do IV Congresso, quando aparece operacionalizada em demandas como livre negociação, ampla liberdade de greve e criação de comissões de trabalhadores para aperfeiçoamento de acordos. E não foi aprovada (Convenção 87) no V Congresso em 1991, momento em que retomou-se a discussão a respeito, forçada pela participação dos STR's cutistas no evento (BOTELHO e D'INCAO, 1987:77).

A corrente hegemônica e a cúpula que domina a Confederação, utilizou-se do argumento de que, "apostar na unicidade, ainda, garante a união do MSTR, já que, caso contrário, seria o mesmo que apostar no divisionismo e até na insolvência financeira do movimento sindical, com a possibilidade de criação de mais sindicatos e, ainda, numa escala mais elevada com o desmembramento, pelo critério da especificidade, em distintas categorias de trabalhadores rurais, em um mesmo município, como já acontece em alguns Estados"(18).

Dessa forma, deu-se continuidade à "defesa" de um trabalhador rural genérico, abstrato, ignorando o novo quadro emergente com as alterações na base produtiva da agricultura, com sérios desdobramentos para os trabalhadores, atingindo a todos a um só tempo: a perda do acesso a terra por segmentos de pequenos proprietários, parceiros, arrendatários, tendo em vista a política agrícola seletiva e discriminatória do governo e de projetos como o Proálcool que intensificaram, ainda mais, o processo concentracionista da propriedade da terra.

De olhos virados às profundas modificações ocorridas no mercado de trabalho, nas formas de contratação, arregimentação e da consequente fragmentação da força-de-trabalho, o MSTR colocou para "escanteio" os assalariados rurais, sob as vestes da velha bandeira da reforma agrária e da luta pela terra (que também não emplacou), fiel escudeira da CONTAG que, como vimos, acabou por ter seu conteúdo completamente desfigurado.
 

NOTAS

1. Professor Doutor do Departamento de Geografia da FCT/UNESP/Presidente Prudente e Coordenador do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT). Endereço para Correspondência: Caixa Postal: 957, CEP. 19060-900. Tel. (018) 221-5388 - Fax: (018) 223-2227. E Mail: ueppr@eu.ansp.br 

2.  A título de sujestão, para uma análise mais aprofundada da temática posta, consultar trabalho recentemente concluído por Thomaz Jr., A. "Por Trás dos Canaviais os (Nós) da Cana. (Uma Contribuição ao Entendimento da Relação Capital x Trabalho e do Movimento Sindical dos Trabalhadores na Agroindústria Canavieira Paulista)". Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Tese de Doutorado, (data da defesa: 06/05/1996). São Paulo, 1996.

3. Desde o início do século, as normas fixadas para a criação de sindicatos agrícolas, congregava patrões, empregados e cooperativas agrícolas numa mesma entidade, mas dar-se-iam independentes da autorização do governo. Todavia, o referido decreto não foi colocado em prática, sendo revogado em 1933, mas revisto em 1941, quando Getúlio Vargas criou a Comissão Interministerial da Sindicalização Rural, sendo que, nesse ínterim, "procurou-se aperfeiçoar a legislação patronal (lei estadual 1299-A, que em 1919 será reformulada (Decreto 13.706)" (RICCI, 1992:3).

4. Esse primeiro encontro contou com a presença de 31 entidades sindicais: 21 eram do Distrito Federal, quatro de São Paulo, duas de Minas Gerais, uma do Rio de Janeiro, uma da Bahia, uma do Ceará e uma de Pernambuco. Mais detalhes, sobre O I Congresso do COB, ver: SOUZA, C. B., 1994.

5. Interessante notar, que na sequência, nos anos 20 e 30, por influência do PCB tentou-se criar outras centrais, como a CGTB (Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil) e a CSUB (Confederação Sindical Unitária Brasileira) respectivamente. No entanto, após o declínio da COB, o sindicalismo brasileiro, ficou órfão de centrais sindicais até a criação da CUT, em 1983.

6. Só em junho de 1962 "fora regulamentado, pela portaria 209-A do Ministério do Trabalho, e estabelecia dezenas de categorias para efeito de enquadramento". Contudo, em novembro do mesmo ano, a sindicalização rural é institucionalizada, através das portarias 209-A/25 e 355-A do Ministério do Trabalho, reduzindo para quatro o número de categorias profissionais para enquadramento: assalariados (trabalhadores na lavoura); pequenos produtores autônomos (arrendatários, meeiros, parceiros, foreiros); pequenos proprietários e posseiros. Instituindo-se de forma plena, em 1963, com a aprovação do Estatuto do trabalhador Rural (ETR). Embora, gozando de legalidade, entrementes instrumentalizado policamente, o presidente da República João Goulart cria o CONSIR ( Conselho Nacional de Sindicalização Rural), pretextando promover a sindicalização rural. Mais detalhes, ver: RICCI, 1992.

