Menú principal                                                                                                                                  Índice de Scripta Nova
 
Scripta Nova. 
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. 
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 69 (29), 1 de agosto de 2000
INNOVACIÓN, DESARROLLO Y MEDIO LOCAL.
DIMENSIONES SOCIALES Y ESPACIALES DE LA INNOVACIÓN
Número extraordinario dedicado al II Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
OS AGENTES E OS MEIOS DE DIVULGAÇÃO CIENTIFICA E TECNOLÓGICA EM PORTUGAL NO SÉCULO XIX

Ana Cardoso de Matos
Departamento de História/Universidade de Évora



Os agentes e os meios de divulgação cientifica e tecnologica em Portugal no século XIX (Resumo)

Os estudos mais recentes quer de historiadores económicos, quer de historiadores da ciência e da tecnologia, têm feito intervir um número maior de variantes nas relações entre ciência/tecnologia e desenvolvimento económico. A análise deixou de considerar apenas as influências mais ou menos directas entre uma e outra para passar a privilegiar aspectos como a atitude científica, a existência de sociedades vocacionadas para a produção de uma ciência aplicada, a criação de um ambiente cultural mais predisposto para a aplicação de novos conhecimentos e as ligações entre os industriais e os cientistas ou o papel desempenhado pelos homens de ciência no desenvolvimento económico dos países.

Nesta forma de abordagem a divulgação dos conhecimentos científicos assume particular importância, pois foi através dela que ciência e a tecnologia passaram da esfera de um mundo restrito para o conjunto da sociedade, influindo na cultura e mentalidade das populações e criando nos políticos, nos empresários e na opinião pública em geral uma maior abertura à produção, transferência e aplicação de novas tecnologias. Neste trabalho procura-se analisar o papel das academias, sociedades e associações na produção e divulgação de conhecimentos científicos e técnicos, a divulgação realizada por meio da imprensa e das conferências científicas e pedagógicas, e a forma como as exposições e os museus associados ao ensino técnico contribuíram para essa divulgação e para a generalização de novos objectos, que os avanços tecnológicos foram colocando à disposição da população.

 Palabras clave: conocimiento científico/ Portugal siglo XIX/ ciencia y tecnología



The agents and the means of dissemination of scientific and technological knowledge in Portugal in the 19th century

The latest research carried out both by economic and scientific historians highlights a larger number of variables in the relationship between science/technology and economic development. The analysis has gone beyond the more or less direct influences between them and focused on issues like the scientific attitude, the existence of societies more suited for the production of an applied science, the development of a cultural environment more inclined to apply the new knowledge, the links between the industrialists and the scientists or the role played by the men of science in the economic growth of the countries.

In this approach the dissemination of knowledge plays a major role, since through it science and technology withdrew from the inner circles and merged into the outer world of society, thus influencing culture and mentalities and fostering a more open attitude towards production, transference and application of new technologies on the part of politicians, entrepreneurs and the public opinion at large.

The work below aims to discuss the role-played by academies, societies and associations in the production and dissemination of scientific and technological knowledge, as well as its spreading made by the press and the scientific and pedagogical conferences. The extent to which exhibitions and museums associated with the technical learning contributed to that spreading as well as to the generalisation of new tools, which the technological improvements put at the population's disposal, is also examined.

Key Words:scientifical knowledge/ XIXth Century Portugal/ science and technology
 



Os estudos mais recentes quer de historiadores económicos, quer de historiadores da ciência e da tecnologia, têm feito intervir um número maior de variantes nas relações entre ciência, tecnologia e desenvolvimento económico. A análise deixou de considerar apenas as influências mais ou menos directas entre uma e outra para passar a privilegiar aspectos como a atitude científica, a existência de sociedades vocacionadas para a produção de uma ciência aplicada, a criação de um ambiente cultural mais predisposto para a aplicação de novos conhecimentos, as ligações entre os industriais e os cientistas ou o papel desempenhado pelos homens de ciência no desenvolvimento económico dos países.

Nesta forma de abordagem a divulgação científica assume particular importância, pois foi através dela que ciência e a tecnologia passaram da esfera de um mundo restrito para o conjunto da sociedade, influindo na cultura e mentalidade das populações e criando nos políticos, nos empresários e na opinião pública em geral uma maior abertura à produção, transferência e aplicação de novas tecnologias. Neste trabalho procura-se analisar o papel das academias, sociedades e associações na produção e divulgação de conhecimentos científicos e técnicos, a divulgação realizada por meio da imprensa e das conferências científicas e pedagógicas, a forma como as exposições e os museus associados ao ensino técnico contribuíram para essa divulgação e para a generalização de novos objectos, que os avanços tecnológicos foram colocando à disposição da população.

Academias Científicas e Sociedades económicas

A partir de final do século XVIII surgiram em Portugal academias científicas e sociedades económicas que tinham como objectivos prioritários a divulgação e aplicação de novos conhecimentos científicos e técnicos e a promoção da felicidade das populações pela generalização da instrução.

Desde a sua fundação, em 1779, que a Academia Real das Ciências de Lisboa procurou corresponder-se com outras instituições científicas europeias. Estes contactos, e a consequente circulação da informação, eram facilitados pelo facto de muitos dos membros da Academia serem também sócios de outras academias científicas europeias epela inclusão de sócios estrangeiros nesta Academia.. Em 1810, por exemplo, foram admitidos como sócios estrangeiros Luis Canalli, professor de Física na Universidade de Perugia, e Manuel Abela, sócio da Academia de Madrid.

Em 1880, a implantação da Academia quer a nível nacional, quer a nível internacional era significativa. Nesta altura o número de sócios da Academia elevava-se a 240 e o número de academias, sociedades e outros estabelecimentos científicos com que se correspondia a 254. Entre 1861 e 1880, a Academia Real das Ciênciasde Lisboa aumentou as ligações com os cientistas e sociedades estrangeiras, cujo número se elevou para o dobro. Apesar da importância que a língua e a cultura francesas tinham no Portugal oitocentista, num e noutro momento da análise o número de instituições deste país que mantinham contactos com esta academia era inferior ao dos Estados-Unidos, Grã-Bretanha e Itália. Ao longo destes vinte anos parece ter havido a preocupação em estreitar as relações com a América, quer do norte, quer a América Latina, tendo a Academia passado a corresponder-se com países como o México e a Venezuela e aumentado o número de contactos com o Brasil.

