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A TENDÊNCIA AO ESVAZIAMENTO DA ÁREA CENTRAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
E SUA ASSOCIAÇÃO COM A IMPLEMENTAÇÃO DO TELETRABALHO PELAS EMPRESAS
Alvaro Ferreira
Professor Adjunto de Geografia da UERJ / Professor do
Depto. Geografia da PUC-Rio.
E- mail : alvaro.ferreira@thema.trix.net
A tendência ao esvaziamento da área central da cidade do Rio de Janeiro
e sua associação com a implementação do teletrabalho pelas empresas (Resumo)
Atualmente, é
possível observarmos a utilização de teletrabalhadores por um número crescente
de empresas na cidade do Rio de Janeiro. Essa forma de trabalho modifica a
relação entre os trabalhadores e as empresas e entre os trabalhadores e a
cidade. O objetivo deste trabalho é a identificação
e análise dos indícios de novas territorialidades na cidade relacionados à
utilização do teletrabalho no Rio de Janeiro, juntamente com uma tendência ao
esvaziamento da área central da cidade. Assim, quando analisamos o
espaço urbano carioca, estivemos entendendo-o como esfera do encontro das
múltiplas trajetórias, da interdependência e da inter-relação. Assim,
acreditamos que os agentes, através dessas inter-relações, produzem o espaço; e
por estar sendo constantemente construído, está sempre por concluir. Nossa tese é que há novas territorialidades
associadas à utilização do teletabalho na cidade do Rio de Janeiro, que
provocam uma série de transformações na relação do teletrabalhador com a cidade
e que contribuem para deslocações, desativações e redistribuições de firmas e
de residências no interior da cidade. Ademais, tais processos encontram-se
ligados à atuação dos agentes que produzem o espaço urbano a partir de relações
construídas em escalas local-local e local-global.
Palavras-chave: desterritorialização –Território-rede – Teletrabalho – Rio de
Janeiro.
The trend to the “esvaziamento” of the central area of the city of Rio
De Janeiro and its association with the implementation of telework for the
companies (Abstract)
It is
currently possible to notice the utilization of teleworkers by an increasing
number of companies in the city of Rio de Janeiro. This type of work changes
the relationship between workers and companies but also workers and city. The
main goal of this work is to identify indications of new territorialities in
the city related to the use of telework in Rio de Janeiro. The main question
that this research tries to answer is: are there new territorialities
associated with the emergency of telework in Rio de Janeiro, where agents who
produce the urban space are mobilized in the intent to grasp the ongoing
transformations? It is a relation of mutual,
dynamic, and creative inclusion between the totality and its elements, which
happens in a permanent interaction. I understand that dialectic is
the way to the maintenance of the unity whole-parts. In other words, totality
should be understood as a whole in process of development, where the
understanding of the totality does not mean the understanding of the isolated
parts. Through the holographic approach, we acknowledge that not only the
global scale plays a pivotal role in the local scale but also that the local perception
of the global phenomenon influences its local manifestation. This thesis indeed finds new territorialities
associated with the use of telework in the city of
Key words: deterritorialization,
territory-network, telework,
O todo sem a parte não é todo,
a parte sem o todo não é parte,
mas se a parte o faz todo, sendo parte,
não se diga, que é parte, sendo todo.
Gregório de Matos
Século XXI. Empresas desenvolvem suas atividades
utilizando cada vez mais a rede mundial de computadores. Trabalhadores podem
estar realizando suas funções em locais, muitas vezes, longe da sede da empresa
a partir da utilização de computadores pessoais conectados à Internet: eis aí
os teletrabalhadores.
Do teletrabalho podem fazer parte trabalhadores
efetivos da empresa ou freelancers, que trabalham sob a forma de
contrato por tempo determinado ou por tarefas. Se antes esse formato flexível
de trabalho era adotado principalmente por empresas de tecnologia da
informação, atualmente ganhou adeptos em outros setores como bancos,
seguradoras, mídia, empresas da área da saúde, varejo e indústrias. As atividades
de análise e programação informática, de consultoria, de vendas, de
arquitetura, de contabilidade, de recursos humanos, de advocacia, de análise de
mercado, de planejamento, ou aquelas que consistem em tratar, manusear ou
produzir a informação, dentre outras, têm recebido maior atenção, no sentido de
possibilitar a sua execução à distância, ou seja, fora da sede da empresa.
O deslocamento do teletrabalhador para seu novo local de trabalho não se dá incólume, já que esse trabalhador têm seu cotidiano totalmente modificado. Tratemos, então, de definir melhor o processo de des-re-territorialização a partir da territorialidade por ele produzida, ou seja, seus territórios, redes e até mesmo os aglomerados de exclusão[i] – seja como dimensões ou como elementos do espaço geográfico, quer dizer, podendo ser, ao mesmo tempo, dissociados ou participando de um processo comum.
Contudo, para tratarmos desses
processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização
precisamos esclarecer, inicialmente, de que maneira estamos entendendo a
categoria território. Segundo Haesbaert (2001, p. 1770), é possível agrupar as
concepções de território em três vertentes: jurídico-política, que é a “mais
difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado,
através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes visto como
o poder político do Estado”; quanto à segunda, trata-se do que poderíamos
denominar vertente cultural(ista), que “prioriza a dimensão simbólico-cultural,
mais subjetiva, em que o território é visto sobretudo como o produto da
apropriação/valorização simbólica de um grupo sobre seu espaço”;
finalmente, teríamos a vertente econômica, “bem menos difundida, enfatiza a
dimensão espacial das relações econômicas, no embate entre classes sociais e na
relação capital-trabalho.” Aqui, podemos perceber a influência de leituras
de Augé (1992), Deleuze, Guattari (1997), Storper (1994), Raffestin (1993) e
Sack (1986) na concepção das três vertentes identificadas por Haesbaert (2001).
Assim, o território é
fundamentalmente definido a partir de relações de poder. Então, se a associação
entre território e poder remete a idéia de território nacional e, por
conseqüência, a de Estado (responsável pelas questões do ordenamento e da
gestão do espaço), devemos ter em mente que o território pode, também, ser
entendido de outras maneiras. Atualmente, tais questões não se restringem mais
apenas ao Estado, posto que tem ocorrido uma série de coalizões econômicas e sócio-políticas,
através de parcerias, visando a organização espacial da cidade. Inclusive,
muitos dos autores que alertam para o fim dos territórios – tendo em Badie
(1996) um forte exemplo – os concebem tendo como alicerce o peso político dos
Estados-Nações. Esse autor acredita na mudança de um “mundo territorial” para
um “mundo das redes”, contudo, acreditamos que não seja tão simples assim. Mais
tarde, ir-nos-emos utilizar da noção de território-rede como forma explicativa
da associação entre os dois termos.
