Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona.
ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. IX, núm. 194 (74), 1 de agosto de 2005

 

LAUDO PERICIAL AMBIENTAL. INSTRUMENTO DE CIDADANIA NO LUGAR URBANO. BAIRRO MÁRIO QUINTANA, PORTO ALEGRE – RS

 

Cristiano Rocha

Mestrando pela UNICAMP.

E-mail: criscrisrocha@yahoo.com.br

 

Dirce Suertegaray

Professora Doutora da UFRGS.

E-mail: suerte.ez@terra.com.br


Laudo pericial ambiental. Instrumento de cidadania no lugar urbano. Bairro Mário Quintana, Porto Alegre – RS (Resumo)   

Este trabalho é resultado de um projeto interdisciplinar, convênio defensoria Pública do Rio Grande do Sul e Pró-Reitoria de Extensão do UFRGS, denominado Regularização Fundiária:uma questão de cidadania.  A área, objeto de estudo, localiza-se no nordeste de Porto Alegre, no bairro Mario Quintana onde vivem aproximadamente oitenta famílias. O objetivo desta pesquisa é a análise integrada dos processos físicos e sócio-econômicos que compõe o ambiente do espaço  estudado. Neste lugar está em curso um processo de regularização fundiária, fazendo-se necessário a elaboração de um laudo pericial ambiental. O referido laudo busca levantar, sob diferentes parâmetros (infra-estrutura, serviços, trabalho, lazer), as condições sócio-ambientais do lugar com vistas a subsidiar a discussão sobre sustentabilidade urbana.   

  

Palavras chaves: regularização urbana, urbano, ambiente, laudo pericial ambiental.   

 


Expert environmental report: instrument of citizenship in the urban place. Porto Alegre, RS, Brazil (Abstract)   

This work is resulted of an interdisciplinary project, agreement government of Rio Grande do Sul and UFRGS, denominated Urban Regularization and citizenship. The area, study object, is located in the northeast of Porto Alegre, in the neighborhood Mario Quintana where eighty families live approximately. The objective of this research is the integrated analysis of the physical and socioeconomic processes that it composes the environmental of the studied space. In this place it is in course a process of urban regularization, being done necessary the elaboration of a decision environmental. The expert environmental report looks for, under different parameters (infrastructure, services, work, leisure), the partner-environmental conditions of the place with views to subsidize the discussion on urban sustainability.   

Key words: urban regularization, urban, enviromnmental, urban sustainability.


 

Este trabalho é o resultado de um estudo sobre a temática da Regularização Fundiária Urbana sob a perspectiva ambiental. A intenção de realizar este trabalho surgiu durante o período em que atuei como bolsista[1] da Pró-reitoria de Extensão da UFRGS, no projeto PRF[2].

 

O projeto PRF tem como característica a multi-disciplinaridade, abrangendo varias áreas do conhecimento, como a Geografia, Antropologia, Arquitetura e Engenharia Cartográfica, cada área com uma equipe de trabalho formada por estudantes sob a orientação de um professor. Graças a participação nesse projeto tive a oportunidade de aprofundar uma discussão sobre os problemas derivados da falta de moradia no meio urbano e, de certa forma, este trabalho acaba sendo também uma sistematização do que foi até o presente momento o trabalho da Equipe da Geografia[3]. A proposta principal do trabalho é analisar de forma integrada os fatores físicos e sócio-econômicos que compõem o ambiente onde se realiza o processo de regularização fundiária.

 

As diretrizes que compõem o Estatuto da Cidade (Lei nº 10257, de 10 de julho de 2001) estabelecem os parâmetros que devem orientar a construção da política urbana em todas as instâncias do poder público, a diretriz I do artigo 2 do Estatuto da cidade prevê: “Garantia do direito a cidades sustentáveis, entendidos como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e as futuras gerações”, a diretriz nº XVI do mesmo artigo prevê: “Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação. Consideradas a situação sócio-econômica da população e normas ambientais”.Como podemos perceber, o acesso à cidade não está somente na garantia de uso do lote, na realidade ele começa quando o habitante tem condições de exercer pelo menos os direitos acima citados. Não é mais possível conceber assentamentos urbanos (ou rurais) sem as condições necessárias para a existência e sobrevivência dos moradores ocupantes, vale lembrar que a lei Estatuto da Cidade é um avanço, mas ainda há muito que fazer em relação à Cidade, e principalmente na área ligada a moradia.

 

O termo regularização fundiária esta intimamente ligado, no nosso sistema econômico, ao conceito de propriedade. No entanto entendemos que esse conceito (o de propriedade) deva ser trabalhado progressivamente de forma mais ampla, ou seja, é necessário garantir nesse tempo o direito a propriedade para o morador, como forma de garantir o acesso à cidade que ainda tem nas relações capitalistas a forma de controle do espaço. O presente trabalho entende a propriedade privada como o resultado prático da exploração e exclusão social, mas nesse sistema é através da propriedade, para as famílias de baixa renda, que o acesso à cidade se dá de forma mais justa, contribuindo para a construção da verdadeira cidadania.

 

A sociedade contemporânea esta emergida numa crise social com efeitos imensuráveis, as desigualdades frutos do sistema individualista e competitivo deixam milhares de pessoas famintas e ao relento nas cidades (grandes ou pequenas). O lucro das empresas é adquirido através da mais valia gerada pelo trabalhador que muitas vezes não tem condições de moradia digna, mora longe do local de trabalho, se alimenta mal, não tem acesso à educação, saúde e muito menos lazer, e só é chamado pelo poder público a exercer seu “dever” de cidadão no tempo de eleições, outorgando-lhe o dever de votar sem em nenhum momento garantir seus direitos cotidianos de acesso à cidade. Nesse sentido a regularização não está completa se não vier associada à urbanização, conseqüentemente a cidadania não se faz apenas pela regularização documental.

 

Para a elaboração desta pesquisa optou-se pela realização de um Laudo Pericial Ambiental, que nada mais é do que um estudo de degradação ambiental. Através do Laudo pode-se avaliar a situação ambiental do local estudado através de uma análise critica das condições socioeconômicas, da infra-estrutura urbana e do meio físico indicando alternativas para alguns dos problemas ambientais da comunidade decorrentes dessas análises.

 

A Vila Batista Flores foi a área escolhida, para a realização deste estudo. Ela está localizada, no bairro Mario Quintana, neste local vivem cerca de oitenta famílias. Serviram de fatores para escolha da área de estudo o significativo número de famílias em busca da regularização de seus lotes, bem como a localização estratégica da área, do ponto de vista da análise ambiental, pois a mesma constitui uma cabeceira de bacia hidrográfica.

 

Justifica-se este trabalho pela possibilidade de trabalhar a compreensão dos problemas ambientais relacionados com a questão da moradia, que vai desde o déficit habitacional passando pela qualidade dos serviços públicos e da infra-estrutura oferecidos além da degradação do ambiente. Essa questão é muito pertinente já que temos no Brasil, segundo o Ministério das Cidades um déficit habitacional de cerca de seis milhões de moradias que precisariam ser construídas, sem levar em conta as que precisam ser reformadas

 

Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizados dados secundários buscados no órgãos do poder público, como a Prefeitura Municipal de Porto Alegre o DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana), DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), DEMHAB, (Departamento Municipal de Habitação), EPTC (Empresa Pública de Transportes e Circulação) e outros órgãos, bem como dados coletados em campo com o auxilio de aparelho de GPS (Global Positioning System) além de entrevistas e questionários que foram aplicados aos moradores. O laudo pericial ambiental pode ainda propor alternativas ou caminhos aos problemas ambientais vividos na comunidade. O mapa que serviu de fonte para a elaboração dos mapas temáticos, foi o mapa de Porto Alegre, do PDDUA (Plano diretor de Desenvolvimento Urbano ambiental), em escala 1:1000 do levantamento aéreo de 1986 e revisado anualmente.

