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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VII, núm. 146(133), 1 de agosto de 2003

JUIZ DE FORA E A MORADIA POPULAR: O ALTO SANTO ANTÔNIO

Maria Lucia Pires Menezes
Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

Juiz de Fora e a moradia popular: o Alto Santo Antônio (Resumo)

Juiz de Fora localizada no sudeste mineiro e próximo a divisa com o Rio de Janeiro polariza como prestadora de serviços e centro comercial uma vasta região. De sua consolidação como cidade até os dias atuais sempre foi uma referência como locus de formação, ocupação e mobilidade de força de trabalho. A historia da moradia popular ainda estar por contar, porém na última década houve um incremento da pobreza e uma maior pressão sobre a terra destinada a habitação por parte dos excluídos do mercado de terra e imobiliário. O presente trabalho analisa o Alto Santo Antônio como exemplo de ocupação irregular em área de risco e completamente desamparado da assistência oficial, pois inclusive não é reconhecido pela prefeitura municipal.

Palavras-chave: moradia popular, sem-teto, centro regional, Brasil.

Juiz de Fora and the popular housing: the Alto Santo Antônio (Abstract)

Juiz de Fora is a city situated in the southeast of Minas Gerais state and near the boundary of Rio de Janeiro state. The city polarizes a wide region as a service render and a commercial center. Since its consolidation as a city until nowadays, Juiz de Fora has always been a reference as a locus of formation, occupation  and mobility of the work force. The popular housing history is yet do be told, but in the last decade it has been an increasing of poverty and a higher pressure on lands for housing by the ones who were excluded from the land and real state market. This study aims to analyze the Alto Santo Antônio as an example of  an irregular occupation in a risk area which is completely forgotten by the official assistance, since it is not even recognized by the city hall.

Key words: popular housing, homeless, regional center, Brazil.

Juiz de Fora: breve história de rotas e negócios

Juiz de Fora nasceu muitos anos depois da implantação do Caminho Novo como rota direta da região das Minas ao Rio de Janeiro. Também conhecido como Caminho do Rio de Janeiro, o Caminho Novo significou o fortalecimento do Rio de Janeiro como principal praça mercantil da colônia e impôs a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, desfez os caminhos preferenciais do comercio desde São Paulo e em direção à Salvador e consolidou-se como verdadeira espinha dorsal da comunicação na província de Minas Gerais. Assim, a partir do século XVIII as trocas comerciais entre Minas e a metrópole portuguesa se intensificaram com o Rio em detrimento dos caminhos provenientes da Bahia e São Paulo. A partir de Entrerrios (Três Rios), quando se encontram o rio Piabanha e o rio Paraibuna como rio Paraíba do Sul seguiu o Caminho Novo. A menos de 30 quilômetros a montante o rio Paraibuna recebe outros importantes rios nas rotas regionais: o rio Cágado – responsável pela penetração da Mata do Leste, o rio Preto – importante eixo de penetração na expansão cafeeira do século XIX e o rio do Peixe assim como o Paraibuna eixo de penetração para o interior das Minas Gerais (Cf. Valverde, 1953:12)

Entre o litoral e o planalto mineiro há de se transpor duas escarpas do planalto Atlântico. Entre elas o Vale do Paraíba e em direção ao interior a escarpa da Mantiqueira seccionada por vales suspensos, sendo que sua feição centro-sul orienta a rede hidrografia em direção ao Vale do rio Paraíba do Sul. Portanto, logo que transpõe o primeiro degrau abre-se em interflúvios nos quais os caminhos para o interior se faziam através inicialmente dos rios afluentes do rio Paraibuna: o rio Cágado na margem esquerda, para oeste pelo Rio Preto, mais a montante pelo rio do Peixe ( em direção a Ibitipoca, região de mineração) e posteriormente seguindo o próprio rio Paraibuna.

Após transpor a mesopotâmia pelo caminho do Paraibuna penetra-se na antiga região da Mata cujos registros de Matias Barbosa e de Barbacena ( Borda do Campo) fiscalizavam o trânsito de entrada e saída da Zona da Mata.

Escarpas, cristas, vales serranos, matas várzeas de entulhamento e rios assentados sobre uma variação altimétrica entre 300 e 900metros compõem  os acidentes geográficos mais comuns neste tramo (Cf.Valverde: 1958) do Planalto da Mantiqueira. Assim, nas “goelas da Mantiqueira” como definiu Guimarães Rosa cresce a vila de Santo Antônio do Paraibuna em meio ao movimento abolicionista, a promulgação da lei de Terras e a iminente decadência da economia cafeeira no Vale do Paraíba. Com o crescimento urbano acelerado como que para compensar o tempo perdido de sua não existência na rota da então extinta mineração do ouro, torna-se o arraial do Paraibuna expressão de outras possibilidades e oportunidades na mais recente fronteira econômica da Província de Minas Gerais.

Na sobrevida da economia mineradora e da escravidão, frente aos distúrbios que permaneceram o período regencial o Império investe na modernização do Caminho Novo. Esta tarefa foi dada ao então Chefe da Polícia de Ouro Preto, que tinha interesses econômicos na região das minas e tinha enfrentado a Revolta Mineira de 1842. O engenheiro de minas e militar Henrique Halfeld fica então encarregado de melhorar as condições de transporte entre a capital d a província mineira- Ouro Preto e a capital do Império – Rio de Janeiro iniciando pelo trecho entre Ouro Preto e Paraibuna, onde os Tostes – família oriunda das Minas do ouro - tinham fazenda e com uma das filhas de quem Halfeld se casou.

Viúvo Halfeld herda terras na região, muda o traçado da estrada pelo vale da Graminha – Alto dos s Passos, onde já existia um pouso e inicia o mercado de terras urbano ao lotear sua herança exatamente onde se inicia a expansão da localidade, entre o rio Paraibuna e o Alto dos Passos.

Em 1850 é criado o município desmembrado de Barbacena e Paraibuna é elevada a categoria de vila com o nome de Santo Antônio do Paraibuna, e em 1856 a cidade. Em 1865, talvez por influencias maçônicas, a cidade vê seu nome laicizado para Juiz de Fora por proposta do Barão de São Marcelino. A cidade cresce na medida dos bons negócios do café.