Entre os mais de 100 sócios correspondentes estrangeiros incluíam-se homens de ciência ou escritores como Adolph Quetelet, Dalton Hoocker e Emilio Blanchad, e entre as instituições com que mantinha correspondência, a Academia de Ciências de Berlim, a Academia Real de Ciências de Liége, a Academia de Ciências de Nova York, a Academia Nacional, Agrícola, Manufactura e Comercial de Paris, a Associação Britânica para o adiantamento das Ciências, sediada em Londres, ou a Academia das Ciências Físicas e Naturais de Madrid, para darmos apenas alguns exemplos. As instituições portuguesas com que se correspondia eram a Real Associação Central de Agricultura Portuguesa, a Comissão Central de Geografia, o Instituto de Coimbra, o Instituto Vasco da Gama, situado em Nova Goa, a Sociedade Agrícola do Porto, a Sociedade Farmacêutica Lusitana, a Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa e a Universidade de Coimbra.

Esta ligações facilitavam a actualização e divulgação de conhecimentos, pois a Academia recebia os principais periódicos científicos que na altura eram publicados a nível mundial, bem como algumas obras monográficas. Refiram-se, como exemplo, os Proceedings editados pela Academia Americana das Artes e Ciências (Boston), o Journal mensuel editado pela Academia Nacional, Agrícola, Manufactura e Comercial de Paris, o Boletin da Academia Real das Ciências Naturais e Artes de Barcelona ou a Revista de los progresos de las ciências editada pela Academia das Ciências de Madrid. O estudo sistemático das publicações recebidas por esta e outras instituições poderá contribuir para perceber a forma como no século XIX Portugal se integrou no processo de "mundialização da ciência"(1).

Se bem que as primeiras sociedades científicas promotoras do bem comum datem do final do século XVIII, a agitação política e militar que marcou as duas primeiras décadas do século XIX inviabilizaram ou dificultaram o seu funcionamento. Só com a revolução liberal de 1820 se criaram as condições políticas e sociais que favoreceram o surgimento de sociedades patrióticas, civilisadoras e promotoras do desenvolvimento material do país, que incluíam nos seus Estatutos acções como o incremento do ensino e a propagação de conhecimentos científicos e técnicos. A implantação do liberalismo permitiu o retorno dos liberais exilados que se constituíram como uma nova Intelligentsia e foram os grandes promotores de muitas das sociedades/associações que então se criaram no país.

Neste contexto foi criada, em 1822, a Sociedade Promotora da Indústria Nacional, que desde o seu início contou com um número elevado de sócios. Os fundadores desta Sociedade conceberam-na como um espaço de aproximação dos vários grupos sociais, no qual "virão confundir-se as luzes do sábio, a prática do artista, os conhecimentos do agricultor, e do negociante, e em geral o concurso unânime de todos os cidadãos zelosos" (2). Como afirmava em 1823 Cândido Xavier, só a conjugação de conhecimentos de pessoas de formações tão dispares podia "apresentar uma tão considerável massa de conhecimentos e de experiências, que seja capaz de atrair de todas as partes os pequenos raios dispersos da indústria, e ou deduzindo as teorias dos factos, ou aplicando aos factos as teorias, consiga levar com prontidão o conhecimento e a combinação de ambos até à mais recondida morada do homem industrioso"(3). O contacto entre os homens de ciência e os empresários agrícolas e industriais era fundamental para assegurar o desenvolvimento industrial assente em princípios científicos e era a forma de desenvolver a produção de uma ciência direccionada para a aplicação prática. Não é por acaso que da lista dos subscritores do programa desta Sociedade fazem parte industriais proprietários de importantes estabelecimentos fabris, como João Baptista Angelo da Costa, que desempenhou um papel de relevo nas primeiras tentativas de introdução da máquina a vapor em Portugal, ou grandes proprietários agrícolas como o Visconde de Vilarinho de São Romão.

Procurando influir no desenvolvimento económico do país, a Sociedade Promotora da Indústria Nacional aplicava parte das verbas de que dispunha, provenientes das quotas e de dádivas dos sócios, na publicação de um periódico e de memórias, manuais, descrições e desenhos de máquinas, na criação de uma biblioteca, de um gabinete de máquinas e de um laboratório químico e docimástico, e na aquisição de sementes e de máquinas que importavam do estrangeiros e nalguns casos distribuíram pelas oficinas em que as mesmas podiam ter maior aplicação. Noutros casos a Sociedade construiu modelos de máquinas com o fim de testar a sua eficácia(4).

Procurando estar actualizada em relação ao que se ia produzindo a nível dos conhecimentos científicos e técnicos desde a sua instalação a Sociedade Promotora da Indústria Nacional promoveu os contactos e a correspondência com a Sociedade de Barcelona e com as sociedades promotoras da indústria de Paris e Londres.

Após 1834 as academias e sociedades vocacionadas para terem um papel activo no desenvolvimento da prosperidade pública conheceram um novo desenvolvimento(5). Data desta altura o surgimento de novas sociedades ligadas com a indústria e a agricultura, como foi o caso da Sociedade Industrial Portuguesa, que incluíam entre os seus objectivos a divulgação de conhecimentos científicos e técnicos necessários ao desenvolvimento económico do país.

A partir do final da década de 1830 assistiu-se, também, ao surgimento de sociedades cujo principal objectivo era a divulgação de conhecimentos científicos e técnicos, como foi o caso da Sociedade Propagadora de Conhecimentos Úteis, instituída em 1837, e da Sociedade Promotora dos Interesses Materiais da Nação, estabelecida em 1841. A criação da primeira destas instituições tinha por objectivo a edição de um periódico divulgador de conhecimentos úteis - O Panorama- através do qual se pretendia fazer "descer a variada ciência até aos últimos degraus da escala social", pois "o homem público, o artista, o agricultor, o comerciante, ligados a uma vida necessariamente laboriosa, poucas horas têm de repouso para dar á cultura do espírito; e nenhum ânimo, por certo seria assaz curioso de instrução para gastar esses momentos em folhear centenares de volumes e embrenhar-se em meditações profundas que só uma aplicação constante pode tornar profícuas" (6).

