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Scripta Nova.
 Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona [ISSN 1138-9788] 
Nº 69 (73), 1 de agosto de 2000

INNOVACIÓN, DESARROLLO Y MEDIO LOCAL.
DIMENSIONES SOCIALES Y ESPACIALES DE LA INNOVACIÓN

Número extraordinario dedicado al II Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)

CAMPINAS COMO CENTRO PRODUTOR E IRRADIADOR DE ALTA TECNOLOGIA
NA ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO URBANO REGIONAL

Regina Célia Bega dos Santos
Professora Assistente-Doutora
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil



Campinas como centro produtor e irradiador de alta tecnologia na estruturação do espaço regional (Resumo)

Com este trabalho queremos demonstrar que o conceito de lugar  pode ser usado para a compreensão de uma determinada formação sócio-espacial como produto da interação entre sociedade e espaço geográfico. Assim, Campinas - importante cidade do Estado de São Paulo, Brasil, localizada a cerce de 85 km da Cidade de São Paulo - caracteriza-se como centro de produção e de difusão de tecnológico de ponta. Sua região teve um importante desenvolvimento econômico com a cultura do café que proporcionou sua inclusão entre as cidades mais dinâmicas e desenvolvidas do país. Atualmente, com São José dos Campos (outra importante cidade de São Paulo, localizada no eixo São Paulo-Rio de Janeiro) e a Baixada Santista (Santos e Cubatão, principalmente) consolida-se como macro-eixo do desenvolvimento técnico-científico, especializando –se na produção de tecnologia para uso agrícola. Entretanto, a estrutura de seu espaço urbano e as condições de vida de sua população não são afetadas por este desenvolvimento que corre subordinado ao processo evolutivo da formação sócio-espacial brasileira. A modernização se dá de forma concentrada, a especialização de funções produz uma heterogeneidade dos espaços ocupados o que acirra as desigualdades sociais e a exclusão social.

Palavras chave: Campinas (Brasil)/ tecnologia/ espacio regional



Campinas as a production and diffusion center of high technology in the structuring of the regional space (Abstract)

With this paper we want to show that the concept of place could be used to understand one determined social-space formation as a product of the interactions between society and the geographical space. Therefore, Campinas – an important city in São Paulo, Brazil, 85 km far from São Paulo City - could be characterized as a high technological production and diffusion center. Its region had an important economic development with the coffee culture which led to its inclusion among the more dynamic and developed cities of the country. Nowadays, with São José dos Campos (another important city in the state of São Paulo, located in the axis São Paulo-Rio de Janeiro) and the São Paulo coastline (mainly Santos and Cubatão), the Campinas region has consolidated itself as a macro-axis of technological and scientific development, mainly due to the production of agricultural technology. However, the structure of its urban space and the living conditions of its people have not been affected by this development that is dependent on the evolution of the Brazilian social spatial formation. The modernization occurs in a concentrated shape, the specialization of the functions has produced heterogeneous places, which, in its turn, increases the social inequalities and spatial exclusion.

Key words: Campinas (Brasil)/ technology/ regional space


Esta comunicação parte do princípio de que, contemporaneamente, o significado e a natureza da cidade sofreram profundas transformações, relacionadas a uma dinâmica global redefinida localmente e que juntas, determinam as tendências destas transformações. Colocando-se em outros termos, a aqui chamada dinâmica global funciona diferentemente em cada um dos lugares. Assim, temos cidades globais, metrópoles nacionais, metrópoles regionais, centros regionais, cidades locais interagindo cada uma delas de uma maneira com a dinâmica global. Pode-se dizer que há uma articulação diferenciada entre os lugares e entre o que acontece nos lugares e o que acontece no Mundo. Isto é, as transformações que ocorrem no lugar dependem de como os processos globais são redefinidos localmente.

O lugar é, portanto, uma categoria muito importante para a Geografia, porque através do seu conhecimento pode-se compreender a formação sócio-espacial1 produto da interação entre sociedade e espaço geográfico. Essa interação é realizada sobre uma base pré-existente, historicamente determinada, isto é o território, circunscrito em um lugar, onde a sociedade se materializa através dos objetos geográficos.