A expansão cafeeira proveniente do Vale do Paraíba se deu contemporaneamente à penetração do café sobre terras paulistas. Organizada em moldes diferenciados e ainda sobre o trabalho escravo, encontra no comércio da força de trabalho um fluxo de ligação com a região mineradora e que será mais uma vez estreitado em função da exploração mineral do ferro e das primeiras iniciativas de industrialização impulsionadas pela corte portuguesa no Rio de Janeiro que deram mais um sentido estratégico-econômico na ligação com o interior da Província de Minas Gerais.

A necessidade de instrumentos para a mineração e a lavoura, e o minério de ferro abundante levou à criação de três fábricas de ferro no Brasil: Morro Pilar, no Distrito Diamantino, Fábrica de Ferro de S. João de Ipanema, perto de Sorocaba em São Paulo e a Fábrica Patriótica, em Congonhas, MG. Registram-se algumas iniciativas importantes para a industrialização. A criação da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, no Rio de Janeiro, a primeira entidade de classe criada no Brasil, a chegada das primeiras famílias de imigrantes europeus e a instalação da fundição de ferro do francês Jean Antoine de Monlevade, próximo da futura Belo Horizonte se destacam no período. Utilizando centenas de trabalhadores escravos, as forjas de Monlevade localizavam-se em São Miguel do Piracicaba, hoje a cidade de João Monlevade.

Há, portanto, demanda para que se colocasse em execução a melhoria dos caminhos com o Rio de Janeiro. A expansão cafeeira, a corrida do ferro e as primeira iniciativas industrializadoras são capazes de justificar o capital empatado no empreendimento de construção da mais moderna rodovia do continente bancada por capitalistas da região mineira e gerenciada pelo engenheiro Mariano Procópio Ferreira Lage, oriundo da região de Barbacena e representante de Minas Gerais na Assembléia Geral do Império (1861-1864/1869-1872),. A posição política de Ferreira Lage lhe rendeu não só a definição da direção da rota para o Rio aproveitando partes do traçado do Caminho Novo em detrimento da pressão de fazendeiros da região de Leopoldina que reivindicavam uma estrada através de Rio Novo do Cunha - Além Paraíba, como posteriormente o posto de diretor de Estrada de Ferro Central do Brasil anos após ter construído e inaugurado a rodovia União Indústria (1856-1861), incorporada em 1869 ao governo imperial e logo após ociosa e onerosa para carga. O abandono da estrada, inativa até 1910 quando da chegada dos primeiros caminhões,  se deu em função da vantagem comparativa da chegada da ferrovia que tornou o dispendioso empreendimento rodoviário imediatamente ocioso face à concorrência com o transporte de cargas e passageiros. A ferrovia inaugura a primeira estação em Minas em 1867 em Chiador e atinge Juiz de Fora em 1875 localizando no entorno da então cidade as estações do atual centro ( Juiz de Fora), Rio Novo - atual Mariano Procópio, Benfica e Chapéu D’Uvas. ( Cf. Blasenheim, 1996). Na verdade, a rodovia Dom Pedro II foi um projeto de integração nacional tendo se estendido até o norte de Minas na cidade de Pirapora interligando o Nordeste com a capital da república. Mais tarde Juiz de Fora seria conectada à múltipla rede de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, intensificando o sua ligação com o interior da Zona da Mata através do ramal Rio Novo- Piau.

O investimento da malha viária num espaço de tempo relativamente curto foi apetrechando a função de localidade central de Juiz de Fora. Mais uma vez a geografia contribui para lógica das vantagens locacionais quando trouxe o interesse da família Mascarenhas do interior de Minas para investimentos têxteis-energéticos em Juiz de Fora.

A moderna indústria têxtil surgiria em Minas Gerais no início da década de 1870, com a instalação da Fábrica do Cedro. Situava-se em Tabuleiro Grande quando município de Sete Lagoas, atual município de Caetanópolis. Criada em 1868 pelos irmãos Bernardo, Caetano e Antônio Cândido Mascarenhas, era para ser inicialmente localizada em Juiz de Fora. Com investimento inicial de sessenta contos de réis, a fábrica entrou em produção em 1872, com vinte e quatro teares, elevado rapidamente, em 1882, para quarenta teares. Porém, cisões familiares e a viabilidade dada pela topografia do vale do Paraibuna fizeram Bernardo Mascarenhas retomar o projeto da fábrica têxtil em Juiz de Fora. Na verdade, o projeto de Mascarenhas conjugava produção, fatores de produção e mercado de trabalho. A construção da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas foi um grande projeto de investimentos que integrava a primeira usina hidrelétrica da América do Sul com a planta industrial e o fornecimento de iluminação pública para a cidade. Consequentemente  abriu caminho para novos investimentos na região, dentre outros a Fábrica dos Ingleses nas proximidades da estação Mariano Procópio. Assentou-se um outro complexo que integrava abastecimento d’água e nutria-se da concentração de força de trabalho dos tempos da construção da estrada localizada em suas proximidades na colônia Pedro II, com imigrantes trazidos por Ferreira Lage e localizados na parte alta da cidade entorno da bacia do rio São Pedro capturada e adequada ao fornecimento de água para as necessidades produtivas da cidade.

Em cinqüenta anos Juiz de Fora surge na fronteira agrícola cafeeira, mas sua importância é construída como a cidade dos caminhos e das rotas solidificando-se como centro comercial, industrial e prestador de serviços, num breve hiato enquanto cidade de fronteira e fundamentada no inconsciente coletivo como o centro regional primeiro, maior e o mais importante da Zona da Mata Mineira [1], sendo freqüentemente invocada pelos fatos acima mencionados.