A Sociedade Promotora dos Interesses Materiais da Nação juntava à ideia de divulgação de conhecimentos - através de medidas como a criação de um gabinete de leitura e a divulgação na imprensa de novos inventos - a possibilidade de empregar os seus rendimentos na criação ou desenvolvimento de empresas de reconhecida utilidade nacional, no estabelecimento de uma escola normal agrícola, na organização de um gabinete de máquinas, ou no estabelecimento de Bancos Económicos e Agrários que favorecessem a agricultura nacional.

Na segunda metade do século XIX foram criadas várias Sociedades e Associações Agrícolas e Industriais que tinham por finalidade promover o desenvolvimento das actividades económicas e como tal incluíam entre os seus principais objectivos a divulgação científica e tecnológica. Entre estas destacaram-se a Real Associação Central de Agricultura Portuguesa, a Sociedade Promotora da Indústria Fabril e a Associação Industrial Portuense. A acção destas sociedades foi norteada pela ideia de que "a aliança intima da ciência e da indústria é um dos poderes criadores das grandezas do nosso século: a ciência soube sair da região das abstrações para pensar nos interesses da sociedade; a indústria soube abandonar as vulgaridades da rotina para receber da alta ciência lições e inspirações sublimes"(7).

Na segunda metade do século XIX a importância crescente dos engenheiros civis na edificação de infra-estruturas urbanas, viárias e portuárias a par da sua participação mais activa na vida política e económica do país foram factores que determinaram a criação da Associação Engenheiros Civis Portugueses (1869), a qual procurou assumir-se como um espaço de divulgação e discussão de conhecimentos técnicos e dos progressos que a engenharia ia conhecendo.

Com a fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa em 10 de Novembro de 1875 o ensino, a investigação e as explorações geográficas nos seus vários ramos assumiram uma importância crescente na sociedade portuguesa.

O papel da imprensa na divulgação científica e técnica.

A generalização da leitura de obras de carácter técnico foi um fenómeno tardio que as Sociedades/Associações procuraram ultrapassar com a publicação de periódicos divulgadores da ciência e da técnica ligados com a sua área de intervenção. Os jornais e as revistas das academias, sociedades e associações funcionavam como um espaço aberto para a divulgação das invenções e inovações. Abriam assim uma via pela qual as invenções se podiam tornar inovações e as inovações se podiam reproduzir. Estes periódicos foram também o veículo pelo qual se deram a conhecer algumas das invenções, inovações ou adaptações realizadas por portugueses. Foi o caso da "Memória discriptiva d'um lagar de azeite, de novo invento offerecida aos lavradores portuguezes pelo seu collega João Mousinho de Albuquerque", que em Março de 1856 foi publicada pelo Jornal da Sociedade Agrícola do Porto(8).

No entanto, apesar dos esforços de divulgação da ciência e da técnica e do surgimento de jornais como O Industrial Civilizador. Jornal de Agricultura, Indústria, Economia Política e Miscellanias (1836), o Museu Portuense, Jornal de História, Artes, Sciencias Industriaes e Bellas Letras (1838), na primeira metade do século XIX as elevadas taxas de analfabetismo continuavam a impossibilitar que estes conhecimentos se generalizassem entre este grupo social. Por isso, embora em meados do século XIX a "imensidade das ciências morais, das ciências físicas, e das suas aplicações industriais" dificultasse a redacção de um periódico que não fosse especializado num determinado ramo científico e económico, a verdade é que semelhante publicação não contava ainda com um número suficiente de leitores que permitisse a sua edição e manutenção. Por essa razão, quando em 1848 Andrade Corvo e Luís Augusto Rebello da Silva iniciaram a publicação de A Época. Jornal de Industria, Sciencias, Literratura, e Bellas-Artes, optaram por dividir a publicação em duas partes: uma científica e industrial e outra literária. Na primeira propunham-se divulgar novos métodos e processos que ilustrados pela ciência conduzissem ao desenvolvimento das várias actividades económicas.

Os Almanaques Populares (1848-1851) publicados por Filippe Folque, Fradesso da Silveira e Francisco Angelo de Almeida Pereira e Sousa, que procuravam ser "o livro de todos - e para todos"(9), foram uma das formas pelas quais se procurou colocar ao alcance de um maior número de pessoas conhecimentos úteis e alguma informação científica redigida numa linguagem acessível. Com uma tiragem de 6.000 exemplares estes almanaques vendiam-se ao preço de 160 reis e tinham um mercado assegurado.

O aumento do consumo de livros, revistas e jornais ligou-se com uma série de alterações que ocorreram na sociedade e economia portuguesas. Se por um lado as taxas de analfabetismo não sofreram uma alteração significativa apesar das reformas do ensino, o certo é que factores de ordem económica e cultural alteraram o mercado livreiro. Os avanços técnicos nas indústrias ligadas com a produção de livros permitiram colocar no mercado livros a preços mais baixos, embora muitas das novas técnicas ligadas com a produção de papel e de tinta tipográfica só se tenham implantado no tecido industrial português com a maior procura do público leitor. Na década de 80, José Júlio Rodrigues, lente da Escola Politécnica de Lisboa, montou uma fábrica de tintas tipográficas considerando que "o gosto pela leitura só recentemente se desenvolveu em Portugal e antes de 1860 nem metade da porção referida [de tinta de imprensa] era gasta em regiões portuguesas(10). Do mesmo modo o número de estabelecimentos que se dedicavam ao fabrico do papel registaram um aumento significativo durante os anos que mediaram os inquéritos industriais de 1852 e 1881. De 27 oficinas existentes em 1852 o número elevou-se a 51 cerca de três décadas depois. Alteração significativa, sobretudo se considerarmos que o aumento quantitativo foi acompanhado de um aumento qualitativo(11). Apesar de tudo a "pequenez" do mercado literário português era ainda um entrave ao pleno desenvolvimento de que era susceptível a indústria tipográfica.

Ao longo do século XIX a existência de correspondentes das principais instituições científicas e de algumas publicações, espalhados pelas principais localidades do país, e o aumento do número de livrarias facilitaram a distribuição de livros e periódicos. Mas, saindo das cidades ou vilas com alguma importância, a falta de vias e meios de comunicação eram um entrave ao seu comércio que se fazia pelos recoveiros, pelos correios e postas(12). E ainda que, muitas vezes, os recoveiros ou mercadores ambulantes tenham sido, á semelhança do que se passava noutros países da Europa(13), a única forma pela qual a palavra impressa chegava aos lugares mais recônditos do país, a verdade é que a prática deste comércio era completamente anárquica e sem regras que normalizassem os custos ou a duração do transporte .

