Scripta Nova Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. 
Universidad de Barcelona. [ISSN 1138-9788] 
Nº 34, 15 de febrero de 1999. 

GEOGRAFIA E COMPLEXIDADE


  Marcos Bernardino de Carvalho
Dep. de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- Brasil 


Resumo:

O debate sobre as possibilidades de construção de abordagens integradas da natureza e da cultura nas ciências sociais, é o tema central deste artigo.

Para o seu desenvolvimento, foram eleitos dois momentos bastante ilustrativos dos argumentos, interesses e desafios que acompanharam a história recente do desenvolvimento científico, de uma maneira geral, e das ciências sociais, em particular.

Um desses momentos refere-se aos debates havidos, no final do século passado, em torno das obras produzidas por Friedrich Ratzel (1844-1904), especialmente a partir das formulações presentes em sua Anthropogeographie (1882-91), com suas propostas de integração disciplinar e de abordagens hologeicas do complexo terrestre.

O outro momento diz respeito aos atuais esforços de pensadores das mais diversas áreas e campos do conhecimento, que investem na construção das ciências da complexidade e na promoção de atitudes transdisciplinares.

Como saldo importante da análise desses momentos, o artigo busca evidenciar as contribuições que algumas das formulações ratzelianas podem aduzir ao debate atual em torno das perspectivas para a construção de um conhecimento científico tributário do pensamento complexo.
 


Summary

The main subject of this article is the debate about the possibilities of construction of integrated approaches between nature and culture in the social sciences.

For the development of this article, two quite illustrative moments of the arguments, interests and challenges that accompanied recent history of the scientific development, in a general way, and of the social sciences, in particular, have been chosen.

One of those moments refers to the debates which happened, at the end of the last century, on the works produced by Friedrich Ratzel (1844-1904), especially the formulations presented in his Anthropogeographie (1882-91), and his proposals of disciplinary integration and hologeical approaches of the terrestrial complex.

The other moment refers to the current efforts of thinkers from several areas and fields of knowledge, who invest in the construction of sciences of complexity and the promotion of transdisciplinary attitudes.

As a result of the explanation of both moments, the article is aimed at evidencing the contributions some of the ratzelian formulations can add to the current debate around the perspectives for the scientific knowledge as a tributary of the complexity.
 


GEOGRAFIA E COMPLEXIDADE(1)

Não seria uma novidade afirmar-se que o universo das disciplinas e da institucionalidade científica erigiu-se sobre alicerces disjuntivos e redutores, cujos procedimentos assim poderiam ser caracterizados: "A disjunção isola os objetos não só uns dos outros mas também de seu ambiente e do seu observador. É no mesmo movimento que o pensamento disjuntivo isola as disciplinas umas das outras e insulariza a ciência na sociedade. A redução, essa unifica aquilo que é diverso ou múltiplo, quer àquilo que é elementar, quer àquilo que é quantificável."(2)

Das bases lançadas, ainda no século XVII, pelo cogito cartesiano e pelo utilitarismo baconiano, ao apogeu corporativo proporcionado pelos fatos dos anos oitocentos, em que a profissionalização dos fazedores de ciência e os limites rígidos das fronteiras disciplinares se consolidaram, ou se estabeleceram, fortaleceu-se um princípio de simplificação que assentado sobre os mencionados alicerces, disjuntivo-redutores, indicaram o caminho tornado hegemônico no universo dos conhecimentos e dos saberes científicos.

Através do artificialismo proporcionado pela eleição e isolamento de objetos específicos, pela desconsideração do ambiente que os envolve e das subjejtivades do observador que os manipula (investiga), fronteiras rígidas e aparentemente intransponíveis foram erguidas e, em torno a cada um desses isolamentos criados, um sem número de disciplinas e corporações desconectadas e desconectantes se estabeleceu.

Desse universo corporativo-disciplinar excluiu-se tudo aquilo que não era passível de ser reduzido às equações, enunciados e leis da classificação e do controle, preferentemente matemáticos.

Sem lugar para a diversidade ou para a particularidade fenomênica, no universo dos modelos e métodos pré-estabelecidos, não só passou a imperar o artficialismo de separações inexistentes, mas também a coação das convivências forçadas, desrespeitadora do singular, do múltiplo e do diverso.

Tal postura, separadora do inseparável e uniformizadora do diverso, não se restringe apenas às ações disciplinares, nos momentos em que estas perscrutam os objetos eleitos como exclusivamente seus, mas também contaminou muitos dos procedimentos cognitivos nos quais a própria ciência ou quaisquer uma de suas disciplinas, convertem-se nos objetos definidos por alguma investigação.

Assim, ao examinarmos a história de várias dessas disciplinas, não raro nos deparamos também com inúmeras disjunções e reduções em que determinados pensadores e/ou formulações são agrupados ou separados, segundo os interesses impostos pela linearidade evolutiva da história que se quer contar, ou que se pretende construir.

No chamado campo das ciências humanas ou sociais, os vínculos que tais histórias nos revelam, quando o interesse é o de entender, por exemplo, o desenvolvimento da geografia, restringem-se aos liames (concordantes ou não) estabelecidos entre figuras como Humboldt, Ritter, Ratzel, La Blache, etc., com seus respectivos pensamentos, ou então, caso o interesse se volte para outras disciplinas particulares, ainda dentro desse mesmo campo das humanidades, como a antropologia, a sociologia ou a historiografia, são outros os agrupamentos que vemos desfilar, tais como aqueles pertencentes às "linhagens" usualmente estabelecidas a partir da evocação dos nomes ou das formulações de personalidades como Durkheim, Mauss, Malinowski, Febvre, Bloch, etc, apenas para citarmos alguns.

Claro que quando o foco dos nossos interesses se dirige para os outros grandes campos das formulações científicas, como os das ciências físicas e biológicas (que, diga-se de passagem, são aquelas a que alguns atribuem o qualificativo de ciências propriamente ditas) as lembranças de outras personalidades e de outras formulações, é que são freqüentemente as mais evocadas.

Tudo se passa, em suma, como se também na histórias das ciências e de suas disciplinas um modelo de evolucionismo linear, irreversível, produtor de linhagens, espécies e isolamentos, igualmente se verificasse. Mas, se abondonássemos o vício da simplificação que as condutas disciplinadas apenas por pardigmas evolucionistas (lineares), disjuntivos ou redutores, nos impõem, outras possibilidades de conexões, outros cruzamentos de personalidades e de formulações, outras histórias, poderiam, enfim, descortinarem-se em nossos horizontes de análises:

"Muitas vezes se compara a evolução da ciência à das espécies, na sua descrição mais clássica: arborescência de disciplinas cada vez mais diversas e especializadas, progresso irreversível e unidirecional. Gostaríamos de propor passar da imagem biológica à geológica, porque aquilo que por nós foi descrito é antes da ordem do deslizamento que da mutação. Questões abandonadas ou negadas por uma disciplina passaram silenciosamente para outra, ressurgiram em um novo contexto teórico. Seu percurso, subterrâneo e de superfície, parece-nos manifestar o trabalho surdo de algumas questões que determinaram o estabelecimento de comunicação profunda para além da proliferação das disciplinas. E é muitas vezes nas intersecções entre disciplinas, por ocasião da convergência entre vias de aproximação separadas, que são ressucitados problemas que se julgavam resolvidos..." (3) .

Movidos em parte por princípios como esses, sintetizados nas imagens de Prigogine e Stengers, dedicamo-nos recentemente à investigação dos caminhos que conduziram ao estabelecimento de algumas das principais disciplinas integrantes das chamadas ciências sociais, seus agrupamentos corporativos e, conseqüentemente, à intitucionalização dos isolamentos cognitivos que entre eles se estabeleceu(4).

Das necessidades atuais de construção de conhecimentos mais conectados, menos isolados pela rigidez imposta por fronteiras corporativo-disciplinares, é que extraímos a motivação central para a desenvolvimento da mencionada investigação.

Hoje questiona-se não só a extrema fragmentação dos conhecimentos, mas também o artificialismo simplificador que classifica tais conhecimentos em físico-naturais, de um lado, ou humano-sociais, de outro. A construção de abordagens integradas da natureza e da cultura deixa de ser vista apenas como uma nostalgia romântica de formulações típicas dos séculos XVIII e XIX, ou como um desvairio reducionista de renitentes positivistas, impondo-se como uma necessidade para a compreensão de um mundo cujas fronteiras culturais, históricas, políticas, não se expressam em escalas menores do que as fronteiras do próprio geóide e com elas tecem um emaranhado complexo, dificilmente desvendado por instrumentos pautados apenas na redução e na disjunção.

Motivados por tais questionamentos e necessidades fomos remetidos às próprias origens do processo de institucionalização das diversas fronteiras disciplinares.

Se remontarmos às origens desse processo, especialmente aquele que se desenvolveu entre algumas das chamadas ciências humanas, encontraremos inúmeras situações de diálogo e de trânsito disciplinar, cuja recuperação pode nos indicar caminhos, muitos deles interrompidos ou abandonados, capazes de sugerir alternativas para algumas das pretendidas renovações do espírito e do pensamento científico da atualidade.

Uma dessas situações, rica em debates e de intensa troca disciplinar que, em muitos casos, questionava até mesmo algumas das pretensões das então nascentes especialidades científicas, encontraremos em torno da celeuma criada a partir da proposta sugerida por Friedrich Ratzel (1844-1904), que, entre outras coisas, pretendeu conferir caráter científico às investigações dos fenômenos humanos.

O episódio a que fazemos referência ainda não mereceu a devida atenção por parte daqueles que se dispõem na atualidade a refletir sobre o conhecimento científico, ou, quando muito, teve a sua abrangência e a sua importância reduzidas ao âmbito dos debates internos à ciência geográfica, mais especificamente à geografia humana, da qual Ratzel é considerado um dos pais fundadores. As razões dessa pouca atenção e desse reducionismo vinculam-se, em nossa opinião, ao resultado de um processo que, ao optar pela consagração da rigidez analítico-corporativa das ciências humanas, preferiu não só romper com o diálogo aberto pelas propostas ratzelianas, mas também dificultar flexibilidades nas fronteiras das disciplinas integrantes das chamadas humanidades.

Dos conteúdos das principais obras de Ratzel, - Anthropogeographie, Völkerkunde, Politische Geographie e Die Erde und das Leben -, e dos debates de que foram alvo, especialmente nas páginas do L'Année Sociologique, dos Annales de Géographie e nos textos de Lucien Febvre, é possível extrair elementos capazes de nos revelar um grande potencial de contribuição do legado ratzeliano para o debate da atualidade, desde que não descuidemos das diferenças óbvias de contextos que envolvem esses dois momentos de uma intensa discussão, desencadeada pela mesma temática relacionada aos dilemas e às perspectivas do conhecimento científico, mas com um século de diferença, ou seja, exatamente a distância que aparentemente separa a Antropogeografia, sugerida por Ratzel, dos desafios transdisciplinares do presente.

A despeito, no entanto, dessas diferenças, há que se assinalar as similitudes de algumas das perspectivas debatidas em ambos os momentos. Um debate, como aquele que presidiu a segunda metade do século XIX, entre os fundamentos positivistas, naturalistas ou darwinistas, e os historicistas, que na Alemanha atingiu o seu apogeu na primeira metade do século passado(5), não é uma discussão estranha aos tempos atuais, em que os embates entre as perspectivas eco-biológicas e as histórico-culturais também se fazem presentes com grande intensidade. Derivações dessas discussões, tais como as disputas entre horizontes epistemológicos que privilegiam ou as abordagens de conjunto ou as que se pautam em subtotalidades, também não são novidades introduzidas apenas agora pelos confrontos entre modernos e pós-modernos, mas acompanharam igualmente os desenvolvimentos das formulações positivistas, historicistas e funcionalistas que, do século XIX ao início deste, foram produzidas pelos pensadores e cientistas de então, particularmente na França, na Inglaterra e na Alemanha.

Ratzel é um pensador cuja obra foi produzida exatamente na Alemanha desse período, fim do século XIX e início do século XX. Tanto em sua formação, como em sua obra incorporou os diversos fundamentos e horizontes epistemológicos que na época se debatiam. Formou-se como naturalista, atraído, como tantos outros, pelo fascínio do evolucionismo darwinista que empolgou a ciência nas últimas décadas dos anos oitocentos, mas, suas principais obras descendem da pena de um pensador que, convertido às humanidades, dedicou-se à investigação dos processos civilizatórios e das relações entre a história das populações humanas e a história da própria Terra, ou entre os fatos culturais e os telúricos. Aparentemente, Ratzel moveu-se do positivismo ao historicismo, mas seria uma precipitação simplificadora qualquer caracterização nesse sentido, pois, ao examinarmos algumas das suas obras, várias de suas formulações dificilmente poderiam ser enquadradas com tranqüilidade em quaisquer reduções esquemáticas.
 
As obras e as idéias de Friedrich Ratzel

Entre os anos de 1882 e 1902, as principais obras de Ratzel vieram a público. Tratam-se de quatro títulos, distribuídos em oito volumes que, no total, somam mais de 5.500 páginas. Destas, cerca de 5.000 páginas, correspondentes ao primeiro volume de Anthropogeographie, aos textos integrais de Völkerkunde e Die Erde und das Leben, e a uma versão parcial de Politische Geographie, já foram traduzidas para o castelhano, o inglês, o italiano e o francês(6)

O exame de tais obras nos oferece um panorama razoavelmente completo das investigações de Ratzel, dos termos de suas propostas para a construção de um novo campo de conhecimentos -- a antropogeografia --, ou dos conceitos que, segundo o professor de Leipzig, deveriam fundamentar pretensões interessadas no entendimento do complexo terrestre, considerando o conjunto de seus elementos constitutivos, sejam eles físico-biológicos ou histórico-culturais. (7)

A partir daí é possível demonstrar a atualidade da formulação antropogeográfica, principalmente examinando as coincidências de muitas de suas preocupações com algumas daquelas que apenas modernamente se formularam e se admitiram, apesar da trajetória de desgastes, de estigmatizações e de depreciação a que Ratzel e sua obra foram, em muitos casos, submetidos.

Entre as quatro obras mencionadas, as três primeiramente publicadas -- Anthropogeographie, Völkerkunde e Politische Geographie -- compõem um conjunto de formulações complementares. A última das grandes obras de Ratzel, Die Erde..., evidencia essa complementaridade, sintetizando, reafirmando e aprofundando muitos dos desenvolvimentos e conceitos presentes nas anteriores.

Independentemente das diferenças de conteúdo e dos propósitos específicos que possam estar presentes em cada uma dessas obras, há uma insistência, por parte de Ratzel, em restringir as respectivas abordagens à condição de tributárias de um conhecimento maior que se quer construir. Dessa maneira, estabelece-se uma espécie de vínculo natural entre elas, na medida em que, a despeito do tema tratado (geografia política, etnografia, distribuição geográfica das sociedades humanas ou características ambientais das diversas regiões do planeta), o objetivo é argumentar e demonstrar as conexões existentes entre todas as coisas presentes na Terra.

Logo no início da introdução da Antropogeografia, tais propósitos são anunciados: "Nossa Terra constitui em si um único complexo graças à força da gravidade a que obedecem todos os corpos e todos os seres; e esse complexo é também conectado ao espaço externo, mantido no sistema solar pela mesma força e alimentado por aquela fonte inesgotável de força viva representada pelo Sol. Mas, todas as coisas sobre a Terra encontram-se ligadas e unidas por uma ordem de tão profunda necessidade, que só a abundância de seus desenvolvimentos singulares é que permite às vezes vislumbrar a afinidade que as cimenta"(8).