Juiz de Fora de Rotas e Redes

Embora do alto da cidade mais próspera de Minas Gerais Juiz de Fora perde a oportunidade de tornar-se capital para um novo projeto de localização da capital do estado da recente república brasileira localizado no centro-norte do estado e defendido por setores ligados economicamente a emergente mineração do ferro, da siderurgia e da industria têxtil, setor regional que se beneficiou em detrimento do bloco da Mata e do sul de Minas. Defendido o projeto em função de critérios de salubridade, ambiência e disponibilidade de expansão territorial a Câmara Legislativa ( dezembro de 1883) escolheu Belo Horizonte ( Curral d ‘El Rei) em detrimento de Paraúna ( região do rio das Velhas), Várzea do Marçal ( entre São João del Rei e Tiradentes), Barbacena e Juiz de Fora.

A prosperidade contudo trouxe para Juiz de Fora cultura e educação laica, técnica e religiosa. Na esteira da industrialização, entre a urbanidade mineira e o cosmopolitismo da metrópole a cidade se referencia e atrai investimentos de todas as ordens, inclusive o interesse das Igrejas que controlam importantes estoques de terra urbana e dominam a oferta no setor educativo [2].

 Com o declínio da produção cafeeira se iniciando já em 1900 a cidade que antes recebeu investimentos externos passa a ver a reinversão dos capitais regionais na cidade e a chegada também do capital financeiro através dos bancos de investimentos e de créditos re-orientando a economia para inversões nas atividades urbanas.  A intensificação da atividade industrial e o investimento das elites agrarias em herdeiros profissionalizados formam um quadro técnico onde sobressaem as escolas e o atendimento médico de qualidade, além de contabilistas e advogados. Ao longo de sua existência Juiz de Fora nunca perdeu a função de polarizar a prestação de serviço e de ofertar o maior mercado de trabalho na e da região. A partir dos anos 30 a nova política rodoviária nacional reafirma a posição de Juiz de Fora nas rotas para o interior da Zona da Mata , ao nordeste do país e em direção e Belo Horizonte e posteriormente daí a Brasília. 

Mesmo quando as inovações tecnológicas e as novas indústrias não mais se localizam em Juiz de Fora, quando o Rio de Janeiro não é mais a capital do país e o novo momento da indústria nacional re-orienta os investimentos para São Paulo e seu interior, a cidade continua sendo um ancoradouro da migração intra e inter-regional. O novo modelo econômico da era Juscelino Kubitschek (1956-60)  e que se solidifica na ditadura militar (1964-85),  tripé onde o setor estatal se ocupa dos bens de produção, infra-estrutura e energia,  marcou uma grande inflexão da corrente migratória para as metrópoles nacionais e capitais de estado, com a proeminência também de Belo Horizonte. A economia regional ancorada na pecuária leiteira e seus derivados hegemoniza o setor agrário que vai perdendo a participação também como fornecedor de produtos agrícolas  para a região metropolitana do Rio de Janeiro devido a concorrência com a agricultura modernizada de São Paulo e para o próprio interior fluminense. A cidade passa a se ressentir então do menor dinamismo econômico, porém continua reafirmando sua posição como prestadora de serviço de qualidade para a  região, reforçada desde 1960 com a criação da Universidade Federal de Juiz de Fora como aglutinadora de faculdades isoladas (muitas existentes desde o período áureo da industrialização): faculdade de Farmácia e Odontologia, Direito,  Engenharia, Ciências Econômicas, Medicina e da faculdade de Filosofia e Letras. A importância da universidade se expressa no alcance da região de influencia da cidade que vê seus limites se expandirem para além da região produtora imediata e dá uma nova racionalidade técnica e cientifica a formação de quadros especializados para o mercado urbano regional.

Paulatinamente, decresceu a capacidade da cidade de absorção de novos empreendimentos e, consequentemente alavancar o mercado de trabalho. A região não modernizou as atividades agropecuárias e manteve contínua a liberação de força de trabalho. O modelo geral de capitalismo tardio da América Latina promoveu a formação de imenso exército de reserva alijado e alojado na periferia das metrópoles nacionais. Porém a periferização era contínua e simultânea em toda a  rede urbana brasileira. As metrópoles, por questão de escala,  se preocupam, então, com a formação de grandes bolsões de miséria nas periferias urbanas.

 A criação do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Juiz de Fora – IPPLAN/JF em 1977 é antes de tudo o resultado do capital cultural acumulado na cidade, das relações da cidade dentro da esfera de influencia do Rio de Janeiro e da posição da cidade dentro da rede urbana nacional. Dentro da região de influencia da metrópole do Rio de Janeiro,  Juiz de Fora estaria localizada no eixo Petrópolis- Três Rios juntamente com Teresópolis e Friburgo e as cidades do médio vale do Paraíba ( Cf. Davidovich, 1975)

Ao final dos anos 70, Juiz de Fora é incluída no projeto CPM – Centro de Porte Médio financiado pelo Banco Interamericano – BIRD e gerenciado pelo governo brasileiro através inicialmente do CNPU – Conselho Nacional de Política Urbana, depois CNDU – Conselho Nacional de Política Urbana [3] órgãos ligados ao Ministério do Planejamento e pela Secretaria Especial da Região Sudeste ligada ao Ministério do Interior. A ação do projeto pressupunha atuar sobre os centros urbanos classificados de porte médio pela sua posição geográfica, população, importância sócio-econômica, função regional significativa, de modo a incrementar seu desenvolvimento com vistas a estruturação de uma rede urbana “mais equilibrada”.

Coube ao IPPLAN coordenar juntamente com as UAS – Unidades de Administração de Sub-projetos, unidade autônoma dentro da Secretaria de Planejamento - a coordenação das atividades. Principalmente deve-se ao IPPLAN/JF uma boa integração entre a UA e a administração municipal o que acarretou numa boa avaliação externa do projeto e sua continuidade juntamente com a cidade de Florianópolis, pois  eram as que se encontravam mais adiantadas nas ações. As diretrizes do Banco Mundial para o financiamento de projetos de melhorias urbanas em países do Terceiro Mundo propunham especificamente  gerar impacto sobre a pobreza urbana. Juiz de Fora recebeu verbas e assessoria técnica para operar sobre 3 metas: investimento em infra-estrutura e serviços urbanos, geração de emprego e renda e melhoria da administração pública. Até o final do projeto entorno de 1984 a cidade efetivamente promoveu uma re-urbanização da área central da cidade, redirecionou novas vias de acesso e reestruturou o sistema de transportes.