É o lugar que oferece ao movimento do mundo a possibilidade de sua realização mais eficaz. Para se tornar espaço, o Mundo depende das virtualidades do Lugar. Nesse sentido pode-se dizer que, localmente, o espaço territorial age como norma. (SANTOS, 1996, p. 271)

De acordo com estes princípios, procuramos entender a evolução de Campinas – no Estado de São Paulo, Brasil – de cidade agrícola, para cidade industrial e de serviços e finalmente para cidade produtora e difusora de alta tecnologia.

Para isso é, ainda, necessário, desvendar:

- as formas de inserção de Campinas, enquanto configuração espacial produtiva no interior modernizado;

- as transformações na estrutura de seu espaço urbano e

- as transformações nas possibilidades de relacionamento sócio-espacial dadas pelo atual estágio de desenvolvimento tecnológico, quando os lugares podem se unir verticalmente e horizontalmente.

Verticalmente, com a instalação de modernas redes financiadas pelo capital internacional. A integração que se produz é teleguiada, a serviço do grande capital, atendendo a interesses exógenos. Mas os lugares também podem se unir horizontalmente,

Reconstruindo aquela base de vida comum, susceptível de criar normas locais, normas regionais... que acabam por afetar as normas nacionais e globais. (SANTOS, 1996, p. 206)

A integração vertical é descontínua, assegurando o funcionamento global da sociedade e da economia, a integração horizontal é contínua, dada pela vida do grupo em um determinado lugar. A cidade e a sua região é o território de redes que transportam as verticalidades, isto é normas e regras impostas pelos atores hegemônicos e também território de horizontalidades, locus de resistência da sociedade civil, o que pode contribuir para ampliar a sua coesão.

Escopo Teórico

Neste trabalho, procuramos entender a cidade enquanto fenômeno, enquanto estrutura produtiva essencial. Consideramos importante resgatar a ótica segundo a qual se procura entender, primeiramente os problemas nacidade, pois os problemas da cidade são decorrentes dos primeiros. Desta forma, seguimos a proposta de Jacques Levy de se estudar "a cidade como configuração produtiva"(Levy, 1999, p. 196), para abordá-la como fenômeno fundamentalmente espacial. A cidade, hoje, está em fase com as outras estruturas produtivas, podendo tornar-se umaestrutura produtiva essencial, cujo desvendamento contribui para se compreender a dimensão espacial da vida em sociedade. A dimensão espacial oferece uma transversalidade que permite enxergar o objeto cidade, verificar o que se passa efetivamente nas mesmas.

Quais as mudanças que foram operadas, principalmente nas duas últimas décadas e que ainda estão sendo operadas nas cidades?

Tradicionalmente, a grande cidade, nos países capitalistas, caracteriza-se pelas atividades industrial e de serviços, como o lugar de concentração populacional, de moradia de diferentes classes e grupos sociais, como o lugar de trabalho concentrado (indústria, comércio e demais serviços), como o lugar das amplas possibilidades e oportunidades não só de trabalho, como também, de fruição: lazer, cultura...

Mas, esta cidade é, também, o lugar das concentrações e dos contrastes, nela se concentram a riqueza e a pobreza, a saúde e a doença, é onde se desenvolvem possibilidades concretas de redução rápida dos índices de natalidade, mortalidade, analfabetismo, dada a concentração dos setores de prestação desses serviços, mas é onde estes índices podem voltar a crescer rapidamente. É o lugar dos grandes contrastes, por exemplo, entre a crescente acumulação de capital feita de forma concentrada e o aumento da pobreza, contrastes entre lugares - o dos pobres e o dos ricos, outrora diríamos entre centro e periferia. Os ricos e os pobres, mesmo estando próximos espacialmente falando, estão muito distantes, geralmente inacessíveis para um contato mais pessoal, diferentemente do que ocorre no meio rural, onde o compadrio, por exemplo teve mais chances de florescer.

Na grande cidade concentra-se também a violência. É onde ocorre concretamente as possibilidades de rápido desenvolvimento dos meios de transportes, mas é onde o trânsito inferniza, enlouquece e brutaliza os citadinos.