O seu conceito de "complexo Terra" funda-se na idéia da existência de conexões entre sistemas ou organismos dos mais diversos tipos. Tais conexões não se compreendem, tampouco se verificam, sem a consideração da componente espacial. Daí Ratzel considerar a necessidade de agregar, aos estudos da difusão da vida no planeta, a referência geográfica, e, dessa forma, compor uma ciência geral, já há algum tempo existente, a biogeografia, mas que, em rigor só se funda ou se completa, enquanto referência de totalidade, com a instituição de um de seus "ramos": a antropogeografia.(9)

Para Ratzel, a "geografia é antes de tudo uma ecologia"(10) . Essa "ecologia", cuja matriz inspiradora encontraremos em E. Haeckel, se distingue, no entanto, e desde o início, da perspectiva biologista, ao direcionar os esforços de suas preocupações no sentido da compreensão das dinâmicas humanas. Tais dinâmicas apresentam as particularidades de desfrutar um certo grau de liberdade e também de ascendência sobre as demais. E isto, segundo Ratzel, deve ser realçado, sobretudo quando o que se pretende é a compreensão da evolução da fisionomia planetária: "Em verdade, na história desta evolução, as plantas influenciaram as plantas, os animais influenciaram os animais, e estes aquelas e vice-versa; mas nenhum outro organismo exerceu uma influência tão ampla e extensa sobre os outros seres como fez o homem, transformando de maneira muito profunda a fisionomia da vida na Terra." Assim, a biogeografia de Ratzel se distingue da biologia pela mesma razão pela qual sua "ecologia humana" se distinguirá da ecologia sugerida por Haeckel Essa "ecologia ratzeliana" se recusa a desvincular a dinâmica que preside as particularidades da geografia dos homens dos outros universos de conexões que envolvem todas as formas de vida presentes no planeta(11) .

Essa insistência de Ratzel em destacar a diferença entre a biologia e a biogeografia (uma biogeografia, se poderia dizer, fundada no conteúdo antropogeográfico) traduzia uma necessidade de marcar formulações pretensamente menos negligentes com as referências de conjunto e, portanto, diversas daquelas até então praticadas pelas ciências vigentes. Para Ratzel era preciso superar o legado científico fundado em separações inexistentes: «Nos séculos passados a ciência entendia que a compreensão da vida orgânica não era possível se não se considerasse a vida como completamente separada da Terra. A energia vital era entendida como algo totalmente distinto de todas as outras forças da natureza denominada "morta"».

Assim, a ciência que se deveria formular não poderia deixar de considerar a Terra como unidade de diversos elementos, inclusive o humano: "A nossa ciência tem que estudar a Terra unida, como ela é, incluindo o homem, por isso não pode afastar-se do estudo da vida humana, e nem mesmo do da vida vegetal e animal. As mútuas relações existentes entre a Terra e a vida, que nela se produz e se desenvolve, constituem precisamente o nexo entre uma e outra e portanto devem ser especialmente consideradas."

A consideração dessa "unidade terrestre", sob uma perspectiva antropogeográfica, implicava a necessidade de enfrentar, com o devido cuidado e rigor, as formulações que buscavam dar conta do relacionamento entre os integrantes dessa unidade, especialmente aquele estabelecido entre a humanidade e o meio físico.

Nesse ponto, a despeito de alguns de seus críticos afirmarem que nas propostas de Ratzel a ação humana é vista como passiva diante das determinações físico-ambientais, a posição do pensador alemão é clara: "A maior parte das influências que a natureza exerce sobre a vida espiritual do homem manifesta-se por meio das condições econômicas e sociais, as quais são, por sua vez, com elas profundamente coligadas."

Segundo Ratzel, portanto, o homem estabelece com a natureza uma relação intermediada pelo esforço de seu trabalho e de suas ordenações sociais. Por via desse esforço, conquista-se uma aparente autonomia, mas que outra coisa não é senão a própria revelação de atributos naturais da dinâmica humana. Assim, o homem, para Ratzel, não deve ser visto apenas como parte da natureza, mas como integrante e resultado de sua dinâmica evolutiva, ou, em suas próprias palavras: "foi a partir dela que ele se constituiu, e não sem que a natureza gravasse em seu ser e da forma mais múltipla o próprio sinal."

O ponto de vista ratzeliano admite modificação na qualidade dos vínculos e mecanismos de interdependência entre o homem e a natureza, mas recusa-se a observar, nessas modificações, qualquer quebra na unidade complexa formada pelos integrantes do sistema Terra:

"Alguns etnógrafos têm sustentado que o progresso da civilização não consiste em outra coisa que não seja uma maior libertação, das pessoas, das condições naturais do território; contrariamente a isso, nós podemos afirmar que a diferença entre povos primitivos e civilizados não reside no grau, mas sim no tipo de vínculo existente entre o homem e a natureza. A civilização é independente da natureza não no sentido de um completo afastamento, mas sim no sentido do estabelecimento de vínculos mais diversos, mais vastos e menos imperiosos."

Se, para Ratzel, aquilo a que se assistia era uma sofisticação, através de uma "associação mais complexa, mais ampla e menos imperiosa", das relações entre populações humanas e os outros elementos da natureza, também os instrumentos científicos, pretendentes a compreender os processos humanos, deveriam evoluir num ritmo semelhante, isto é, pautados em discursos menos excludentes ou menos fundados em autonomias e independências inexistentes.

A partir da elaboração de discursos pautados no procedimento geográfico, consequentemente antropogeográfico, Ratzel via a possibilidade de construção de áreas de conhecimento com características pouco restritivas, que se diferenciavam de outras ciências, principalmente por causa do alcance das suas observações: "Se é verdade que a geografia investiga os mesmos fenômenos que são estudados também por outras ciências, todavia o seu método se distingue por causa de sua tendência natural a ultrapassar seus próprios muros, realizando uma observação que eu denominarei hologeica(12), ou seja, abraçadora de toda a Terra."

É através da defesa dessa postura e pretensão hologeicas, realçada como uma das principais qualidades de sua formulação antropogeográfica, que Ratzel destaca também a capacidade dessa nova ciência para fazer frente ao excessivo analitismo então vigente:

"Nós não desconhecemos a grande ajuda que o critério hologeico traz ao estudo de cada um dos problemas antropogeográficos. Em uma época como a nossa, na qual, por efeito da especialização, cada uma das ciências é dividida em um grande número de pequenos estudos particulares, é uma verdadeira felicidade que na ciência geográfica tal fracionamento não seja ainda muito acentuado, de forma que a investigação possa ser dirigida e conduzida sobre uma base ampla, possibilitando a descoberta de campos investigativos completamente novos."

Em sua obra seguinte, Völkerkunde, encontraremos algumas reafirmações e desenvolvimentos de muitas dessas idéias discutidas na primeira parte de Anthropogeographie, com reproduções quase integrais dos mesmos textos, sobretudo aqueles referentes ao equacionamento das relações homem-meio.

Aqui, no entanto, merece destaque um breve desenvolvimento, feito nas páginas introdutórias de Las Razas Humanas, de interessante polêmica acerca dos perigos oferecidos, segundo a concepção de Ratzel, pela adoção cega do evolucionismo darwinista nos procedimentos investigativos: «Quando um investigador, completamente encharcado pela teoria evolucionista, encontra algum povo que, sob algumas ou muitas circunstâncias, se acha "atrás" de seus semelhantes, converte involuntariamente este "atrás" em "abaixo", quer dizer em um degrau inferior da escada pela qual a humanidade subiu desde o estado primitivo até o cume da civilização.»(13)

Ratzel, nesse tema, parece querer adotar uma posição de fato avessa a qualquer predeterminação ou preconcepção acerca do posto ocupado pela humanidade, ou parte dela, na escala evolutiva, pois considera igualmente condenável, frente à teoria da "superioridade e progresso inexoráveis", "outra que parte de uma idéia tão individualista e extravagante como a que preside aquela, ou seja, a de que o homem veio ao mundo como ser civilizado e que os povos selvagens se acham, desde aquela época, submetidos a uma degradação que, avançando no sentido inverso, os converteu naquilo que hoje equivocadamente se denomina povos naturais."

Ratzel, em diálogo direto com Darwin, a quem faz questão de considerar como "grande pensador" que deve ser eximido de maior responsabilidade pelo destino "radicalizado" de uma teoria "concebida com grande moderação", não deixa de apontar, no entanto, alguns dos vícios estimuladores dessa "radicalização" presentes na própria obra de Darwin: «Em sua obra "Origem do Homem" não pôde, mais de uma vez, evitar a tentação de imaginar a humanidade diferente do que ela é em realidade, ela é inferior, pelo que faz a seus membros mais degradados, ou mesmo aos animais; o que não denota um estudo feito com a serenidade necessária.»

Aí Ratzel evidentemente ofereceu uma resposta igualmente exagerada à idéia de superioridade, ao defender a de "inferioridade", mas em seu esforço se pode reconhecer pelo menos o mérito de rechaçar as investigações viciadas dos processos humanos.

Tal tratamento polêmico, que Ratzel dispensa em Völkerkunde aos evolucionistas e ao próprio Darwin, se soma a algumas das críticas por ele já apontadas no primeiro capítulo da Anthropogeographie aos "positivistas e outros filósofos da ciência", quanto à questão da previsibilidade e linearidade dos processos evolutivos e, conseqüentemente, dos processos cognitivos.
 
Politische Geographie e uma síntese integradora final: Die Erde und das Leben

Diferentemente de Völkerkunde, a consideração de Politische Geographie, com o propósito de dela extrair as contribuições, ou reafirmações, de Ratzel à discussão relacionada com a formulação científica e seus aspectos teórico-epistemológicos, exigiria a observação de um número mais ampliado de seções. A argumentação em torno da complexidade do objeto da geografia política, o Estado-território, é uma das tônicas do livro, o que nos dá inclusive a impressão de que, embora não seja essa a intenção declarada, Politische Geographie é também um extenso argumento em prol de instrumentos científicos igualmente complexos e capazes de dar conta das exigências investigativas do conjunto de fatores políticos, econômicos e geográficos que envolvem o entendimento do mencionado objeto.

Nesse sentido, Ratzel se recusa a adotar os caminhos da simplificação que ou propõem associações mecânicas entre as dinâmicas naturais e sociais, normalmente subordinando as segundas às primeiras, ou excluem os componentes telúricos da análise e reduzem as construções humanas, como o Estado, por exemplo, a um fenômeno apenas subordinado à esfera das imposições econômicas ou políticas.

Nesse último caso, dos "reducionismos economicistas ou políticos", Ratzel critica aquelas perspectivas de análise praticadas por diversos pensadores que excluem, o "fator espacial" de suas explicações.

Quanto às concepções fundadas num "mecanicismo natural-social", Ratzel observa principalmente as inconsistências das comparações entre o Estado e organismos naturais: "A comparação do Estado com os organismos superiores é infecunda; e se tantas tentativas de abordar cientificamente o Estado como organismo têm trazido poucos resultados, a causa principal está na utilidade limitada que tais analogias, entre um agregado humano e a estrutura de um ser orgânico, proporcionam."(14) .

Ratzel, parecendo querer reforçar aquela diferença anunciada desde a Anthropogeographie, entre a sua proposta de formulação biogeográfica e as perspectivas biologistas de análise, faz questão de concluir com ênfase sua crítica à concepção orgânica do Estado: "Uma das razões pelas quais a concepção orgânica do Estado é unilateral e incompleta, e proporciona à gênese do Estado uma imagem obscura, ou até mesmo incompreensível, é que ela considera a apropriação econômica do solo sem observar que ela contém implicitamente a captura de uma possessão política."

O antropogeógrafo alemão admite, no entanto, a possibilidade de utilização da "concepção orgânica", desde que adotada com o sentido de reforçar as idéias de interdependências de fatores, sugeridas pelas analogias organicistas, e que, no caso específico das construções humanas, não se ignore o fato de que tais "organismos" resultam também da interação de elementos ("geográficos, políticos e econômicos" ) com elevado grau de autonomia.

Se a tais idéias -- de "articulação orgânica", consequentemente, de "não isolamento" e de consideração da "importância das escalas abrangentes"-- agregamos todos os outros itens, expostos ao longo da Politische Geographie, tais como apropriação econômica, possessão política, fatores espaciais, características territoriais, realidades telúricas, realidades histórico-sociais, etc., enumeraremos, por fim, todos os termos da complexa equação que Ratzel vai conjugando ao longo de sua obra.

Podemos concordar ou discordar de muitos dos conceitos ou afirmações que acompanham a exposição desses termos, mas não há como negar a preocupação e a capacidade de Ratzel, ao sugerir a complexidade da "equação", de chamar a atenção para as igualmente complexas e múltiplas possibilidades de sua solução, que passam, necessariamente, pela formulação de instrumentos científicos abrangentes e sintonizados com tais exigências.

Em Anthropogeographie e Völkerkunde, os esforços nesse sentido, como vimos, são nítidos. Nessas obras, Ratzel buscou formular e praticar aquilo que ele mesmo denominou de concepção hologeica, chamando a atenção para a necessária integração de conhecimentos que isto obrigatoriamente exige.

Em Politische Geographie, Ratzel anuncia essa necessidade como uma intenção explícita, já no prefácio de sua primeira edição: "Eu me sentirei amplamente recompensado por meu sacrifício se puder contribuir para uma reaproximação das ciências históricas e políticas com a geografia. Convencer-nos-emos, de uma vez por todas, que o conjunto das ciências sociais não pode se desenvolver plenamente sem uma base geográfica. Em contrapartida, nós poderemos contar com a mais fértil das estimulações para a geografia, seja como ciência, seja como disciplina escolar."

Tal "reaproximação", para Ratzel, dependeria tanto de convencer historiadores e sociólogos a considerar os fatores geográficos, como de convencer geógrafos a considerarem os fatores humanos, sociais e históricos.

Por essa razão, desde a Anthropogeographie, Ratzel, como vimos, também se dirige a seus pares da geografia, instando-os a ampliar suas formulações e incluí-las na perspectiva de uma "ecologia humana".

Em Politische Geographie, essa tradição se mantém e Ratzel argumenta que, assim como o solo deveria ser elemento de vivo interesse para os estudiosos do Estado, este, por sua vez, não deveria despertar menos interesse para os investigadores das manifestações territoriais, ou da geografia, se se preferir, produzidas pela propagação da vida no planeta.

No sentido de realçar a importância do tema em questão, Ratzel enfatiza: "E assim eles [os Estados] se apresentam como formas definidas e localizadas no espaço, integrando o conjunto de fenômenos que a geografia tem por objeto descrever, avaliar, apresentar e comparar de acordo com os procedimentos científicos. Além do mais, eles se integram também entre os outros fenômenos de propagação da vida, no interior da qual os Estados destacam-se constituídos como o ponto culminante."

O Estado, portanto, dessa forma considerado, um dos "pontos culminantes entre outros fenômenos resultantes da difusão da vida", se insere no âmbito da biogeografia geral conceituada por Ratzel, ou mais especificamente, se define como fenômeno antropogeográfico, pois é fator e conseqüência não da difusão de qualquer tipo de vida, mas da vida humana no planeta.

Ratzel se vale dessa caracterização antropo(bio)geográfica do Estado para, do prefácio ao final dessa sua obra considerada a mais polêmica, exortar pela aproximação entre os distintos campos do conhecimento envolvidos com o tema.

Na última de suas grandes obras, Die erde und das Leben (1901-1902), o professor de Leipzig, como já dissemos, sintetiza, reafirma e aprofunda as principais formulações e análises desenvolvidas ao longo das três obras que vimos examinando até aqui.