Mais uma vez a modernização da malha viária se fez sentir sobre a cidade concomitante ao Projeto Cidades Médias. Foi a renovação e o  novo traçado da estrada Rio- Belo Horizonte- Brasília que impactou  a cidade no sentido do arco sul-oeste-norte inserindo novos territórios para expansão do mercado imobiliário, do distrito industrial e do surgimento de bairros entorno de conjuntos ou loteamentos de moradias populares, estes dois últimos seguindo a montante do várzea do Paraibuna.

O rescaldo do PCM significou intervenções pontuais, no caso a área central e a construção da seletiva de ônibus na avenida Rio Branco, a construção do Distrito Industrial, os acessos a cidade Alta – região do São Pedro, beneficiando a comunicação ao campus universitário e a valorização de bairros para moradias de classe média, além doas acessos a rodovia BR 040,principalmente no eixo sudoeste ao longo da avenida Independência, atualmente um dos espaços mais valorizados da cidade. E, principalmente, sucesso político (devidamente capitalizado quando da redemocratização do país) aos prefeitos empreendedores das obras com o aporte do PCM.

Na verdade o PCM seguia uma cartilha geral em que organizava-se um sistema de contenção prioritária das metrópoles através de uma desconcentração da pressão populacional, sendo a rede urbana estudada de modo que as cidades mais apropriadas dentro deste sistemas seriam escolhidas dentro de uma pretensa racionalidade técnica da alocação de cidades-diques na contenção do fluxo migratório. Em tese, haveria de haver uma mudança estrutural na economia de modo que o dique fosse por si só um gerador de novas escalas de produção de modo que a força de trabalho ali represada fosse completamente absorvida e gerasse um novo ciclo local de oportunidades via ao menos uma expansão do consumo comsuptivo. Nos anos 70 o PCM é incorporado pelo II Plano Nacional de desenvolvimento – PND através do Programa de Apoio as Capitais e Cidades de Porte Médio quando Juiz de Fora recebe dois projetos de grande porte; a Siderúrgica Mendes Júnior e a Paraibuna de Metais, mas que não foram capazes de gerar uma economia de efeito multiplicativo para o setor econômico do município.

Ao revés a pobreza, cerne principal do discurso do projeto aumenta exponencialmente por uma série de fatos conjunturais dentre eles destaca-se a crise econômica nacional, o modelo privativo de administração pública, a centralização fiscal da União e o rapto da organização popular por meio de políticos conservadores e paternalistas no tocante a questão da moradia popular em Juiz de Fora, onde se superpõem as funções de centro regional, cidade média [4] e cidade-pólo [5] postulante aos investimentos globais, nacionais e regionais. Sobre a “posição estratégica” freqüentemente atribuída a cidade é preciso salientar que tanto a cidade drena quanto difunde, transfere e perde recursos para as cidades da hierarquia imediatamente superiores.

Para exercer a função de cidade atrativa Juiz de Fora precisa também cuidar dos problemas ambientais. Pobreza e meio ambiente se inte-relacionam  de maneira simbiótica, e freqüentemente conflituosa, porém sob o ponto de vista das formas organizadas de luta social e por parte da administração pública a defesa e a preservação do meio ambiente conquista mais territórios do que aqueles assegurados a qualidade de vida dos pobres.

Alto Santo Antônio e a moradia popular em Juiz de Fora

Defrontar-se com o empírico não mais das vezes significa estar diante da emergência de problemas de difícil solução. O imediatismo e o oportunismo são estratégias e métodos que logram sucesso no mundo dos negócios e, principalmente, do comércio ou da política opressora. Toda ação oportunista e urgente quando envolve um grupo de população alienada  (no sentido marxista do termo) e economicamente pobre redunda  em algumas das variantes da tragédia humana. Assim as condições de vida da população residente no Alto Santo Antônio devem ser cientificamente consideradas como resultante da ação do poder político sobre e na cidade no que tange especificamente a condição dos pobres na cidade e sua apropriação no jogo da política formal. O conjunto quantitativo dos pobres excluídos do mercado de terras e imobiliário redunda num quantum  considerável à emergência de políticos (não necessariamente lideranças políticas) que sobre eles afirmam um modo de conduzir a política urbana.

Diante de nós se coloca o conflito entre gestão planejada e poder político sobre o território da cidade a partir de uma concepção histórica, onde a  crescente pobreza é vista como empecilho por uma parte da elite econômica e que pode ser tratada perversamente como “investimento” por uma outra “elite” – aquela que emerge dos pleitos livres e democráticos e cujo discurso se forja sobre a necessidade do amparo e da assistência.

Este fato se acopla a dinâmica de produção e reprodução do capital intrínseca  para  à existência  de pobreza urbana . Tanto mais se torna acelerado este processo em momentos de superposição de crises econômicas conjunturais e estruturais quando, principalmente, se contrapõem migração e mercado de trabalho. E este mesmo mercado interno de trabalho já   em  dificuldades com trabalhadores desempregados, sub-empregados e temporários, acrescido daqueles inadaptados ao mercado formal de trabalho.

A ausência sistemática e sintomática de  políticas de habitação e de soluções externas tendem a agravar ainda mais a organização e localização de espaços de moradia dentro da cidade. Por sua vez, a geografia revelou vantagens locacionais e estratégicas para o crescimento de uma cidade de rotas e comercio, porém não ‘recomendava’ um crescimento populacional desenfreado produzido por uma economia agrícola regional baseada em atividades que proporcionam a  liberação de força de trabalho e redução do crescimento do ritmo industrial. Acrescente-se a reestruturação produtiva que nos últimos 50 anos sob os efeitos das novas formas de produção baseadas em novas tecnologias  reduziram os postos de trabalho drasticamente sem que tenha havido reformas na política urbana e mais precisamente no setor habitacional.