A preocupação de divulgar conhecimentos servindo-se da possibilidade de produzir livros a preços baratos multiplicou, a partir da década de 40, as obras monográficas (14). Se em muitos casos se tratou apenas de traduções ou de obras de carácter literário, noutros a edição de pequenos volumes sistematizou o conhecimento técnico/científico numa determinada área. Obras como A Felicidade pela Agricultura (1849) de Castilho procuravam fornecer os conhecimentos indispensáveis aos grupos sociais que se dedicavam a estas actividades. Na mesma linha se incluem as obras da Biblioteca das Fábricas editadas, na década de 1860, por iniciativa da Associação Promotora da Indústria Fabril que desta forma procurava incluir no progresso da indústria.

Nas últimas décadas de oitocentos as grandes tiragens das obras publicadas na "Biblioteca do Povo e das Escolas", o "nosso primeiro episódio de livro popular de massas" (15), abrangeram um público alargado, ao mesmo tempo que pelo carácter específico de alguns títulos visavam estratos profissionais bem delimitados. Esta colecção foi a antecessora da "Biblioteca de Instrução Profissional".

Também em 1880 a Empresa Comercial e Industrial Agrícola considerando "a falta no nosso país de livros baratos e ao alcance de todos, escritos especialmente sobre assuntos de agricultura e artes correlativas e que pudessem esclarecer os nossos agricultores sobre as multiplicadas questões da sua indústria", iniciou a publicação da "Biblioteca de Agricultura e Ciências", da autoria de João de Andrade Corvo. Em linguagem acessível os vários volumes que foram publicados nesta colecção, e que tinham sido aprovados pela Junta Consultiva da Instrução Pública para uso nas escolas populares, procuravam colocar ao dispor de um público mais alargado os conhecimentos científicos necessários à sua actividade, pois "a prática, sem ciência, mantém-se perpetuamente na rotina; nem progride nem se aperfeiçoa" (16).

O surgimento na década de 1880 de publicações divulgadoras de conhecimentos técnicos ligados com a agricultura ou com a indústria dirigidas a um público alargado liga-se, muito provavelmente, com a determinação de 1870 (17) de estabelecer bibliotecas populares em cada capital de concelho. Estas bibliotecas, que deviam ser o complemento das escolas populares, abrangiam duas classes de obras, as que se ocupavam dos conhecimentos gerais e as que "se ocupam de cada uma das profissões, agrícola, industrial, comercial e artística, inventos, aplicações, modelos". Umas e outras podiam ser lidas na biblioteca ou ao domicílio. Estavam assim criadas as instituições que podiam ser um potencial consumidor deste tipo de livros e, talvez não tenha sido por acaso que estas publicações tiveram designações como "Biblioteca do Povo e das Escolas" ou "Biblioteca de Agricultura e Ciências".

Para que a transmissão de conhecimentos fosse mais fácil de assimilar pela população leiga ou com conhecimentos científicos pouco profundos, desde muito cedo que se procurou fazer acompanhar as descrições técnico/científicas de imagens que ilustrassem os processos e aparelhos descritos. A clareza das imagens que permitiam "penetrar, por meio de algumas linhas significativas, coisas que muitas páginas escritas com a maior precisão, acompanhadas até de notas e comentários, não poderiam fazer-nos compreender tão cabalmente" (18), fizeram do desenho um importante aliado na difusão de conhecimentos entre empresários, operários e agricultores, que não possuindo uma formação técnica, dificilmente compreenderiam um texto denso e sem ilustrações que o clarificassem. Além disso as imagens funcionavam também como um poderoso aliciante para a leitura de determinada obra e serviam o objectivo de transmitir conhecimentos de forma agradável. Por essas razões os periódicos pagavam avultadas importâncias pelas gravuras que incluíam, socorrendo-se até muito tarde do mercado estrangeiro.

A introdução das imagens foi ainda importante por dois outros motivos, por um lado porque divulgou modas e vulgarizou toda a utensilagem mecânica que ia conquistando o quotidiano das populações, por outro porque permitiu a inclusão de anúncios que faziam chegar a um público mais alargado os produtos fabricados ou comercializados pelos vários fabricantes e negociantes.

Se bem que Portugal não conte com estudos relativos às bibliotecas existentes nas casas dos vários grupos sociais como forma de detectar o peso que a leitura tinha entre esses mesmos grupos, o estudo de alguns patrimónios permite-nos verificar a importância que os livros assumiam para alguns representantes da elite oitocentista. A biblioteca de Eugénio de Almeida e de outros importantes proprietários alentejanos oitocentistas demonstram que para este grupo a leitura, nomeadamente a de obras técnicas ligadas com a agricultura, desempenhava um papel significativo na sua formação empresarial (19). Por outro lado, não são de desprezar as possibilidades de divulgação que as bibliotecas e os gabinetes de leitura ofereciam (20). Se muitos dos gabinetes de leitura surgiram no âmbito das livrarias e editoras, vários outros estiveram ligados ás Associações Culturais (21) e Profissionais (22). No caso das casas editoras refira-se a Revista Universal Lisbonense que, em 1841, abriu para os seus assinantes um gabinete de leitura cujo espólio era constituído por vários jornais portugueses e estrangeiros.

Embora não s> 


Transfer interrupted!

s Associações de interesses agrícolas e industriais criadas no século XIX o catálogo dos seus gabinetes de leitura, quase todas incluíam entre os seus objectivos a criação de uma biblioteca que facilitasse a divulgação dos conhecimentos técnicos entre os seus associados. Também as associações operárias com fins de solidariedade ou de crédito e consumo que procuravam melhorar a formação técnica dos seus associados criaram bibliotecas. A associação Caixa Económica Operária fundada em 1876, em contava com 1.000 associados que podiam, consultar os 900 volumes de "estudo científico, literário e profissional" e os vários periódicos portugueses e estrangeiros que na altura constituíam a sua biblioteca (23).

Se considerarmos o elevado número de sócios com que contavam algumas destas associações e, sobretudo, se consideramos que entre os seus membros existiam representantes dos vários grupos sociais, percebemos que as possibilidades de acesso a determinadas obras eram mais fáceis do que normalmente se considera. O problema residia na falta de frequência destes espaços de leitura.