Continua sendo o lugar onde convive uma multiplicidade de povos, de credos, de grupos, de modos de vida. É o lugar, onde teoricamente, se pode, convivendo com a diferença e a multiplicidade, despir os preconceitos, alargar os horizontes intelectuais e culturais, mas se a nossa perspectiva estiver voltada para as grandes cidades americanas e principalmente latino-americanas, observamos que nelas existem as possibilidades de rápida degradação de valores, como também das condições de vida, relacionados ao desemprego, à qualidade da moradia, à ausência de saneamento básico, à má qualidade dos serviços prestados, principalmente pelo poder público (educação, saúde...). É onde as classes trabalhadoras vivem sob constante instabilidade, sendo expulsas para a periferia ou mesmo para habitações insalubres em áreas não-periféricas, para viver em condições sub-humanas.

Mas a cidade se transforma... Sucessivas ondas de tecnologia possibilitaram estas transformações. A cada novo estágio, uma nova combinação: de objetos técnicos, de fixos, de fluxos. O espaço geográfico pode ser investigado através dos fixos - que vão definir as ações - e dos fluxos - relacionados aos movimentos: distribuição, circulação, consumo. Isto é, através dos objetos sociais e naturais que conjuntamente formam os chamados sistemas de engenharia, que são os dados técnicos e políticos.

Uma nova tecnologia vai atuar sobre o espaço geográfico, modificando-o desde o ponto de vista forma\função até a paisagem, sendo todos estes fatores determinantes de novas relações entre a sociedade e o espaço e entre a sociedade e si mesma. (SANTOS, M. 1996, p.83)

Os fluxos eletrônicos através de redes de telecomunicação avançada conectam os sistemas urbanos, que funcionam como grades para a aceleração desses fluxos. Desse modo sustentam e inter-relacionam todos os elementos da vida urbana. As áreas urbanas são, ao mesmo tempo, centros de demanda das telecomunicações e centros de irradiação de grades eletrônicas.

A cidade se torna no maior artefato físico, ou no maior sistema tecnológico relacionada à rede global de telecomunicação. Assim, as cidades evoluem do locus da produção de bens materiais, para o locus da circulação e consumo de bens simbólicos e informacionais.

Algumas cidades, como Campinas, além de se transformarem - de acordo com estas novas características – em locus da circulação e consumo de bens simbólicos e informacionais, vão se destacar também como centros de produção e de difusão de tecnologia. De meio geográfico, estas cidades evoluem para meio técnico-científico-informacional. Deixa de existir a dependência do passado em relação às fontes de abastecimento de matérias-primas e aos mercados consumidores. São produzidas novas dinâmicas geográficas baseadas no uso das telecomunicações e nos transportes rápidos. As chamadas rugosidades, as marcas de formas pretéritas no espaço geográfico interagindo com as formas atuais (os aspectos rígidos e tangíveis da vida urbana) vão se amalgamar com os intangíveis espaços eletrônicos. A cidade, enfim não perde uma das características que a identifica como o lugar da complementaridade de atividades e de funções - agora a complementaridade se dá entre a cidade e a telemática. As redes eletrônicas livres das restrições de tempo e de espaço interagem e influenciam a dinâmica tangível da vida urbana: possibilidade de monitoramento e controle de todos os espaços, de todos os fluxos.

Um mundo feito de redes questiona as velhas concepções de espaço e vida. A comunicação eletrônica estabelece uma nova geografia de conexões e sistemas, de centros de processamento e controle. As paredes, as fronteiras, as auto-estradas, as cidades são sobrepostas por um mundo virtual de sistemas de informação. Isso faz com que a cidade contemporânea, independentemente de seu tamanho, se torne mais fluida, volátil, fragmentada. As relações que se estabelecem e que caracterizam o espaço urbano das cidades deste fim de século e estruturam seus segmentos tendem a evoluir rapidamente, conferindo novas características, novas funções às formas pretéritas, mudando o tipo de segmentação existente, tanto em relação à abrangência (mudanças de escala) como em relação à qualidade (conteúdo) das relações atuantes nestes espaços segmentados.