Destarte, é o próprio Haesbaert
(2001, p. 1770; 1998, p. 31) que afirma que o território não deve ser visto,
simplesmente, como um objeto em sua materialidade ou como um mero recurso
analítico elaborado pelo pesquisador. Acredita esse autor, que se focarmos
nossa análise sobre as representações espaciais perceberemos que “elas
também são instrumentos de poder, na medida em que muitas vezes agimos e
desdobramos relações sociais (implicitamente, relações de poder) em função das
imagens que temos da ‘realidade’ ”. É
nesse sentido que afirmamos que as subjetividades territorializadas não se
limitam aos aspectos de sua auto-construção, mas também aos aspectos
macro-objetivos do social. Na verdade, através da interação de ambos.
Assim, é preciso ainda entender que
o território seria relacional não somente no sentido da incorporação de um
conjunto de relações sociais, mas também no de envolver uma complexa relação
entre processos sociais e espaço material (Haesbaert, Bruce, 2002, p. 26).
Podemos concluir, então, que o território – em sendo relacional – inclui o
movimento, a fluidez e as redes.
Posto isso, uma noção de território
que não leve em conta as relações e sua dimensão simbólica, mesmo entre as que
enfatizem o seu caráter político, acaba por compreender apenas uma parte dessa
categoria. Utilizando-se da distinção entre domínio e apropriação do espaço de
Lefebvre (1994), Haesbaert (2001, p. 1770) propõe um apropriado olhar sobre o
território, qual seja:
“o território envolve sempre, ao mesmo
tempo, uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade territorial
atribuída pelos grupos sociais, como forma de ‘controle simbólico’ sobre o
espaço onde vivem (sendo também, portanto,
uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter
político-disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio
e disciplinarização dos indivíduos.”
Chama-nos a atenção o discurso genérico da
globalização, que se faz acompanhar da noção de desterritorialização, de “desenraizamento” – no sentido
antropológico, ou seja, no sentido da perda das raízes culturais – enquanto
Giddens (1991, p. 29), por sua vez, denomina “desencaixe” a forma com que os indivíduos, graças aos avanços
tecnológicos da sociedade moderna, exercitam um distanciamento progressivo de
suas referências de tempo e espaço. O processo de desencaixe referir-se-ia “ao deslocamento das relações sociais de
contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões
indefinidas de tempo-espaço”. Nesse momento percebe-se uma interface entre
essas três categorias, onde cada uma delas – da Geografia, da Antropologia e da
Sociologia, respectivamente – busca o entendimento desse novo momento que
desestabiliza a forma tradicional de análise dos fenômenos. Não seria correta
ainda assim, a afirmação de que o espaço concreto cria seu oposto, o espaço
virtual, como muitos autores assim propõem. Ao mesmo tempo em que temos
desterritorialização, temos a reterritorialização. Tal certeza remete-nos à
enfática afirmação de Deleuze, Guattari (1997, p. 87): “não há território sem um vetor de saída do território, e não há saída
do território, ou seja, desterritorialização, sem, ao mesmo tempo, um esforço
para se reterritorializar em outra parte”.
Quando da desterritorialização, percebemos a
perda dos vínculos com o lugar e com as relações efetivamente nele realizadas.
Esta afirmação é enfatizada por Santos (1996, p. 262), quando argumenta que
“hoje, a mobilidade se tornou
praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao repouso. Os homens mudam de
lugar(...)mas também os produtos, as mercadorias, as imagens, as idéias. Tudo
voa. Daí a idéia de desterritorialização. Desterritorialização é,
freqüentemente, uma outra palavra para significar estranhamento, que é, também,
desculturização”.
A desterritorialização rompe com
toda uma formação de sistemas simbólicos de significados, de valores, que foram
instituídos através de práticas sócio-culturais que, por sua vez, foram
responsáveis pela construção social do lugar. Convém reafirmar que a noção de
desterritorialização deve ser percebida como uma concepção mais integradora do
território, ao mesmo tempo espaço de apropriação/reprodução concreta e
simbólica.
Pelo menos, em relação aos
teletrabalhadores, a desterritorialização não tem longa duração, ela é
passageira. Talvez seja essa característica que leve Haesbaert (2001, p. 1775)
a afirmar que “desterritorialização, para os ricos, pode ser confundida com
uma multi-territorialidade segura, mergulhada na flexibilidade e em
experiências múltiplas de mobilidade ‘opcional’ ”. Aqui, devemos enfatizar
o fato de que, em geral, aos teletrabalhadores não é dado o direito de escolha,
trata-se de uma decisão unilateral da administração da empresa. Convém-nos
acrescentar que, apesar da falta de opção dada aos teletrabalhadores, a idéia
de multi-territorialidade trabalhada por Haesbaert é valiosa para nosso estudo,
principalmente em associação com a noção de território-rede como veremos mais
adiante.
O teletrabalhador está envolvido nesse conjunto
de transformações pelo qual vem se movendo o mundo contemporâneo e a
transferência do local de trabalho do escritório para a casa do trabalhador
exerce forte mudança nas relações sócio-espaciais vividas pelo teletrabalhador.
A residência é mais que um local físico, é um lugar com uma representação
mental, ou seja, transmite a idéia de aconchego, tranqüilidade, de fim de
expediente de trabalho. A desterritorialização rompe com toda uma formação de
sistemas simbólicos de significados e de valores instituídos que foram
responsáveis pela construção social do lugar.
Outras implicações são
observadas, já que o indivíduo ao trocar o escritório onde trabalhava, fazendo
de sua residência seu local de trabalho, exercita uma desterritorialização
para, posteriormente, reterritorializar-se em seu novo ambiente de trabalho. O
trabalho em casa, com a utilização dos meios técnico-informacionais, não
significa o retorno a um tempo em que toda a família exercia suas atividades de
auto-sustento em sua residência. E, ao contrário do discurso, trabalhar em casa
não é sinônimo de trabalhar pouco.
O
teletrabalhador ainda carrega consigo os valores já instituídos do lugar do
trabalho como algo distinto do lugar de morar. Percebemos claramente a
necessidade de se ter bem definida a separação dos “dois lugares”. Na verdade,
observamos um “mascaramento” dos lugares, seja quando se faz necessário
esconder todo o material usado para esquecer que ali outrora fora um ambiente
de trabalho, seja pelo cuidado para que a casa não perca o “sentimento de
final de uma jornada de trabalho”. Nesse sentido, o teletrabalhador
exercita uma desterritorialização e uma reterritorialização – para,
posteriormente, desterritorializar-se e novamente reterritorializar-se – em uma
mesma localidade no decorrer do dia.