A administração pública tendencialmente assume o espaço da reprodução da força de trabalho como espaço de investimentos, não só sobre o mercado imobiliário através de loteamentos, mas para a implantação dos serviços básicos, principalmente os setores privatizados como o dos transportes coletivos seja qual for a natureza jurídica da posse da terra. Assim, o coroamento da formação do bairro [6] significa também a instalação de comércio, serviços, os quais asseguram a prefeitura o recolhimento de taxas e impostos, sendo que quanto mais habitado for o bairro por pobres mais sobe o peso relativo na transferência de renda destes lugares por parte dos setores de comércio e serviços.

Por assim acontecer poderíamos supor que interessa à administração pública ordenar e oficializar todos os espaços da cidade. Porém, sabemos que há uma tendência, resultante de diversos interesses e conflitos, de investimentos para lugares em detrimento de outros. A valorização geográfica dos espaços da cidade é uma forma assumida de extração de renda, havendo um efeito de causaçào circular em relação aos lugares mais valorizados que tendem, ao menos em tempos curtos, a continuar a se valorizar. Ao contrario, a tendência é que na historia da cidade haja sempre lugares “esquecidos” ou “abandonados” Mas curioso é descobrir que lugares também passam a ser escolhidos ou deixados por “exclusão” para se manter  como ilegais e disfuncionais, neste caso inclui-se dentre outras áreas dentro da cidade o Alto Santo Antônio. Esta é uma estratégia política daqueles que detém o poder sobre a produção do espaço urbano, sendo um conjunto de ações pensadas e, portanto,  política como veremos a seguir.

Inicialmente o projeto do primeiro Plano Diretor de Juiz de Fora trabalhou com a metodologia de cenários , onde  o primeiro denominado ‘livre de surpresas” pressupôs a continuidade do comportamento evolutivo apresentado pela cidade nos últimos 5 anos ; o segundo “acelerado” assumia a vinda de uma empresa de grande porte, e o terceiro "alavancado” a vinda de uma empresa de grande porte ( Cf. Plano Diretor/JF, 1996).

Contrariando a tendência da economia regional de desaceleração optou por analisar apenas os cenários “acelerado” e “alavancado”, como se já estivesse tudo planejado para o primeiro cenário e portanto “livre de surpresas ”. A cidade recebe a primeira unidade da Mercedes Benz fora da Alemanha produtora de automóveis, mas a “grande surpresa” é que sua instalação e entrada em operação não foi suficiente para alavancar a economia urbana. Independente do conjunto de tendências e variáveis analisadas no Plano Diretor vale registrar que a constituição de cenários cuja expectativa primordial seria a atração de indústria, prejudicou a elaboração de um plano mais afinado com a experiência acumulada pelo conjunto de técnicos e demais profissionais ao longo de mais de 20 anos do instituto de planejamento da cidade, isto é, por questões da própria metodologia que incorpora o conjunto de dados e conhecimentos a serviço do cenário e não como um conjunto de vivências e experiências urbanas em si. No entanto no estudo de diagnóstico há registro da existência de loteamentos irregulares espalhados por toda a cidade e a gravidade da ocupação de áreas impróprias devido principalmente a paisagem de relevo acidentado com altos e médios gradientes de declividade.

Tanto nas “tensões e estrangulamentos arrolados” quanto nas “invariantes e tendências de peso” não há nenhum dado relativo a questão da moradia ou a necessidade de uma política habitacional. Quanto à questão da habitação popular estritamente não foi contemplada, diluindo-se na variável demanda imobiliária habitacional (DIH) sendo apenas uma indicação  atrelada à questão migratória, porém num cenário extremamente otimista da chegada da planta industrial  de grande porte.

 Quadro 1
Demanda imobiliária urbana em Juiz de Fora

Plano Diretor da Prefeitura de Juiz de Fora/1996

Demanda Imobiliária Habitacional (DIH)

 

Cena 1 ( primeiro ano)

Cena 2 ( anos subsequentes)

Cenário Acelerado

A procura por novas áreas será pouco significativa, tendo em vista a tendência das famílias que tiveram suas rendas aumentadas de buscar áreas que ofereçam melhor qualidade e maior disponibilidade de equipamentos urbanos. Isto acarretará o aumento do valor dos aluguéis, imóveis e terrenos.

O crescimento populacional líquido com entrada de mão de obra externa para ocupação dos posto de trabalho disponíveis, provocará aumento da DIH a partir do quarto ano... Caberá ao poder público monitorar as tendências de localização destes novos investimentos imobiliários.

Cenário Alavancado

Num primeiro momento, dada a oferta atual não haveria grandes pressões da demanda, manifestando-se a atual configuração do modo de ocupação da cidade.

Como tendência geral as habitações do perfil de menor renda terão maior demanda de ocupação no setor noroeste. As habitações do perfil de maior qualidade continuarão demandando o setor norte e o setor oeste ( Cidade Alta).

Haverá grande demanda por áreas de habitação popular para relocalizacão de população morando em área de risco.

A mão de obra que estará chegando a cidade com suas famílias estará também demandando habitações. Outras áreas de risco deverão ser ocupadas a medida em que a cidade cresce.

Fonte: PJF, 1996.

O setor leste da cidade onde está localizado o bairro Santo Antônio fica inexplicavelmente fora de análise como se o fato de ser uma antiga área consolidada com moradias e bairros populares não fosse necessário ser incluída no cenário de demanda habitacional. Como se no cenário coubesse apenas as possíveis novidades. Pois, exatamente nesta região da cidade encontram-se as áreas de maior risco para novas ocupações e velhas formas de ocupação problemáticas quanto a infra-estrutura urbana básica, legalização, sociabilidade, risco e agressões ambientais.[7]

O Plano faz referência a EMCASA – Empresa Regional de Habitação de Juiz de Fora S/A sociedade anônima de economia mista, onde o poder público constitui-se o acionista majoritário com 99,43% das ações. Através da EMCASA a municipalidade criou uma rede de financiamento de casas populares financiadas e que envolveu uma série de fornecedores com atuações bastante discutíveis em relação a localização das comunidades, ao padrão técnico das moradias e a constituição de um mercado imobiliário de baixa renda subordinado ao esquema de financiamento dado pela prefeitura. [8]