 

A necessidade de se estabelecer uma base conceitual forte e concreta, fez com que o referencial teórico fosse tratado de uma forma particularmente importante dentro deste trabalho. Visto que a solução dos problemas fundiários é também questão política, a necessidade de delimitação conceitual foi prioritária.

 

Nesse sentido o Estatuto da Cidade se apresenta como um avanço na busca para aprofundar as noções de cidadania, garantindo que se vá muito além, na questão fundiária que esta colocada no nosso país. A simples regularização fundiária vista como uma definição da propriedade não mais é suficiente, o Estatuto da Cidade busca garantir a implementação de políticas que garantam a completa percepção da cidadania pelo morador. Para tanto, é necessário garantir acesso aos mais variados equipamentos e serviços públicos como saneamento básico, energia elétrica, saúde, educação entre outros; bem como acesso às políticas públicas que modificam constantemente o espaço em que se vive. Só neste contexto poderá a comunidade ter acesso à cidade, entendendo e utilizando seus direitos como cidadãos e trabalhando na melhoria do lugar em que vive. O lugar interfere diretamente no valor próprio do indivíduo, pois a possibilidade exercer mais ou menos a cidadania vai depender de como ele interage e se organizada no espaço.

 

A base conceitual da lei Estatuto da Cidade busca justificar-se através da sustentabilidade. No entanto este trabalho entende que a cidade sustentável como fala De Mauro (1997) não pode estar relacionada a sustentabilidade exploradora sustentada pelo capitalismo neoliberal do estado mínimo, mas sim, pela total gerência do estado ao garantir que sejam prestados a comunidade todos os serviços que lhes dêem condições de estarem completamente ligados à cidade e também a conservação do ambiente, favorecendo-se, também neste processo a preservação de áreas que por sua estrutura e fragilidade não podem ser ocupadas.

 

Em relação ao direito a moradia: O novo estatuto da cidade garante ao cidadão muito mais que o direito a uma casa, mas acesso à cidade. A cidade deve necessariamente garantir a seus habitantes condições dignas de trabalho, lazer, locomoção e moradia, através de processos de participação democrática e direta. Para este trabalho a propriedade, um direito fundamental ligado diretamente ao direito de moradia, num país que tem um modelo econômico capitalista, deve cumprir sua função social, como garante o Estatuto da Cidade. Não podemos, como já foi salientado, ignorar os espaços ociosos que estão contidos nas cidades, espaços esses destinados, prioritariamente, para a valorização do imóvel e para lucro exclusivamente do proprietário e ou investidor, enquanto o déficit habitacional brasileiro e mundial cresce a cada dia que passa.

 

O déficit quando nos referimos ao Habitat, não é só de Moradia, mas também de infra-estrutura e qualidade de vida. É, portanto, necessário quando pensamos o espaço como habitat, recorrer ao conceito de Ambiente, e impacto ambiental.

 

Para começar é preciso esclarecer o que se entende por Espaço Geográfico, conceito balizador dos estudos em geografia. Na busca desse entendimento foram fundamentais os caminhos indicados por Santos.

 

...”Um conjunto indissociável e também contraditório, de sistemas de objetos e ações, não considerados isoladamente, mas como um quadro único na qual a história se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos técnicos, mecanizados e, depois cibernéticos fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina”. Santos (1996: 50-51).

 

O Espaço Geográfico, nesta pesquisa é trabalhado e identificado como Lugar. O Lugar é entendido aqui como a parte do espaço geográfico que só existe quando é percebida, ou seja, o Lugar é a parte do espaço onde é necessária a auto-identificação do individuo.Trata-se, segundo Suertegaray (2000) de um conceito que nos remete a reflexão de nossa relação com o mundo.

 

“Isso implica em compreender o lugar através de nossas necessidades existenciais quais sejam, localização, posição, mobilidade, interação com os objetos e/ou com as pessoas. Identifica-se esta perspectiva com a nossa corporeidade e, a partir dela, o nosso estar no mundo, no caso, a partir do lugar como espaço de existência e coexistência. Nesse sentido o pode-se definir Lugar como a construção concreta e simbólica do espaço”. Suertegaray (2000: 25-26)

 

Perceber o Lugar como vimos, implica em ter algum laço de ligação com o mesmo, e a mais comum forma de ligação como lugar é a moradia. O direito a Moradia, foi reconhecido na Agenda Habitat estabelecida em 1976 na Conferência sobre Assentamentos Humanos das Nações Unidas em Vancouver. Para este trabalho a Moradia é vista como sendo o habitat, ou seja, muito mais do que simplesmente uma casa para morar. Pois se entende que para morar, no sentido de habitar, é necessário muito mais do que simplesmente uma casa. O direito a Moradia, conforme já foi dito, não se resume à casa, mas à conquista do habitat: o acesso à saúde, à educação, aos serviços públicos, ao trabalho ao lazer, enfim, à inclusão na cidade.

 

Na busca de valorização ampliada do conceito de Moradia, notou-se que a percepção de Ambiente esta diretamente ligada a percepção do habitat, ou seja, assim como a Moradia é mais do que uma casa para morar, o Ambiente é mais do que “a natureza lá fora”. O conceito de Ambiente adotado neste trabalho insere o homem como agente transformador, ou seja, numa perspectiva critica ao senso comum sobre “meio ambiente”, propõe uma visão de ambiente por inteiro:

 

 

“ele o ambiente deve ser considerado nas suas múltiplas facetas. Não sendo mais possível conceber ambiente como equivalente a natural. O ambiente por inteiro, como se refere, implica privilegiar o homem como sujeito das transformações, sem negar as tensões sob as mais diferentes dimensões”.Suertegaray (2000: 28)

 

Conceber o Ambiente por inteiro é considerar as diferentes facetas de sua composição e a ação de seus habitantes em prol de sua melhoria em um dado lugar. Tal concepção implica em compreender que o viver, o habitar, a agir humano no processo de produção e reprodução de sua vida em sociedade promove transformações, na linguagem ambiental, denominadas de Impacto Ambiental, Depredação Ambiental e Degradação ambiental. Segundo legislação brasileira considera-se Impacto Ambiental:

 

"qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente, afetam:

 

·         a saúde, a segurança e o bem estar da população;

 

·         as atividades sociais e econômicas;

 

·         a biota;

 

·        as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e V - a qualidade dos recursos ambientais"                          

                                                                          (Resolução CONAMA 001, de 23.01.1986)

 

O Ambiente, no planejamento ambiental, é visto como o objeto, na medida em que em uma de suas dimensões, (a da natureza como recurso), constitui um potencial a ser apropriado e mobilizado pela sociedade.

 

Definimos o impacto ambiental, como o caráter, o tipo, a intensidade a persistência e a duração das ações exercidas pelo homem sobre um determinado sistema ambiental. Ou seja, mais que tudo, o impacto ambiental deve designar a força das ações humanas que incidem sobre o meio. Há duas noções que estão relacionadas com o conceito de impacto ambiental; as noções de mudança e conseqüências ambientais. No entanto nem todo o Impacto Ambiental é negativo, um bom exemplo seria a construção de uma usina de tratamento de esgoto, onde existe um Impacto Ambiental, neste caso positivo. Por isso optou-se por trabalhar também com os conceitos de Depredação e Degradação Ambiental. A Depredação é entendida aqui como sendo a conseqüência de uma ação direta com intenção de danificar o ambiente, enquanto a Degradação Ambiental é entendida como sendo a conseqüência da falta de ação direta, ou omissão para evitar o dano ao ambiente.