Paralelamente com as bibliotecas e gabinetes de leitura organizados pelas instituições privadas existiam as Bibliotecas estatais, municipais ou financiadas pelo Estado. No ano de 1849 o seu número elevava-se a sete: a Biblioteca da Universidade de Coimbra, frequentada nesse ano por 6.000 leitores, a Biblioteca da Academia Real das Ciências, frequentada por 1.633 leitores, e as bibliotecas de Lisboa, Évora e Porto frequentadas respectivamente por 6.330, 539 e 2.874 leitores. Existiam ainda as Bibliotecas de Braga e Ponta Delgada que não estavam abertas á leitura pública. Segundo a relação dos livros pedidos pelos leitores que nesse ano frequentaram a Biblioteca Nacional de Lisboa os temas mais requisitados eram as Ciências Históricas e Literárias, representado as obras de Ciências Naturais e de Artes e Ofícios apenas cerca de 10% do total de pedidos, o que nos leva a pressupor que a frequência deste espaço por parte dos industriais ou operários era extremamente diminuta (24).

As exposições industriais e universais.

Às Sociedades e Associações de interesses agrícolas, industriais e comerciais ficou-se a dever a organização de um número significativo de exposições agrícolas e/ou industriais com carácter local, regional, nacional ou internacional que tiveram lugar ao longo do século XIX.

A primeira destas iniciativas com âmbito nacional foi promovida pela Sociedade Promotora da Indústria Nacional e teve lugar em Lisboa em 1849. Na segunda metade do século XIX o surgimento de um maior número de sociedades e associações agrícolas e industriais foi acompanhado por uma maior cadência na realização de exposições. A maioria destas sociedades incluíam mesmo nos seus estatutos a obrigação de promoverem exposições. Estes certames eram considerados como uma das formas mais eficazes de divulgar novas tecnologias e promover e incentivar o desenvolvimento económico do país. Como referia em 1865 José Maria da Ponte e Horta, "o espectáculo destas grandes festividades públicas [exposições] jamais é perdido para o lustre e progresso de um povo. Sob o seu influxo o estudo encaminha-se em determinadas direcções, os especialistas colhem dados importantes no sentido de suas tendências, a sua análise percorre, alumiada pela teoria e pela experiência, toda a esfera do trabalho humano. As lacunas da indústria são preenchidas pelas combinações do espírito; a imprensa, este éter luminoso do mundo da razão, transporta a toda a parte o estudo e as reflexões dos homens habilitados; a atenção pública concentra-se, investiga, discorre e medita sobre o grande tema do trabalho nas suas infinitas manifestações. As leis económicas do país são compulsadas, revistas e aferidas por mais novo padrão. Os poderes públicos preparam-se para aceitar os conselhos da ciência; e o movimento civilizador é assim impresso e transmitido a toda a máquina do Estado" (25).

As primeiras exposições que se realizaram em Portugal tiveram como cenário as principais cidades do país, pois era nestes centros urbanos que a indústria estava mais desenvolvida. Com o surgimento de sociedades/associações espalhadas pelo país foram-se generalizando as exposições regionais. De menores dimensões estas exposições tinham a vantagem de ter uma influência mais directa sobre a indústria da localidade em que se realizavam, além de que podiam funcionar como preparação para as exposições nacionais ou internacionais.

Com o avançar no século XIX as exposições passaram, também, a serem promovidas por entidades ou associações mais variadas. Na década de 1880 algumas das exposições que foram organizadas deveram-se a sociedades ou associações cujos fins eram a promoção da instrução, facto que não pode ser desligado do caracter didáctico ou instrutivo que se atribuía a estes eventos. Com o objectivo de "estudar cada um dos ramos mais importantes da indústria nacional" a Sociedade de Instrução do Porto organizou exposições temáticas sobre as várias indústrias(26). Este programa que se iniciou com as indústrias caseiras estendeu-se, à cerâmica, à ourivesaria, a fiação e tecidos e à marcenaria. Na sequência da exposição de cerâmica organizou-se um congresso, que decorreu entre 19 de Novembro e 3 de Dezembro de 1882 e teve como principais temas de discussão o ensino, as matérias primas utilizadas, os processos e as máquinas, as condições de venda e as questões sociais ligadas com os operários. Deveria ainda este congresso debruçar-se sobre a melhor forma de criar um museu de loiça portuguesa, uma galeria de estampas de estilo, um laboratório e uma aula de desenho e modelação.

As associações operárias promoveram, também, exposições cujo objectivo era "não só demonstrar o estado de aperfeiçoamento dos diversos ofícios e profissões manuais, como também desenvolver e engrandecer o trabalho, principal e poderosa alavanca em que todas as sociedades modernas se firmam, para prosseguirem no caminho do progresso e da civilização" (27).

Na segunda metade do século XIX as exposições universais foram um dos meios da mundialização da ciência e da técnica e por isso os governos portugueses nomearam comissões para que estudassem os progressos tecnológicos que cada país apresentava nestes certames. Os engenheiros, detentores de conhecimentos científicos e técnicos que os habilitavam a perceber os progressos da ciência e da técnica e a avaliar as vantagens económicas que para Portugal tinham a transferência e adopção de novas máquinas, processos de fabrico ou de construção de edifícios e de vias de comunicação, integraram várias das comissões de estudo que foram enviadas às exposições universais. Muitas vezes encarregados de realizar estudos concretos sobre determinados sectores, como as máquinas hidráulicas e as máquinas a vapor, os engenheiros relataram os progressos que a mecânica, a hidráulica ou química conheciam nos vários países presentes nas exposições, confrontando, por vezes, esses progressos com a realidade portuguesa.