Quando da publicação de Die Erde und das Leben, algumas importantes análises críticas da Anthropogeographie e especialmente da Politische Geographie já haviam sido veiculadas no L'Année Sociologique e nos Annales de Géographie, em artigos escritos por E. Durkheim, V. de La Blache e L. Raveneau(15) . A despeito de alguns elogios presentes nesses artigos iniciais, principalmente naqueles assinados por La Blache e Raveneau, já se esboçavam críticas contundentes, sobretudo nos artigos de Durkheim, às concepções orgânicas de Ratzel, à demasiada importância que ele conferia aos fatores telúricos, ou às pretensões desmedidas da sua antropogeografia e, conseqüentemente, às "invasões" de territórios do conhecimento, pretendidos por outras ciências sociais, que ela promovia.

Portanto, o interesse por Die Erde... reside também no fato de ela poder ser considerada uma espécie de obra-resposta às críticas que então se esboçavam. Apesar de não ser esse o seu propósito explícito, tanto o momento como o contexto de sua publicação nos autorizariam a fazer tal afirmação e assim considerá-la.

A estrutura geral dessa obra, se consideramos os seus dois volumes, se pauta pelo desenvolvimento, em todas as suas partes e itens, do eixo temático que seu próprio título anuncia, A Terra e a Vida, e do qual não se exclui nenhum dos elementos, físicos, biológicos ou culturais, que conferem a característica de conjunto que tal título busca expressar.

As preocupações epistemológicas, os estímulos às aproximações disciplinares, especialmente entre as chamadas ciências do homem, além das sugestões de caminhos e métodos facilitadores dessas aproximações, também não deixam de ser alvo de importantes desenvolvimentos ao longo da obra. Estão presentes em várias de suas passagens, mas realizam-se particularmente nas introduções de cada um dos dois volumes que a compõe. Nessas partes Ratzel expõe, mais uma vez, as suas convicções acerca das afinidades disciplinares existentes entre a geografia e as demais ciências sociais, retomando as críticas, já desenvolvidas em outras obras, às abordagens fragmentadas, reafirmando as suas idéias de uma biogeografia universal e de uma antropogeografia, que lhe é tributária, como meios para a superação de visões parciais do significado tanto da vida em geral como da ação humana no contexto planetário.

Ao retomar essa formulação de uma "biogeografia universal", da qual não se exclui a antropogeografia, Ratzel não deixa de mencionar as inspirações que o levaram a concebê-la -- Herder, Humboldt, Ritter, Wagner, entre outros --, e de saudar os progressos que conduziram a uma percepção unificada das manifestações da vida no planeta: "Estes progressos prepararam o caminho para uma biogeografia universal, a qual concebia a vida animal, vegetal e humana como uma manifestação vital única do planeta. A rígida divisão desta ciência em três ramos abandona o seu projeto original e a desvia para uma ciência que tem por objetivo apenas descrever e classificar"(16).

A idéia da organicidade telúrica e a concepção hologeica, propriamente ditas, são invocadas mais explicitamente no segundo volume dessa sua última grande obra. Neste, após retomar a crítica aos procedimentos fragmentados, apontando inclusive para as incorreções metodológicas que eles acarretam, tais como um "precipitado abandono do conjunto"(17) , que, na opinião do autor, deveria ser sempre o ponto de partida de qualquer atitude investigativa -- "Nós devemos em primeiro lugar considerar e estudar o conjunto" --, Ratzel sintetiza a sua idéia de concepção orgânica e hologeica do espaço terrestre:

"Esta concepção da Terra que considera o elemento sólido, o líquido e o aéreo, de maneira semelhante a cada forma de vida que deles emana e neles floresce, como um todo indivisível, coligado com a história por ações recíprocas e ininterruptas, nós chamamos de concepção orgânica da Terra e a contrapomos àquela que separa estas partes do globo terrestre, como se elas se encontrassem acidentalmente reunidas, e acredita que possa compreender uma sem a consideração das outras. Quiçá a expressão concepção hologeica seja menos dúbia; mas nós não somos propensos à introdução de neologismos."

Apesar de dizer-se não propenso a introduzir o neologismo hologeico, Ratzel, como sabemos, já o havia proposto em Anthropogeographie. Embora raramente o utilize ao longo do desenvolvimento de sua obra, inegavelmente busca pautar suas formulações por abordagens respeitadoras dessa concepção. Tanto nos diversos itens e partes do primeiro volume, como do segundo, essa busca se expressa numa tentativa de sempre indicar as possíveis relações, de cada um dos temas enfocados, normalmente coincidentes com os títulos dessas partes, com os diversos outros componentes do complexo terrestre e, principalmente, com as variadas manifestações de vida do contexto planetário.

Nesse sentido, Ratzel, ao desenvolver a última parte dessa sua obra -- La Vita della Terra (págs. 664-818) --, acaba dedicando importantes espaços, ao lado de análises mais "técnicas" dos processos de evolução e difusão da vida sobre o planeta, para "dialogar" com a ciência, de uma maneira geral, e com a geografia, em particular. Lamentando, de certa forma, as fragmentações presentes na "literatura geográfica", na qual as "abordagens só se formulam distinguindo geografia botânica, da geografia zoológica, da geografia antrópica"; Ratzel insiste na importância de se compreender "a unidade telúrica da vida", recuperando argumentos que ele próprio afirma vir desenvolvendo desde sua Anthropogeographie, na qual "tratou de dar um fundamento consistente para essa necessidade de uma compreensão hologeica da vida", o que envolve não só uma percepção das conexões entre "os três reinos do vivente", mas entre estes e a natureza inorgânica da Terra: "Sobre nossa Terra tudo é coligado e conectado de uma maneira tão profunda, que apenas a riqueza dos desenvolvimentos singulares pode, por vezes, nos levar a descuidar do fato de que esta mútua dependência abrange, ao mesmo tempo, a substância e a força, o interno e o externo, a pedra e a vida."

O homem, para Ratzel, evidentemente também se insere nesse mesmo contexto de conexões e coligações, e assim deveria ser percebido pelas ciências que o têm como objeto: "Nascido sobre a Terra e formado das substâncias desta, desenvolveu-se por uma longa série de ancestrais de origens igualmente vinculadas com a Terra, o homem não pode ser concebido de outra maneira a não ser a partir de seus vínculos com a Terra."

À consideração desses vínculos orgânicos existentes entre a Terra e o homem, Ratzel adiciona os "vínculos existentes entre os próprios homens", reafirmando a sua crença na existência de processos e características comuns a todos eles, tais como "razão, religião, linguagem, instrumentos de civilização...", que, em sua opinião, reforçariam aquela percepção unitária da humanidade, exposta de maneira mais completa e detalhada principalmente em sua obra Völkerkunde.

Para a compreensão de todos estes vínculos e da complexidade por eles sugerida, Ratzel indica a necessidade de uma prática científica pautada também no reconhecimento das conexões entre as disciplinas interessadas nos temas da Terra, da vida e do homem, insistindo no caráter de cooperação que entre elas deve se estabelecer, apontando, mais uma vez, particularmente as identidades existentes entre história da humanidade e geografia, ou entre esta e história da Terra, todas caracterizadas por Ratzel como "ciências irmãs", em oposição à idéia de ciência auxiliar, de que muitos autores da época passavam a se utilizar em especial quando se referiam à geografia.

Nas últimas páginas de Die Erde..., Ratzel, entre outras considerações sobre os processos cognitivos desenvolvidos pela civilização, afirma sua crença no desenvolvimento da ciência, destacando particularmente o seu caráter estimulador da liberdade de pensamento: "A maior contribuição que a ciência introduziu na civilização de nosso tempo não se resume a uma única aquisição, mas a liberdade de pensamento, que permeia toda a nossa vida, que a plasma e sem descanso prossegue na sua elaboração."

A obra do professor de Leipzig é concluida com uma espécie de defesa dessa liberdade de pensamento, projetada no espaço global e cosmopolita que Ratzel vê como positivamente assomando do mundo. Num texto aparentemente ignorado por seus detratores, que não raro acusariam Ratzel de um nacionalismo e xenofobia extremados, o autor de Anthropogeographie não só explicita suas simpatias pelo cosmopolitismo e mestiçagem que se "enraízam por toda a Terra" (pág. 818), como projeta o advento de uma "cidadania universal", a partir dos próprios elementos indicadores dos processos de mundialização característicos de seu tempo:

"É próprio do nosso tempo! Fala-se de ciência universal, de comércio mundial, de política mundial, e se busca ao mesmo tempo ansiosamente evitar cada sinal que possa revelar que as barreiras nacionais existem para estreitar o olhar que aspira a abraçar o mundo inteiro. Mas é evidente que no progresso da civilização, no incremento da cultura, das comunicações, dos Estados se inscreve uma tendência em direção a uma cidadania universal."

Tais constatações, "próprias do tempo de Ratzel", se afirmadas hoje continuariam igualmente apropriadas, incluindo os projetos de uma ciência e de uma cidadania universais. Caso interpretássemos muitas destas ilações, consideradas sobretudo no âmbito das perspectivas hologeicas, também apregoadas por Ratzel, não seria difícil observarmos vínculos e contribuições, que daí se poderia estabelecer ou extrair, para muito daquilo que se debate no presente, tanto no plano do conhecimento científico, como no plano das relações humanas.

Mas, antes que os debates atuais se estabelecessem, nos chamando inclusive a atenção para essa necessidade de observar muitas das propostas presentes na obra de Ratzel, desenvolveu-se um largo processo que, considerando a integralidade da formulação a que genericamente denominamos de antropo(bio)geográfica, resultou num aproveitamento no "varejo" e de uma recusa no "atacado", uma vez que as influências dessa formulação diluíram-se em um número ampliado de disciplinas, na sua esteira constituídas; enquanto a constituição de um campo de conhecimentos antropogeográficos foi rechaçada pelas ciências sociais que na virada do século passado se estabeleciam.

Antropogeografia: uma formulação rechaçada

A formulação da "nova ciência" antropogeográfica pretendida por Friedrich Ratzel gerou inúmeras e diferentes reações.

Atendendo ao apelo feito pelo antropogeógrafo, muitos se dispuseram a discutir o mérito de suas análises e conclusões, não deixando, até mesmo, de reconhecer as inúmeras influências de suas propostas na constituição de várias disciplinas. Mas, quanto à instituição de um campo de conhecimentos com pretensões antropo(bio)geográficas e, portanto, com interesses em inúmeros objetos disputados por várias das ciências que se estabeleciam no final do século passado, houve uma razoável convergência de vários pensadores no sentido de rechaçá-lo.

Aparentemente, a formulação antropogeográfica, com seu objeto difuso e seu amplo espectro de interesses, foi considerada um obstáculo potencial para o processo de afirmação corporativo-institucional, em que estavam envolvidas as nascentes ciências sociais na virada do século XIX.

As reações e os debates desencadeados a partir das obras principais de Ratzel são bastante ilustrativos disso.

Inúmeros são os trabalhos produzidos durante esse período relacionados, direta ou indiretamente, com o debate em questão. Alguns dos mais significativos, e suficientemente ilustrativos, encontraremos nas páginas do L'Année Sociologique (fundado por Émile Durkheim em 1897) ou dos Annales de Géographie (fundado por Vidal de La Blache em 1891) e, também, na importante obra de Febvre, La Terre et l'evolution humaine (1922), que juntamente com Marc Bloch fundou, em 1929, os Annales d'Histoire Économique et Sociale.

Talvez não tenha havido, na história das ciências sociais, um debate tão intenso entre as suas diversas especialidades e com a participação de sociólogos, antropólogos, geógrafos e historiadores debruçando-se sobre um mesmo tema, como aquele que se desenvolveu nas páginas das publicações mencionadas(18) Apesar dos Annales de Géographie terem sido fundados antes do L'Année Sociologique, é nas páginas deste último que o debate se inicia, desenvolvendo-se uma espécie de disputa por fatias do conhecimento entre a pretendida Morfologia Social, fundada por Durkheim, e a Antropogeografia de Ratzel.

Os adeptos da Morfologia Social, definida como tributária dos estudos sociológicos, julgavam-na mais qualificada do que a Antropogeografia para conduzir muitas das investigações e estudos propostos por esta última.

No L'Année Sociologique há pelo menos dois artigos, com conteúdos bastante ilustrativos da disputa que se estabeleceu, que merecem ser examinados: o artigo de Durkheim para o número de 1898 e o escrito por Mauss & Beuchat no número de 1904-1905.

No volume II do L'Année (1898), na Sixième Section, batizada de Morphologie Sociale, E. Durkheim elabora extensa análise de uma das obras capitais de F. Ratzel: Politische Geographie.

Ao justificar o novo título da Sixième Section, Durkheim afirma: "A vida social repousa sobre um substrato que é determinado tanto por sua grandeza como por sua forma. O que o constitui é a massa de indivíduos que compõe a sociedade, a maneira pela qual eles estão dispostos sobre o solo, a natureza e a configuração de todas as coisas que afetam as relações coletivas."(19) Para o autor, a constituição desse "substrato" afeta, direta e indiretamente, todos os fenômenos sociais, portanto justifica-se a necessidade de uma ciência -- a morfologia social -- dedicada ao seu estudo e investigação, mas alerta: "Uma escola de geografia está tentando uma síntese bastante análoga sob o nome de geografia política."

O sociólogo francês, no entanto, afirma que a geografia, por causa do seu caráter restritivo, seria incapaz de dar conta das sínteses pretendidas e, como forma de superação do impasse, sugere que a geografia assuma essa sua condição, restrita, preocupando-se com aquilo que ele denomina de elementos "menos essenciais" do "substrato social", ou seja, "o solo, os cursos d'água, as montanhas, etc."

Nesse sentido, Durkheim propõe que Ratzel diminua suas pretensões, qualificando-as de vagas e hesitantes, e libere de seus horizontes aqueles objetos pretendidos pela morfologia social:

"A idéia em que se apóia M.R. [Monsieur Ratzel] é ainda muito vaga e indeterminada; nós temos apontado essa indeterminação desde o início, mas é necessário insisistir. O autor hesita entre duas concepções muito diferentes. Ora ele parece propor como objeto, à geografia política, as formas que adquirem as sociedades ao se fixarem sobre o solo; e isso é o que faz a morfologia social propriamente dita. Ora ele estabelece como meta a determinação dos efeitos que os ingredientes materiais do solo (rios, montanhas, mares, etc.), exercem sobre o desenvolvimento político dos povos."

Para que a geografia de Ratzel deixasse de se confundir com a morfologia social, deveria assumir, portanto, as tarefas sugeridas pelo segundo caminho -- "os efeitos dos ingredientes materiais do solo..." --, e situar-se entre aquelas "ciências especiais tendentes a se pôr em contacto com a sociologia e a adquirir uma forma sociológica."

Nos artigos seguintes, publicados no L'Année e assinados ou não pelo próprio Durkheim, as abordagens referentes ao litigio estabelecido entre as duas ciências seguem a mesma tônica inaugurada pelo artigo de 1898, argumentando principalmente sobre a necessidade da antropogeografia ratzeliana restringir a sua pretensão investigativa, ou seja, não invadir os territórios reivindicados pelas outras disciplinas que então se constituiam.

No L'Année de 1904-1905 num artigo de Marcel Mauss(20) , um esboço de solução para o litígio é assim enunciado:

"Em uma palavra, o fator telúrico deve ser relacionado ao meio social em sua totalidade e sua complexidade. Ele não pode ser isolado. E da mesma maneira como se estudam os efeitos de todas as categorias da vida coletiva, é preciso investigar suas repercussões. Todas estas questões não são geográficas, mas sociológicas. Se, em lugar da expressão antropogeografia, nós preferimos morfologia social, para designar a disciplina à qual cabem tais investigações, isto não se dá apenas por uma questão de preferência entre neologismos; é que esta diferença de rótulos traduz uma diferença de orientação"(21).