Esta evolução tecnológica interfere no cotidiano das cidades e, portanto, das pessoas que nela habitam, circulam... as moradias adquirem uma nova arquitetura, possibilitada pelos avanços tecnológicos, com destaque para aqueles relacionados à informação. Nas residências mais sofisticadas, nos prédios, nos condomínios são instalados avançados sistemas eletrônicos de segurança, relacionados à paranóia da violência e que contribuem para aumentar a segregação social.

Segregação sócio-espacial e violência são pares indissociáveis nas grandes cidades latino-americanas e vão marcando fortemente a geografia destas cidades. Assim, uma cidade como Campinas, produtora e consumidora de tecnologia avançada e por isso, considerada dinâmica, avançada, moderna, não possui um espaço urbano compatível com tais características. A estruturação do espaço da cidade não acompanha a dinâmica do desenvolvimento técnico-científico, a não ser perversamente.

Dentro de um mesmo espaço urbano co-existem várias cidades: a cidade dos espaços eletrônicos conectados através de fluxos instantâneos que circulam dentro das cidades, sem que a maioria das pessoas consigam se aperceber dos mesmos, é também a cidade das pessoas e das empresas/organizações que usufruem destes fluxos e que geram complexidades, ou seja outras cidades ou outras formas de conceber a cidade no interior de um mesma espaço urbano, relacionados à segmentação, divisões e conflitos sociais.

As novas formas são mais efêmeras, as relações sociais são mais fluidaz, dada a aceleração do tempo, pois a tendência é que as pessoas se apropriem de fragmentos do espaço urbano, de acordo com códigos específicos. O citadino não possui mais o domínio do espaço da cidade como um todo. Dada a segmentação, há uma dificuldade para o conhecimento, por parte dos moradores, dos elementos que constituem a cidade, o que vai dificultar a luta pela sobrevivência. Entretanto as práticas cotidianas desempenham um importante papel na configuração da cidade ou da metrópole. "A população ao assumir o fato metropolitano, também vai definindo-o e conceituando-o", apesar das dificuldades para a produção de práticas consistentes para enfrentar as questões de sobrevivência. (GRAHAM, pp.42 e 44)

Temos, assim, a cidade do e para o sistema e a cidade da vida ou a cidade-viva (o mundo da vida)2, isto é, a cidade de seus moradores, daqueles que a utilizam se apropriando da mesma de acordo com seus valores, seus modus vivendi, seus códigos, seus tempos, o tempo lento, que se contrapõe ao tempo rápido, que seria o tempo do sistema. Milton Santos, a partir de Fernand Braudel3 sugere a utilização pela geografia e pelas outras disciplinas territoriais da noção de um tempo rápido ao qual se antepõe um tempo lento. A contabilidade do tempo vivido pelos homens, empresas e instituições será diferente de lugar para lugar, e o que temos que considerar não

é o tempo das máquinas e dos instrumentos em si, mas o das ações que animam objetos técnicos. Mesmo assim são estes que oferecem as possibilidades e dão os limites. (...). O tempo rápido não cobre a totalidade do território nem abrange a sociedade inteira. Em cada área, são múltiplos os graus e as modalidades de combinações. Mas, graças à globalização e a seus efeitos locais, os tempos lentos são referidos ao tempo rápido, mesmo quando este não se exerce diretamente sobre lugares ou grupos sociais. (SANTOS, 1996, p. 213)

Campinas na dinamização urbana regional

Em cidades como Campinas - tradicionalmente identificadas como lugares de concentração das atividades industriais e de serviços e da complementaridade entre ambas; como lugares onde se sobrepõem multiplicidade de usos, de formas de ocupação, de formas de apropriação - a atividade industrial deixa de ter a importância que teve no passado, embora ainda tenha um forte papel na produção e a estruturação do espaço urbano. Outras dinâmicas passam a subordinar a atividade industrial e a estruturação do seu espaço, embora a complementaridade continue existindo. Esta complementaridade produzida pela divisão internacional e social do trabalho, contribuiu para que no Brasil, por exemplo, o processo de urbanização que se caracterizou pela rápida concentração da população em poucos centros, fosse acentuado com a abertura da economia para o exterior e a entrada do capital estrangeiro, principalmente a partir do governo Juscelino Kubitschek, com o rápido desenvolvimento das duas principais metrópoles – São Paulo e Rio de Janeiro.