A reterritorialização – na residência como local
de trabalho, divergindo do escritório da empresa – guarda novos traços e
trajetórias que divergem da territorialidade anteriormente estabelecida. O
processo de reterritorialização estaria, além disso, se manifestando em
associação a um movimento dentro da própria organização espacial da cidade.
Cada vez mais são criadas, nas cidades,
condições propícias à implementação do teletrabalho. Exemplo disso encontra-se
no mercado imobiliário do Rio de Janeiro, que começa a trabalhar um novo
conceito de prédio residencial, o qual permite ao morador residir e trabalhar
no mesmo endereço. Segundo matéria do Jornal do Brasil (10 de janeiro de 1999),
todos os grandes lançamentos feitos a partir de 1998 no bairro da Barra da
Tijuca “foram projetados para oferecer aos condôminos uma moderna rede de
informática, com conexões diretas para a internet e intranet”.
Atualmente a IBM tem um contrato de parceria com
a Construtora Gafisa em empreendimentos imobiliários que prevêem a existência
de escritórios virtuais nos prédios, mantidos pelo próprio condomínio. Segundo
a reportagem do Jornal do Brasil, “a IBM fornece os equipamentos e dá
suporte técnico e toda a infra-estrutura tecnológica”. Esses escritórios
virtuais são entregues totalmente aparelhados, com mobiliário de escritório,
fax, impressora colorida, pontos de telefone e apoio de secretária e office-boy,
caso necessário. Os atuais empreendimentos da Construtora Gafisa já preparam
plantas com um home office para cada apartamento.
Segundo
informações conseguidas, a própria IBM criou um programa de implantação do
teletrabalho na empresa e já conta com 11% dos 2800 funcionários do Rio de
Janeiro e de São Paulo trabalhando
O consultor
responsável pela implantação do teletrabalho na empresa afirma ainda que o
escritório de um futuro próximo poderá ser um local para troca de informações,
enquanto o trabalho que exigir concentração sem interrupções passará a ser
feito em casa.
A Shell, em 1998
(apenas um ano após iniciar o projeto de teletrabalho), já mantinha 25% de
trabalhadores no sistema de teletrabalho, tendo como objetivo chegar já no ano
de
O deslocamento da
residência para o local de trabalho torna-se desnecessário ou reduzido a alguns
poucos dias por mês. O que parecia ser tema de filmes de ficção científica
tornou-se realidade em várias cidades do planeta, inclusive no Rio de Janeiro.
Várias empresas fazem uso do teletrabalho, o que tem contribuído para a
transformação do lay-out e da própria
localização das sedes dessas empresas.
Para
compreendermos como se dão, de maneira integrada, os processos de
desterritorialização e reterritorialização – seja dos teletrabalhadores ou seja
das empresas – optamos por trazer à tona algumas transformações que vêm
ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro e que se encontram associadas à implementação
do teletrabalho pelas empresas.
Frente à implementação do teletrabalho nas
empresas, os agentes que produzem o espaço urbano mobilizam-se no intuito de
rever suas estratégias de atuação, visto que são percebidas deslocações,
desativações e redistribuições de
firmas e de residências no espaço urbano do Rio de Janeiro. Atualmente,
a partir da utilização de teletrabalhadores, é necessário considerar a
não-necessidade de fixar residência próxima à empresa. Não nos ateremos à longa
descrição dos agentes que atuam na produção do espaço – até porque já é de
conhecimento geral uma vasta bibliografia acerca desse debate – mas,
efetivamente, no comportamento desses agentes no Rio de Janeiro frente à
implementação do teletrabalho. Todavia, apenas no intuito de indicá-los,
baseando-nos em Harvey (1982; 1980), Capel (1974) e Corrêa (1995) teríamos os
seguintes grupos de agentes: as empresas da construção, os proprietários
fundiários (incluindo-se proprietários usuários de moradia e proprietários
rentistas), promotores imobiliários, as instituições governamentais (o Estado)
e os grupos sociais excluídos.
Quando nos propomos a analisar como os agentes
que produzem o espaço urbano têm se comportado frente à implementação do
teletrabalho nas empresas e como a relação local-global tem colaborado para a
conformação de indícios de novas territorialidades na cidade do Rio de Janeiro,
temos de ter em mente que estamos tratando das relações realizadas em uma
grande cidade capitalista e uma das mais importante do país. Logo, importa
considerarmos os diferentes usos da terra, imbricados entre si, em um processo
que contribuiu para a definição de áreas, de formas e de funções.
Muitas vezes o espaço produzido contribui mais
para ocultar do que revelar. Isso porque, em geral, não desvela imediatamente o
processo de sua produção (tal qual a mercadoria). É necessário que
investiguemos as inúmeras codificações sobre as quais se assenta o espaço
produzido e como os agentes que o produzem colaboram, simultaneamente, para ocultar
sua decodificação. Para Lefebvre (1971, p. 161), a utilização da noção de
forma, função e estrutura (utilizadas com o mesmo peso de importância)
contribuiriam para a revelação do espaço produzido, já que permitiriam a
apreensão de suas estabilidades provisórias e de seus equilíbrios momentâneos,
até porque a própria noção de estrutura tem, também, um caráter provisório.
Ademais, a conjunção das três noções permite desvelar um conteúdo
sócio-espacial que se encontra oculto, posto que dissimulado nas formas,
funções e estruturas analisadas.
Também Santos (1985, p. 50) propõe a utilização
dessas categorias para o auxílio na interpretação do espaço em sua totalidade,
entretanto acrescenta a elas uma quarta categoria: o processo. Ou seja, na
inter-relação entre esse quarteto é que se encontra uma metodologia para a
compreensão do fenômeno a ser estudado. Dessa maneira, poderíamos afirmar, em
um esforço de síntese, que a função – relacionando-se diretamente à forma –
seria a atividade elementar de que a forma espacial revestir-se-ia. Assim, as
funções estariam materializadas nas formas que, por sua vez, seriam criadas a
partir de uma ou várias funções. Em muitos casos, formas antigas são mantidas
apesar de desempenharem novas funções, contudo, em geral, novas funções acabam
por acarretar o acréscimo de novas formas ao espaço urbano. Ao contrário do que
possa parecer, Lefebvre (1971, p. 161) não teria desconsiderado aquilo que
Santos (1985, p. 50) denominara de processo. Na verdade, a noção de processo –
como ação contínua, como movimento do passado ao presente e deste ao futuro –
já estava presente na obra de Lefebvre como que atravessando as demais
categorias. Assim, aquilo que Santos identificou como uma quarta categoria
seria, de fato, uma propriedade das outras três.