 

Um ambiente por inteiro, entretanto, não deve se restringir aos impactos na natureza. Deve refletir sobre as condições de vida que derivam destes impactos, deve refletir sobre as tensões decorrentes desta interação e deve encaminhar proposições que impliquem na construção da Cidadania como forma de vigilância e possibilidade de transformação, melhoria e acesso amplo a cidade e a vida.

 

 

 

de direitos, apenas pelo fato e ingressar na sociedade humana. (...) Direito a um teto, a comida, à educação, à saúde, à proteção contra o frio, à chuva, as intempéries; direito ao trabalho, à justiça, à liberdade e a uma existência digna”. Santos (1987: 7). “o simples nascer investe o indivíduo de uma soma inalienável

 

A soma desses direitos se chama cidadania ou conjunto de direitos que cada cidadão possui, sendo na sociedade em que vivemos uma conquista, conquista essa que poucos alcançam e muitos não sabem o significado.

 

A Cidadania se torna menor do que sua percepção(...)A desigualdade impossibilitada generalização da cidadania. O espaço é esquizofrênico na expressão da exclusão social, pois alguns homens sentem-se mais cidadãos do que outros. Mas estes homens são apenas consumidores, pois a cidadania depende de sua generalização. Não existem cidadãos num mundo desigual e apartado. Não se por ser cidadão em um espaço onde todos não o são. (...)Portanto, este é um mundo de alguns consumidores e poucos cidadãos. É preciso construir essa cidadania. Santos (2000: 79).

 

É importante esclarecer que os conceitos listados não são os únicos apresentados no texto, mas estes servem como alicerce a discussão que se desenrola no trabalho, é sob essa base conceitual que foi possível aglutinar os mais diversos pontos de análise ao longo do projeto.

 

 

 A instrumentável “cidade sustentável”

 

A falta de moradia é um problema público grave e atinge principalmente as cidades, é ao mesmo tempo um problema político e ambiental. As alternativas apresentadas para solução desses problemas na maioria das vezes estão balizadas no conceito desenvolvimento sustentável, conceito esse que vem sendo utilizado e trabalhado tanto por entidades não governamentais como pelo pode público constituído. Para tratar do assunto é necessário um breve entendimento histórico sobre essa base conceitual.

 

Na década de 70 Ignacy Sachs desenvolveu um documento intitulado de eco-desenvolvimento, nesse documento levantava pontos pertinentes para que fosse preservado o que ele chamava de natureza, já que os bens “naturais” do planeta eram finitos, numa perspectiva neo-malthusiana.

 

Segundo o relatório Brundtland (CMMAD 1988), o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: o de “necessidades”, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres no mundo, que devem receber a máxima prioridade. E a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras.

 

Em seu sentido mais amplo, a estratégia de desenvolvimento sustentável visa promover a harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza. No contexto permanente de crises do desenvolvimento e do ambiente características das nossas cidades, o chamado “desenvolvimento sustentável” prevê,um sistema político, um sistema econômico ,um sistema social, um sistema de produção, um sistema tecnológico, um sistema internacional, um sistema administrativo.

 

Demonstrada a base conceitual podemos perceber que se por um lado o Desenvolvimento Sustentável busca apresentar alternativas ao modelo desenvolvimentista que orienta a nossa sociedade, pouco ou nada acrescenta no sentido de uma real mudança.

 

Para Rodrigues (2001) O Ambiente é denominado como sendo os elementos da natureza, que passam a ser visto como recursos naturais, e torna-se mercadoria na busca crescente dos mais ricos em aumentar os lucros. O valor passa a ser determinado pelo preço, quanto mais raro mais caro. Os setores da sociedade que tomam consciência dos sérios problemas da existência humana se ampliaram, nas últimas décadas do século XX. Aos problemas já conhecidos de classes sociais, de gênero, de falta de meios e equipamentos de consumo coletivo, de falta de escolaridade, de emprego, de aumento da violência, agregam-se os ambientais, a dilapidação do valor da natureza indispensável à vida de todas as classes sociais. A problemática ambiental perpassa todas as classes e extratos de classes sociais. É um problema mundial.

 

Um dos problemas no relatório Brundtland é que ele entende a natureza como paisagem estática ou como recurso capaz de transforma-se numa nova mercadoria. Esta é potencializada para virar uma mercadoria, como por exemplo, em atividades ligadas ao turismo.

 

Não se trata de uma passagem, uma forma de ver natureza, mas do incremento de mais uma forma, maneira, modo, de observar, de produzir e consumir a natureza. Com o sucesso do progresso e do desenvolvimento, cria-se a problemática ambiental. Esgotam-se os chamados recursos naturais não renováveis (petróleo, carvão, ferro), etc. Torna-se uma preocupação a "preservação, conservação" da natureza como recurso e como paisagem. Rodrigues (2001: 1)

 

Como diz Rodrigues (2001),a natureza sempre foi utilizada como sendo infinita, no entanto já sabemos que não é infinita isso faz com mudem as categorias dos recursos : os não renováveis estão em processo de esgotamento. Os renováveis mudaram sua categoria, como a água – de abundante tornou-se escassa pela poluição. Esse problema faz parte da incompreensão do espaço-tempo - o tempo geológico, as estações do ano, o dia e a noite transformaram-se através das técnicas. Técnicas que ao mesmo tempo são solução e problema, um exemplo claro é o caso da energia atômica.

 

Enfim, as cidades estão no centro da questão ambiental, sendo afetadas direta ou indiretamente sob essa questão, horas sob uma égide desenvolvimentista horas sob uma égide conservacionista. Não sabemos, ou não conseguimos definir o que preservar, porque preservar, porquanto tempo, e para quem. Atualmente as discussões em torno do conceito de desenvolvimento sustentável procuram transferir uma questão de classes para uma questão de gerações. Para esse trabalho a simples perspectiva de preservar para atender às necessidades das gerações futuras não é suficiente, pois não temos como determinar o que são necessidades. A grande desigualdade social em que vivemos nos impede de estabelecer o que é realmente necessário, já que para uma família de baixa renda as necessidades são uma, enquanto para uma família de alta renda o capital cria outras necessidades.

 

 

 Açoes e programas na área de habitaçao na regiao da Grande Porto Alegre

 

Em relação às condições de moradia na Grande Porto Alegre, os números encontrados revelam que a proporção de prefeituras com programas em andamento na área de habitação variou de acordo com o tamanho populacional dos municípios. Eles também mostram que a maioria das prefeituras está desenvolvendo ação ou programa no setor, principalmente aquelas que apresentam maior aporte de recursos. De acordo com a MUNIC (Pesquisa de Informações Básicas Municipais), o problema da falta de moradias adequadas é mais grave nos municípios mais adensados e nas regiões metropolitanas, onde são freqüentes habitações precárias como favelas, palafitas ou assemelhados.

 

Loteamentos clandestinos e/ou irregulares são mais comuns em municípios populosos, áreas de atração populacional, e podem estar referidos, entre outros fatores, a não observância das normas municipais de ocupação do solo, aliada a omissão do Poder Público com respeito a políticas públicas destinadas a construção de moradias. Sua existência e proliferação deve-se, por um lado, a própria situação de carência de moradia a qual está submetida uma parte importante da população, e por outro, a ação de empreendimentos imobiliários que descumprem sistematicamente as normas urbanísticas legais, valendo-se da fiscalização deficitária de muitos municípios, um exemplo são a grande quantidade de áreas pertencentes às grandes empreendedoras que estão sem construções a espera da valorização .