Pela sua localização estratégica, próxima ao centro industrial e comercial de São Paulo, Campinas assumiu papel relevante no decorrer do processo de desenvolvimento econômico paulista desde o período da cana-de-açúcar, passando pelos períodos da agro-indústria cafeeira, industrial e atualmente, se destaca como o segundo centro produtor e irradiador de alta tecnologia, do Estado, após a região metropolitana da capital.

Sua região administrativa – composta por 83 municípios – é a segunda mais desenvolvida do Estado, a terceira concentração industrial do País, e a sétima concentração agropecuária. (BAENINGER, 1996, p. 20)

Desde cedo o desenvolvimento tecnológico e a implantação de sistemas de engenharia - empregando a terminologia utilizada por Milton Santos - beneficiou Campinas, como as demais cidades paulistas, onde a cafeicultura mais se desenvolveu, através da instalação da rede ferroviária que permitiu a ligação com outros centros urbanos e principalmente com o município de São Paulo. A expansão da malha ferroviária e rodoviária paulista transformou Campinas num importante entroncamento e nó de ligação com os demais centros regionais que se desenvolveram no interior. Assim, as indústrias de beneficiamento e transformação do produto foram se instalando em áreas onde a rede urbana, ramificada e com relativa concentração populacional, propiciou a expansão das atividades comerciais e de prestação de serviços, fazendo a ponte entre a capital e o interior do Estado, promovendo a montagem da estrutura básica da rede urbana paulista. (BAENINGER, 1966, pp. 14 e 15).

Campinas foi, talvez, a cidade que mais conseguiu transferir a dinâmica de expansão da economia agro-exportadora para uma dinâmica de desenvolvimento urbano-industrial. Os avanços tecnológicos implantados na época propiciaram ali o apogeu do urbano cafeeiro. A ligação Campinas-Jundiaí, através da Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais colocou a cidade em contato direto com São Paulo e Santos, e com o interior, a partir de 1875, com a Companhia Mogiana, acompanhando o itinerário do café e gerando as condições para que assumisse a função de pólo regional.

A economia cafeeira também proporcionava possibilidades de investimento do excedente de capital na atividade industrial, principalmente após 1870, apogeu dessa economia em Campinas, quando também o setor financeiro expandiu-se, com a instalação de filiais de Casas Comissárias de Santos.

Todo este desenvolvimento promoveu a valorização imobiliária, com o desenvolvimento dos arrabaldes na periferia, ao longo das saídas da cidade, onde os terrenos eram mais baratos. Importantes obras de infra-estrutura, para o abastecimento de água e destinação de esgotos sanitários, melhoria na coleta e destinação de lixo e a canalização de córregos e drenagem dos charcos que se entremeavam com a malha urbana foram realizadas para a erradicação da febre amarela que assolou o Município em 1889. Essas obras, juntamente com as de pavimentação modificaram o aspecto da cidade e surtiram efeito imediato, debelando a epidemia e proporcionando a Campinas excelentes condições de vida urbana, afirmando-se como cidade limpa e saudável. (BADARÓ, R. 1996, pp. 32 e 33)

As atividades industriais que se desenvolveram, desde então, foram atraídas não só pelas obras de infraestrutura realizadas, mas também pela situação geográfica de Campinas, como já mencionado: a proximidade de São Paulo e as facilidades de transporte proporcionadas pelo entroncamento ferroviário, além da introdução da energia elétrica como força motriz.

A cidade atraiu as atividades industriais vinculadas à produção de máquinas e implementos agrícolas, fios, tecidos e peças de vestuário, couro, peles, produtos químicos e laticínios, atendendo às novas zonas cafeeiras de São Paulo e Paraná.

Assim, a população urbana em 1920 já era de 50.000 habitantes, vivendo no perímetro urbano constituído no século XIX. (BERGÓ, 1946)

A partir da crise do café de 1929, o Município se firma com uma economia predominantemente industrial. O acentuado dinamismo de Campinas foi capaz de reverter localmente a crise do café, com a diversificação, ampliação e expansão da produção agrícola (aumento na produção de açúcar, feijão, arroz, milho e algodão, além da produção do café, que continuava significativa e da industrialização da carne e fruticultura) possibilitadas pelo complexo capitalista herdado do café.