Acredita Santos (1985, p. 57) que a estrutura
social, dependendo do momento histórico, contribui ora para a transformação das
formas, ora para a permanência. Trindade Júnior (2001, p. 134), também em um
esforço de síntese, afirma corresponder a estrutura “à natureza social e econômica da sociedade em determinado momento
histórico. (...) A estrutura, em
qualquer ponto do tempo, atribui valores e funções determinadas às formas do
espaço”.
Por sua vez, Gottdiener (1997, p. 195) trabalha
com a perspectiva da produção do espaço em um contexto geral de uma teoria de
organização social que analisa o papel da estrutura – no sentido das
determinações gerais – e o papel da ação, no sentido da tentativa de pensar na
atuação de coligações e redes relacionadas aos agentes locais. Gottdiener
(1997, p. 226) enfatiza o fato das formas espaciais serem produzidas pelo que
denomina “articulação entre estruturas
capitalistas tardias e as ações do setor de propriedade, especialmente os
efeitos de grupos hegemônicos e do Estado na canalização do fluxo de
desenvolvimento social para lugares e modelos específicos”. Acreditamos que
o debate dos três autores sejam complementares quando do objetivo da
compreensão da produção do espaço urbano.
As primeiras três décadas do século XX
demonstraram notável expansão da tessitura urbana da cidade do Rio de Janeiro.
Nesse período, caracterizou-se o crescimento da cidade a partir de dois vieses:
as classes alta e média ocuparam as zonas sul e norte, tendo no Estado e nas
companhias concessionárias de serviços públicos seus maiores aliados; por outro
lado, os subúrbios cariocas caracterizaram-se como locais de residência do
proletariado, que, a partir do deslocamento das indústrias, se dirigiu, também,
para lá. Se as zonas sul e norte tiveram apoio do Estado, em se tratando dos
bairros suburbanos a ocupação se deu sem qualquer apoio estatal ou das
concessionárias. Dessa maneira, logo se percebia a desigualdade sócio-econômica
que se refletia na espacialidade da cidade.
A intensificação do processo de concentração de
renda em curso culminou com a expansão da parte rica da cidade em direção a São
Conrado e Barra da Tijuca. Para tanto, o Estado que se associou ao capital
imobiliário teve importante papel, pois incorreu em um enorme investimento para
a construção da Auto-Estrada Lagoa-Barra. Nesse período, essas novas áreas da
cidade, apesar de esparsamente habitadas, tiveram no Estado importante agente
para a produção do espaço. A partir da associação com o capital privado, seja
na abertura de estradas e ruas, seja na pavimentação e instalação de
infra-estrutura, o Estado investiu grandes somas de dinheiro na preparação
desse novo eixo de expansão da cidade. Em um período de aproximadamente 40
anos, a Barra da Tijuca apresentou um crescimento surpreendente, principalmente
nos últimos 15 anos.
A construção da rede viária contribuiu, segundo
Kleiman (2001, p. 1597), para a configuração de seu padrão de segregação
sócio-espacial. Os investimentos em direção à Barra da Tijuca continuaram com a
abertura de novas vias de acesso: Avenida das Américas (que se prolonga em
direção ao Recreio dos Bandeirantes) e a Avenida Alvorada (atual Avenida Ayrton
Senna). Tais avenidas favoreceram, respectivamente, a expansão imobiliária em
direção ao Recreio dos Bandeirantes e a acessibilidade maior a partir do bairro
de Jacarepaguá.
Apesar de o governo federal ter anunciado sua
intenção de concentrar seus investimentos em moradia para a população de baixa
renda, as principais construtoras que atuam na cidade têm-se dedicado à
construção para a classe mais abastada. Segundo levantamento da própria
Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi/RJ),
publicado pelo jornal O Globo (2003), 50,5% dos novos projetos – imóveis na
planta, em construção ou que acabaram de ficar prontos – custam hoje mais de R$
251 mil. Além disso, 23,7% referem-se a unidades com preços acima de R$ 400
mil. Curiosamente, o próprio presidente da Ademi/RJ, ao analisar o resultado do
levantamento, afirma estar diante de uma grande distorção no sistema, já que em
condições normais os imóveis avaliados acima de R$ 251 mil não deveriam
representar mais de 10% da oferta.
Voltando os olhos para o período pós-1984,
percebemos o que Lago (2001, p. 1534) denominou “elitização do mercado
imobiliário carioca”, pois com a crise do Sistema Financeiro de Habitação
(SFH) a produção das grandes empresas passou a se concentrar mais
especificamente na Barra da Tijuca. Contudo, não devemos esquecer que, na
década de 1990, bairros como Botafogo, Lagoa, Jardim Botânico e Leblon
começaram a vivenciar um processo de renovação do seu estoque imobiliário pelas
grandes incorporadoras, seja para a construção de apartamentos de luxo, seja
para edifícios de escritórios.
A Barra da Tijuca, além dos grandes condomínios
residenciais (com instalações completas para home offices) – verticais ou horizontais –, apresenta também a
maior concentração de shoppings e apart-hotéis da cidade.
Encontram-se presentes na dinâmica metropolitana
carioca, transformações ligadas tanto à desconcentração e seus impactos no
núcleo central quanto à ratificação de setores residenciais seletivos. A
combinação de tais transformações pode ser reconhecida na Barra da Tijuca,
percebida como nova centralidade seletiva e sócio-espacialmente fragmentada.
Bienenstein (2001, p. 82) identifica que essa “área da cidade, além de
típico setor residencial seletivo, vem se constituindo em um centro de negócios
periférico que pode ser visualizado nos office park”. Segundo consulta aos
dados da ADEMI/RJ, o número de edifícios de escritórios lançados na Barra, na
década de 1990, representou 52% do número total de lançamentos na cidade.
Após a definição, pela Prefeitura do Rio de Janeiro,
de que a maior parte das instalações esportivas dos Jogos Pan-Americanos de
2007 estará concentrada na Barra da Tijuca, a procura de empreendedores por
novos investimentos fez com que o preço dos terrenos crescesse. A gerente da
filial Barra da Imobiliária Júlio Bogoricin revelou que o principal comprador
das imediações do Autódromo Nelson Piquet é a classe média que não tem poder
aquisitivo para adquirir imóveis em áreas mais nobres do bairro. Segundo a
gerente, esses futuros moradores sentem-se atraídos pela promessa de melhorias
na infra-estrutura e, inclusive, com a possível chegada do metrô devido ao
projeto dos Jogos Pan-Americanos.