Distinguindo as questões sociológicas das geográficas, portanto, definindo os interesses da morfologia social e limitando os da antropogeografia, ao mesmo tempo em que insiste na necessidade de distinguir essas diferentes orientações com distintos rótulos, esse texto de Mauss, por causa do tom mais definitivo que emprestou à questão, bem poderia ser considerado como uma espécie de encerramento da participação de sociólogos e antropólogos no litígio com a proposta ratzeliana.

A discussão, no entanto, estava longe de se esgotar. Ela não se encerraria, é claro, antes que outos cientistas sociais, como os geógrafos e os historiadores, manifestassem também suas posições.

Os geógrafos, liderados por Vidal de La Blache, percorreram, à sua maneira, a mesma trilha de críticas indicada pelos sociólogos dirigidos por Émile Durkheim. Mas, será com Lucien Febvre, que se impôs a tarefa de transformar as perspectivas lablachianas em um verdadeiro programa para a constituição científica das ciências sociais, que as opções de caminhos e os argumentos contrários às formulações ratzelianas serão expostos e cobrados explícita e enfaticamente.

Cremos não ser possível compreender-se a trilha disciplinar adotada pela geografia, pela antropologia, ou pela história e a sociologia, sem considerarmos esse papel protagonista que desempenhou a associação Febvre-La Blache, favorável à morfologia social de Durkheim e contrária à antropogeografia de Ratzel.

Dois trabalhos bastariam ser mencionados aqui para ilustrar os caminhos indicados por tal associação: Des caractères distinctifs de la géographie (La Blache, 1913)(22) e La Terre et l'évolution humaine (Febvre, 1922)(23). No artigo de La Blache são feitas inúmeras afirmações, claramente definidoras de terrenos e identidades, que ofereciam um conjunto de respostas tanto ao público interno, como às pressões externas que cobravam da geografia um maior controle das suas "fronteiras".

La Blache, dizendo-se impelido a pôr um fim aos diversos mal-entendidos que a idéia de "geografia" vinha suscitando, define de início: "No grupo das ciências naturais, ao qual sem nenhuma dúvida pertence, ela [a geografia] possui um lugar à parte"(24) .

Ao definir o campo de filiação da geografia junto às ciências naturais, ou o seu campo de interesses como preponderantemente relacionado aos aspectos físicos da superfície terrestre, ou, ainda, "como ciência essencialmente descritiva", La Blache dá razão a todas aquelas observações feitas por Durkheim e Mauss, sobre as tendências de restrição que investigações conduzidas sob o rótulo da geografia quase sempre apresentam.

E como se todas essas definições ainda não fossem suficientes, para oferecer o conjunto de respostas esperado pela comunidade dos cientistas sociais, La Blache arremata com as seguintes afirmações:

"A história e a geografia são velhas companheiras que há longo tempo têm caminhado juntas e, como acontece com velhas conhecidas, perderam o hábito de discernir as diferenças que as separam. Longe de mim a intenção de atrapalhar a harmonia dessa convivência. Seria útil, no entanto, que, continuando a prestar serviços recíprocos, elas tivessem consciência precisa das divergências existentes nos seus estímulos e nos seus métodos. A geografia é a ciência dos lugares e não dos homens; ela se interessa pelos eventos da história enquanto eles esclarecem e iluminam, nos lugares onde se produziram, as características, as potencialidades que sem eles ficariam ocultas."(25)

Ciência natural, descritiva -- "ciência dos lugares e não dos homens" --, esta é, precisamente, a mensagem que La Blache envia aos seus colegas da geografia e das outras ciências sociais. E com isso sugere rumos precisos, que, caso adotados como referências, permitiriam traçar fronteiras mais nítidas entre todas aquelas disciplinas que, de uma maneira ou de outra, se queixavam das vulnerabilidades e do desrespeito à integridade de seus "territórios" que propostas como as de Ratzel ofereciam.

A repercussão desse artigo não seria pequena. Foi muito benvindo entre todos aqueles outros cientistas sociais que, desejosos da tranqüilidade oferecida pelo reconhecimento e respeito a cada um dos territórios conquistados por suas especialidades, estavam ávidos pela consagração das fronteiras analíticas.
 
La Blache, Febvre e a receita de ciência: modéstia e restrição

O melhor trabalho para se avaliar o alcance da repercussão do artigo de La Blache é o livro de Lucien Febvre, a que já fizemos referência: La Terre et l'évolution humaine.

O fundador dos Annales d'Histoire, com esse seu livro, pretendeu sistematizar os principais argumentos expostos em toda a contenda disciplinar. Os argumentos dos sociólogos, as pretensões dos geógrafos e o papel dos historiadores são examinados em praticamente todas as páginas da obra, com inúmeras referências aos artigos do L'Année Sociologique, dos Annales de Géographie e aos trabalhos de F. Ratzel.

A artilharia pesada de toda sua argumentação, Febvre a descarrega sobre as formulações ratzelianas, e em momento algum deixa de ser claro quanto às suas preferências. Se se refere a Vidal de La Blache e seus artigos, Febvre não economiza em palavras como "excelentes", "sugestivos", "objetivos", etc; mas se o seu alvo é Ratzel ou alguma de suas obras, o historiador francês não utiliza expressões ou palavras menos enfáticas que "mal inspirado", "dogmático", "quimérico", "não científico", etc.

Assim, Febvre, elegendo La Blache e Ratzel como pólos opostos dessa discussão, vai tecendo os argumentos que, na sua opinião, contribuiriam para definir principalmente o lugar da ciência geográfica. A argumentação é rica, contundente e, embora se desenvolva em quase todos os capítulos de uma obra de mais de quinhentas páginas, concentra-se, sobretudo, numa longa introdução (44 págs.) e em toda a primeira parte (págs. 45-120), denominadas, respectivamente, "O problema das influências geográficas" e "Como formular o problema/ A questão do método".

Apesar de dizer-se, nesses itens introdutórios, não interessado "no detalhe das doutrinas", Febvre não deixa de, a todo momento, marcar, e até mesmo rotular, aquelas que ele entendia como as principais diferenças existentes entre elas, como na seguinte passagem em que sugeriu suas famosas caracterizações -- determinista/possibilista --, para distinguir as escolas geográficas e suas diferenças, cuja repercussão é até hoje motivo de discussão entre geógrafos: «Não nos perguntemos se no bloco das idéias geográficas não existem realmente fendas e se se pode seguir, com a mesma segurança, os "deterministas" do tipo de Ratzel e aqueles que talvez pudéssemos denominar os "possibilistas" do tipo de Vidal»(26).

Para desenvolver seu argumento, Febvre se apóia nas últimas posições de La Blache, sobretudo as manifestadas no artigo de 1913. Aí, como ele próprio afirmou, estaria apontado o caminho verdadeiramente científico para a geografia, o que, por conseqüência, permitiria também aparar as muitas arestas, ainda pendentes, entre as diversas disciplinas que com ela se desentenderam, principalmente por causa da desmedida ambição da antropogeografia:

«Há uma ciência que pretende constituir-se para responder à seguinte pergunta: "quais são as influências que exerce o meio geográfico sobre as diversas manifestações das sociedades humanas?" Mas esse problema é imenso. Decompõe-se em uma multidão de questões secundárias que são, todas elas, do domínio de ciências claramente distintas. Como, pois, um único homem, incompetente em cada uma destas ciências se tornaria, com o nome de geógrafo, competente em todas elas?».

Prosseguindo nessa espécie de alerta, de que há uma ciência se constituindo -- a geografia -- cujo objeto invade o "domínio de ciências claramente distintas", Febvre não só denuncia o "roubo" e identifica as "vítimas" principais, como já esboça uma divisão dos domínios pretendidos:

«A geografia assim concebida não é mais que uma rapina audaciosa dos domínios reservados aos economistas e aos sociólogos: não há nenhuma de suas conclusões que não pertença ao domínio de alguma disciplina sociológica especial. Desvanece-se, deve se desvanecer como ciência distinta. Não pode reclamar logicamente para si mais que uma espécie de existência "apendicular", se cabe aqui tal palavra. Só o sociólogo (sociólogo, gênero; demógrafo, etólogo, etc., espécies) tem o direito de tratar, em realidade, com método e cautela, das questões que até o presente os geógrafos reivindicaram temerariamente para si...».

O problema maior, para Febvre, não residia nas postulações dos sociólogos às voltas com a institucionalização de sua morfologia social. A principal causa das discórdias parecia vir, de fato, da geografia, com seus "defeitos de uma ciência jovem, exuberante e que não sabe limitar seu domínio próprio, respeitando com isso o domínio dos outros".

«Agora -- prossegue Febvre -- compreendemos melhor o que querem dizer os partidários da morfologia social quando denunciam "esta dsiciplina de grandes ambições que denomina a si mesma geografia humana". Os geógrafos querem explicar pela Geografia, ou ao menos reivindicam como objeto de estudo, as sociedades humanas, das menores às maiores, das mais mais rudimentares às mais complicadas... Abusos flagrantes que não cometeria, por sua vez, uma ciência sociológica de objetivos modestos e marcha prudente, por ter um objetivo limitado e fixado de antemão...».

Ou seja, como via de solução, havia um "modelo científico" a seguir, como esse, destacado por Febvre e sugerido pela ciência sociológica: "modéstia, marcha prudente, objetivos limitados e fixados de antemão". Bastaria convencer os geógrafos a aderirem ao ritmo da "marcha" sugerida pelos sociólogos, ou, então, descobrir entre eles quem defendesse posições mais próximas desse enquadramento, fortalecê-las e torná-las as mais representativas da corporação geográfica, para que, aparentemente, o debate chegasse ao fim.

Essa geografia, merecedora finalmente do aplauso de sociólogos e historiadores, Febvre diz ter encontrado especificamente naquele artigo de La Blache publicado nos Annales de Géographie de 1913.

Em um item de seu livro apropriadamente denominado "Uma geografia humana modesta", Febvre recupera trechos integrais do texto de La Blache, especialmente aqueles em que o geógrafo francês destaca as "tarefas especiais da geografia", definindo-a enquanto disciplina filiada ao campo das ciências naturais e, portanto, preocupada principalmente em investigar, nos diversos lugares do planeta, como as leis físicas e biológicas se combinam e modificam a fisionomia da Terra. Febvre considera que por esse caminho seriam encontradas as melhores propostas sugeridas para a geografia; todas elas convergindo para definir o objeto geográfico em torno da "fisionomia das paisagens".

O texto de La Blache, especialmente em sua parte final, é saudado por Febvre como uma "tábua de salvação": «"A Geografia, continua dizendo Vidal de La Blache, se interessa pelos acontecimentos da História, na medida em que eles esclarecem e iluminam, nos lugares em que se produzem, características e potencialidades que sem eles permaneceriam ocultas." Definição, como se vê, nítida, estrita e egoisticamente geográfica. E, nesta passagem, o ponto de vista é perfeitamente claro. "A geografia é a ciência dos lugares, não dos homens." Está aí, na verdade, a tábua de salvação.»

Ao final de seu livro, Febvre retoma os argumentos desenvolvidos em torno das oposições que ele próprio estabelecera entre as escolas ratzeliana e lablachiana de geografia, condena mais uma vez as pretensões ambiciosas de uma -- antropogeografia -- e elogia a prudência da outra que, "sem se deixar seduzir nem desviar pelas possibilidades ambiciosas, as generalizações temerárias e as pobrezas disfarçadas de verdades filosóficas, todos os inúteis desejos teóricos de um Ratzel...", foi construindo, ainda segundo Febvre, «o plano de investigação de uma "geografia humana" prudente, sadia e fecunda.»

A confiança nessa "geografia prudente" e nas possibilidades que ela apontava para a solução do litígio estabelecido entre as ciências sociais levaram Febvre a dedicar, em tons apoteóticos, o último parágrafo de sua obra exatamente ao enaltecimento dessas qualidades:

«Encontramo-nos apenas no dia do Gênesis, em que as trevas começam a separar-se da luz. Uma imensa perspectiva de trabalho se abre diante de nós, historiadores e geógrafos, em um porvir indefinido. Não é hora de acomodar-se na admiração preguiçosa e beata do pobre e pequeno sistema lacônico e estéril que alguns precursores, à custa de um esforço bruto cuja beleza e valor pessoal não discutiremos jamais, edificaram sobre a base mesquinha de um determinismo meio arrogante e meio indecoroso. Há outra coisa melhor à qual nos dedicarmos: trabalhar. Faz muito tempo que Vidal de La Blache disse que o preservativo contra o espírito de generalização prematura é "compor estudos analíticos, monografias nas quais as relações entre as condições geográficas e os fatos sociais sejam considerados de perto, em um campo bem definido e limitado." Este programa não deixa de ser excelente. Resta apenas inspirar-se nele.»

Até que ponto a arbitragem de Febvre e essa sua exortação final podem ser responsabilizadas pelos rumos desconectados, assumidos daí em diante pela institucionalidade disciplinar verificada nas diversas ciências sociais, é algo difícil de se dizer com segurança, mas, inegavelmente, esse "programa", de inspiração lablachiana -- defensor do analitismo monográfico, dos limites estreitos e das "definições egoisticamente geográficas", ou históricas, ou sociológicas..., etc. -- tornou-se uma fonte inspiradora para as características desconectadas e desconectantes que assomaram dessas e de outras disciplinas científicas, pelo menos em suas vertentes oficialmente e corporativamente institucionalizadas, ao longo da maior parte deste século.

Após examinar os argumentos e expedientes utilizados, tem-se a nítida impressão que o esforço despendido, tanto por Febvre como pelo conjunto dos detratores das formulações ratzelianas, concentrou-se no sentido de afastar Ratzel e suas formulações do terreno onde os litígios se processavam. Tal afastamento, conforme demonstravam, permitiria consolidar, enfim, fronteiras corporativas através das quais, e segundo palavras do próprio Febvre, as "restrições", os "egoísmos" e as "modestas pretensões" prevaleceriam. Conseqüentemente, as novas especialidades analíticas poderiam seguir seus cursos com maior tranqüilidade.

Tudo leva a crer que a principal ameaça residia na insistência ratzeliana em não distinguir, com a nitidez então requisitada, os campos de conhecimento e de interesses envolvidos por sua antropogeografia. Começando pelo próprio nome de sua formulação central -- Anthropogeographie(27) --, e prosseguindo nas suas declaradas convicções de que a história, a geografia, a biologia e a etnografia não deveriam estabelecer limites claros entre si, tudo em Ratzel conduzia ao fortalecimento de uma perspectiva diametralmente oposta à fragmentação do conhecimento.

Ratzel ousou semear sua antropo(bio)geografia em terrenos que já vinham sendo amplamente ocupados pelas estratégias analítico-corporativas. Ou seja, o antropogeógrafo alemão pretendeu encontrar ressonância para a idéia da interação disciplinar num momento em que era exatamente a separação dos conhecimentos o que mais se buscava.

Contudo, não eram só os contornos pouco nítidos, do ponto de vista da divisão disciplinar, de sua proposta antropogeográfica que incomodavam. Também a insistência no estabelecimento de vínculos entre "todas as coisas da Terra", resumida na concepção que Ratzel havia batizado de hologeica, ou as metáforas orgânicas de que ele largamente se utilizou, ou, ainda, os cruzamentos entre ecologia e política, materializados na concepção dos Estados como unidades biogeográficas, etc., compunham os itens que estimularam a inegável predisposição, apenas para encontrar equívocos, com que muitos encaravam sua obra. Os enfoques hologeicos, orgânicos e "eco"-políticos, sinalizavam para esses críticos a presença, na obra de Ratzel, de muitas resistências à superação de horizontes científicos que se desejava ultrapassar.

Assim, além do nítido embaralhamento das fronteiras disciplinares, tais leituras, predispostas à crítica, acusaram nas formulações ratzelianas persistências deterministas, positivistas e evolucionistas.