Concomitantemente consolidou-se o processo de industrialização e a crescente urbanização transformaram o espaço geográfico campineiro, empregando-se um novo padrão urbanístico. A partir de 1925, a área urbana começa a ser alargada, duplicando suas dimensões em alguns anos, com o retalhamento das chácaras periféricas e de antigas e improdutivas fazendas de café, devido, principalmente, à demanda por habitação. Surgiram diversas empresas de loteamento, explorando um ramo de negócio altamente promissor, dada a valorização dos terrenos e a recén-descoberta especulação imobiliária. Doravante, a expansão urbana foi feita submetida aos interesses do capital imobiliário. A região foi se configurando como um dos eixos de expansão industrial do Estado:

Campinas foi capaz de reorientar a sua estrutura produtiva em cada uma das etapas do desenvolvimento econômico em curso no país. (BAENINGER, 1996, p. 19)

No início da década de 20, já havia em São Paulo, algumas indústrias de bens de produção, embora a maioria fosse têxtil. No interior do Estado a maioria das indústrias instaladas estavam ligadas à proximidade das fontes de produção e abastecimento de matérias-primas. Assim, o ramo têxtil foi um dos que mais se desenvolveu em Campinas, aproveitando-se do algodão como matéria-prima – principal produto da agricultura campineira de então. Ampliou-se também a indústria alimentícia, para atender a crescente demanda da população urbana. A expansão da agroindústria algodoeira conjugou o grande capital industrial, estrangeiro e nacional, com a instalação de importantes indústrias no Município (Sanbra, Anderson-Clayton, Swift, Matarazzo ...), antecipando, no dizer de Semeghini a dinâmica da integração entre agricultura e indústria. (SEMEGHINI, 1988)

Um desenvolvimento industrial mais significativo só ocorreu mais tarde, com fortes repercussões no mercado de trabalho, na urbanização e nos fluxos migratórios para o Estado - inicialmente mais forte na capital e depois reorientando-se para os centros regionais mais dinâmicos.

Entre 1930-1940, Campinas já se caracterizava por ter uma sociedade essencialmente urbano-industrial. Em 1950, 28,8% da PEA (população economicamente ativa) campineira encontrava-se no setor secundário e 49,7% no terciário. Os centros urbanos que, outrora, foram articulados pela rede ferroviária, foram dinamizados pela implantação e melhoria da estrutura rodoviária. Entre 1920 e 1950 a malha rodoviária paulista foi substancialmente incrementada e as Vias Dutra, Anchieta e Anhangüera foram pavimentadas, permitindo a interligação de importantes centros urbanos regionais já consolidados.

A chegada da Via Anhangüera, em 1948, facilitou o incremento do fluxo migratório para a região, com a expansão da cidade e o aumento de seu perímetro urbano. De 1945 a 1955, Campinas cresceu territorialmente em mais de 200%, desempenhando um importante papel local regional graças ao tipo de indústrias ali instaladas.

Na década de 50, Campinas já se projetava como importante centro industrial, com forte dinamismo nos setores do comércio, de serviços e agrícola, revelando suas potencialidades para o padrão de acumulação que seria adotado na segunda metade dos anos 50.(BAENINGER, 1996, p. 45)

A partir da política de substituição de importações (governo Juscelino Kubitscheck –1956-1961) houve uma significativa expansão industrial no país, particularmente no Estado de São Paulo. Em Campinas foram instaladas a indústria mecânica, de material de transportes, elétrica, química, de borracha e papelão: Singer do Brasil, Duratex, Pirelli, Hiplex, IBRAS/CBO, Robert Bosch, General Eletric, Rhodia, dentre outras. Importantes indústrias, também instalaram-se ao redor da cidade: Chicago Bridge, em Paulínia, Rigesa e Clark, em Valinhos e Tema Terra, Wabco. 3M e IBM em Sumaré.