O crescimento de lançamentos de imóveis no eixo
Barra da Tijuca-Recreio dos Bandeirantes (habitação ou comercial) é o maior da
cidade, seguido por alguns bairros da zona Sul. Dentre tais lançamentos, a
Barra da Tijuca responde por 21, ou seja, 27,63%. Se somarmos aos lançamentos
no Recreio dos Bandeirantes e Itanhangá esse número salta para 39 (50,65%). É
importante ressaltar que o bairro do Recreio dos Bandeirantes apresenta uma
peculiaridade que o diferencia dos demais: a construção por sistema de
condomínio e por pequenas construtoras; ou seja, o número de imóveis em
construção e negociados é bem maior do que o apresentado acima. É possível
identificar essa forma de construção também na Barra da Tijuca, porém em menor
escala. Na zona sul, o bairro com maior número de lançamentos é Botafogo com
10, isto é, 13,16%. Dessa forma, a Barra da Tijuca tem se constituído, com os
seus condomínios fechados, seus shoppings, seus centros empresariais e seus
mega-centros de lazer e entretenimento, a materialização do atual processo de
reconfiguração e modernização excludente da metrópole.
Dentre os lançamentos imobiliários, considerando
apenas os imóveis residenciais, aproximadamente 72% deles têm cômodos
destinados aos home offices; seja no
apartamento ou na área comum do condomínio.
Dessa forma, percebemos o espaço, também, como a
história de como os homens, ao produzirem sua existência, o fazem como espaço
da produção, da circulação, da troca, do consumo, da vida (Carlos, 1999, p. 64,
1994, p. 36). Logo, convém-nos admitir que cada vez mais o espaço urbano, a
partir da subordinação acelerada da apropriação e das maneiras de uso ao
mercado, é destinado à troca. Percebemos, então, o predomínio do valor de troca
sobre o valor de uso, contudo, não podemos deixar de afirmar que valor de uso e
valor de troca ganham significado através da relação entre si.
Nesse ponto, ao analisarmos a atuação dos
agentes que (re)produzem o espaço urbano do Rio de Janeiro, é possível perceber
que os usuários proprietários de moradia estão relacionados com os valores de
uso da casa, mas não devemos esquecer que o valor de troca está colocado quando
nela realizamos modificações com a intenção de valorizá-la ou, ainda, quando
ocorrem manifestações dos moradores contra o tombamento de imóveis em bairros
nobres da cidade (Leblon, Ipanema, Jardim Botânico), que acabam por
desvalorizar o patrimônio daqueles que tiveram seus imóveis tombados.
Como nos lembra Harvey (1980, p. 140), os
corretores de imóveis operam no mercado de moradia para obter valor de troca. No Rio de Janeiro, a atuação desses agentes foi
responsável pelo crescimento da zona sul da cidade, tendo como maior exemplo
Copacabana. Em
O crescimento da zona sul, e principalmente de
Copacabana, provocou uma certa estagnação na área central. A sonhada
verticalização da totalidade dessa área não aconteceu, mesmo com a intervenção
durante o Estado Novo. Nesse período, acontecera a construção do Aeroporto
Santos Dumont, a urbanização da Esplanada do Castelo – que passaria a abrigar a
sede de vários Ministérios da República – e a construção da Avenida Presidente
Vargas. Acreditava-se que a nova artéria urbana tornar-se-ia um prolongamento
da Avenida Rio Branco e que seria costeada em toda sua extensão por elevados
edifícios de escritórios e sedes de empresas. Na verdade, tal projeção
realizou-se apenas nas proximidades do entroncamento das duas avenidas.
Abreu
(1987, p. 114) credita tal fracasso ao coincidente crescimento das construções
na zona sul, que acabaram atraindo a maior parte do capital imobiliário da
cidade. Outro motivo, embora associado ao anterior, foi o crescimento
populacional de Copacabana e sua transformação em subcentro que acabou
retirando boa parte das atividades de serviços, comércio de luxo e lazer da
área central.
Sobre
a Avenida Presidente Vargas, Soares (1965, p. 358) afirma que embora tivesse
sido planejada para que nela se processasse o desafogo do centro, “permanece ainda hoje – mais de 20 anos
depois de sua abertura – em sua quase totalidade, integrada ainda na área de
obsolescência da cidade, só tendo apresentado nesses últimos decênios um
pequeno surto de renovação, com a zona bancária de edifícios moderníssimos que
se constituiu no seu cruzamento com a Avenida Rio Branco”.
Passaram-se
quase 40 anos desde a publicação do artigo de Soares (1965) e a situação da
Avenida Presidente Vargas pouco mudou. Exceção feita ao início da Avenida (área
denominada Cidade Nova), onde se construiu a nova sede da prefeitura da cidade
na década de 1980. Na mesma área, na década seguinte, surge o primeiro prédio
de um projeto de seis, denominado Teleporto. Prédio de arquitetura pós-moderna
que se constitui, em sua maioria, de empresas de desenvolvimento de software, de provedores de Internet e de
tecnologias de comunicação e informação. Segundo Matos (1999, p. 10), esse
edifício constitui-se no “maior centro de telecomunicações da América
Latina, (...) podendo ser considerado o exemplo carioca mais evidente do
conceito de ‘edifício intelegente’. Porém, atualmente, o Teleporto (Centro
Empresarial Cidade Nova) é o único prédio existente nos 250 mil metros
quadrados do terreno junto à prefeitura à espera da concretização do projeto em
sua totalidade”.
Embora o projeto
Teleporto não tenha se concretizado em sua totalidade, grandes incorporadores
aguardam um sinal positivo da Prefeitura no sentido de retomá-lo. Os
incorporadores e a indústria da construção civil estão envolvidos no processo
de criação de novos valores de uso para outros, “a fim de realizar valores de troca para si
próprios” (Harvey, 1980, p. 141). Como podemos perceber, o Estado – em suas
distintas instâncias – freqüentemente interfere no mercado imobiliário.
O Rio de janeiro apresentou uma história de
crescimento urbano marcado por extensas periferias, em que residia a população
de classe mais baixa, e por forte desigualdade da oferta de infra-estrutura e
de serviços, em benefício das áreas habitadas pelas classes mais abastadas.
Harvey (1980, p. 135; 1982, p. 11), já percebendo tal distribuição desigual,
enunciava a alocação espacial diferenciada dos equipamentos urbanos de consumo
coletivo.
Apesar dessa desigualdade, o crescimento
populacional da metrópole carioca deu-se de forma intensa e a distribuição da
população no espaço urbano ocorreu de maneira diferenciada pelas regiões
administrativas e seus respectivos bairros.