Inegavelmente, elementos dessas persistências estão presentes na obra de Ratzel. Mas ele próprio critíca e rechaça muitas delas, em alguns casos com bastante ênfase, como é possível conferir apenas com os trechos de Las Razas Humanas (Völkerkunde) e da Geografia Dell'uomo (Anthropogeographie) que há pouco destacamos.

Porém, nos processos de ruptura com o horizonte científico oitocentista (predominantemente evolucionista e positivista, a partir da segunda metade daquele século), parecia não haver espaço para caminhos diferentes dos determinados pelas perspectivas analítico-funcionalistas. Portanto, para romper com as concepções pautadas nas idéias de evoluções unilineares e no monismo ditado pelas ciências naturais, estabeleceu-se a via única da fragmentação especializada do conhecimento e do espaço planetário, em unidades mais autônomas do que articuladas, ou mais justapostas do que integradas.
 
As resistências epistemológicas

Hoje, no entanto, o ambiente científico é outro. Formulações que busquem pontos de convergência entre diferentes áreas do conhecimento tendem a ser tão bem-vindas quanto as que buscavam realçar apenas incompatibilidades eram há um século. Além do mais, na atualidade, são muitos os que investem claramente contra a excessiva rigidez das fronteiras disciplinares, apregoando trânsitos mais livres e menos tutelados para o conhecimento.

As razões dessa maior receptividade às considerações integradoras podem ser atribuídas a pelo menos duas ordens de fatores. Uma delas, sem dúvida, são as próprias condições evidenciadas hoje nos contextos configurados pelas situações-limite a que fomos levados, não só pela ciência e pela tecnologia, mas também pelas disposições econômicas, políticas, culturais e sociais, que hegemônica ou imperativamente vêm se assenhoreando das escalas planetárias há algum tempo.

Mas há também um outro conjunto de fatores, que nos interessa analisar mais de perto, relacionados à configuração de uma certa resistência epistemológica que alimentada pelas contribuições proporcionadas pelos mais diversos campos do conhecimento, não deixou de investir, ou sugerir, desde as origens de todo esse processo, na necessidade da construção de alternativas às reduções e simplificações praticadas pelo exclusivismo analítico-corporativo.

Algumas dessas contribuições poderiam ser assim consideradas, como integrantes de uma resistência às atitudes simplificadoras da ciência e do conhecimento, simplesmente por causa das idéias que aduziram, às nossas percepções da realidade, através das "descobertas" e das conclusões fornecidas pelos próprios processos de investigação em torno dos objetos específicos que elegeram; outras, porque resolveram se chocar de frente com o caminho que estava se tornando hegemônico para os processos cognitivos.

No primeiro caso, é possível enquadrar, por exemplo, a formulação da segunda lei da termodinamica, pois, no mesmo período -- meados do século XIX -- em que se consagrava o paradigma da ordem natural evolutiva, através da teoria da evolução de Darwin e seu Origem das Espécies, o matemático e físico alemão Clausius (1822-1888) resgatava de um "ostracismo" de aproximadamente cinqüenta anos os esboços e estudos feitos por seu colega francês Carnot (1796-1832) -- "um dos grandes gênios ignorados do século XIX"(28) --, que se converteriam nos princípios da mencionada lei.

Tal lei, enunciada finalmente por Clausius, estabelecia o princípio da entropia ou da degradação da energia, como fator também "organizador" do mundo físico e, portanto, introduzia uma perturbação às idealizações em que os modelos da natureza, e, analogamente, os da sociedade, evoluiam (progrediam) porque se fundavam em princípios de ordem. Assim se referiu a esse episódio, E. Morin, às voltas com suas tentativas atuais de construção de um pensamento complexo: "Mas o que me interessava era interrogar-me sobre o problema espantoso que o século XIX nos legava. Por um lado os físicos ensinavam ao mundo um princípio de desordem (o segundo princípio tinha-se tornado um princípio de desordem com Boltzman) que tendia a arruinar qualquer coisa organizada; por outro lado, ao mesmo tempo, os historiadores e os biologistas (Darwin) ensinavam ao mundo que havia um princípio de progressão das coisas organizadas"(29) .

Na verdade, como hoje sabemos, não havia aí uma incoerência entre realidades físicas e biológicas, mas sim o desvendamento precoce do caráter multifacetado, dual e intrinsecamente contraditório de uma mesma realidade, que não se organiza ou se desenvolve apenas segundo os princípios da ordem, ou da desordem, mas segundo os princípios de um continuum: ordem-desordem.

Evidentemente, num contexto como o do final do século XIX, a descoberta precoce desse continuum ordem-desordem, como faces de uma mesma realidade, dificilmente extravasaria as fronteiras disciplinares da física e seus objetos. Tampouco contaminaria as demais disciplinas que, empenhadas em realizar suas especialidades no âmbito de projetos consoantes com a simplificação analítica, estavam mais preocupadas em traduzir, para as suas respectivas linguagens corporativas, as ordens e os progressos que naquele momento se desvendavam e compunham os alicerces do paradigma dominante.

Na verdade, a rigidez e a própria segurança oferecida pelas fronteiras disciplinares, já garantiam mecanismos de defesa contra potenciais "perturbações", como essa trazida pelos físicos. Num universo científico que se erigia às custas das definições de incompatibilidades entre disciplinas, desconexões, obsessão de objetividade e de objetos precisos, etc., as realidades e as dinâmicas também se definiam segundo essas mesmas orientações: o que valia para a física, não necessariamente valeria para a biologia, nem tampouco para o conjunto das outras disciplinas.

Do ponto de vista disciplinar, portanto, as questões trazidas pelos princípios termodinâmicos resumiam-se a problemas que diziam respeito, exclusivamente, à realidade física dos fenômenos. Não perturbavam o curso normal das demais disciplinas. E a realidade científica que se desenhava como hegemônica defendia-se das possíveis "intrusões ou perturbações", mesmo daquelas originárias de disciplinas respeitadas como a física, mantendo imperturbável a "geografia" das insularidades disciplinares.

Mas a utilização de tal expediente não apresentaria igual eficácia diante de uma formulação como a antropogeográfica, cuja natureza indisciplinada, já que não poderia sequer ser enquadrada como ciência humana ou natural, dificultava o seu isolamento analítico.

Definindo-se como uma formulação hologeica, a antropogeografia não só transitava da biologia à história ou da física à antropologia, mas também recusava-se a "abraçar algo menor do que a própria Terra", como definia o próprio Ratzel em sua principal obra.

Portanto, a atitude em relação à antropogeografia teria de ser outra. Não era possível isolá-la. A não ser que se admitisse a configuração de uma disciplina pautada por sua formulação. Mas isso seria o equivalente a admitir uma "anti-disciplina", num universo sustentado exclusivamente pelo que era disciplinável. A solução para esse impasse foi aquela que há pouco examinamos: diluição, desfiguramento e dispersão disciplinar da proposta original, estigmatização e vinculação a um conjunto de ismos condenáveis, banimento do universo científico, etc, conforme indicavam os termos da "sentença" proferida pela obra-arbitragem de Lucien Febvre em seu receituário de restrição, egoísmo e modéstia.

Mas as resistências contra tal tipo de prescrição não deixaram também de se expandir. E, como dissemos, algumas delas se chocaram de frente com o receituário do reducionismo cognitivo.

Gaston Bachelard, por exemplo, pouco mais de uma década após o livro de Febvre ter pretendido consagrar o analitismo cartesiano para as ciências sociais, criticava em seu Le nouvel esprit scientifique, publicado em 1934, aqueles que se recusavam a explicitar a essência do método proposto por Descartes e que, portanto, denominavam de indução o que seria melhor caracterizado por redução: "O método cartesiano é redutivo, não é de modo nenhum indutivo. (...) o método cartesiano que consegue tão bem explicar o Mundo, não consegue complicar a experiência, o que é a verdadeira função da investigação objetiva". "Com que direito se supõe a separação inicial das naturezas simples?", indagava Bachelard(30).

Alfred N. Whitehead, alguns anos antes de Bachelard, em 1919, numa célebre série de conferências, reunidas no livro O conceito de Natureza(31), inspirado, como o próprio autor afirma, nos desdobramentos da então recentemente formulada teoria da relatividade de Einstein, investe contra os modelos científicos fundados naquilo que ele denominava "teorias de bifurcação da natureza". Insistindo na necessidade da percepção do mundo como uma "trama de acontecimentos", e não como um conjunto de eventos e coisas de "naturezas bifurcadas", Whitehead adota o princípio da inseparabilidade de dimensões como tempo e espaço, indicando o tipo de relação a ser considerada -- a dimensão do continuum -- por aqueles interessados numa filosofia de captação da unidade complexa da natureza.

Na última de suas conferências, o autor expõe o seu entendimento de caminho para uma ciência consideradora dessa complexidade:

"Essa longa discussão nos leva à conclusão final de que os fatos concretos da natureza são eventos que revelam uma determinada estrutura em suas relações mútuas e determinados caracteres próprios. A finalidade da ciência é expressar as relações entre esses caracteres em termos das relações estruturais mútuas entre os eventos assim caracterizados. As relações estruturais mútuas entre eventos são tanto espaciais como temporais. Se as concebermos como meramente espaciais, estaremos omitindo o elemento temporal, e se as concebermos como meramente temporais, estaremos omitindo o elemento espacial. Assim, quando consideramos unicamente o espaço, ou unicamente o tempo, estamos lidando com abstrações, ou seja, estamos deixando de lado um elemento essencial na vida da natureza tal como esta se faz conhecer a nós na experiência de nossos sentidos"(32).

Bachelard e Whitehead, é certo, estavam sobretudo dialogando com as ciências físicas e matemáticas, mas os modelos que eles criticavam foram claramente inspiradores do analitismo funcionalista, que também pretendeu reduzir os objetos de estudo dos cientistas sociais àquelas unidades simples e funcionais -- igualmente um mundo de "naturezas bifurcadas" -- a que, monograficamente, muitos se dedicaram.

Assim, não teríamos por que restringir as observações desenvolvidas por esses autores(33) apenas ao universo das chamadas ciências físicas ou naturais, deixando de estendê-las também às inúmeras bifurcações adotadas pelos diversos procedimentos disciplinares das chamadas humanidades, em suas definições de ciências sociais para o tempo, para o espaço, para as paisagens, para a cultura, para as relações homem-meio, para a natureza, etc. A fragilidade dos fundamentos "bifurcativos" é a mesma para ambos os conjuntos de ciências -- naturais ou humanas.

Dessa forma consideradas, tais resistências apresentam inúmeras sintonias com muitas daquelas formulações ratzelianas que exortavam às interações disciplinares e, principalmente, insistiam na adoção de uma concepção hologeica como caminho para o "enfrentamento" da complexidade do mundo.

A condição de resistir epistemologicamente à hegemonia analítica e fragmentadora, mesmo que restrita ao interior de suas respectivas áreas, é o que estabelece liames entre as idéias desses autores.

Formulações como as de Ratzel, as de Bachelard ou as de Whitehead, entre outros, mesmo que elaboradas por razões diversas, em momentos diferentes e dirigidas a interlocutores situados em distintos lados das fronteiras disciplinares e que não necessariamente dialogavam entre si, mantiveram e conservaram as sinalizações indicadoras de caminhos diferentes daqueles adotados pelas práticas hegemônicas.

O fato é que esse período, comprendido entre a segunda metade do século XIX e o início do XX, nos legou, por um lado, uma ciência analiticamente organizada, corporativamente estabelecida que, sem dúvida, foi responsável por muitos dos avanços (e retrocessos) que experimentamos no último século. Por outro lado, esse período também nos legou, graças às "perturbações" produzidas por alguns, a desconfiança de que a forma de conhecimento adotada como hegemônica é, em muitos casos, mais comprometida consigo mesma do que com a realidade da qual busca se acercar.

Ainda no final do século passado, o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), conterrâneo de Ratzel(34) , em um livro publicado em 1882, cuja primeira edição ostentava o título Die fröhliche Wissenschaft ("A ciência alegre"), escrevia:

"É preciso coesionar tantas forças para que nasça um pensamento científico: e cada uma dessas forças necessárias, há que se inventar, exercer e cultivar isoladamente! Mas, em seu isolamento estas têm exercido com freqüência um efeito distinto do que exercem agora, no interior do pensamento científico, onde se limitam e se disciplinam mutuamente: -- têm atuado como venenos, por exemplo, o impulso de duvidar, o impulso de negar, o impulso em manter-se na expectativa, o impulso de classificar, o impulso de dissolver. Foi necessário o sacrifício de muitos homens antes que tais impulsos aprendessem a compreender sua coexistência e a se considerarem como funções de um poder organizador no interior de um mesmo indivíduo! E quão distante estamos ainda de que se unifiquem, por sua vez, ao pensamento científico as forças artísticas e a sabedoria prática da vida, e que se conforme um sistema orgânico superior, diante do qual o sábio, o médico, o artista e o legislador, como agora os conhecemos, pareçam miseráveis antiguidades!" (35) .

Certamente, esses tempos longínquos do coesionamento disciplinar e, sobretudo, da união entre "pensamento científico, arte e sabedoria prática da vida" ainda não são os de agora, por mais que as demandas nesse sentido tenham recrudescido. Mas, possivelmente, estão mais próximos de nós do que estiveram de Nietzsche ou de Ratzel, pois tais pensadores, entre muitos outros, resolveram adiantá-los.

Às perturbações e preocupações desses cientistas e filósofos, conectavam-se também os narradores, que utilizam o expediente ficcional para refletir sobre a "sabedoria prática da vida": "Não é preciso acreditar que a questão da complexidade se coloca apenas hoje a partir de novos desenvolvimentos científicos. É preciso ver a complexidade onde ela aparece em geral ausente como, por exemplo, na vida quotidiana. Esta complexidade foi manifestada e descrita pelo romance do séc. XIX e do início do séc. XX"(36).

De fato, em muitas das narrativas desse período é possível se deparar com histórias e personagens que, embora fictícias, nos remetem a uma percepção mais integral da característica multifacetada, contraditória e cheia de (in)consistências, da vida real. Nesse sentido, tais narrativas aproximavam-se daquelas formulações, não ficcionais e presentes na filosofia e na ciência, que igualmente investiam no desvelamento da complexidade do mundo e, em conjunto, se ofereciam como contrapartida às identidades simples e fechadas do conhecimento que se pretendia hegemônico. O mérito de muitos desses romances está em nos chamar a atenção, nas palavras de Morin, para o fato de que "não é simplesmente a sociedade que é complexa, mas cada átomo do mundo humano" (37).

Vários são os exemplos de autores e obras que poderíamos destacar aqui para ilustrar a sintonia entre essas narrativas da complexidade cotidiana e aquelas formulações que denominamos de resistências epistemológicas.

Para aqueles interessados em avaliar o nível de tal sintonia, belíssimos exemplos podem ser encontrados no romance de Émile Zola (1840-1902), O Doutor Pascal(38) , em que através da história de um conturbado relacionamento entre um médico (Pascal) e sua sobrinha Clotilde, o autor nos leva a refletir, em verdade, sobre os conflitos estabelecidos pelos caminhos do conhecimento, principalmente quando tais caminhos se sustentam em crenças cegas e excludentes, sejam elas proporcionadas pela ciência ou pela religião.