 

A RMPA (Região Metropolitana de Porto Alegre) é a área mais densa do Estado concentrando 37% da população, em 31 municípios. Nela encontram-se dez entre dos 17 municípios do Estado com mais de 100 mil habitantes. A densidade demográfica da região é de 445,17 hab/km² integrando municípios como Esteio e Porto Alegre que apresentam as maiores densidades do Estado com 2.904,02 hab/km² e 2.744,58 hab/km², respectivamente. A RMPA foi criada por lei em 1973 e era composta, inicialmente, por 14 municípios. O crescimento demográfico resultante principalmente das migrações derivadas do êxito rural e da falta de emprego nas zonas urbanas dos municípios menores, a interligação das malhas urbanas e os processos emancipatórios em período relativamente recente, bem como a necessidade das municipalidades alocarem recursos para impulsionar o desenvolvimento local, fizeram com que novos municípios tenham se integrado à região, totalizando 31, em 2001.Porto Alegre, como o resto do país, apresenta consideráveis necessidades habitacionais.

 

Segundo o DEMHAB a capital gaúcha, em 2001, tinha 20% da população vivendo em áreas irregulares. Desde 1990, a política habitacional implementada sofreu uma mudança de rumo em relação às estratégias que vinham sendo seguidas no município para lidar com as necessidades habitacionais da população de baixa renda, e que tinham em comum a promoção da segregação sócio-espacial. O município passou a implementar programas de regularização fundiária e outros, como programas de incentivo ao cooperativismo habitacional, construção por mutirão, prevenção e re-locação de famílias moradoras em áreas de risco, além de dar continuidade aos programas do Sistema Financeiro da Habitação, que apostava na produção de novas unidades por empreiteiras contratadas.

 

 

O que é um laudo pericial ambiental          

 

A degradação do ambiente esta diretamente conectada com o crescimento econômico e exploratório dos grandes capitalistas associado a falta de competência e capacidade do Poder Público constituído em suas mais diversas esferas. Como resultado prático deste trabalho optou-se pela realização de um laudo pericial ambiental que analisasse a degradação ambiental derivada da falta de moradia.

 

Os laudos periciais são instrumentos que servem para que a sociedade amplie seus conhecimentos sobre as áreas interesse comum no lugar em que vivem, em outras palavras é uma forma de auditoria ambiental que se ajusta ao contexto normativo e legislativo vigente, porém é levado a cabo, especialmente, por entidades pertencentes ao espaço público não-estatal. Converte-se assim, em um instrumento de vigilância e regulamentação do contexto da gestão ambiental, a baixo de uma dimensão alternativa. É a expressão clara de um planejamento e gestão ambiental participativo, exercido pela sociedade.

 

O Laudo é um instrumento técnico sem deixar de ter a preocupação social política e econômica. É importante salientar que cada localidade ou cada lugar deve ter um modelo e uma metodologia para laudo diferenciados, não é possível estabelecer matrizes, mas exemplos de pontos que podem ser trabalhados, conforme as características e necessidades do lugar em estudo.

 

 

 Situaçao da área de estudo

 

A área de estudo, esta localizada no nordeste de Porto Alegre[4]  no novo bairro chamado de Mario Quintana, onde vivem cerca de oitenta famílias. Esta é uma área, juridicamente irregular, já que seus moradores não possuem escritura dos terrenos. Os moradores desta área buscam a regularização desde os anos 80, mas enredados por burocracias e pormenores do sistema, estão há mais de vinte anos atrás da regularização, este é um exemplo que retrata muito bem a realidade da situação fundiária no Brasil. A área era herança de uma família e foi loteada e vendida para os atuais moradores por um loteador que ludibriou tanto os herdeiros quanto quem comprou o terreno, fugindo com o dinheiro dos moradores. Muitos moradores acreditando que seria melhor para se livrar do problema acabaram pagando duas vezes o terreno, uma para o loteador e outra, para os herdeiros. O problema é que nem mesmo os herdeiros tinham a escritura dos terrenos, o que dificultou ainda mais a situação dos moradores.

 

Passados esses mais de vinte anos os moradores em conjunto resolvem recorrer a Defensoria Pública do Estado, que em parceria com a UFRGS vem fazendo levantamentos topográficos na área a fim de encaminhar o Memorial Descritivo, instrumento que possibilita a ação judicial pelo Usucapião. Atualmente alguns moradores já começam a receber as escrituras, mas a vila ainda enfrenta alguns problemas graves, como algumas áreas de risco, a contaminação dos recursos hídricos locais, a falta de espaços de lazer, a distância dos locais de trabalho dos moradores, a falta de coleta seletiva de lixo, entre outros, como fica evidenciado com a realização do Laudo Pericial Ambiental.

 
Laudo pericial ambiental da Vila Batista Flores   

 

Este Laudo é uma análise da área nos aspectos socioeconômicos e do meio físico, análise essa que é fundamental para uma melhor compreensão da dinâmica dos problemas ambientais que enfrentam a cidade contemporânea, como podemos constatar nessa comunidade. Para a implementação deste Laudo foram feitos levantamentos de dados, de três formas, através de questionários que foram aplicados diretamente aos moradores, através de dados coletados nas saídas de campo e de dados fornecidos por instituições públicas, esses dados foram utilizados como base para mapeamentos. O objetivo final do laudo é através das análises feitas, verificar se a área em processo de regularização pode ser regularizada, do ponto de vista ambiental.

 

O Laudo está dividido em três partes, a primeira busca apresentar a população da Vila, a segunda diz respeito aos aspectos relativos ao meio físico, e a terceira diz respeito a análise dos aspectos sócio-econômicos. As análises foram feitas usando mapas temáticos, entrevistas e questionários com os moradores, além das incursões à campo.

 

A análise do meio físico serviu para averiguar possíveis áreas de risco para as moradias, ou áreas impróprias para habitação. Consideramos áreas com risco, aquelas onde o risco de um acidente, derivado de fatores ligados ao meio físico eram evidentes, e áreas impróprias aquelas que, apesar de não apresentarem nenhum risco aparente não eram áreas ideais para se morar. Para isso foi analisada a declividade do terreno, a proximidade de corpos d’água e a proximidade de árvores com risco de queda para determinar áreas de risco, e para determinar áreas impróprias para moradia foi avaliada a insolação direta sobre o terreno.

 

A análise dos aspectos sócio-econômicos levantou aspectos relativos aos equipamentos e serviços públicos presentes na vila, no que diz respeito ao acesso dos moradores aos mesmos, e da sua qualidade. Através do levantamento sócio-econômico pôde-se perceber se o processo de regularização fundiária estava realmente sendo encaminhado da forma como previsto pelo Estatuto da Cidade, ou se apenas é um processo de regularização de propriedade. Vale lembrar que a regularização fundiária deve ir mais além do que a simples legalização documental, garantido condições dignas e saudáveis de moradia a vida aos moradores.

           

Para a elaboração dos mapas temáticos, foi utilizado o cruzamento de informações, normalmente cruzando as informações principais com a ocupação do solo. Os mapas foram elaborados através dos softwares AutoCad e Idrise, para tanto foram inseridos no computador os dados, seguindo os procedimentos de um SIG (Sistema informações Geográficas). Além dos mapas, a partir dos dados levantados, foram elaborados planilhas e gráficos que servem para ilustrar a análise além de organizar e identificar mais claramente as informações que suportam a análise critica dos problemas ambientais, que por sua vez é o objetivo final desse trabalho.