Baseados nesses dados, pesquisadores do
Instituto Pereira Passos, no Anuário Estatístico Rio 2000, fazem uma previsão
para os cinco anos seguintes. Acreditam que a população da Barra da Tijuca
crescerá 90% até 2005, passando de, aproximadamente, 170 mil para mais de 320
mil residentes. Teresa Coni Aguiar, uma das responsáveis pelas projeções do
anuário, afirma que “a classe média alta do Rio está migrando para a Barra
da Tijuca em busca de melhor qualidade de vida” (Jornal do Brasil, 2000).
Cardoso e Ribeiro (1996, p. 40) exercitam o
estabelecimento de uma espécie de
“classificação das regiões da cidade, tendo
em vista seu estágio no ciclo de vida e considerando-se a seqüência ideal
loteamento à urbanização à
ocupação à densificação à
verticalização:
-
áreas consolidadas: o ciclo de ocupação se
completou claramente na AP-2, com as densidades mais elevadas de toda a cidade
(...) e o ciclo segue com a transformação de parte da área residencial
-
áreas estagnadas: o ciclo de ocupação permanece
com baixa densidade nas RAs de Irajá, Madureira e Penha;
-
áreas em decadência: a área central, que vem
perdendo população e que tem um parque imobiliário muito antigo;
-
áreas em expansão: a RA de Vila Isabel, na AP-2,
e as RAs do Méier e da Ilha do Governador, na AP-3, que têm apresentado altos
índices de crescimento populacional;
-
áreas de fronteira: as AP-4 e 5 que, por
apresentarem ainda grande oferta de terras livres, configuram-se como as áreas
de expansão por excelência”.
Acreditamos que tal classificação é por demais
estática – apesar dos autores terem definido uma seqüência ideal, que em
princípio denota movimento – e acaba por obscurecer as transformações que não
se dão de forma tão linear como afirmam esses autores. Acontecimentos muitas
vezes inesperados podem contribuir para a mudança da direção anteriormente
estabelecida. Exemplo claro, conforme identificado por Ramos (2001, p. 35), se
deu há, aproximadamente, cinco anos atrás, quando em uma novela da Rede Globo
uma personagem da trama – baseada no ícone dos emergentes da Barra – era
moradora da Barra da Tijuca (a mídia passou a tratar esses novos ricos, ligados
em geral à atividade comercial, por “emergentes”) e tinha um perfil
extremamente exagerado, era pouco instruída, tinha gosto duvidoso, mas era endinheirada
e adorava a Barra da Tijuca. Esse perfil ficou tão marcado que o mercado
imobiliário acusou uma queda na procura por imóveis nesse bairro e, em
contrapartida, uma busca por imóveis na zona sul da cidade. Não impressiona,
então, a quantidade de antigos casarões em Botafogo e no Jardim Botânico e de
prédios baixos da década de 50 em Ipanema e Leblon, que estão sendo demolidos
para a construção de condomínios de alto luxo nessas áreas da cidade. O
ex-presidente da Associação de Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário
(Ademi), José Conde Caldas (O Globo, 2003), chegou a declarar que investir na
construção de prédios na zona sul é retorno imediato e garantido.
Além disso, a administração pública tem
investido na dinamização da área central da cidade, tendo inclusive alterado,
através de lei de 1994, o decreto 322/1976 que proibia o uso residencial no
núcleo central, passando a partir dessa data a permitir a moradia em toda a
área central da cidade. Outro empreendimento que objetivava dinamizar essa
mesma área foi a tentativa de trazer o Museu Guggenhein para área portuária
localizada na zona periférica do centro da Cidade. Essa área “morta” seria
recuperada a partir da transformação dos antigos armazéns em lojas,
restaurantes, moradias, escritórios, universidades e centros culturais. Aliás,
no que tange aos projetos de revitalização da área central, percebemos o
encaminhamento em direção aos exaustivamente repetidos projetos de Jordi Borja.
Outro programa posto em prática pelo poder
público foi o “Novas Alternativas”. O programa vem reformando os antigos
cortiços e proporcionando melhores condições de habitação nas zonas periféricas
do centro. A revitalização do centro histórico com seus sobrados de influência
da arquitetura portuguesa e espanhola é o grande atrativo de áreas como a Praça
XV e a Praça Tiradentes. Isso sem falar da proximidade com o chamado corredor
cultural, com suas construções monumentais em estilo francês.
Ainda mais recentemente (O Globo, 2003) foi
divulgado, pela Secretaria Municipal de Urbanismo, a concessão de licença para
a construção de cinco prédios na Avenida Presidente Vargas – em área do centro
da cidade, em frente à sede da prefeitura e ao prédio do Teleporto – e de oito
blocos na Avenida Rodrigues Alves e na rua da Gamboa – área periférica do
centro – com um total de 1306 apartamentos distribuídos por prédios de oito a
doze andares, em terrenos da Rede Ferroviária Federal. Os imóveis contarão
ainda com mais dois andares destinados a lojas, salas comerciais, garagens, piscinas
e quadras poliesportivas; e serão financiados pela Caixa Econômica Federal e
pela Previ-Rio.
Em entrevista ao Jornal do Brasil (21 de
setembro, 2003), o secretário municipal de urbanismo, Alfredo Sirkis, afirma
ser positiva a mistura de usos e vê o Centro como alternativa de moradia para a
classe média carioca. Segundo o secretário, “ali
há áreas com forte vocação residencial, como as avenidas Beira-Mar, Roosevelt e
Presidente Wilson. E há também o eixo das ruas Riachuelo e Mém de Sá, além da
área portuária. Hoje a população do Centro é de 30 mil pessoas. Em dez anos
poderemos ter 250 mil”. Acredita Sirkis que com maior população residente,
melhoram a segurança e demais serviços.
A prefeitura do Rio de Janeiro já realizou a
compra do Pátio da Marítima da Rede Ferroviária, na área portuária, onde será
construído aquilo que foi denominado “Cidade do Samba”. Também já se encontra
em licitação a construção da Vila Olímpica da Gamboa e a nova conexão Área
Portuária-Centro através de um túnel sob o Morro da Providência.