Se as exposições universais funcionavam como um forma de testar as capacidades produtivas do país e eram um meio de dar a conhecer os produtos que cada fábrica produzia, funcionavam, também, como um palco no qual estavam patentes as mais recentes tecnologias e, nesse sentido, eram uma forma de divulgação técnica e um espaço de aprendizagem baseado na observação. Por essa razão o governo e as sociedades ligadas com os interesses industriais enviaram às exposições universais operários e aprendizes. Em 1855, por exemplo, a Associação Industrial Portuense promoveu a deslocação de representantes dos vários grémios de indústria existentes no Porto á Exposição Universal de Paris, esperando que da observação de formas e processos de fabrico mais actualizados estes representantes recebessem o estímulo e a informação necessários para actualizar as sua oficinas ou fábricas(28). Mas nem sempre os resultados correspondiam às expectativas. Nem todos os operários do Comando Geral da Armada, do Comando Geral de Artilharia e da Câmara Municipal de Lisboa(29), enviados à Exposição Universal de Paris de 1889 apresentaram relatórios da sua visita de estudo, o que levava Cavalleiro de Sousa a considerar que, "ou nada estudaram, ou o que estudaram não é digno de publicidade. Mas, também o que podiam eles fazer, inibidos como estavam, de analisarem os objectos expostos que só viam e não tocavam?" . O que problema, que no fundo este autor levantava, era a utilidade prática que tinham para os operários com uma escassa formação tecnológica as visitas de estudo às exposições industriais, onde nem sempre não entenderiam os princípios e funcionamento da maioria dos mecanismos expostos.

O Museus Industriais como complemento do ensino técnico e da divulgação científica e tecnológica.

No século XVIII os museus passaram a ter um valor cultural, político e pedagógico (30) e eram considerados como elementos activos no desenvolvimento técnico e económico dos países. Por isso a criação de um depósito de máquinas, desenhos e instrumentos foi sempre uma das preocupações das várias academias científicas e sociedades promotoras da indústria que a partir do final do séc. XVIII se instituíram em Portugal. Este tipo de preocupações explica-se pela existência de semelhantes estabelecimentos nas academias estrangeiras mas filiava-se também noutro tipo de preocupações. Por um lado a imagem surgira sempre como um elemento fundamental na transmissão de conhecimentos e técnicas. Por outro lado a ideia de criação de um "museu" tinha subjacente a ideia de que o conhecimento da evolução das máquinas e ferramentas era uma forma pela qual se podia tirar ensinamentos extremamente proveitosos.

Desde a sua fundação a Academia Real das Ciências de Lisboa procurou criar um museu mas, durante as primeiras décadas da sua existência esta preocupação ligou-se mais com o levantamento das espécies vegetais e minerais existentes nas várias regiões do reino. Só no início da década de 30 do século XIX surgiu na proposta, da autoria de Alexandre António Vandelli, de se criar "um gabinete de instrumentos e máquinas a bem do adiantamento da indústria Portuguesa (...) que deverá ser exposto á investigação pública" (31). Também a Sociedade Promotora da Indústria Nacional projectava, desde a sua fundação em 1822, estabelecer um depósito de máquinas que fosse demonstrativo da evolução que as mesmas tinham sofrido. E, embora, a recolha de peças, modelos, desenhos, oferecidos pelos sócios ou adquiridas pela Sociedade tivesse sido uma constante, em 1835 ainda não se concretizara o ambicionado projecto de criação de um Conservatório de Artes e Ofícios e uma exposição permanente de objectos da indústria portuguesa. Nesta altura propunha-se que o museu fosse constituído por "oficinas vivas, escolas práticas" onde os instrumentos "tivessem exercício contínuo nos melhores métodos do seu emprego, e nos melhores processos industriais (..) porque além do progresso quanto à parte material dos instrumentos, é certamente muito mais vantajoso o progresso nos processos, que é o que constitui essencial, e propriamente a arte, a indústria, o que muitas vezes se acha em progresso no uso mesmo dos instrumentos já conhecidos" (32).

Apesar dos esforços a divulgação da ciência e da técnica o sistema de ensino continuava a ser insuficiente e desadaptado das necessidades reais do país. Como se referia no preâmbulo da reforma do ensino secundário de 1836 " O sistema actual consta, na maior parte, de alguns ramos de erudição estéril, quase inútil para a cultura das ciências, e sem nenhum elemento que possa produzir o aperfeiçoamento das Artes e os progressos da civilização material do País (...) e as grandes massas de cidadãos não possuem os elementos científicos e teóricos indispensáveis aos usos da vida no estado actual das sociedades"(33). Para facilitar a aprendizagem prática dos progressos da ciência e da tecnologia estipulava-se que em cada liceu existisse um museu, na altura ainda designado por Gabinete de máquinas, destinado às demonstrações de mecânica, e que se criasse um Conservatório de Artes e Ofícios, definido como um "depósito geral de máquinas, modelos utensílios, desenhos, descrições e livros relativos às diferentes Artes e Ofícios" cujo fim principal era "a instrução prática em todos os processos industriais por meio da imitação". O funcionamento prático dos museus preconizados por esta reforma esteve longe de corresponder aos objectivos com que foram criados. Por essa razão a segunda metade do século XIX foi marcada por uma sequência de textos legislativos tendentes a organizar e regulamentar os museus que deveriam funcionar em interligação com o ensino agrícola e industrial. Deste acervo legislativo destacamos pela sua importância decreto que em 1852 criou os Institutos Industriais de Lisboa e Porto e previu o funcionamento junto aos mesmo de Museus industriais, designados a partir de 1864 como museus tecnológicos, e o decreto de 24 de Dezembro de 1884 que estabeleceu os Museus Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto, os quais foram objecto de sucessivas regulamentações nos anos seguintes. No preâmbulo deste último decreto indicavam-se as razões que tinham determinado a criação destes estabelecimentos - "Considerando que o progresso incessante da indústria e do comércio, os novos inventos e os novos produtos, os processos modernos continuamente modificados, e a abertura de recentes mercados, tornam inadiável a criação de museus industriais e comerciais, que sejam o complemento indispensável dos conhecimentos obtidos nas escolas especiais". É possível que as recomendações de algumas sub-comissões do Inquérito Industrial de 1881, que referiam a urgência da "criação de museus de matérias primas e produtos, mostrando os processos de fabrico, as descobertas, etc.", tenha tido influência na legislação. Aliás algumas associações económicas, como a Associação Comercial do Porto ou Associação Promotora da Indústria Fabril, procuraram estabelecer museus.

Em 1893 o Museu Industrial e Comercial de Lisboa ocupava duas das galerias do Convento dos Jerónimos e a sua importância como espaço divulgador de novas tecnologias e processos de fabrico era reafirmada por vários industriais. Apesar disso, em1899, Elvino José de Sousa e Brito extinguiu, por decretos de 23 de Dezembro, os Museus Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto, criando em seu lugar a Comissão Superior de Exposições. A utilidade dos Museus Industriais e Tecnológicos continuou, no entanto, a ser advogada e, em 1907, reafirmava-se a necessidade de criar Museus Tecnológicos na sede das várias circunscrições industriais em que se encontrava dividido o país(34).