 

Em relação aos mapas a área espacializada é maior do que a área de estudo, representando as áreas ao redor da comunidade em questão no bairro Mario Quintana, isso se deu para melhor visualizar a relação dela com o seu entorno. Os mapas que estão classificados segundo as distâncias dos serviços ou equipamentos públicos, no que diz respeito as legendas, indicam quanto mais clara a cor mais longe do acesso ao serviço esta localizada a área.

 

As entrevistas foram realizadas de modo informal com 20 moradores em dias, ocasiões e lugares distintos, sem uma metodologia rígida, com o objetivo de deixar os moradores a vontade para falar dos temas referentes a comunidade, nesses diálogos é que se pode captar a percepção dos moradores referentes aos itens em análise no Laudo.

 

Os questionários foram realizados com dez das cerca de oitenta famílias que moram na localidade (Anexo Nº 1). Estes questionários serviram para formar uma base estatística, as perguntas e possíveis respostas já estavam previamente elaboradas, cabendo ao entrevistado escolher para cada pergunta uma entre as possíveis respostas. Essa etapa foi importante para que fosse levantado o perfil da comunidade.

 

A população da Vila Batista Flores

 

A vila tem aproximadamente oitenta residências numa área de aproximadamente 4,8 hectares, os terrenos medem em media 540 metros quadrados, lembrando que a forma de aquisição dos terrenos foi compra. Segundo as entrevistas a maioria das residências é de alvenaria com cerca de cinco cômodos por casa. As casas foram construídas ou pelos próprios moradores ou por pedreiros que moram na vizinhança.

 

Outro ponto levantado pelas entrevistas foi a origem dos moradores,  70% dos entrevistados são oriundos de áreas rurais, o que se entendeu como sendo resultado do êxodo rural brasileiro das décadas de 70 e 80. Quando questionados sobre o motivo da mudança, ou seja, o que levou esses moradores a sair de onde eles estavam, 70% dos entrevistados responderam que a mudança ocorreu por motivo de trabalho enquanto os 30% restantes responderam que o motivo foi à possibilidade de ter uma moradia própria. Esse gráfico por si só mostra dois dos maiores problemas da sociedade moderna, a falta de trabalho e a falta de moradia. 

 

Pela análise das entrevistas é possível estabelecer uma relação entre os moradores que vieram em busca de trabalho com aqueles que vieram da zona rural, e uma relação entre os moradores que vieram em busca de moradia com aqueles que saíram de outras cidades, ou outras áreas da capital. A expulsão do meio rural originada, principalmente pela mecanização da agricultura, fez com que muitos trabalhadores viessem buscar trabalho e melhores condições de vida nas grandes cidades, da mesma forma a falta de programas habitacionais pelo poder público, fez com que as pessoas migrassem para as zonas periféricas das grandes cidades em busca de moradias mais baratas.

 

Ao analisar a distribuição da população em faixas etárias, observa-se predominante na área de estudo, que mais da metade da população da área tem mais de 50 anos ou menos de 18 (figura Nº 1).

 


 

 

O tempo médio de moradia no local é de 19 anos e sete meses, ou seja, praticamente todos os moradores vieram para a área ainda na década de oitenta, e alguns no final da década de 70. Outra característica importante em relação a esta comunidade é a escolaridade, 100% dos entrevistados, disseram que os principais responsáveis pela renda familiar, não tinham ensino fundamental completo.

 

 

Análise do meio físico

 

Os parâmetros analisados nessa etapa foram a declividade do terreno, a proximidade das construções do curso d’água, a Incidência de insolação direta, e o risco de queda de árvores.

 

Para a elaboração dos mapas temáticos nesta etapa foi utilizado como mapa fonte o do PDDUA de Porto Alegre, revisado em 1996. A partir desse mapa, foram vetorizadas as curvas de nível, e a macha urbana[5]. 

 

A falta de dados em formato digital referente a hidrografia do município, fez com que os dados referentes ao curso d’água que corta a vila tivesses que ser obtidos diretamente na área, com o auxilio de aparelho de GPS. Foram escolhidos 20 pontos ao longo do curso d’água, cada ponto teve sua localização medida pelo aparelho três vezes, e para cada ponto fez-se uma média. Depois de coletados os dados, foram inseridos no computador juntamente com o mapa base do PDDUA, e cruzamos as informações. Obtendo assim a posição do curso d’água que corta a vila. A mesma metodologia foi adotada também para a obtenção da localização dos eucaliptos no local.

 

 

 

 

Avaliar a declividade do terreno é importante, pois em alguns casos a declividade pode significar risco restritivo a ocupação. A figura Nº 2 representa a declividade do terreno na área de estudo e redondezas. As áreas acima de 30%de declividade são aquelas que apresentam restrições ou proibições para construir.

 

Em Porto Alegre a declividade máxima permitida para construções é indicada pela lei Complementar Municipal Nº 434 Art. 136, parágrafo terceiro, que esta baseada na lei federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979 artigo terceiro[6], onde estabelece que fica vedado o parcelamento do solo, para fins urbanos: em terrenos ou parcelas de terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), ou seja, 17°, salvo se atendidas exigências específicas a serem estabelecidas por decreto. Entretanto não foram encontradas as exigências previstas pela lei na forma de decreto.

 

Após cruzarmos as informações, referentes as áreas com declividade superior a 30% com as construções na área de estudo percebemos que a vila aparentemente apresenta alguns problemas em relação à declividade em casos específicos (algumas casas). As incursões a campo, no entanto demonstraram que não existem casas localizadas em áreas com declividade superior a 30%, pois como os mapas temáticos foram baseados na carta base do PDDUA de Porto Alegre, que não contém, por exemplo, a terraplanagem feita quando da divisão dos lotes.

 

 

Proximidade das Construções do Curso D’água

 

Esse é um item fundamental de ser avaliado, principalmente num tempo onde as questões relativas a preservação dos recursos hídricos e a disponibilidade de água potável sobre o planeta estão no centro das discussões. A importância para este estudo, diz respeito tanto ao risco de contaminação do corpo d’água pela proximidade com as construções, com ao risco de inundação das moradias pelo corpo d’água no período de cheias, ou seja, é um caso de preservação mútua.

 

Segundo a legislação[7], não poderiam apresentar construções localizadas dentro do perímetro restritivo pela mesma, ou seja, localizadas em distância menor a 30 metros do canal, entretanto comparativamente o número de construções que ocupam sítios que contradizem a legislação ambiental é pequeno.

 

Observa-se também à montante que o canal fluvial foi canalizado e sobre este espaço foram re-locadas moradias. Apesar dessas casas estarem em conformidade com a legislação ambiental o risco é eminente na medida em que se localizem sobre um canal fluvial canalizado (apresentam risco potencial de desabamento.

 

No ano 2000 cerca de vinte famílias foram tiradas dessa comunidade e levadas para outras áreas em virtude da proximidade com o curso d’água, o motivo da mudança foi a proximidade do curso d’água, já que essas famílias moravam a menos de 5 metros do riacho.

 

Esse fato acabou por criar uma polêmica entre os moradores, já que a possibilidade de mudança não é vista com bons olhos entre eles, pois todos ajudaram a construir esse lugar e não querem ser obrigados a mudar.

 

 

O risco de queda de árvores

 

Preocupado com a crescente ocupação dos sítios onde se localiza a área de estudo, o proprietário da área localizada no limite leste da vila plantou, há aproximadamente 15 anos, eucaliptos rentes à cerca que delimita sua propriedade, pois por ser proprietário de uma grande área temia por uma invasão de sua propriedade.