A divulgação, pela Prefeitura da cidade, dos
bairros que sediarão as competições nos Jogos Pan-Americanos em 2007
constituiui-se em mais um exemplo que põe em questão a classificação de Cardoso
e Ribeiro (1996). O projeto de construção do Estádio Olímpico Municipal, no
bairro do Engenho de Dentro (no subúrbio carioca), contribuiu para o
crescimento do número de licenças (151%) para construção no bairro e em seu
entorno imediato: Pilares, Todos os Santos, Abolição, Encantado e Méier. Esses
bairros, segundo dados da Secretaria Municipal de Urbanismo, somaram no
primeiro semestre de 2003 um total de
Por tudo isso, não nos agrada a idéia de classificação
de áreas da cidade sugerida por Cardoso e Ribeiro (1996), que nos parece não
dar conta da dinâmica espacial do Rio de Janeiro. Até porque devemos considerar
também o acaso (a contingência, o inesperado)[ii];
elemento que Morin (1998, p. 210) insiste em considerar mesmo levando em conta
que “o acaso insulta a coerência (...) e aparece como irracionalidade,
incoerência, demência, portador de destruição”. Ademais, no que se refere à expansão da cidade, há propostas no
sentido de dar fim aos vazios urbanos e impedir o crescimento desenfreado da
cidade para a zona oeste. Dessa forma, seria preciso voltar a usar os terrenos
desocupados, as construções desativadas e prédios sub-utilizados no centro e em
seu entorno, no subúrbio – ao longo da linha férrea – e na Cidade Nova. Essas
áreas possuem uma infra-estrutura que a zona oeste carece e a ocupação
desordenada desta a empobrece ainda mais.
A Barra da Tijuca tem, de fato, se destacado em
se tratando das novas territorialidades cariocas. Há uma série de críticas ao
modelo desse bairro que privilegia o automóvel e mantêm as pessoas em
comunidades fechadas, criticando inclusive a validade dos padrões urbanos
tradicionais. Mas o projeto original desenvolvido pelo arquiteto Lúcio Costa,
em 1969, para a Barra da Tijuca viveu durante esse período sobre um forte
dilema: por um lado, o plano piloto, que harmonizava natureza e urbanismo
moderno; por outro, a pressão do capital imobiliário, que foi a principal
responsável pela descaracterização do plano inicial. Não resta dúvida que a
omissão da prefeitura também colaborou, até no que se refere à não aquisição
das áreas que eram, em sua maioria, propriedades particulares.
Fato é que o crescimento populacional da Barra
da Tijuca continua alto e, como no passado, tal crescimento gera uma demanda
por serviços pouco qualificados, que atrai cada vez mais população de baixa
renda em busca de postos de trabalho.
Os números relativos à arrecadação do Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU), segundo José Maria de Barros, Presidente
da Associação Comercial da Barra (Acibarra), são exemplos da importância que
tem conquistado esse bairro para o Rio de Janeiro. De acordo com a prefeitura
(Jornal do Brasil, 20 de dezembro de 2002), o bairro é o que mais arrecada,
contabilizando algo em torno de R$ 61,3 milhões. O dobro do montante pago pelos
contribuintes de Copacabana, que chega à casa dos R$ 30,1 milhões.
Quando se trata do Imposto Sobre Serviços (ISS),
a Barra aparece como o sexto bairro em arrecadação, com R$ 19,8 milhões –
apenas R$ 100 mil a menos que a quinta colocada: Copacabana. Dessa forma,
percebemos que uma rede de serviços está se desenvolvendo na Barra da Tijuca. A
liderança absoluta, neste caso, ainda é do Centro, que arrecada R$ 276,2
milhões ao ano.
No Rio de
Janeiro, mesmo não sendo recente o processo de desconcentração, seja no que
concerne à habitação ou à indústria e ao comércio, manteve-se no bairro do
Centro o núcleo da gestão pública e do setor de serviços – principalmente no
que se refere ao sistema financeiro, às sedes das empresas com filiais na
cidade – e, também, toda forma de comércio, seja o popular ou o que se destina
às classes mais abastadas da população. No que se refere ao centro
do Rio de Janeiro, ainda que comportando outras funções, ele acabou por se
tornar, basicamente, o centro financeiro e de gestão da cidade. Permanecem no
centro do Rio de Janeiro as sedes de empresas como a Companhia Vale do Rio
Doce, a Petrobrás, o BNDES, dentre outras.
Embora,
atualmente, não haja muitos exemplos no que concerne ao lançamento de novos
imóveis no Centro, a incorporadora Hines – uma das maiores do mundo – inaugurou
a Torre Almirante; um prédio de escritórios de 36 andares no Centro da cidade,
com um total de 39 mil metros quadrados de área locável. O imóvel, na esquina
das avenidas Graça Aranha e Almirante Barroso, foi projetado pela própria
empresa americana e tem investimento do Fundo Emerging Markets Real Estate Fund
II (EMF II), uma parceria da Hines e da Trust Company of the West (TCW). A
obra, que marcou a entrada da empresa no mercado carioca, teve início em
novembro de 2002.
Projetada
pelos renomados escritórios de arquitetura Robert A. M. Stern Architects – de
Nova Iorque – e Pontual Arquitetura – do Rio de Janeiro – a Torre Almirante
terá
Não
restam dúvidas de que a área central do Rio de Janeiro é, ainda, o local onde
se concentra a maioria das sedes de empresas sediadas no Rio de Janeiro.
Contudo, como em outras partes do mundo, estamos encontrando indícios do
surgimento de novas territorialidades para além da área central carioca.
O centro
do Rio de Janeiro vem perdendo várias empresas e já é possível perceber o
crescimento de salas e mesmo andares inteiros vazios nos edifícios da área
central e o destino da maioria dessas empresas tem sido o bairro da Barra da
Tijuca.
Em
outubro de
No fim de
2002 foi a vez de outra gigante do petróleo – a Esso – se mudar para a Barra da
Tijuca. O mesmo caminho tomaram a Volvo do Brasil Veículos Ltda, a Conasa
Construtora, a Diamond Informática, a Engemolde Eng. Ind. e Com. Ltda (mudou-se
do centro em 1997), a Carvalho Hosken S.A. Eng. e Construções (mudou-se do
centro em 1998), a Gafisa Engenharia e Construção e a sede administrativa da
Infabra – Ind. Farmacêutica Brasileira, dentre outras. Ademais, é possível
identificar também a saída do centro em direção à zona sul da cidade, como é o
caso da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) que transferiu sua sede para o 36o
andar da Torre do Centro Empresarial Rio Sul,
No segundo semestre
de 2003, no recém lançado Centro Empresarial Mário Henrique Simonsen –
localizado próximo ao Barra Shopping – encontram-se a Fundação Bradesco e a
Siemens do Brasil. Dentre as vantagens salientadas pelos agentes imobiliários
(Imóvel-on) que negociam as vendas dos andares do novo empreendimento, estão:
infra-estrutura de comunicações que utiliza as mais modernas tecnologias para
rede de voz e redes de dados de banda larga em fibra ótica; terreno de 78.400m2
com apenas 12,5% de área ocupada (paisagismo integrado à vegetação de
restinga); centro de convenções e business center preparados para
eventos e treinamentos; heliponto; 1.612 vagas para estacionamento; espaços
diferenciados para empresas de todos os portes (por exemplo: Blocos 4 e 5 –
áreas de 40m2, 75m2, 83m2, 97m2,
108m2 e 1.440m2; Blocos 2 e 7 – áreas de 130m2,
145m2, 228m2, 235m2 e 1.475m2).