7. O sindicalismo que o CGT tinha herdado de Vargas, com seus vício congênitos (falta de enraizamento na base, falta de representatividade, atrelamento à estrutura oficial e dependente ideologicamente da burguesia), precisava ser revisto totalmente, sob pena de sucumbir e não responder devidamente às demandas requeridas pelos trabalhadores, identificados naquele momento com projetos de construção de um sindicalismo livre, autônomo, democrático e com princípios socialistas. Notadamente, o CGT foi o celeiro do entrosamento de antigos militantes e jovens lideranças egressas das lutas pelas melhorias das condições de vida, reforma agrária e, ao seu entorno conheceu-se um hibridismo de posições e concepções sindicais, como muito bem retrado por Lucília de Almeida Neves, em seu Livro: "O Comando Geral dos Trabalhadores no Brasil 1961-1964", 1981. (Mais detalhes ver também: GIANOTTI e LOPES NETO, 1991).

8. Tanto GIANOTTI e LOPES NETO, 1991, como NEVES, 1981, sinalizam que o CGT chegou a ter ações que, na prática, se contrapunham à estrutura sindical oficial, como a greve dos setecentos mil, ocorrida no último trimestre de 1963, em São Paulo, quando 14 categorias, com dastas-base diferentes, forçaram uma negociação coletiva em desafio ao artigo 857 da CLT, que regulamentava a negociação de forma isolada e corporativa. Enquanto isso, a direita criava sua própria entidade, o MSD (Movimento Sindical Democrático), que reunia sindicalistas ligados aos círculos católicos, que se conformaram no braço sindical do golpe militar de 64, contando com figuras como Joaquinzão dentro dos seus quadros.

9. Ao ser detonada, em 1955, no engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão (PE), com o nome de Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco, sob o comando do dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Paulo Travassos, já em 1956, realizou o I Congresso Camponês de Pernambuco, onde essa entidade passou a abranger todo o Estado, com forte ligação com os segmentos populares. O que fez crescer ainda mais suas ações (comícios, marchas etc.) e reforçar sua organização interna. A primeira grande vitória foi a desapropriação do engenho Galiléia, em 1959. A esse respeito, para mais detalhes, ver: AZEVEDO, 1982; MEDEIROS, 1989; JULIÂO, 1962.

10. cf. Medeiros, 1989, p.3, "Movimentos Sociais no Campo".

11. Mais detalhes, a esse respeito, ver: FALEIROS, 1989.

12. Embora, todas as correntes apontassem a Reforma Agrária como bandeira de luta, o sentido e conteúdo era distinto. Apenas para ilustrar, de acordo com as teses do PCB, a Reforma Agrária, seria uma etapa necessária de uma revolução de caráter democrático-burguêsa e anticapitalista, com o atributo de livrar o país dos resquícios feudais e consolidar o proletariado rural; teses essas que constavam nas resoluções da III Internacional, a respeito dos países periféricos e coloniais. Discordando radicalmente dessa postura, para os dirigentes das Ligas Camponesas, o campesinato era, já naquele momento, a principal força política da revolução brasileira, com conteúdo socialista, não postulando para tal empreitada, alianças com a burguesia, nem sequer com os latifundiários. Mais detalhes, ver: Faleiros, 1989 e Medeiros, 1989.

13. Mais detalhes, ver: PRADO JUNIOR, 1972.

14. De uma maneira ampla, o aparato supraestrutural configurou a vida sindical brasileira, rigidamente assentada na unicidade sindical, só podendo haver um sindicato de cada categoria por município; imposição de uma estrutura vertical, impedindo a constituição de organizações horizontais de trabalhadores; subordinação ao Ministério do Trabalho, que poderia intervir nos sindicatos em diferentes momentos (eleições, prestação de contas, ou qualquer atividade desenvolvida pelas entidades que não permitidas). E, o que viria a se transformar no ancoradouro de inúmeros sindicatos "fantasmas" e/ou "pelegos", a instituição do imposto sindical, obrigatório, a contribuição assistencial (arrecadada nos meses de data-base, redistribuídos aos sindicatos, federações e Confederações, depois de descontados em folha de pagamento, no caso dos assalariaods e, à base de percentual da receita, ou outra forma de indexação no caso dos produtores. Sem contar, o assistencialismo, de que já falamos anteriormente, via os convênios com o FUNRURAL, do qual os sindicatos não se furtaram, até porque essa era a única forma de asistência médica e previdenciária para os trabalhadores rurais.

15. A esse respeito, podemos sintetisar o assunto, pontuando que, "Nos anos 60, a luta pela reforma agrária visava modificar e potencializar as forças produtivas no Brasil. Atualmente não passa por aí. Passa a ser uma questão social de incorporar os excluídos dentro do prórpio processo de desenvolvimento" (STIAA/FETAPE/FASE, 1993:24).

16. A esse respeito, para mais detalhes, ver: NOVAES, R. R. ,1987.

17. O atrelamento dos dirigentes dos STR's, intransigentemente vinculados à voz de comando da diretoria da CONTAG, especificamente na figura de José Francisco, (há 20 anos na direção da Confederação), quanto aos encaminhamentos do III Congresso e do "modelo Pernambuco" de greve. Mais detalhes a esse respeito, ver: RIBEIRO, 1987.

18. Entrevista concedida por Aluísio Carneiro, diretor da CONTAG. Brasília, 1991.
 

BIBLIOGRAFIA

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