 

Essas árvores se localizam próximas a rua cuja construção promoveu o corte da vertente da margem esquerda do arroio que passa pela vila. Este corte é responsável pelo desequilíbrio da encosta favorecendo a queda dos eucaliptos. Essa queda é resultante do processo de desmoronamento da encosta e da conseqüente exposição das raízes, o que leva essas áreas a uma desestabilização.

 

No caso especifico dos eucaliptos fica evidente a falta de atenção que o poder público vem dando para a comunidade. O problema é grave, pessoas já se machucaram com a queda de galhos e até árvores inteiras;

 

“dia de vento muito forte, a gente entra pra dentro de casa e fica torcendo pro vento parar, as crianças choram, e quando a gente reclama ninguém dá ouvidos, parece que falamos com as paredes”(Relato de um dos Moradores)

 

 

Análise dos fatores socioeconômicos

 

Os parâmetros analisados nessa etapa foram rede de coleta de lixo, rede de esgoto, rede abastecimento de água, rede de abastecimento de energia elétrica, rede de transporte, trabalho, saúde, educação, e lazer, estes parâmetros revelam as condições ambientais que por sua vez refletem as condições sócio-econômicas da comunidade.

 

 

Coleta de Lixo

 

Embora o recolhimento seja considerado satisfatório, pela comunidade, ainda existem problemas relacionados ao destino do lixo doméstico, pois a vila não conta com serviço de coleta seletiva, por exemplo, e o riacho que corta a vila esta constantemente contaminado devido a presença de lixo no seu leito.O caminhão de coleta de lixo passa na comunidade três vezes por semana recolhendo o lixo na frente das casas.

 

As entrevistas com os moradores em relação a coleta de lixo revelaram que os moradores ainda fazem valas para queimar o lixo que não é levado pela coleta e que a comunidade não tem o hábito de separar o lixo, até porque o sistema de coleta seletiva não atinge a comunidade.

 

 

Sistema de Esgoto

           

A Questão do saneamento básico é a mais complicada na cidade contemporânea, se por um lado há um grande cuidado internacional com os mananciais de água pouco se faz sobre o tratamento da água já usada. Em Porto Alegre, apenas 25% do esgoto é tratado[8], o restante vai para o lago Guaíba sem nenhum tipo de tratamento.

 

Além disso, o próprio poder público demonstra total desrespeito com a ambiente quando soterra uma vertente e utiliza cursos d’água para lançar o esgoto doméstico, sem nenhum tratamento, como, segundo os moradores, aconteceu na área em estudo.

 

A rede de esgoto atinge todas as ruas da área. Essa rede de esgotos é pluvial, ou seja, destinada apenas a água da chuva, entretanto essa rede é utilizada também para escoamento do esgoto cloacal de um grande número de residências que não possuem fossa séptica. O número de residências que lançam seus esgotos na rede não é conhecido ao certo, já que muitos escondem o fato por temer a cobrança de taxas.

 

 

Abastecimento de água

 

A vila é bem abastecida por água encanada. A maioria das famílias utiliza água tratada, no entanto algumas famílias, notadamente as mais carentes ainda utilizam água de poços. O Acesso por si só, no entanto, não garante, que haja água por isso foi levantada junto aos moradores a freqüência com que falta água no sistema. Pela informação dos moradores o abastecimento nesse ponto é satisfatório já que dificilmente há falta de água, fato corroborado pelo DMAE.

 

A qualidade d’água tratada oferecida pelo DMAE segundo o próprio órgão é muito boa, entretanto os moradores reclamam do gosto e cheiro de cloro, Na última estiagem em Porto Alegre[9], a água tratada ficou mal cheirosa e com sabor estranho, devido, segundo o DMAE, o baixo nível do Guaíba, associado a grande quantidade de algas sobre o lago.

 

 

“[...] Não tinha luz nem água. Aí nós pegávamos emprestado de outras vilas. Aí era, por exemplo, emprestavam  pra nós e aí chegava um vizinho com criança pequena e pedia pra gente. Quando tomava banho um tinha que dizer: ó, vou tomar banho. Quase nem podia  botar um chuveiro, era muito ruim, porque caía muito a luz. Até que a CEEE, em 15 dias, a CEEE viu. Aí colocou aquele poste lá em cima, aí começou cada um a colocar um poste. Eles não pertencem ao nosso loteamento mas eles se estendem  até lá embaixo, até na ponte. Aí foi quando a CEEE viu que era vantagem colocar né, mas o DMAE custou mais. A gente ficou muitos anos com água emprestada.”

 (Relato de um dos Moradores. Silva, 2004: 26)

 

 

Abastecimento de Energia Elétrica

 

A rede de abastecimento de energia elétrica atinge toda a área de estudo, no entanto isso não garante que todos tenham condições de ter energia elétrica em suas residências. A incidência de ligações irregulares na comunidade é grande, principalmente por conta do alto custo da energia elétrica para uma família de baixa renda.

 

Um outro fato relatado pelos moradores em relação a rede elétrica é o grande número de vezes que o sistema cai, ou seja, falta luz. Segundo os moradores sempre que reclamam na CEEE sobre a falta de luz, são informados que houve sobrecarga no sistema provavelmente relacionado com as ligações irregulares, os chamados “gatos”.

 

A iluminação pública também é um fator ligado ao abastecimento de energia elétrica. Os moradores consideram os problemas da iluminação pública um dos maiores problemas da vila, já que normalmente as lâmpadas queimadas demoram muito tempo para ser substituídas, fazendo com que o lugar torne-se perigoso à noite.

 

           

Transporte Coletivo

 

“[...] eu vim morar no meio do mato porque era meu né. A gente conseguiu comprar. Passamos dificuldades porque não tinha água, não tinha luz, não tinha ônibus. O ônibus demorou quatro anos pra chegar no loteamento.”

(Relato de um dos Moradores. Silva, 2004: 26)

 

Porto Alegre tem um sistema de transportes coletivos muito bom, que atinge praticamente toda a cidade, com horários fixo e centenas de linhas de ônibus e renovação constante da frota. A vila Batista Flores é atendida por cerca de 10 linhas de ônibus. Os moradores têm que caminhar no máximo 300 metros para pegar o ônibus, nada comparado às dificuldades que eles enfrentaram no início.

 

Apesar disso o transporte coletivo ainda apresenta problema com o alto valor da passagem. O fato de Porto Alegre apresentar um sistema centralizado faz com que em alguns casos, o trabalhador tenha que pegar mais de um coletivo. Sem falar dos ônibus lotados nos horários de pico, a saber, entre sete e nove horas e dezoito e vinte horas.

 

 

Trabalho e Renda

           

A comunidade é constituída principalmente de jovens e idosos, o que faz com que a principal fonte de renda da comunidade seja a aposentadoria os entrevistados que não são aposentados trabalham normalmente em profissões mal remuneradas, tais como metalúrgico, cobrador de ônibus, catadores de papel e camelô. A maioria dessas atividades exige um significativo deslocamento do lugar de moradia para o trabalho.

 

Uma característica importante que as pessoas trouxeram do campo, foi o hábito de criar galinhas, cultivar hortas e árvores frutíferas. Esse hábito acaba por muitas vezes ajudando nas despesas da família, seja pelo fato de não precisar comprar legumes, ovos e carne, ou pode até, dependendo da produção, significar um acréscimo de renda, com a venda do excedente.

 

 

Saúde

 

Acesso aos equipamentos de saúde pública é um dos pontos fundamentais para determinar a regularização fundiária de uma área de acordo como Estatuto da Cidade. Além disso, é garantido pela constituição, que todo o cidadão brasileiro tem direito de ter acesso gratuito à saúde pública.