Ao final desse romance, o narrador sintetiza em parte os ingredientes de tal conflito, nos sugerindo a existência de possibilidades para a sua superação:

"Nessa encruzilhada de uma época sobrecarregada de ciência, inquieta pelas ruínas que fizera, tomada de susto diante do século novo, com a vontade apaixonada de não ir mais longe e de se atirar para trás, ela [Clotilde] era o feliz equilíbrio, a paixão do verdadeiro alargada pelo cuidado do desconhecido. Se os sábios sectários fechassem o horizonte, para se aterem estritamente aos fenômenos, era permitido a ela, boa criatura, simples, fazer idéia do que não sabia, do que não saberia nunca. E se o credo [ciência] de Pascal fôsse a conclusão lógica de tôda a obra, a eterna pergunta do além que ela continuava, apesar de tudo, a fazer ao céu, reabria a porta do infinito, diante da humanidade em marcha. Visto que há-de ser sempre preciso aprender, resignando-se a gente a não conhecer tudo, a reserva de mistério, de uma eterna dúvida e de uma eterna esperança, não representaria o desejo, a vontade de querer o movimento, a própria vida?"(39).

Ao lermos esse romance hoje, mais de cem anos depois de sua publicação, as alegorias que nele enxergamos e as conclusões que dele tiramos parecem menos alegóricas e menos fictícias do que possivelmente eram na época de sua primeira edição. Mas essa sensação se pode explicar, pois entre o final do século XIX e hoje trancorreu um século XX inteiro em que, particularmente no campo das ciências, operaram-se grandes desenvolvimentos fortalecedores dos argumentos avessos às rígidas separações entre sujeitos e objetos, ou entre a própria ciência e as não-ciências.

Na época em que foi escrito, o romance de Zola era mais um, entre os muitos existentes, que por meio da ficção estimulava atitudes e pensamentos, semelhantes àqueles presentes em algumas obras da filosofia e da ciência de então. Pelo menos no que diz respeito às exortações conectivas, à consideração das dinâmicas complexas e à necessidade de um entendimento para além dos universos fechados das diversas áreas do conhecimento, tais obras se sintonizavam. Mas elas não podem ser vistas como partes de um movimento articulado nesse sentido. Expressavam apenas uma tendência comum em resistir às imposições dos isolamentos cognitivos, que predominavam inclusive no interior de suas próprias áreas.

Para que se divisassem liames verdadeiramente transdisciplinares entre essas "resistências", foram fundamentais as conclusões a que posteriormente, e ao longo de todo século XX, chegaram muitos dos cientistas que, mesmo a partir dos seus horizontes disciplinares, não recuaram analiticamente, diante dos desafios da complexidade da vida, da matéria e das sociedades.
 
Na trilha do pensamento complexo e transdisciplinar

Hoje sabemos que praticamente no momento mesmo em que se completava o apogeu de todo o processo oitocentista -- o do triunfo da racionalidade cartesiana --, acelerava-se também uma outra revolução nas nossas posturas diante do conhecimento, da ciência e da razão, que iria apontar caminhos para tirar do isolamento as diversas "resistências epistemológicas" já manifestadas. Estamos nos referindo aos abalos provocados nesta que se convencionou chamar de "ciência clássica", por um grande número de cientistas e intelectuais, que, sem abandonar o desenvolvimento de suas especialidades ou dos seus campos de interesses, desde o começo do século XX e até os dias atuais, não cessaram de fornecer argumentos contestatórios daquelas certezas e verdades difundidas pelo universo científico oitocentista.

Atualmente já são quase um lugar-comum as referências às revoluções teóricas e conceituais, promovidas pela avalanche de novidades descobertas principalmente pelos físicos nas três primeiras décadas deste século.

Mas, apesar de serem um "lugar-comum", tais referências são obrigatórias, pois, a despeito do grau de questionamento que elas ofereceram aos antigos paradigmas, prevalecem ainda, nas nossas concepções de mundo e nas nossas atitudes perante o conhecimento, ações resistentemente pautadas no analitismo mecanicista.

Desde que Max Planck, em 1900, formulou a sua teoria dos quanta, e Einstein, em 1905, demonstrou a dependência dos eventos físicos em relação ao sistema de referências do observador, estabelecendo o continuum espaço-tempo como uma espécie de quarta dimensão da matéria, o universo descortinado pela nova física não deixou de surpreender e impactar os mais diversos campos do conhecimento humano.

De caminhos que nos conduziam apenas para as percepções das incompatibilidades e da distinção entre partes, fomos transportados para outros itinerários, onde, estimulados por princípios de relatividade, de complementaridade, de incertezas e da não-exclusão dos sujeitos, somos necessariamente atraídos por tudo aquilo que nos revela conexão:

"Naqueles tempos remotos da ciência natural, eram considerados como grupos distintos, por exemplo, as plantas, animais e homens. Esses objetos eram agrupados diferentemente, pelo fato de terem naturezas diversas, por serem constituídos de matérias distintas e determinados em seu comportamento por forças diferentes. Ora, nós todos sabemos que se trata sempre da mesma matéria, os mesmos e variados compostos químicos a compor qualquer tipo de objeto que a Natureza exibe, seja ele mineral, vegetal ou animal, sendo basicamente as mesmas as forças que agem entre diferentes partes de matéria em qualquer tipo de objeto. Assim, a distinção a ser feita diz respeito ao tipo de conexão que seja, basicamente, a mais importante em um dado fenômeno" (40).

Essa interdependência afirmada conecta a revolução quântico-relativista com algumas das formulações que lhes são anteriores e com muitas outras que, inspiradas ou não nelas, seguiram uma trilha que contribuiu, e segue contribuindo, para reforçar as fundações sobre as quais se tentam edificar novas posturas para o conhecimento.

A constatações não muito diferentes também poderíamos chegar se os exemplos que evocássemos fossem emprestados de um outro campo de conhecimentos: o da investigação da vida. Nesse caso, poderíamos partir já de descobertas mais ou menos recentes, tais como as "estruturas dissipativas" de Ilya Prigogine ou das pesquisas desenvolvidas, na década de 1950, por Crick, Wilkins e Watson, sobre a estrutura molecular do DNA e a sua significação genética. Essas duas "descobertas" permitiram estabelecer aquilo que Prigogine classificou de "uma convergência notável entre duas ciências"(41) , pois permitiram "inserir o ser vivo no universo descrito pelos físicos"(42) . Joël de Rosnay assim sintetizou essa convergência:

"Faz já alguns anos que numerosas descobertas e experiências confirmaram esta grande idéia que se propôs nos anos 50: a vida resulta de longa evolução da matéria que, a partir dos primeiros resultados do Big Bang, continua depois na Terra com as moléculas primitivas, as primeiras células, os vegetais, os animais. Este caminho do vivente, que tem durado centenas de milhões de anos, é, portanto, uma etapa de uma mesma história, a da complexidade. Depois do nascimento da Terra, as moléculas se organizaram em macromoléculas, estas em células, e as células em organismos. A vida resulta da interação e da interdependência destes novos elementos"(43).

A predisposição para a investigação dessas interações e interdependências não teria no entanto se produzido sem a admissão, feita já há algumas décadas, da existência de uma estrutura ecossistêmica e "eco-organizadora", que envolve e conecta o mundo orgânico ao inorgânico. Essa idéia -- ecossistema --, estabelecida por Tansley ainda em 1935, abriu as portas para que, no campo das investigações relacionadas à complexidade da vida, a dimensão do continuum, das não-linearidades e das contingências, também aí se revelassem.

Para a percepção dessa complexidade também tem contribuido revisões recentes dos próprios fundamentos da teoria da evolução das espécies, sobretudo os relacionados à sua previsibilidade, linearidade ou às suas vinculações com a idéia de progresso. Stephen J. Gould, na atualidade um dos principais responsáveis por algumas dessas revisões, preocupou-se em apontar a forma como tais equívocos se consagraram, seja por influência dos textos analíticos, seja por causa da iconografia normalmente utilizada para representar os processos evolutivos (como as escadas, os cones invertidos, ou os indefectíveis desenhos sobre a "evolução do homem", que colocam em fila primatas ancestrais, diversos Homo e, na frente de todos, o Homo Sapiens): "A camisa-de-força do avanço linear ultrapassa os limites da iconografia e alcança a própria definição do termo evolução: a palavra tornou-se sinônimo de progresso" (44).

Gould sugere que para chegarmos a imagens adequadas do processo evolutivo, teríamos de abandonar não só os juízos de valores que a ele emprestamos, mas também a idealização de uma dinâmica natural que se mova apenas segundo os ditames da continuidade e da repetição previsível: "Nada é tão inconstante e imprevisível -- tanto em nossas metáforas como em nosso planeta -- quanto as alterações climáticas e geográficas. Continentes se fragmentam e se espalham; correntes oceânicas se modificam; rios alteram seus cursos; montanhas se elevam; estuários secam. Se o jogo da vida é mais uma questão de acompanhar as modificações ambientais do que galgar posições numa escala de progresso, então a contingência deve imperar"(45).

Tais observações, que, diga-se de passagem, poderíamos classificar como essencialmente biogeográficas, não deixam de estar presentes hoje também no universo das preocupações dos biogeógrafos propriamente ditos. D. R. Stoddart, em seu livro On Geography (1986), em especial num capítulo de título sugestivo, Putting the Geography Back in the Bio- (págs. 271-305), trata aprofundadamente do tema, relatando a polêmica também instalada entre os biogeógrafos que são adeptos do evolucionismo tradicional e os que aderiram às formulações cladistas, "que não fazem suposições a priori sobre a natureza das relações, especialmente relações evolucionistas, em que estão envolvidas" (pág. 286). Stoddart saúda a revitalização da área -- biogeografia --, após um período de "estranho silêncio" diante dos novos fatos acrescentados pelas "descobertas" geológicas dos anos 70: "Quando, no início dos anos 70, as placas tectônicas proporcionaram novos e surpreendentes esclarecimentos para essas questões, eles vieram dos zoológos e botânicos, e os geógrafos permaneceram estranhamente calados." (pág. 273). Hoje, afirma Stoddart, "a nova biogeografia aceita tacitamente o movimento continental como o motor da vicariância" (pág. 292), e, portanto, contempla nas suas formulações aqueles fatores contingentes (físico-geográficos) que Gould diz imperar.

A consideração da contingência nos impõe a necessidade, para usar uma metáfora empregada pelo próprio Gould, de "fazer correr repetidas vezes a fita da história da vida" (46) . Ou seja, a impressão que aí também se tem é de que todas as novas teorias e descobertas, no mínimo, nos dizem que há muito ainda que se desvendar ou entender neste "filme", cujo enredo parecia muito simples de ser captado.

Some-se a isso o fato de que hoje, nesse campo de conhecimentos, deveremos obrigatoriamente pautar as nossas investigações segundo os novos fundamentos e conexões que a atualidade impôs aos antigos e precoces conceitos de ecologia e de ecossistema. Originalmente restritos às considerações das dinâmicas biológicas, tais conceitos se ampliam com a inclusão das atividades humanas:

"A ecologia está mutilada se for apenas a ciência natural: Não só as sociedades humanas sempre fizeram parte dos ecossistemas, mas sobretudo, os ecossistemas, depois dos desenvolvimentos universais da agricultura, da criação de gado, da silvicultura, da cidade, fazem agora parte das sociedades humanas que fazem parte deles. A ecologia geral deve pois ser uma ecologia que integre a esfera antropossocial na ecosfera, e ao mesmo tempo a retroação formidável dos desenvolvimentos antropossociais sobre os ecossistemas e a biosfera" (47).

Da mesma forma que ocorreu nas ciências ditas exatas (físicas ou biológicas), naquelas denominadas humanas também novas "descobertas" têm nos apontado que, no mundo da cultura e da sociedade, as coisas não são tão simples assim como se poderia, ou se queria, supor. Dan Sperber, a partir das modificações experimentadas na antropologia, sintetiza em parte essa percepção e nos remete para os processos semelhantes vividos por outras disciplinas:

"O ideal metodológico que defendia pressupunha um objeto ideal: uma pequena sociedade homogênea, quase fechada às influências exteriores, mas onde o antropólogo pudesse, contudo, penetrar, para dela vir a ser, à força de paciência e humildade, o orgulhoso intérprete. Um tal objecto ideal, sem dúvida, nunca existiu. As sociedades humanas são menos homogêneas e mais abertas umas às outras, mais capazes de sobreviver às intrusões, do que se imagina. Não são, mais do que as regiões em Geografia ou as épocas em História, objetos bem delimitados que possam ser isolados e estudados exaustivamente"(48).

Dessa rigidez dos limites ou objetos idealizados, ou das unidades convencionadas, alguns historiadores também buscam se afastar: «O abandono das unidades dá, à história, uma liberdade de recorte, de criação de itens novos, que é uma fonte de renovação infinita. (...) Os geógrafos renunciaram, há muito, a recortar as regiões de acordo com as fronteiras políticas; dividem-nas em função de critérios legitimamente geográficos. A história tem a obrigação de imitá-los e de se atribuir uma completa liberdade de itinerário através do campo factual, se é verdade que é obra de arte, se é verdade que se interessa unicamente pelo específico, se é verdade, enfim, que os "fatos" só existem num enredo e que o recorte dos enredos é livre»(49).

Quanto à geografia e aos geógrafos, várias são também as manifestações que convergem no sentido de ampliar e confirmar propostas e críticas semelhantes a essas feitas por Sperber ou Veyne. Para Yves Lacoste, por exemplo, a tarefa atual do géografo - "saber pensar a complexidade do espaço terrestre"(50) - exige a reformulação de alguns "conceitos-obstáculo", como o de "região natural", e de alguns procedimentos, como a confusão normalmente estabelecida entre as fronteiras dos Estados e as dos fenômenos tradicionalmente chamados de geográficos. No lugar disso, sugere a consideração das ubiqüidades escalares e das espacialidades diferenciais, impostas à geografia pelo próprio ritmo das práticas sociais contemporâneas.

Essa capacidade de transitar entre as escalas, para nelas reconhecer o jogo espacial contemporâneo, implica o abandono dos limites regionais convencionalmente estabelecidos para a geografia, ou, no mínimo, exige a compreensão de que o processo de regionalização é fruto de "construção intelectual"(51) , e não um dado da "natureza" física ou social dos espaços sobre os quais se debruça o geógrafo: "seria imperdoável persistir no erro de conceber o espaço como fundo fixo e imutável sobre o qual se esparrama, em suas múltiplas e articuladas facetas, a ação humana. (...) Ao lado da dinâmica físico-natural, e mais e antes que esta, empurra-nos para uma atenção ao espaço realmente assídua a circunstância de que a fisicidade da superfície terrestre, no momento em que ela vem a ser de algum modo incorporada nas relacões humanas, deixa de ser um dado inerte e assume uma plasticidade dependente da interpretação que lhe é conferida pelos grupos sociais"(52).

A compreensão dessa "plasticidade dependente da interpretação", abre possibilidades não só para a chamada geografia humana, mas também para a denominada geografia física e para as necessárias revisões a que ela deveria se dispor.

Mas, em se tratando especificamente da geografia física, já há, entre aqueles que a praticam ou que por ela se interessam, também diversas manifestações que podem ser consideradas como reforçadoras dessas necessárias revisões. Nesse sentido, são reconhecidos os esforços de figuras como Stoddart, mencionado há pouco, Georges Bertrand e Jean Tricart, entre outros. Todos eles, em textos mais ou menos recentes(53) , não deixaram de apontar para a necessidade de reformular os procedimentos de uma "geografia física atomizada por uma proliferação de investigações desarticuladas"(54) , "desequilibrada por uma hipertrofia da geomorfologia e por grandes insuficiências no campo das disciplinas biogeográficas"(55) , e que abandonou, por conseguinte, as considerações de conjunto ou ecossistêmicas(56) , justamente em um momento no qual mais seriam necessárias tais considerações, por causa, entre outros motivos, das intensas dilapidações das paisagens a que assistimos hoje.