Em 1998 um novo projeto de Plano Diretor é elaborado já na esteira do segundo mandato do atual prefeito Tarcísio Delgado. Com uma nova metodologia e assessoria do CIDEU com sede em Barcelona este plano incorpora as novas abordagens da perspectiva estratégica da cidade nas redes de negócios  e trabalha com uma projeção de população estimada para Juiz de Fora de 509 080 habitantes. Para tanto foi criado um grupam com vários segmentos da sociedade organizada, empresários, intelectuais, pesquisadores, profissionais liberais e demais segmentos representativos divididos em 4 grandes grupos  que confeccionaram relatórios sobre Qualidade do Espaço Urbano, Atividades Econômicas,  O Desenvolvimento e a Coesão Social e Identidade e Cidadania. O grupo multi-setorial foi capaz de estabelecer o reconhecimento de que Juiz de Fora

passa por uma transição caracterizada pelo seu ingresso no circuito dos processos econômicos globalizados ( como é o caso da implantação de uma fábrica da Mercedes Benz e de uma unidade do Supermercado Carrefour na cidade) e pela indução de uma significativa expansão da área urbanizada e de um expressivo aumento da população urbana. Estes fatos podem representar uma ameaça pela qualidade devida de sua população atualmente considerada muito boa, devido principalmente ao nível de infra-estrutura, de um modo geral” ( Relatórios dos Grupos de Diagnóstico do Plano Estratégico de Juiz de Fora)

Para a questão habitacional o novo plano explicita claramente seu compromisso com a função social da propriedade imobiliária em Juiz de Fora. Conta em suas diretrizes com o compromisso “de inserir as favelas e os loteamentos irregulares no planejamento da cidade, visando fazer com que constituam bairros ou que se integrem efetivamente com aqueles onde estejam situados.”  (PDDU, 1999)

Uma nova organização interna da cidade é proposta a partir da concepção de bairro como unidade territorial de auto-reconhecimento  de uma comunidade, porem para efeitos de administração e planejamento o bairro passa a ser considerado como uma unidade de planejamento (UP), pois é tomado a partir dos atributos de conter uma comunidade organizada, transporte coletivo, comércio local e serviços básicos. Estas unidades de planejamento compõem uma região de planejamento (RP) , que se articulara a um determinado vetor urbano [9]

Assim podemos finalmente localizar o bairro Santo Antônio incluso na unidade de planejamento 5C juntamente com o bairro Nossa Senhora de Lourdes, na região de planejamento do mesmo nome.

Porém nota-se no documento um nome em branco correspondente a unidade de planejamento 5B, que devidamente verificado no mapa da cidade corresponde a área onde está contido a invasão do Santo Antônio que juntamente com as unidades a seguir estão todas localizadas no Setor leste da cidade:  a UP- 4 A e UP-4 C em Linhares  e todas as unidades  da região de planejamento Santa Cândida : UP-10 A, UP-10 B, UP-10 C e UP-10 D, inexplicavelmente o espaço para nominação do bairro encontra-se em branco. O  mesmo acontecendo com as unidades de planejamento UP-1A e 1B, ambas em Barreira  (setor noroeste) e a UP-9 E no São Pedro (Cidade Alta). Donde conclui-se que não são considerados bairros, inclusive praticamente estas áreas dentro da região de planejamento  Santa Cândida, este amplamente reconhecido no contexto social da cidade como uma área de ocupação coesa e sem grandes disparidades sócio-econômicas internas. Tal fato contradiz o exposto como diretriz primordial do Plano Diretor supracitado.

O macrozoneamento de Juiz de Fora distingue-se em  Áreas Urbanizadas, Áreas de Consolidação da Urbanização, Áreas Urbanizáveis de Adensamento Restrito e Áreas de Ocupação Restrita, complementadas por 3 tipos de Áreas de Especial Interesse – ambiental, social e urbanístico ou paisagístico, além de 5 tipos de Unidades de Conservação Ambiental. As Áreas de Interesse Ambiental e as Unidades de Conservação já estão definidas porém não foram cogitadas ainda a implementação das Áreas de Interesse Social. Apenas há uma relação das Sub-moradias. Nesta relação aparecem as seguintes caracterizações para aquelas Unidades de Planejamento sem nominação:

Quadro 2
Mapa da sub-moradia em Juiz de Fora

Localização

Nome do Assentamento

N. Aproximado de Domicílios

Habitações Improvisadas

Indicadores de Carência:

 Santo Antônio

 Vila São Paulo, Cantinho do Céu e Vila São Gabriel

700

 40

Loteamento irregular, com muitas invasões recentes em áreas de risco extremo, infra-estrutura e serviços públicos muito precários. Pequena parte pertence à EMCASA.

 Linhares

Oito (8) assentamentos, incluindo os Três Moinhos e o Alto Três Moinhos [10 ]

658

30

Ocupações em áreas de difícil acesso desestruturação urbana, área de risco, carência de infra-estrutura.

São Pedro

Caiçaras

40

40

Assentamento espontâneo em área pública, sem a menor infra-estrutura e as moradias são barracos. Área de risco por causa das inundações. Projeto de remoção para local próximo pela EMCASA.

Fonte PDDU/JF, 1999.

Movimentos “espontâneos” de ocupação dependendo do grau e da intensidade da ocupação tornam-se freqüentemente irreversível qualquer ação no sentido de remover ou meramente desocupar a área. Entre cidadãos moradores e prefeituras convivem diferentes processos, quando via de regra a “oficialidade” tenta não assumir com maior ou menor empenho a urbanização da área, enquanto do lado da comunidade se inicia um irreversível processo de convivência social e comunitária normalmente tanto não organizada com vistas ao enfrentamento com os diferentes grupos sociais urbanos que sobre ela emite juízos e que usualmente a desvaloriza socialmente; quanto para uma ação organizada frente a prefeitura em prol de reivindicações imediatas às condições de moradia e locomoção.