 

Numa comunidade como a Vila Batista Flores, que apresenta uma grande quantidade de aposentados, crianças e adolescente, um sistema de saúde forte se faz necessário, no entanto não é isso que se percebe ao falar com os moradores. Falta de remédios nas farmácias dos postos, falta de médicos de família, dificuldades para conseguir consultas com especialistas, e a distância dos postos de atendimento são alguns dos problemas enfrentados pelos moradores.

 

A área apresenta dois postos de saúde próximos, no entanto a divisão dos atendimentos por bairros e ruas, faz com que alguns moradores tenham que buscar atendimento em áreas mais distantes. A inexistência de programas de saúde preventiva é outro fator preocupante, o que demonstra que o sistema é deficiente nas duas pontas, ou seja, apresenta problemas tanto em curar doenças como em preveni-las.

 

 

Educação

 

A educação é fundamental para um país que deseja desenvolver seu povo e diminuir a desigualdade social. Para avaliar a situação da educação, foi levada em consideração a escolaridade de todos os moradores das dez casas entrevistadas, totalizando um universo de trinta e seis participantes, onde 50% dos moradores não concluíram o ensino fundamental, apenas 30% concluíram o ensino médio.

 

A comunidade apresenta um déficit educacional ao longo do tempo. A maioria dos jovens entrevistados com idade escolar[10] ainda continua estudando, salvo se já concluiu o ensino médio, entretanto o desempenho escolar é baixo, segundo o que foi informado pelos próprios moradores. Um dos motivos apontados por eles mesmos é a dupla carga, ou seja, muitos deles ajudam na renda familiar, outro problema é o desinteresse com a falta de perspectivas para o futuro.Nenhum dos entrevistados chegou a faculdade. As dificuldades no acesso às universidades públicas e a falta de recursos para pagar uma universidade particular, associados com a falta de auto-estima, resultante da situação financeira familiar e a necessidade de trabalhar para ajudar a pagar as despesas da casa são as principais causas pelas quais os estudantes que concluíram o ensino médio não tenham sequer prestado vestibular.

 

 

Lazer

 

 A comunidade conta com pequenas áreas de lazer nas proximidades da Vila Batista Flores. Este trabalho preocupou-se em avaliar as possibilidades de lazer na área, por entender que se trata de um fator fundamental no processo de regularização fundiária, para a efetiva regulariza do lote é necessário inserir o morador na cidade, e sem acesso a lazer o morador não estará completamente inserido. As áreas de lazer consideradas são campos de futebol e parques e praças públicas. Outras atividades, tais como cinema, teatro, espetáculos musicais, não estão disponíveis, tanto pela distância, como pelo alto custo, fora da realidade dos moradores.

 

 

Finalização do Laudo

 

“[...] O esgoto era nosso, particular. Nós fizemos de PVC que vinha daqui e ia até lá embaixo. E a água, a água a prefeitura deu os canos e o povo pegou as picaretas e fez de picaretas, nem veio máquina fazer. E a rua foi paga por nós pra fazer, pra abrir. Depois a prefeitura  botou asfalto, mas quem fez a rua fomos nós. Nós que contratamos um trator pra abrir a rua, a Figueira. A Raul Calduro, que era a antiga  já estava aberta. Aqui essa região foi toda criada assim. Feita tudo na base do sacrifício, como diz o outro, sempre com o chapéu na mão pedindo esmola. Mas foi uma esmola que foi lutada”. (Relato de um dos Moradores. Silva, 2004: 42)

 

A Comunidade da área de estudo é formada por pessoas batalhadoras, trabalhadores que tem suas origens, na grande maioria no campo, e que escolheram Porto Alegre, mais especificamente a Vila Batista Flores, para morar. Após batalhar cada mudança no seu espaço, após construir uma via sobre aquele solo, o processo de regularização é só mais uma conquista que essas famílias merecem.  Apesar o grande número de idosos na vila, cerca de 33%, começa-se uma renovação na população local, já que o número de crianças e adolescentes é bem significativo, cerca de 30%, Este dado é um indicativo de uma segunda geração de moradores que esta se formando, para continuar as lutas começadas por seus familiares, na conquista de um lugar melhor para viver.

 

 Os fatores escolhidos para análise do laudo no meio físico demonstraram uma pequena necessidade de adequação a legislação em alguns casos e prevenção contra riscos eminentes em outras áreas. Apesar da Vila de um modo geral não apresentar maiores problemas, algumas casas, justamente as que residem as famílias mais pobres do local, apresentam situações a serem resolvidas. Entretanto os problemas encontrados não são empecilhos para o processo de regularização dos lotes. No entanto fazem-se necessárias algumas adequações, adequações essas que são de responsabilidade do poder público.

 

As adequações necessárias são, para evitar a re-locação de famílias, tais como o corte dos eucaliptos que podem cair sobre as casas,  retirada do esgoto que hoje passa por baixo de algumas casas, transferindo a canalização para a rua. Em relação às casas que estão localizadas em área de proteção permanente por estarem muito próximas aos cursos d’água, podem se seguir dois caminhos, um que canalize aproximadamente trezentos metros do riacho, outro seria a re-locação dessas famílias para outras áreas na própria localidade, adequando assim as moradias a legislação ambiental.

 

Com relação às áreas com declividade superior ao permitido pela legislação, apesar de no mapeamento ter aparecido áreas irregulares, nas observações feitas em campo, constatou-se que, as áreas foram terraplenadas como forma de adequação. Nos sítios onde existem áreas com declividade superior ao permitido pela legislação, não tem nada construído.  A deficiência de insolação não chega a ser um fator restritivo a ocupação, mas deve ser avaliada pelo poder público e pelos moradores, no sentido de encontrar medidas compensatórias a falta de radiação direta, uma sugestão nesse sentido, principalmente para as residências localizadas a nordeste da Vila, é o corte dos eucaliptos, já que (além do problema do risco por queda) eles acabam funcionando como uma espécie de  barreira de sombra para as casas.

 

A análise da infra-estrutura e serviços da área demonstrou que apesar da Vila estar bem servida de serviços e equipamentos públicos, nem sempre esses estão acessíveis, principalmente do ponto de vista financeiro. Nesse sentido a água tratada, a energia elétrica e o transporte coletivo ainda não têm seu acesso garantido a toda a comunidade. A coleta de lixo e o sistema de esgoto e a preservação do riacho, precisam da mesma forma de uma atenção por parte do poder público. O poder público precisa investir em educação ambiental, além de oferecer  coleta seletiva, a diferenciação entre esgoto pluvial e cloacal, Ainda sobre a questão da iluminação pública, o poder público deve pressionar a CEEE a repor rapidamente os equipamentos e acessórios danificados, com vista ao perfeito funcionamento da rede de iluminação.

 

Outro ponto importante da análise dos equipamentos e serviços públicos é a questão da saúde, a falta medicamentos e de um projeto de saúde familiar preventiva é a grande necessidade não só dessa comunidade, mas da cidade como um todo, o que indica ao poder público a necessidade de intervir, já que a medicina preventiva pode ser muito mais barata que a convencional, é preciso prevenir hoje para que no futuro as condições da saúde pública melhorem. A falta de opções para lazer é outro problema da área, pois as opções são apenas campos de futebol e praças, não há na área outras opções como teatros ou cinemas. Um dos fatores proibitivos para esse tipo de lazer é o valor já que a maioria dos moradores tem um baixo rendimento mensal, mas uma vez cabe ao poder público encontrar meios de promover novas formas de lazer.