Em 1960 as indústrias de bens de consumo duráveis, intermediários e de capitais já predominavam na estrutura industrial da região e iriam liderar a expansão nas duas décadas seguintes. Já, em 1960 59,5% da PEA encontrava-se empregada no setor terciário e 27,8% no setor secundário; a diminuição da PEA na agricultura demonstrava a nova etapa econômica. (GONÇALVES & SEMEGHINI).

Conforme já ressaltado por Wilson Cano, a expansão da industrialização no Brasil, notadamente no Estado de São Paulo, onde se deu a maior concentração, foi feita a partir da conjugação de investimentos estatais com capitais externos. (CANO, W., 1983)

Um maior desenvolvimento industrial, principalmente relacionado ao aporte de novas tecnologias, devido aos avanços técnico-científicos, acelerou o processo de subordinação da agricultura à indústria. A modernização agrícola se fez, em Campinas, com a aplicação de insumos químicos, maior mecanização/automação, aprimoramento das raças, posteriormente utilização da biotecnologia. O Instituto Agronômico de Campinas, a EMBRAPA, a UNICAMP foram instrumentos decisivos neste processo com repercussões econômicas, espaciais e sociais mais amplas, pois não afetou apenas a agricultura campineira. Este processo foi acompanhado pelo crescente assalariamento e urbanização da mão-de-obra do setor primário. Em 1970, a PEA deste setor em Campinas era de apenas 6,4% do total.

A partir desse período, a região também passou a se destacar pelo desenvolvimento do setor industrial agroprocessador, utilizando-se dos investimentos estatais proporcionados pelo PROÁLCOOL. Tornou-se mais nítida a estruturação do espaço geográfico regional como concentrador e irradiador de alta tecnologia com a instalação do pólo petroquímico em Paulínia e a concentração de indústrias de telecomunicações e microeletrônica.

Pari passu, a região de São Paulo passou a vivenciar o processo de desconcentração populacional, o qual pode ser explicado não só através da própria dinâmica econômico-social paulistana, mas também pela dinamização de outros centros regionais.

A consolidação da malha viária juntamente com as transformações estruturais da economia permitiu esse processo de descentralização relativa das atividades industriais concentrada na Grande São Paulo, principalmente a partir de 1975, possibilitando uma maior integração territorial e desenvolvimento regional. Houve um rápido crescimento econômico e populacional de cidades localizadas no interior, enquanto que as grandes cidades passaram a se destacar por acumular pobreza e atividades econômicas também pobres.

A partir da década de 70, intensificou-se em Campinas o processo de conurbação de municípios e de possibilidade de configuração de uma área metropolitana, atualmente em discussão na Câmara de Deputados Paulsta. A abertura de novas estradas, a implantação do aeroporto de Viracopos acelerou este processo, com a expansão da mancha urbana e a instalação de indústrias ao longo das principais rodovias (Anhangüera, Bandeirantes, D. Pedro I, Santos Dumont, Campinas/Mogi-Mirim).

O interior modernizado se desenvolve e as metrópoles conhecem taxas de crescimento relativamente menores. (SANTOS, M.,1994, p. 75),

Santos chama este processo de involução metropolitana que ocorre paralelamente ao da onipresença metropolitana:

São Paulo hoje está presente em todos os pontos do território informatizado brasileiro, ao mesmo tempo e imediatamente, o que traz como conseqüência, entre outras coisas, uma espécie de segmentação vertical do mercado enquanto território. (...) O espaço é assim desorganizado e organizado a partir dos mesmos pólos dinâmicos. (SANTOS, M, 1988, p. 62)

Assim, foram implantadas refinarias de petróleo nas regiões de Campinas e de São José dos Campos, o Litoral Paulista consolidou-se como o maior pólo petroquímico do País, os investimentos do PROÁLCOOL concentraram-se nas regiões de Campinas e Ribeirão Preto. Em Campinas, ainda, foram estabelecidos institutos de pesquisa e grandes plantas dos setores eletrônico, de informática e de telecomunicações, no Vale do Paraíba desenvolveu-se o complexo aeronáutico militar. A expansão e consolidação dos eixos de penetração rodoviários benefeciou ainda mais a reconcentração dos investimentos nestas regiões, que se consolidaram como um macro-eixo de desenvolvimento técnico-científico, com os chamados técnopólos, principalmente nas regiões de Campinas, São José dos Campos e Litoral.