“Deixados a revelia, os pobres se viram mesmo muito ocupados com os problemas prementes que diziam respeito à sua sobrevivência e, por extensão, ao processo de urbanização. Tiveram de enfrentar como puderam a necessidade de inventar empregos, lugares de moradia, transporte, saneamento, opções de lazer. Não se saíram tão mal: mantiveram vivas áreas centrais desprezadas por ocupantes anteriores, construíram, de qualquer maneira, favelas em sítios impossíveis e proibidos; foram para periferias e para cidades novas frentes pioneira.”( Santos, 1987:24)

Há um crescente descompasso entre as ações oficiais de intervenção e obras na cidade e a realidade dos processos de produção do espaço urbano. A cidade entendida como espaço de convivência e urbanidade é muitas vezes apenas retórica que expressa conflitos de interesses sobre a apropriação formal e legal do espaço urbano. Neste sentido, o Projeto Cidades Médias legou uma metodologia de contorno da velocidade da pobreza urbana que recrudesceu nos últimos 10 anos, mas que efetivamente não veio acompanhada de ações mais determinadas e pactuadas de convivência e possíveis soluções compartilhadas.

O território conformado pela invasão do Alto Santo Antônio pode ser localizado oficialmente como área integrante do histórico bairro do Santo Antônio, por onde nos primórdios da cidade passava o Caminho Novo. O crescimento do bairro esta ligado a função residencial de trabalhadores operários. Esta parte do bairro possui um bom serviço de limpeza urbana, transporte coletivo, água, luz e telefone, além de comercio local.

Contrastantemente,  o Alto Santo Antônio pode ser apreendido como uma realidade da estratégia de invasão, o arranjo espacial das moradias não segue nenhuma racionalidade técnica e os lotes demarcados estão abaixo da metragem mínima exigida (125 metros quadrados). A declividade do relevo é alta e apresenta índices que a qualificam como área de risco, falta de infra-estrutura básica e a intensidade da ocupação aportam outra dificuldade, qual seja a de reordenação do espaço para implantação de infra-estrutura e obras, além de espaços habitavelmente salubres e de convivência comunitária. As razoes freqüentemente apresentadas pelos moradores para sua localização em condições tão precárias dizem respeito a falta de condições de moradia em outras partes da cidade, decréscimo na renda familiar, em geral por perda de emprego e/ou aqueles que vieram através de parentes já estabelecidos no local.

Sabe-se não oficialmente, isto é, sem que se revele na mídia ou por técnicos e autoridades a invasão do Alto Santo Antônio se deu incentivada por políticos locais. Em campo verificou-se que estranhamente os moradores possuem títulos de eleitor mas não têm certidão de nascimento.

“Escondido” da área central da cidade e ao revés do eixo viário que acompanha o rio Paraibuna [11]- uma das portas de entrada principais da cidade, porém o Alto Santo Antônio conforma uma paisagem “desagradável” aos que o avistam das vias que demandam a outros bairros e à estrada que segue para as cidades de Bicas – Leopoldina. Não diferente de tantas outra áreas de pobreza da cidade o Alto Santo Antônio surpreende por revelar o conluio mal ajambrado entre a omissão técnico-administrativa, o poder político local e a reprodução da pobreza urbana no seu sentido mais lato.

Conclusões

Os capitais investidos na cidade que contribuíram para sublinhar Juiz de Fora como centro regional desde o século XIX, quando de principal praça comercial de café e escravos acumula as funções industrial e educadora até os dias atuais , quando se sobressai na hierarquia urbana do Sudeste Oriental como cidade de porte médio e pólo de prestação de serviço e mercado de trabalho da região localizada entre Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Vitória.

Um fato importante a destacar para a valorização regional de Juiz de Fora diz respeito a cidade ter comportado durante aproximadamente 100 anos duas estações ferroviárias que demandavam ao eixo Rio- São Paulo- Belo Horizonte – Vitória- Salvador e a intricada malha ferroviária aglutinada na E. F. Leopoldina que interligava o Rio de Janeiro e seu interior ao leste de toda a Zona da Mata.

Como o trem era mais fácil chegar a Juiz de Fora e partir imediatamente para o Rio de Janeiro ou outra qualquer cidade. Com a extinção da malha ferroviária para transporte de passageiros e a soberania absoluta do transporte rodoviário acrescido de outros fatores crê-se que tenha sido aí o momento de uma destinação mais direta do êxodo rural para Juiz de Fora em detrimento do Rio de Janeiro destino preferencial há 40 anos atrás. Recentemente o fluxo para São Paulo suplanta a direção para o Rio de Janeiro, mas a metroplização a o custo de vida da região paulista, acrescido da violência urbana, esta presente nas quatro cidades capitais da região sudeste reforçam o “destino de ficar” em Juiz de Fora.

Portanto, há uma história de fluxos centrífugos comum a toda cidade que se destaca como polarizadora de uma região face à consolidação de uma economia de aglomeração baseada nas atividades industriais e na ampliação crescente da prestação de serviços. Sendo assim Juiz de Fora não é uma especificidade única na dinâmica urbana brasileira, porém é a capital da Zona da Mata Minera em momentos de intensa crise econômica e de violência nos grandes centros. Vale lembrar também a posição convivida entre Juiz de Fora e o Rio de Janeiro por mais de 100 anos entre a cidade de porte médio e pólo regional mais acessível e próxima geograficamente da capital do país e atualmente enquanto metrópole global, esta mesma acessibilidade e menor distância geográfica não ocorre entre as cidades mineiras e a cidade de São Paulo.

No âmbito rural regional não há nenhum planejamento de incentivo para agricultura familiar, rede de escolas para atendimento específico da zona rural e sobre os fatores que mais pressionam a força de trabalho a migrar.

De tudo exposto acima está indicado que a administração pública tem meios de iniciar um novo processo de encaminhamento da solução da questão de moradia popular. Pois até onde tivemos acesso a documentação e informação não há por parte da prefeitura de Juiz de Fora reconhecimento da invasão do Alto Santo Antônio. Se não a reconhece não arrola dados nem informações sobre o lugar, portanto oficialmente e administrativamente a comunidade localizada no Alto Santo Antônio não existe.