Cursos públicos e conferências científicas e pedagógicas

Ao longo do século XIX institucionalizaram-se os cursos públicos e as conferências científicas e pedagógicas. Regularmente foram promovidos semelhantes iniciativas por algumas das instituições científicas e das sociedades culturais ou profissionais que na altura existiam no país. Entre estas contaram-se a Sociedade Filomática, o Grémio Literário e a Associação dos Engenheiros Civis Portugueses.

Se as conferências organizadas pelas academias científicas visavam geralmente um público especializado as conferências organizadas pelas sociedades culturais e recreativas destinavam-se a um público mais alargado e algumas foram realizadas em espaços tradicionalmente ligados a actividades de lazer como eram o Teatro de D. Maria II ou Teatro da Trindade. No Grémio Literário em 1841 foi leccionado por José Ribeiro de Sá um curso, público e gratuito, de 36 lições de física aplicada às artes oficinais e à indústria moderna. Este curso que tinha lugar na sede do Grémio aos sábados das 19h às 20H, destinava-se aos operários e artífices dos vários oficios. Em 1849 o Grémio Literário organizou um novo plano de cursos em que se incluíam o curso de "Máquinas a vapor", leccionado por José Maria da Ponte e Horta, e o curso de "Química aplicada á agricultura" que tinha como orador Júlio Máximo de Oliveira Pimentel. Na segunda metade do século XIX as palestras sobre a electricidade que foram realizadas neste espaço atraíram um público numeroso, como aconteceu em 1865, altura em que Francisco da Fonseca Benevides proferiu uma conferência sobre este tema. Anos depois a conferência Bento Carqueja sobre este mesmo tema realizada na Sociedade de Instrução do Porto em 28 de Março de 1882 atraiu "um selecto e numeroso auditório, entre o qual se viam numerosas senhoras" (35).

Por vezes as conferências tinham por objectivo divulgar os resultados das comissões de estudo de que alguns homens eram encarregados. Foi com esse objectivo que em 1875 António Augusto de Aguiar realizou 17 conferências sobre vinhos. Através delas procurou dar conta da viagem, que durante 16 meses, realizara por vários países europeus durante a qual visitara à exposição de Londres, pois estava convicto "que hão-de ouvir-me muitas pessoas, que nunca por outra forma me chegariam a ler"(36).

Às conferências atribuíam-se intuitos instrutivos. Foi, aliás, com essa finalidade que o Instituto Geral de Agricultura estipulou em 1870 a realização de um programa de conferências e estudos agrícolas nas várias províncias do país. Os comissários encarregados destas missões deviam, para além dos estudos realizados e dos relatórios enviados ao governo, realizar conferências por uma das seguintes formas :" 1º Com a forma oratória, diante de um grande concurso de pessoas (...) 2º Com a forma de palestras, sem a forma discursiva e diante de pequenos grupos escolhidos em que se tratarão os assuntos mais especiais e técnicos (...) 3º Com a forma e natureza de lições, constituindo estes pequenos cursos, sobre assuntos agrícolas definidos" (37).

No ano anterior tinha-se também determinado aos professores dos Institutos Industriais de Lisboa e Porto que leccionavam as disciplinas de Química aplicada às artes e à indústria, de Mecânica Industrial e sua aplicação à construção de máquinas, especialmente às de vapor, e de Mecânica aplicada às construções, a obrigação de realizarem durante os dois meses de férias dos institutos, missões no país durante as quais deveriam realizar conferências públicas sobre assuntos relativos às disciplinas que leccionavam(38). É possível que a determinação de realizar estas missões tenha sido influênciada pela British Asociation for the Advancemente of Science. Esta Sociedade, que se estabelecera em 1831 com base no modelo da Associação Alemã criada por Lorens Oken, reunia-se em cada ano num província inglesa diferente. Estas reuniões anuais, que movimentavam um grande público, eram um importante estímulo às sociedades e instituições locais(39).

Conclusão

A ideia de que no século XIX Portugal não acompanhava os progressos da ciência e da tecnologia que iam sendo realizados nos outros países europeus não corresponde à realidade que então se vivia no país. A elite económica, científica e política tinha consciência de que o desenvolvimento económico do país dependia em grande parte da introdução de novas tecnologias e processos de fabrico e cultivo das terras. Por essa razão os membros da elite envolveram-se em iniciativas editoriais, publicando jornais e revistas que procuravam atingir um largo estrato da população, e fizeram parte de sociedades, associações e academias que visavam a produção e aplicação de conhecimentos científicos e técnicos e a instrução da população. Os museus, as exposições, os cursos e as conferências científicas e pedagógicas foram, também, formas pelas quais se procurou atingir um público alargado.

No entanto, a divulgação foi dificultada pelas elevadas taxas de analfabetismo existentes no país. E embora os governos tenham tomado medidas tendentes a alargar a instrução, a falta de grandes investimentos neste campo e a ausência de um controle que aproximasse a prática das medidas legislativas, tiveram como resultado uma grande disparidade entre o que se propunha e a realidade do país.

Em Portugal durante o século XIX a circulação da informação no sentido horizontal, ou seja entre a elite científica, política e económica do país e a elite dos outros países, foi relativamente fácil e constante. O problema colocava-se na divulgação e circulação vertical dessa informação, que dificilmente era apreendida pelos estrados mais baixos e com menos instrução.
 

Notas

1.  Sobre assunto veja-se Xavier Polanco (dir.), Naissance e développement de la science-monde. Production et reproduction des communautés scientifiques en europe et en amérique latine , Paris, 1990.

2. Annaes da Sociedade Promotora da Indústria Nacional, 1º Ano, caderno 1, Maio de 1822, p. 11.

3.  Annaes da Sociedade Promotora da Indústria Nacional, 2º Ano, Caderno 13 , Maio de 1823, p. 5.

4.  Em 1827, por exemplo, por proposta de Henriques Nunes Cardoso foi construído o modelo da máquina hidráulica designada de Chapelet. Annaes da Sociedade Promotora da Indústria Nacional, 3º Ano, caderno 28, Agosto de 1827, p. 75.

5.  Maria de Lourdes Lima dos Santos, Intelectuais Portugueses na Primeira Metade do Oitocentos, Lisboa, 1985, pp. 302/3.