Em Campinas, além da UNICAMP, referência nacional na produção científica e tecnológica, a prefeitura ainda conta, atualmente, com uma empresa encarregada de planejar e executar uma política científica e tecnológica: é a Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas – CIATEC, que tem por objetivo facilitar a transferência de tecnologia disponível nos centros de pesquisa, para empresas e serviços e o apoio ao desenvolvimento de novas empresas de cunho tecnológico. Para isso, coordena a implantação de empresas e organizações de pesquisa científica e tecnológica no Pólo de Alta Tecnologia localizado em duas áreas da cidade: uma próxima à Rodovia D. Pedro I, próximo às Rodovias Anhangüera, Amarais e Bandeirantes, e outra, entre a UNICAMP, a PUCCAMP e a rodovia Campinas-Mogi-Mirim, onde foram instaladas importantes empresas ligadas ao uso e à produção de tecnologia. Para que as empresas viessem para estas áreas, foram isentas do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano e do Imposto Sobre Serviços.

Dentre os Centros de Ciência e Tecnologia funcionando em Campinas estão o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás, A Fundação Centro Tecnológico para Informática (CTI), o Instituto Agronômico de Campinas, o Instituto de Tecnologia de Alimentos, o Laboratório Nacional de Sincrotron, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) além da UNICAMP e PUCCAMP.

Concluindo

Assim, a interiorização da indústria paulista e a modernização de sua agricultura expressaram-se no surgimento de áreas concentradas, tradicionalmente chamadas de pólos regionais, dentre os quais Campinas se destaca. Entretanto, este processo de dinamização/modernização das atividades produtivas não é acompanhado por transformações que melhorem as condições de vida para a maioria dos moradores destas cidades. Ao contrário, a especialização de funções em algumas áreas produz uma heterogeneidade dos espaços ocupados, acirrando os desigualdades sociais.

A influência de Campinas transpõe os limites da mesma, atingindo as cidades vizinhas, cujo desenvolvimento fica na dependência da dinâmica imposta externamente. De certa forma, é o mesmo processo que ocorre na relação entre os pólos regionais, relativamente atrelados às dinâmicas da região metropolitana mais desenvolvida do país. Por isso é mais acertado utilizar a terminologia proposta por Milton Santos, como a de áreas ou região concentrada, quando se refere ao Sudeste, como a região do complexo industrial brasileiro. ( SANTOS, 1994)

A dinâmica de desenvolvimento econômico de Campinas extravasa para Limeira, Piracicaba, Rio Claro, São Carlos, Araraguara e mesmo para Jundiaí, Itu, Sorocaba. Esta última configurando-se como estruturadora de outro pólo regional (passando por Avaré, Botucatú, Itapetininga), mas nem por isso se desvinculando do eixo mais dinâmico. Porém, é na região de governo de Campinas, e sobretudo em Campinas, que se localizam as indústrias de alta tecnologia ligadas aos setores de ponta da indústria nacional.
 

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Notas

1.A formação sócio-espacial é aqui entendida como resultante do desenvolvimento desigual e combinado das forças produtivas e das transformações nas relações sociais de uma dada sociedade.

2.Estes termos são utilizados numa adaptação livre das racionalidades propostas por Habermas, através das quais pode-se vislumbrar um nexo emancipatório através da superação do mundo do sistema pelo mundo da vida. No primeiro caso, as ações produzem o velamento ideológico, o poder e o lucro, a redução do espaço da esfera pública e a redução ou a supressão do discurso da argumentação através do predomínio da racionalidade instrumental/técnica e estratégica. Ao contrário, no mundo da vida, as ações produzidas pela racionalidade comunicativa/emancipatória, conduzem ao desvalemento ideológico, à tematização de verdades, à ampliação do espaço da esfera pública e a construção intersubjetiva da liberdade.

3.Braudel propõe para aprimorar o método histórico, uma distinção entre um tempo longo e tempo curto, este último relacionado às situações conjunturais e o primeiro referindo-se aos movimentos de fundo, incompletamente apreendidos pelo tempo curto.

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