Stoddart, por exemplo, em suas considerações sobre as abordagens orgânicas e ecossistêmicas para modelos de investigação geográfica, aponta a importância da termodinâmica prigoginiana(57) . Bertrand, por sua vez, propõe que se assuma o caráter "diagonal" desses campos do conhecimento que, por estarem interessados nas abordagens ecossistêmicas das paisagens, devem se nutrir da "cooperação, do diálogo e da cumplicidade disciplinar", indo além da "investigação interdisciplinar, que permite estabelecer o diálogo e articular os novos temas", mas -- prossegue Bertrand -- "não passa de um paliativo ou uma fase preparatória, uma vez que os interesses disciplinares e as estruturas mentais permanecem"(58) . Tricart se soma aos argumentos dessas predisposições, enaltecendo o fato de elas serem a via para o estabelecimento de "relações transdisciplinares com os outros naturalistas e, caso o aceitem, com os especialistas das ciências humanas"(59).

Entretanto, a comunicação entre as ciências, considerando os âmbitos disciplinares, ou entre as diversas formas de conhecimento, considerando os outros âmbitos não disciplinados, continua sendo limitada. As resistências advindas da manutenção de um certo esprit de corps, ou da rigidez das fronteiras analíticas, ou da hierarquização valorativa das diversas disciplinas e campos do conhecimento, com toda a carga de preconceitos que a partir daí se distribui, permanecem sendo barreiras dificultadoras dessa comunicação.

Estamos num ponto, portanto, em que, parafraseando Gould, deveríamos não ter receio de fazer correr, também, e repetidas vezes, a "fita da história da ciência". Pois, se não se quer desperdiçar o enorme potencial de possibilidades para o conhecimento como um todo que as atuais convergências em direção à complexidade, mesmo que ainda limitadas aos âmbitos disciplinares, apresentam, teremos de encontrar algum meio de nos libertarmos dessa inércia que uma ainda rígida geopolítica disciplinar nos impõe.
 
  Ciências antropogeicas: humanas e inexatas

A necessidade de olhar para trás e fazer correr repetidamente a fita de qualquer história, inclusive a da razão e a da ciência, exprime agora uma preocupação com o futuro, não um apego ao passado.

O que se busca é não desperdiçar as potencialidades que algumas das convergências examinadas nos anunciam, indicando os obstáculos que ainda impedem o alargamento do potencial de comunicação aberto entre os diversos saberes e campos do conhecimento.

Entre os muitos obstáculos a serem superados, alguns nos apontam a necessidade de se enfrentar o falso paradoxo criado pelas diferenças de métodos e procedimentos entre as chamadas ciências "duras", ou exatas, pautados exclusivamente no determinismo das leis naturais, e aqueles praticados por outros campos do conhecimento humano, particularmente nas ciências sociais, e que necessariamente devem contemplar os ingredientes de incertezas e indeterminações dos fatos que investigam.

Em função disso, Ilya Prigogine, por exemplo, nos fala sobre a necessidade de abandonarmos os extremos das representações fundadas exclusivamente ou no determinismo das leis naturais, ou nos eventos arbitários e imprevisíveis: "O que emerge hoje é portanto uma descrição mediatriz, situada entre duas representações alienantes: a de um mundo determinista e a de um mundo arbitrário submetido ao puro acaso. As leis não governam o mundo, nem tampouco este é regido pelo acaso"(60).

A predisposição para o estabelecimento dessa "descrição mediatriz", de que nos fala Prigogine, envolve tomadas de atitudes por parte do conhecimento científico, de uma maneira geral, e, também, por parte dos seus campos de especialidades, em particular.

Em se tratando dos grandes campos das especialidades científicas, há, portanto, a necessidade de projetar um movimento em que as chamadas ciências exatas não tenham receio de humanizar-se e as humanas deixem de pretender a exatidão. De fato, é a compreensão desse nível de convergência que nos permitirá vislumbrar a configuração de uma "ciência-mediatriz", que incorpore as conquistas produzidas por ambas, até aqui, e não desperdice os caminhos indicados pelas metamorfoses científicas que, sem dúvida, estamos vivendo.

Em se tratando das chamadas ciências exatas, Prigogine & Stengers reconhecem e sugerem o seguinte:

«As ciências ditas "exatas" têm hoje por função sair dos laboratórios onde, pouco a pouco, aprenderam a necessidade de resistir ao fascínio de uma busca da verdade geral da natureza. Elas sabem, de ora em diante, que as situações idealizadas não lhes darão a chave universal, pelo que devem, enfim, tornar a ser "ciências da natureza", confrontadas com a riqueza múltipla que, durante muito tempo, se acharam no direito de esquecer. Por isso, colocar-se-á para elas o problema do diálogo necessário com saberes preexistentes a respeito de situações familiares a cada um, problema esse a propósito do qual alguns quiseram estabelecer a singularidade das ciências humanas, quer para as elevar, quer para as rebaixar. Tal como as ciências da sociedade, as ciências da natureza não poderão mais, agora, esquecer o enraizamento social e histórico que a familiaridade necessária à modelagem teórica de uma situação concreta supõe.»(61)

O enraizamento social, histórico e os diálogos com saberes preexistentes de que falam os autores, nos revelam apenas uma das faces das projeções das atitudes alimentadas por nossas expectativas em relação a essas ciências metamorfoseadas, pois os mesmos reconhecimentos e sugestões devem e podem ser feitos para as chamadas ciências sociais. O enraizamento, nesse caso, pode realçar, se quisermos, o lado historicamente negligenciado por esse outro campo dos conhecimentos científicos -- o enraizamento telúrico.

Ao longo deste trabalho, vimos examinando diversos autores, particularmente filiados ao campo das chamadas ciências humanas, cujos investimentos intelectuais claramente se direcionam também no sentido da superação, ou do enfrentamento, dessas questões. Desde as formulações ratzelianas com sua perspectiva hologeica, que genericamente caracterizamos como antropobiogeográfica; passando pelas diversas "resistências epistemológicas" -- oitocentistas -- com elas conectadas; às recentes críticas que biólogos, antropólogos, físicos, geógrafos e historiadores têm oferecido tanto às suas próprias e respectivas áreas, como às simplificações e idealizações que lhes têm dificultado os procedimentos investigativos; temos assistido a inúmeros esforços em reavaliar o desprezo relativo dispensado às dimensões que lhes são estrangeiras -- os objetos científicos dos outros.

Sobretudo nas chamadas ciências sociais, o equívoco "bifurcativo" -- que fragmentou o universo humano em um conjunto de ações desconectadas (sociais, territoriais, históricas, econômicas, culturais, etc.), como forma de justificar as diversas existências disciplinares e seus respectivos objetos -- tem sido alvo, como vimos, das mais severas críticas, a tal ponto que nem mesmo os expedientes interdisciplinares ou multidisciplinares são mais considerados suficientes para vencer as falsas dicotomias promovidas pelas humanidades, desde que estas se rebelaram contra a "falta de cientificidade", as "pretensões" e os "objetos difusos" da antropogeografia ratzeliana. Hoje, ao invés das limitações desses expedientes, fala-se na transdisciplinaridade, na ubiqüidade, na conjugação de escalas, no conhecimento diagonal, na liberdade de itinerários, etc., ou seja, estimula-se a revisão dos territórios e das fronteiras analíticas que ainda impedem um exercício e um trânsito mais livre, ou menos disciplinado, para os conhecimentos.

Tais estímulos, não necessariamente advêm apenas das profissões de fé que são promovidas por discursos teóricos e abstratos exortadores das perspectivas mencionadas, desenvolvem-se também a partir das dificuldades práticas com que são confrontados os pesquisadores das diversas áreas, na medida em que deparam com as realidades complexas e desbordantes de seus objetos, como já tivemos a oportunidade de ilustrar através dos diversos exemplos mencionados aqui e em outras partes.

Há, no entanto, algumas formulações atuais que verdadeiramente reforçam o caminho de argumentação que vimos desenvolvendo, pois, de imediato nos remetem à revisão das origens do processo que consolidou o estabelecimento recente das especialidades nas ciências humanas, principalmente quando tais formulações ilustram as complexidades e desbordamentos entre os objetos da geografia e da antropologia, cujos fundadores, como vimos, protagonizaram o debate que pode ser considerado como fortemente responsável pela consagração das trajetórias desconectadas percorridas pelas ciências sociais nos últimos quase cem anos.

Nesse sentido, constatar, na atualidade, a existência de preocupações que bem poderíamos caracterizar como antropogeográficas não deixa de ser um importante alento para os desenvolvimentos comuns do conjunto das ciências sociais. Se consultarmos alguns dos textos recentemente produzidos por antropólogos e geógrafos, não será difícil encontrarmos algumas dessas preocupações.

Marc Augé, por exemplo, num dos seus mais recentes trabalhos afirma: "Se o espaço é a matéria-prima da antropologia, trata-se aqui de um espaço histórico, e se o tempo é a matéria-prima da história, trata-se de um tempo localizado e, nesse sentido, um tempo antropológico"(62).

Essa antropologia, que sem dúvida poderíamos qualificar de geográfica, entende, ainda segundo Augé, o seu objeto-espaço como histórico porque "trata-se precisamente de um espaço carregado de sentido por grupos humanos, em outras palavras, trata-se de um espaço simbolizado."

"Espaço simbolizado", no jargão antropológico, ou "espaço produzido", ou, ainda, "espaço territorializado", como prefeririam alguns geógrafos, tanto faz, pois o fato é que se trata do mesmo objeto, ou do mesmo "espaço", "territorializado" e "simbolizado", em dimensões cada vez mais planetárias: "Hoje o planeta se encolheu, diminuiu, a informação e as imagens circulam rapidamente, e por isso mesmo a dimensão mítica dos demais se apaga. Os outros já não são diferentes ou, mais precisamente, a alteridade continua existindo, só que a importância do exotismo se desvaneceu."

Para Augé, a constatação de que o território desse "espaço simbolizado" não é menor do que o planeta, impõe, para a antropologia, que, tal qual a geografia, esfacelou-se em um sem-número de subespecialidades, a necessidade de se adaptar urgentemente às novas escalas de observação: «Essas mudanças de escala afetam todos os aspectos da realidade empírica observados pelo antropólogo. Adaptar-se às mudanças significa em primeiro lugar admitir o fim definitivo da "grande divisão": chegou a hora de uma antropologia generalizada para o conjunto planetário.»

Edgar Morin, também num de seus últimos livros -- Terra-Pátria --, escrito em parceria com A. B. Kern, já expunha com clareza essa necessidade de redimensionar a antropologia que, sem qualquer restrição, deveria "resgatar-se como verdadeira ciência do homem: ciência multidimensional em que se articulam o biológico, o sociológico, o econômico, o histórico e o psicológico"(63).

Evidentemente, o território dessa antropologia resgatada não se definiria em âmbitos menores do que aqueles sugeridos pela escala planetária entendida como "totalidade complexa física/biológica/ antropológica, onde a vida é uma emergência da história da Terra, e o homem uma emergência da história da vida terrestre."(64) . Em outras palavras, essa "ciência do homem" só se realiza se for também "ciência da Terra".

Entre os geógrafos, já mencionamos alguns cujas manifestações ratificariam as conclusões de Augé e Morin, com a diferença que em muitos dos lugares onde uns empregam a palavra antropologia, outros preferem geografia. Mas, parece que, ao contrário do que ocorreu há quase um século, quando uma situação semelhante se verificou entre as expressões antropogeografia e morfologia social, as disposições hoje são outras, e convergentemente antropogeográficas; ou, numa denominação mais adequada, antropogeicas, caso consideremos que, por elas pretenderem ser "abraçadoras de toda a Terra" e se recusarem a desconectar os diversos componentes de sua complexidade, sejam eles físico-biológicos ou humano-culturais, recuperam algumas das rechaçadas concepções hologeicas, formuladas por F. Ratzel no final do século passado.

Angelo Turco, no seu já mencionado Verso Una Geografia Della Complessità, sintetiza essas predisposições antropogeicas que também movem a geografia da atualidade, da seguinte maneira:

"A territorialização é, portanto, um grande processo, em virtude do qual o espaço incorpora valor antropológico; esse último não se agrega às propriedades físicas, mas as absorve e as remodela, recompondo-as em associações com formas e funções culturalmente diversificadas, irreconhecíveis para uma análise exclusivamente naturalista do ambiente geográfico. Por outro lado, o processo de territorialização não se confunde com o acúmulo de artifícios sobre a superfície terrestre, com um crescimento linear e genérico do valor antropológico de um espaço; pelo contrário, devemos ter presente que ele se dissolve em contínuas reconfigurações da complexidade a partir da qual, definitivamente, o homo geographicus extrai situações, normas ou ao menos indicações para a sua ação" (65).

As evidentes intenções manifestadas, no campo dessas conexões antropológico-geográficas, por mais alentadoras que sejam, obviamente não bastam. Elas apenas se iniciam. Além do mais, restam muitos outros falsos "paradoxos" para se resolver, tanto no interior dessas disciplinas, como nas demais ciências sociais, e destas, com o conjunto das ciências naturais -- físicas e biológicas.

Mas, aí também, as iniciativas no sentido de apontar as novas predisposições, com que na atualidade se enfrentam os debates em torno dos rumos do conhecimento, especialmente quanto à avaliação das possibilidades integrativas, não deixam de ser igualmente promissoras, se consideramos, sobretudo, algumas das manifestações acenadas por figuras representativas do chamado campo das ciências naturais.

A esse propósito Joël de Rosnay sugere o seguinte:

"Vemos assim nascer novos enfoques das ciências sociais e humanas. Antigamente isoladas em um mundo artificial formado por signos, códigos e leis, agora podem integrar-se na corrente poderosa e unificada da simbionomia. Da mesma maneira como a biologia viveu o choque da irrupção das ciências físicas, as ciências humanas estão sendo renovadas graças aos aportes da biologia e das ciências da complexidade. A física, com seus métodos e seus instrumentos, fecundando o âmbito das ciências da vida, conduziu à revolução biológica, biologia molecular, genética, neurobiologia com seus frutos. Há que se esperar uma revolução da mesma envergadura nas ciências sociais. Os métodos e instrumentos das ciências da complexidade, a contribuição da teoria do caos, a utilização maciça do computador e da simulação e as experiências in silico, iluminam as ciências sociais e as conectam de novo com a natureza."(66) .

Essas ciências enraizadas, conectadas com a natureza-cultura, renunciam a todas as "extraterritorialidades teóricas"(67) que as afastaram entre si e, conseqüentemente, do mundo. Convergem, nesse sentido, para o reconhecimento de que são partes integrantes da cultura e do devir humanos e, portanto, sensíveis ao alerta moriniano - "acordar para o homem, para a vida e para a humanidade"(68) . Assim, o conhecimento científico, de uma maneira geral e por causa dessas convergências verificadas em seus campos especializados, assume também, para si, aquela condição de irreversibilidade, que, por presidir todos os processos, ou todas as histórias cujas fitas possamos repetir, independentemente dos determinismos e contingências dos diversos desequilíbrios criadores, dimensiona também, evidentemente, o próprio saber científico em seus limites e em seus fundamentos: "Assim a ciência hoje se afirma como ciência humana, ciência feita por homens e para homens. No seio de uma população rica e diversa em práticas cognitivas, nossa ciência ocupa a posição singular de escuta poética da natureza -- no sentido etimológico em que o poeta é um fabricante --, exploração ativa, manipuladora e calculadora, mas doravante capaz de respeitar a natureza que ela faz falar."(69)
 
 
 
  NOTAS

1. Este artigo sintetiza algumas das principais idéias e conclusões desenvolvidas em tese de doutorado (Carvalho, 1998), defendida em outubro de 1998 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil.

2..Morin, 1994, pág. 22.

3..Prigogine & Stengers, 1997, pág. 219.