 

Como forma de melhorar a questão da segurança pública, visualiza-se a necessidade de reconstrução do sistema educacional, fortalecendo os níveis fundamental e médio, através da valorização financeira dos professores, melhoria das condições físicas das instituições, treinamento pedagógico, atividades extraclasse para alunos e professores, Além disso é necessária a ampliação de vagas no ensino superior, bem como o encaminhamento dessas vagas para as comunidades mais pobres. O problema do trabalho também é fundamental para a construção da cidadania dessa comunidade em regularização, afinal não é possível possibilitar a inclusão da pessoa na sociedade sem dar formas para ela de sobreviver do fruto do seu trabalho.

 

Após juntarmos todas as avaliações realizadas podemos perceber que a área esta apta para o processo de regularização, já que as ressalvas em relação a algumas áreas devem ser resolvidas pelo poder público, que é responsável pela solução desses problemas e deve garantir a ampliação da cidadania a todos.Passados mais de vinte anos de lutas dos moradores, para ter a sua moradia, eles ainda enfrentam a burocracia do sistema, fica aqui o reconhecimento do trabalho realizado pela Defensoria Pública do Estado, que busca de todas as formas legais garantir o direito à moradia para os moradores que a eles recorrem. Fica também a esperança que com a nova legislação, a saber, o Estatuto da Cidade, haja uma desburocratização da regularização fundiária no país. Aos moradores cabe continua lutando pelos seus direitos, como sempre fizeram.

 

 

 Consideraçoes finais

 

Quando da definição das tarefas para as equipes participantes do Projeto Regularização Fundiária, a equipe da geografia optou por contribuir com a visão ambiental, foi um longo caminho, da escolha da base conceitual, dos objetivos, da metodologia até a execução do Laudo. A execução e finalização do laudo completa um ciclo de atividades da equipe da geografia. O caráter multidisciplinar do projeto acabou por oferecer muitas vezes desafios para a equipe da Geografia, no entanto não foram empecilhos para a execução do Laudo.

 

A experiência multidisciplinar vivida durante o Projeto Regularização Fundiária entre as equipes da geografia, engenharia cartográfica, antropologia e direito, foi essencial para a evolução da análise do ambiente proposto por esse trabalho. As diferentes interpretações pontuais entre as equipes, nos lançaram na busca de uma construção teórica forte para que pudéssemos dialogar, apesar das diferenças de abordagem entre os mais diversos temas.

 

O trabalho interdisciplinar, não é fácil, muitos assuntos são tratados de formas diferentes, por cada uma das áreas do conhecimento, e a busca por um consenso nem sempre é bem sucedida. Essas dificuldades nós levam a refletir sobre o quanto é importante, cada vez mais, interagir com as outras áreas do conhecimento.

 

Em determinado momento, dado a magnitude da tarefa que estava posta a ser feita, a equipe optou por dividir o trabalho, em  duas facetas, uma direcionada à execução do Laudo Pericial Ambiental, que é o resultado desse trabalho de graduação, outra direcionada a educação ambiental, projeto este que esta em execução nas escolas do bairro Mario Quintana.

 

Em relação ao Laudo a contribuição da obra de DE MAURO (1997), foi fundamental, já que suas experiências bem sucedidas serviram de exemplo e modelo que na medida do possível foi seguida por esse trabalho. Uma das grandes dificuldades encontradas por esse trabalho foi a disponibilidade de dados referentes a área de estudo, não que os dados não existam, mas a burocratização de alguns órgão públicos, transformou-se muitas vezes em um obstáculo quase que intransponível, fazendo com que os dados tivessem que ser conseguidos de fontes primarias, ou seja direto no campo.

 

A Vila Batista Flores é uma localidade privilegiada do ponto de vista da Regularização Fundiária em Porto Alegre, já que as cerca de oitenta famílias que compõem esse assentamento urbano estão hoje, em fase final de regularização fundiária, algumas famílias, inclusive já receberam as escrituras dos seus terrenos, estima-se que no máximo em dois anos todas as famílias tenham sua situação jurídica regularizada. As demais questões levantadas pelo laudo referentes à atuação do poder público,  ainda são uma incógnita.

 

O apego dessas famílias ao lugar, fruto da luta que enfrentaram para construí-lo, influenciou esse trabalho no sentido de propor soluções que não levem a re-locação de moradores para áreas de fora da comunidade. Pois o entendimento é que, parte do processo de regularização está relacionado com a percepção e o apego do morador com o lugar que habita e ajudou a construir, tirá-lo de lá seria comparável a uma depredação ambiental. Uma vez que se entenda a moradia como sendo o habitat, logo os processos de re-locação são no mínimo de difícil para a adaptação das famílias atingidas, e se entenderemos o direito a moradia como sendo parte fundamental da construção da cidadania, a retirada contra a vontade, de uma família do seu habitat pode significar a supressão de parte, pelo menos, de sua cidadania.

 

O Laudo deve cumprir seu papel de instrumento de cidadania, assim que for utilizado para potencializar a força dos moradores em alcançar soluções para seus problemas. O Laudo Pericial Ambiental é um documento técnico que pode ser utilizado em ações civis públicas, com o intuito de chamar o poder público a cumprir com o seu dever. Atualmente os moradores articulam a possibilidade de ajuizar ação para o corte dos eucaliptos que correm o risco de cair. Os Laudos Periciais Ambientais, assim como a própria análise ambiental são instrumentos que só recentemente começaram a ser utilizados e implementados, por isso seus frutos ainda não são muito conhecidos, no entanto isso não deve servir de empecilho para que mais laudos sejam elaborados, mas pelo contrario deve servir de incentivo.

 

Fica dessa experiência a certeza de ter procurado formas de indicar, através da leitura dos problemas da comunidade, soluções que viessem a contribuir para a ampliação da cidadania dos moradores. A cidade moderna esta alicerçada na desigualdade social, a miséria, a fome e a injustiça fazem parte do nosso cotidiano. Cabe a nós, cidadãos, lutar para mudar, não só a cidade e suas injustiças, mas, o nosso próprio modo de vida e forma de pensar, contribuindo para a ampliação da cidadania e a construção de uma sociedade justa e igual.

 



Notas

 

[1]Sem a remuneração mensal, na forma de bolsa, recebida da Defensoria Pública do Estado, talvez, não teria sido possível realizar esse trabalho, pela qual fica o reconhecimento.

 

[2]O projeto “Regularização Fundiária: uma questão de cidadania” ainda esta em vigência e é o resultado de um convênio entre a Defensoria Pública do Estado e a UFRGS.

 

[3]A Equipe da Geografia, hoje tem os seguintes integrantes: Professora Orientadora Dirce Surtegaray, Cristiano Rocha, Edson Candio, Josiane Fontana e Vanessa Viecilli. Mas a participação de outros Colegas que fizeram parte do projeto no seu inicio cuja participação foi fundamental, são eles: Jorge Araújo Lemos, Camila Nunes e Carolina.

 

[4] Porto Alegre é a capital do Estado do Rio Grande do Sul – Brasil.

 

[5] Considerou-se aqui como sendo mancha urbana, as construções.

 

[6] Artigo 3° - Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal. Parágrafo Único Não será permitido o parcelamento do solo:

III - Em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento) salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

 

[7]A lei 4771/65 art. 2º letra “a”, considera área de preservação permanente as situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água, desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja  de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura.

 

[8]O Pró-Guaíba elevou de 5% para 25% o volume de esgoto tratado na capital gaúcha. Fonte: Programa Pró-Guaíba -

 

[9] Verão de 2003/ 2004.

 

[10] Considerou-se como idade escolar aqueles até 24 anos.

 

 

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Ficha bibliográfica:

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