 Há referências suficientes administrativas e na bibliografia cientifica brasileiras de novas formas de gestão territorial. Incrementar, conforme previsto no Plano Diretor , a definição, o diagnóstico e a elaboração de um plano de urbanização nas ZEIS – Zonas de Especial Interesse Social é aprofundar o conhecimento e a intervenção sobre a problemática da habitação popular em Juiz de Fora. As ZEIS ( Cf. Costa & Braga, 2001) refletem o reconhecimento oficial de que uma parte substancial da cidade, que é fruto de processos de produção e apropriação do espaço que não correspondem à urbanização formal, não podendo ser tratados pelos mesmos parâmetros vigentes na legislação.

É antes de tudo reconhecer e efetivamente incorporar a cidade real e marginalizada ao território urbano. E principalmente não cair na armadilha de  culpar a pobreza por degradar o meio ambiente.

 

 Notas

1 - Há uma tendência repetitiva de explicar a historia da Zona da Mata a partir da expansão cafeeira e, principalmente de Juiz de Fora. Há um hiato na historiografia sobre analisar a Zona da Mata enquanto espaço econômico de fronteira, onde o café não é o T-0 da ocupação da região e de reconhecer outras rotas de expansão que não partem apenas do Caminho Novo e da centralidade de Juiz de Fora. Ver: Mercadante, Paulo -  Os sertões do leste; estudo de uma região: a mata mineira. Rio de Janeiro, Zahar Editores: 1973.

2 – Segundo Azzi (1997) a instalação e a importância da escola em Juiz de Fora pode ser resumida em 3 fases: 1 – entre 1860 e 1889 quando predominam as escolas dirigidas por padres mestres com ênfase no curso de humanidades; 2 – nos primórdios da República multiplicam-se os colégios de professores leigos com forte influência do positivismo valorizando os estudos de matemática e das ciências da natureza; 3 – no final do século os colégios confessionais protestantes e católicos passam a rivalizar entre si na conquista da clientela juiz-forana.

3 – A Fundação João Pinheiro ficou encarregada de elaborar um dos vários projetos para definição de quais cidades seriam contempladas. Num primeiro momento indicou as cidades de Governador Valadares, Teófilo Otoni, Patos de Minas, Unaí, Itajubá, Poços de Caldas e Uberlândia.

4 – A base de dados é o censo demográfico geral do IBGE de 1991. Para 1999 a Pesquisa de Informação Básica do IBGE registrou apenas 870  domicílios em favela ou áreas semelhantes em Juiz de Fora. Ainda no estudo de diagnóstico o IPPLAN/JF discorda dos dados assegurando mais do que o dobro indicado ( 1770 domicílios pelo IBGE)estando em torno de 4077 domicílios sub-normais.

5 – Pereira (2002) elabora uma tipologia das cidades médias brasileiras a partir dos conceitos de economias e deseconomias de aglomeração. Dentro do estudo Juiz de Fora caracteriza-se por constituir um meso-pólo consolidado, com um setor de serviços produtivos desenvolvido e com indústrias de setores com características weberianas. As mesmas características têm Bauru ( SP), Marília (SP), Presidente Prudente (SP), São José do Rio Preto (SP) e Criciúma (SC). Enquanto especificamente cidade de porte médio Juiz de Fora faz parte do mesmo conjunto que Barra Mansa (RJ), Poços de Caldas (MG), Cachoeiro de Itapemirim (ES), Criciúma ( SC), Santos, Marília e Bauru (SP).

6 – Sobre a importância da vida comunitária e da gênese do bairro ver Seabra (2000).

7 Um dos maiores desafios na produção dos indicadores urbanos reside no fato de se estabelecer qual o modelo para o mercado habitacional, pois a geografia e a sociologia das diferentes populações relacionada as diferentes realidades brasileiras tornam complexa a tarefa de se estabelecer um parâmetro referencial, o que implica também em estabelecer um merco teórico adequado a sua produção.

8 - Muitas críticas foram feitas por parte de setores da classe média em relação ao uso da moradia financiada pela EMCASA como mercadoria e, portanto, como valor de troca. Ao terminar o financiamento e com algumas melhorias feitas o, então proprietário vendia a casa. Esta atitude demonstra aos olhos da classe media o interesse do pobre em tirar vantagem disto – vende a casa depois financia outra - não conseguindo ver ai o embrião de um mercado imobiliário de baixa renda integrado na dinâmica de construção do espaço urbano. Assim como o efeito sobre o valor agregado ao bairro.

9 – O documento não tece maiores comentários sobre a conceituação e metodologia de embasamento da região de planejamento, mas observa-se que partem do principio do conceito christalleriano de localidade central aqui redimensionada para a hierarquização interna das cidades, portanto, poderíamos supor que cada região de planejamento seria um sub-centro estruturado ou em vias de formação.

10 – O Alto Três Moinhos é lindeira com o bairro Santa Rita, onde na Vila do “Sô Nenen”  a prefeitura iniciou uma ação nos moldes do projeto Favela-bairro. Os dados na verdade não especificam as unidades de planejamento não denominadas, sendo necessário portanto verificar em campo.

11 – O município de Juiz de Fora está contemplado com verbas pelo BIRD pelo projeto  BR 0396, cujos objetivos são: implantação de renovação do sistema de esgotamento sanitário, recuperação de áreas degradadas, requalificaçao do espaço urbano e fortalecimento institucional.

 

Bibliografia:.

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MERCADANTE, Paulo. Os Sertões do Leste; estudo de uma região: a mata mineira. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1973

MOTTA, Diana M. & AJARA, Cesar. Configuração da Rede Urbana no Brasil. 2001, Revista Paranaense de Desenvolvimento  n. 100, p. 5-24.

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© Copyright Maria Lucia Pires Menezes, 2003
© Copyright Scripta Nova, 2003

 

Ficha bibliográfica:
MENEZES, M. L. P. Juiz de Fora e a moradia popular: o Alto Santo Antônio. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2003, vol. VII, núm. 146(133). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-146(133).htm> [ISSN: 1138-9788]

 
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