6.  O Panorama, vol. I, nº1, pp. 1/2.

7.  Annaes das Ciências e das Lettras, Tomo I,1858 e Jornal da Associação Industrial Portuense, 6º Ano, nº 31,1858, p. 244.

8.  Jornal da Sociedade Agrícola do Porto, Porto, Tip. Comercial, 1858, nº3, Março de 1856, pp. 81/5.

9.  Almanak Popular para o Anno de 1849, p. 1.

10. José Júlio Rodrigues, A Fábrica Nacional de Tintas de Imprensa. Contribuição para a História da Indústria em Portugal. Descripção, Notícia e Comentários, Lisboa, Tipografia Universal, 1884, p.11.

11.  Em 1881 existiam em Lisboa 76 tipografias e litografias nas quais funcionavam 54 prelos mecânicos de diversos sistemas, de um ou dois cilindros. Em 9 destes estabelecimentos empregavam-se motores mecânicos movidos a vapor ou a gaz. Na imprensa Nacional funcionavam, então, 12 prelos mecânicos

12.  A Época, tomo II, 1849, n.º 33, p.90.

13. Sobre a importância do comércio ambulante na circulação da informação e das obras impressas veja--se Laurence Fontaine, Histoire du Colportage en Europe. XV- XIX siècle, Paris, 1993.

14.  Nas duas primeiras décadas do séc. XIX a publicação de obras originais e as traduções no domínio das ciências e das técnicas foi diminuta. Segundo Paula Diogo entre 1801 e 1819 ter-se-iam publicado 7 traduções e 46 obras originais. Paula Diogo, A Construção de uma identidade profissional. A Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, Lisboa, 1994, dissertação de doutramento, p. 89.

15.  Manuela D. Domingos, Estudos de Sociologia da Cultura. Livros e leitores no séc. XIX, Lisboa, 1985, p.76.

16.  João de Andrade Corvo, A Agricultura e a Natureza, Biblioteca de Agricultura e Sciencias, Lisboa, 1880, p.12. O preço dos volumes desta colecção era de $200 reis cada , custando a série de 6 vols. 1$100 reis e a de 12 vols. 2$000 reis.

17.  Decreto de 2 de Agosto de 1870.

18.  José Silvestre Ribeiro, História dos Estabelecimentos Científicos, vol. III, p. 61.

19.  Helder Adegar Fonseca, "Elites Económicas Alentejanas, 1850-1870: anatomia social. O exemplo de Évora" in História Empresarial em Portugal. Actas do XV Encontro da Associação Portuguesa de História Económica e Social, Évora, 1995, p. 608/10.

20.  Como constatou Jesús A. Martínez, no seu estudo sobre a leitura e os leitores em Madrid no século XIX, a posse de uma biblioteca não era a única possibilidade de aceder à leitura. Jesus A. Martinez Martin, Lectura y lectores en el Madrid del siglo XIX, Madrid, CSIC, 1992, p. 12.

21.  A Sociedade de Instrução do Porto,criada em 1873, possuía em 1881, uma biblioteca e gabinete de leitura com 114 gazetas e publicações periódicas e "muitas centenas de volumes, alguns valiosos e raros". Discurso do presidente da Sociedade José Frututoso Aires de Gouveia Osório pronunciado em 1881.

22.  Sobre as associações e gabinetes de leitura veja-se Manuela D. Domingos, Estudos de Sociologia da Cultura. Livros e leitores no séc. XIX, ob. cit., pp. 146/52.

23.  Catálogo da Exposição Operária, realizada em 1889 na Cooperativa de crédito e consumo, Caixa Económica Operaria, Lisboa, 2ª edição, 1889, p.5.

24.  "Relatório do Ministério dos Negócios do Reino, 1851", pp. 25/26 in Diário da Câmara dos Deputados, 4ª Sessão ordinária da 3ª Legislatura, vol. 2º, Fevereiro de 1851.

25.  J. M. da Ponte e Horta, Relatório sobre a Exposição Internacional do Porto, Lisboa, Imprensa Nacional, 1866, p.12.

26.  Sociedade de Instrução do Porto, Nona Exposição, 1884-1885. Marcenaria e Artes Correlativas. Relatorio e Programma, Porto Tip. Central, 1884, p. 12.

27.  Catalogo da Exposição Operária realizada em 1889 na Cooperativa de Crédito e Consumo da Caixa Económica Operária, Lisboa, 1889, 2ª Edição, p.6.

28.  Os operários representantes de cada um dos grémios deviam apresentar relatórios. O primeiro a apresentar o seu foi o operário enviado pelo grémio das artes cerâmicas. Jornal da Associação Industrial Portuense, vol. V, nº2, 30 Setembro de 1856, p. 17.

29.  O estudo destes relatórios é objecto de uma investigação que me encontro a desenvolver.

30.  Luis Alonso Fernández, Museología. Introducción a la teoría y práctica del museo, Madrid, 1993, p. 68.

31.  José Maria Dantas Pereira, "Discurso recitado na sessão pública de 19 de Dezembro de 1831", in História e Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa, tomo XI, parte I, Lisboa, 1831, p. V.

32.  Annaes da Sociedade Promotora da Indústria Nacional, 4º Ano, caderno 37, Maio de 1835, pp. 41/2, nota 1.

33.  Decreto de 17 de Novembro de 1836.

34. Boletim da Propriedade Industrial, nº 18, p. 102.

35.  Revista da Sociedade de Instrução do Porto, 2º Ano, nº 4, Abril de 1882, p. 195.

36.  António Augusto de Aguiar, Conferências sobre vinhos por ... Primeira Conferência, Lisboa, Livraria Vª Bertrand & Cª Sucessores Carvalho & Cª, 1876, p.10/2.

37.  Conde de Ficalho, Programa para o desempenho das conferências e estudos agrícolas, Lisboa, Instituto Geral de Agricultura, 1870, p.2.

38.  Artº. 28 do Decreto de 30 de Dezembro de 1869.

39.  David Knight, "La popularización de la ciencia en la Inglaterra del siglo XIX", Javier Ordóñez e Alberto Elena, La ciencia y su público: perspectivas históricas, Madrid, 1990, pp. 315 /7.
 

© Copyright  Ana Cardoso de Matos, 2000
© Copyright  Scripta Nova, 2000


Menú principal