4. Além da tese mencionada na nota 1, os resultados de tal investigação podem ser conferidos em dois outros trabalhos (Carvalho, 1997 e Carvalho, 1997a).

5. Segundo F. Meinecke, em seu livro El historicismo y su genesis (1983), o século XIX é "o crisol destas duas concepções [naturalista e historicista]" (pág. 13) e Möser (1720-1794), Herder (1744-1803) e Goethe (1749-1832) são "os três grandes pensadores alemães nos quais irrompe, com grande força, o historicismo precoce do século XVIII e cujas obras constituíram, naquele tempo, o terreno propício para o posterior desenvolvimento da idéia." (1983, pág.15). Entre esses três grandes nomes mencionados por Meinecke, Herder será dos mais influentes na formação do pensamento de Ratzel, como ele próprio indicou em várias de suas obras. Um dos princípios herderianos de mais larga influência nas formulações de Ratzel, principalmente nas suas propostas de conhecimentos integrados da natureza e da cultura, é aquele que nos é apontado por Meinecke como sendo o fundamento básico compartilhado tanto por Herder como por seu discípulo Goethe: "Como questão de princípio ambos sustentaram que a humanidade e a natureza se pertenciam uma a outra, simplesmente, como um cosmos, único, harmônico..." (pág. 352)

6. Entre essas obras, possivelmente a mais divulgada foi Völkerkunde, que em datas muito próximas das primeiras edições alemãs recebeu traduções em castelhano -- Las Razas Humanas, 1888-9 -- e em inglês -- The History of mankind, 1896-8. Da Antropogeographie, há apenas a tradução italiana de 1914, publicada com o título Geografia dell'uomo. De Die Erde und Das Leben, há também uma versão para o italiano -- La Terra e la vita -- publicada em 1905-7. E a Politische Geographie só recentemente, 1988, foi traduzida para o francês.

7. Entre os cerca de 1.200 títulos deixados por Ratzel, computando-se material publicado e manuscrito, parece não haver dúvida de que é nas suas grandes obras concluídas no período de Leipzig -- Anthropogeographie (1882-1891), Völkerkunde (1885-1888), Politische Geographie (1897) e Die Erde und das Leben (1901-1902) -- que encontraremos a exposição mais cabal das propostas aludidas. Diversos autores, alguns dos quais conhecedores, se não do conjunto, pelo menos de parte substantiva da obra ratzeliana, nos amparam nessa nossa conclusão acerca de quais obras de Ratzel deveriam ser consultadas por quem se proponha, a partir delas, extrair contribuições para um debate epistemológico de alcance não restrito apenas àquele demandado pela geografia. Entre eles poder-se-ia mencionar, entre outros: Durkheim (1897, 1898), La Blache (1898, 1904), Febvre (1922), Haddon (1910), Penniman (1935), Lowie (1946), Eggan (1968), Malinowski, (1970), Dickinson (1969), Capel (1981), Bassin (1984, 1987), (Moraes, 1990), Sanguin (1990), Matagne (1992), Müller (1992), Lopreno e Pasteur (1994), Brumat (1994).

8. Razel, 1914, pág. 1. As citações seguintes de Ratzel foram extraídas da mesma obra, nas págs. 5, 3, 13, 51, 60, 62, 91 e 92

9. Segundo Gerard H. Müller, Ratzel é o próprio criador da expressão biogeografia: "Ratzel, em suas múltiplas obras, aprofunda a formulação dessa biogeografia e dos fenômenos biogeográficos, expressões que ele havia forjado desde 1880; a primeira ocorrência aparece num artigo sobre a noção de ecúmeno (...) e ele argumenta sobre a importância dessa nova palavra em correspondência pessoal com seu amigo Hugo Eisig (...)" (Müller, 1992, pág. 448) . Tal constatação não deixa de ser importante, pois muito raramente se observará qualquer menção a Ratzel nos manuais de biogeografia ou nos trabalhos que se proponham a contar a história desse campo de conhecimentos.

10. Cf. Capel, 1981, pág. 283.

11. Algumas dessas idéias foram recentemente recuperadas em comentário editorial escrito por Claude Raffestin e Roderick Lawrence para a importante revista Political Geography Quartely. Dizendo-se seguidores da formulação adotada por Ratzel, para o conceito de ecologia humana, os autores afirmam: "ecologia humana é uma estrutura conceitual que possibilita aos acadêmicos e profissionais das ciências físicas (por exemplo, biólogos, químicos, geólogos e geógrafos) e das ciências humanas (por exemplo, antropólogos, demógrafos, economistas, geógrafos, politólogos e sociólogos) conciliar divergentes conceitos disciplinares e métodos de pesquisa." (Raffestin & Lawrence, 1990, pág. 103)

12. No original: "hologäische Erdansicht" (Ratzel, 1882), ou seja, "observação (ou concepção) hologeica da Terra".

13. Ratzel, 1888, pág. 5. As próximas citações de Ratzel foram extraídas dessa mesma obra e página.

14. Ratzel, 1988, pág. 20. As póximas citações foram também extraídas de Géographie Politique, págs. 55, 160 e 3

15. Os artigos a que especificamente nos referimos são os seguintes: Durkheim (1897, 1898-1899, 1898), La Blache (1898) e Raveneau (1891-1892). Todos eles, além de muitos outros, escritos ou não pelos mesmos autores, foram objeto de minuciosa análise nos trabalhos mencionados nas notas 1 e 4. A eles voltaremos a nos referir, brevemente, no próximo ítem deste artigo.

16. Ratzel, 1905, pág. 55.

17. Ratzel, 1907, pág. 1. As próximas citações foram extraídas desse segundo volume de Die Erde..., págs. 1, 2, 664, 669, 762, 747, 764, 804 e 817.

18. Afora as obras do próprio Ratzel, são os seguintes os trabalhos que mereceriam ser examinados (as referências completas poderão ser encontradas na bibliografia): Durkheim, 1897,1898 e 1898-1899; Mauss & Beuchat, 1904-1905; Halbwachs & Simiand, 1906-1909; Demangeon, Durkheim & Jeanmaire, 1909-1912; Durkheim & Mauss, 1970; Raveneau, 1891-1892; La Blache, 1896, 1898, 1902, 1904, 1913 e 1917; Sion, 1904; Febvre, 1922. Aqui, no entanto, nos limitaremos a uma espécie de mapeamento dos rumos e do conteúdo do debate que tais publicações nos revelam. Tomamos mais uma vez a liberdade de remeter o leitor interessado em um conhecimento mais detalhado dos conteúdos dos artigos e do livro mencionado, a consultar as referências já indicadas nas notas 1 e 4.

19. Durkheim, 1898, pág. 520. As seguintes referências ao artigo de Durkheim foram extraídas das págs. 521 e 531.

20. Esse artigo foi escrito com a colaboração de H. Beuchat e republicado no livro Sociologie et Anthropologie (Mauss, 1968), versão com a qual trabalhamos.

21. Ibid., pág 393

22. Esse artigo, por causa de sua ampla divulgação, é um dos trabalhos mais conhecidos de Vidal de La Blache. Há inclusive uma versão para o português em Christofoletti (1982), com o título "As características próprias da geografia".

23. Há uma versão castelhana do livro de Febvre. Essa versão preservou o texto integral do original francês, foi publicada apenas três anos depois da primeira edição francesa de 1922 e é com ela que trabalharemos neste item.

24. La Blache, 1913, pág. 289. As próximas menções a esse artigo foram extraídas das págs. 293, 297 e 299.

25. Se compararmos as posições formuladas por La Blache, neste seu artigo de 1913, com outras manifestadas em artigos do início dos Annales de Géographie, há evidentes mudanças de orientação. Tais contradições são acusadas por diversos autores, entre eles H. Capel, que observa inclusive razões corporativas nessa mudança do posicionamento lablachiano: "Nesta atitude de Vidal influíram, sem dúvida, tanto motivações intelectuais como profissioniais. Entre as primeiras, o conhecimento que desde 1875 tinha da geografia alemã, que possuía uma forte inclinação para os aspectos físicos, em particular por influência de Richthofen. Mas também um desejo de se distanciar de seus antigos colegas [historiadores] e de assegurar frente a eles a especificidade da geografia." (Capel, 1988, pág. 333)

26. Febvre, 1925, pág. 29. As menções seguintes ao livro de Febvre foram extraídas das págs. 46, 47, 65, 86, 477 e 489.

27.   Segundo Febvre, nem mesmo tal expressão -- antropogeografia -- sobreviveu às críticas e ao gosto dos franceses: "(...) pela ação pessoal e docente de um Friedrich Ratzel, zoólogo e viajante transformado em curioso e profundo geógrafo, constituía-se lentamente uma nova geografia. Ao mesmo Ratzel deve seu nome de batismo: Antropogeografia: geografia humana, como prefere a língua francesa, inimiga das grandes palavras compostas." (Febvre, 1925, pág. 26)

28. A afirmação é de Bernal (1976, pág. 599). Segundo o historiador inglês, parte dos trabalhos de Carnot permanece esquecida em seus manuscritos, durante longo tempo após a sua morte. Mas também a parte publicada, ainda segundo Bernal, cairia no esquecimento, se não tivesse sido recuperada por Clapeyron em 1832. Apenas em 1850 é que Clausius reúne o conjunto desse material e enuncia o seu postulado.

29. Morin, 1991, pág. 121.

30. Bachelard, 1986, pág. 99.

31. As conferências de Whitehead foram apresentadas no Trinity College, no outono de 1919. Tinham por função inaugurar um ciclo cuja denominação geral era: "Filosofia das Ciências e as Relações ou a Ausência de Relações entre os Diferentes Setores do Conhecimento."

32. Whitehead, 1994, pág. 197.

33. Edgar Morin atribui a ambos papel destacado como pioneiros no reconhecimento da complexidade do mundo. Especialmente Bachelard é considerado por Morin uma espécie de exceção ao fato de a questão da complexidade permanecer ainda marginal, "tanto no pensamento científico, como no pensamento epistemológico, como no pensamento filosófico". "Do ponto de vista epistemológico" -- afirma Morin --, "há, contudo uma exceção, e considerável. Trata-se de Gaston Bachelard, que considerou a complexidade um problema fundamental..." (Morin, 1994, págs. 50 e 137)

34. A lembrança aqui se justifica, pois, a despeito das profundas diferenças entre Ratzel e Nietzsche, há uma série de pontos comuns em suas trajetórias que merecem ser destacados. Ambos viveram o mesmo contexto histórico de afirmação do Estado alemão, nasceram inclusive no mesmo ano. Participaram da guerra franco-prussiana, da qual deram baixa por ferimentos recebidos. Vicularam-se à Universidade de Leipzig e foram estigmatizados como inspiradores do nacional-socialismo alemão.

35. Nietzche, 1995, pág. 132.

36. Morin, 1991, pág. 69.

37. Ibid., pág. 70

38. O romance mencionado é o último dos volumes escritos para a série intitulada "Os Rougon-Macquart/História Natural e Social de uma Família sob o Segundo Império", para a qual Zola escreveu vinte títulos publicados entre os anos de 1871 e 1893.

39. Zola, 1955, pág. 318.

40. Heisenberg, 1987, pág. 83.

41. Prigogine & Stengers, 1997, pág. 116.

42. Particularmente as "estruturas dissipativas" -- macromoléculas das quais teriam se originado as primeiras células -- permitiram compreender como a vida deduz-se das mesmas desordens e turbulências que presidiram a conformação do planeta: "As estruturas dissipativas constituem, com efeito, uma forma de organização supermolecular: enquanto os parâmetros que descrevem a estrutura cristalina são dedutíveis a partir de propriedades das moléculas que a constituem e, em particular, do alcance de suas forças de repulsão e atração, as células de Bérnard, como o conjunto das estruturas dissipativas, refletem intrinsecamente a situação global de não-equilíbrio que lhes deu origem; assim, os parâmetros que as descrevem são de ordem macroscópica, não da ordem de 10-8 cm como a distância entre as moléculas de um cristal, mas da ordem do cm." (Prigogine & Stengers, 1997, pág. 114)

43. Reeves, Rosnay et alii, 1997, pág. 114.

44. Gould, 1990, pág. 31.

45. Ibid., pág. 351.

46. Ibid., pág. 52

47. Morin, 1989, pág. 69.

48. Sperber, 1992, pág. 15.

49. Veyne, 1995, pág. 146.

50. Lacoste, 1988, pág. 230.

51. Turco, 1988, pág. 119.

52. Ibid., págs. 57-58.

53. Cf. Stoddart, 1986; Bertrand, 1988a, 1988b e 1992; Tricart, 1981 e 1988

54. Tricart, 1981, pág. 9.

55. Bertrand, 1988a, pág. 461.

56. Cf. Stoddart, 1986; Bertrand,1988b, 1992 e Tricart, 1988.

57. Tais referências são feitas em Stoddart (1986), no capítulo "Organism and Ecosystem as Geographical Models" (págs. 230-270), especialmente no item em que o autor discute "as quatro principais razões que recomendam o conceito de ecossistema para a investigação geográfica" (págs. 250-256). Examinando e descrevendo essas razões, Stoddart argumenta sobre as "vantagens da termodinâmica dos sistemas abertos, para a superação das velhas idéias de uma natureza estática", mencionando o trabalho de I. Prigogine.

58. Bertrand, 1988b, pág. 468.

59. Tricart, 1988, pág. 476.

60. Prigogine, 1997, pág. 218.

61. Prigogine Stengers, 1997, pág. 215.

62. Augé, 1995, pág. 15. As próximas referências ao texto de Augé foram extraídas das págs. 15, 25 e 165.

63. Morin & Kern, 1993, pág. 50.

64. Ibid.

65. Turco, 1988, pág. 76.

66. Rosnay, 1996, pág. 273.

67. Aqui tomamos emprestada a expressão utilizada por Prigogine e Stengers, cuja autoria, segundo os autores é de Serge Moscovici. Prigogine e Stengers utilizam-se de tal expressão na seguinte passagem de seu livro: «A ciência clássica certamente não impunha, mas permitia algumas ilusões. Essas ilusões estão hoje excluídas. Em particular, nós não temos mais hoje o direito de afirmar que o único fim digno da ciência é a descoberta do mundo a partir do ponto de vista exterior ao qual só poderia ter acesso um desses demônios que povoam as exposições da ciência clássica. Veremos que nossas teorias mais fundamentais se definem doravante como obra de seres inscritos no mundo que eles exploram. Nesse sentido, a ciência abandonou, portanto, toda a ilusão de "extraterritorialidade" teórica, e as pretensões desta ordem não podem mais se autorizar a não ser de tradições e esperanças.» (Prigogine & Stengers, 1997, pág. 11)

68. Esse alerta de Morin, extraímos de "Ciência com Consciência" (1994), onde o autor assim sintetizou as potencialidades do momento atual: "Antes de mais, devemos saber que estamos atualmente num ponto de chegada de toda a civilização ocidental que pode ser, ao mesmo tempo, um ponto de partida. Devemos compreender que todas as soluções fundamentais que o desenvolvimento da ciência, da razão e do humanismo devia trazer se transformaram, hoje em dia, em problemas fundamentais. Devemos saber que a ciência e a razão não têm a missão providencial de efetuar a salvação da humanidade, mas têm poderes absolutamente ambivalentes no que diz respeito aos futuros desenvolvimentos da nossa humanidade. E estamos hoje não apenas nesse momento crepuscular em que levanta vôo a ave de Minerva, isto é, a sabedoria, mas também no momento de trevas em que esperamos o canto do galo que deve acordar-nos. O canto do galo deve alertar-nos para o homem, para a vida e para a humanidade." (Ipág. 97)

69. Prigogine & Stengers, 1997, pág. 215.

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