A entrada
dessas grandes empresas na Barra indica uma mudança no perfil do bairro. Em
matéria do Jornal do Brasil (dezembro de 2002), vemos que esse movimento já
está sendo percebido quando lemos que “a Barra nasceu areal,
virou meca da classe média emergente nas duas últimas décadas (...) e está
desenvolvendo vocação para os negócios”.
Se essa
migração é irreversível e se irá se dirigir em massa para a Barra só o futuro
dirá, contudo, fato é que há indícios de um movimento de desconcentração e
acreditamos que a utilização do teletabalho tem contribuído para realização de
uma nova territorialidade na cidade do Rio de Janeiro, seja a partir da mudança
de endereço das sedes das empresas, ou seja pela territorialidade construída
pelo teletrabalhador que, a partir de então, realiza suas atividades em sua
própria residência.
Ao
compararmos a Barra com o Centro do Rio de Janeiro deparamo-nos com bairros bem
distintos. Como afirmamos anteriormente, só recentemente foi derrubada a lei
que não permitia firmar residência no Centro da cidade. A Barra da Tijuca tem,
atualmente, mais de 90.000 moradores, tem um índice de automóvel por habitante
de 2,36 (semelhante ao de Los Angeles – 2,39 – nos EUA) e mais de 40% dos
domicílios apresenta renda mensal superior a 20 salários mínimos. É
interessante, também, perceber uma mudança radical no padrão de organização
espacial da cidade, pois no bairro do Centro, é possível percorrer o núcleo
central a pé, ao passo que na Barra da Tijuca isso é totalmente inviável, o
automóvel é fundamental.
Outras
grandes empresas têm saído do centro; a Amil está instalada no Centro
Empresarial Barra Shopping desde julho de 2002, o mesmo em que se encontra a
Shell. Deixaram, também, o centro da cidade e encontram-se agora na Barra da
Tijuca a sede da finlandesa Nokia Networks e o escritório
carioca da Fiat. Além de terem deixado o centro, outra característica que todas
as empresas citadas mantém em comum é o fato de todas terem iniciado a
implementação do teletrabalho em suas empresas pouco antes de deixar as antigas
sedes.
Em
contrapartida, no centro, existem poucos imóveis que podem servir para projetos
tão diferentes – com salas amplas, praticamente sem divisórias – já que, em
geral, tratam-se de edificações do início do século passado e com alto custo de
manutenção. Não é surpresa verificar o esvaziamento de andares inteiros em
prédios do centro da cidade. Eis um dos motivos pelo qual temos verificado o
surgimento de filiais de universidades privadas no bairro. No entroncamento da
Avenida Rio Branco e Avenida Presidente Vargas – até então o coração do centro
empresarial carioca – surgiram filiais da Universidade Estácio de Sá, da
Universidade Cândido Mendes e da Universidade Gama Filho, ocupando praticamente
50% dos andares. Aliás, impressiona a forma como a administração dessas
universidades denomina seus novos campus: filiais. Apenas no centro do Rio de
Janeiro, a Universidade Estácio de Sá já conta com quatro unidades: a
anteriormente citada e outras três que se localizam no prédio do Terminal
Menezes Cortes, na área dos Arcos da Lapa e na Praça XI.
Diante de tantas transformações os
agentes vêem-se obrigados a buscar alternativas para a utilização futura do
Centro do Rio de Janeiro. A revalorização cultural do centro carioca (com seu
acervo de museus, bibliotecas, teatros e centros culturais), a permissão de
firmar residência e a implantação de universidades no local já são indicadores
da mobilização desses agentes. Assim, nessa seara de incertezas, os agentes
sociais que (re)produzem o espaço da cidade estarão buscando novas formas de
(re)valorização desse espaço. O centro do Rio de janeiro perde empresas, mas
adquire novas funções.
Mais
recentemente, outro exemplo do processo de migração do Centro do Rio de Janeiro
esteve estampado em todos os jornais da cidade. O prédio da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF), construído em 1966 – Edifício João Havelange –
localizado no coração do centro financeiro da cidade, na rua da Alfândega,
quase esquina com Avenida Rio Branco, seria posto em leilão no dia 17 de
setembro de 2003. São 2.280m2 divididos em oito andares, mais
subsolo, térreo e sobreloja. No dia do leilão aconteceu um fato inesperado: não
houve interessados. A CBF, desde 2002, localiza-se em uma moderna sede na Barra
da Tijuca. A nova sede conta com um conjunto de dois blocos de quatro e cinco
andares com uma infra-estrutura de tecomunicações de alta tecnologia.
A Barra da Tijuca, recentemente,
tem recebido uma nova onda de “emergentes”. Tratam-se das empresas de Internet
que passaram a ocupar os centros comerciais da Avenida das Américas,
alocando-se no bairro que ganhou fama por ser o endereço preferido dos novos
ricos cariocas.
A migração dessas empresas foi
alavancada pela Embratel que, no início do ano de 2001, investiu US$ 15 milhões
– quatro vezes mais que o valor investido nos principais bairros da cidade –
para instalar uma rede de 67 quilômetros de cabos de fibra ótica na Barra e nos
bairros vizinhos do Recreio e de Jacarepaguá, com capacidade de transmissão que
chega a 2,5 bilhões de bits por
segundo. Um aumento de velocidade bastante considerável se comparado aos 64 mil
bits por segundo que navegam em um
canal de voz comum.
Migraram para a Barra da Tijuca,
dentre várias outras “pontocom”, Infolink, Par-Perfeito, Brasil Web, Guia Local,
Mercado 21, Novo Estilo e-commerce, Tessera, Via Rio e Globo.com. Esclarece-nos
o sócio diretor do site Guia Local, Daniel Delvisson, que conseguiu reduzir o
custo mensal com conexão em pelo menos um terço, posto que afirma gastar algo
em torno de R$ 400,00, ao passo que em outro bairro esse gasto não ficaria por
menos de R$ 1.300,00. Bruno Parodi, sócio fundador da desenvolvedora de sites
Tessera, localizada no Shopping Dowtown,
enaltece o fato de que “na Barra a
Embratel nos proporciona condições de acesso excelentes, adequadas ao que o
site necessita”. O centro comercial vizinho, Città America, também agrega várias salas destinadas às empresas
chamadas “pontocom”. Juntos, os dois têm 21 empresas de Internet (segundo
pesquisa realizada até junho de 2003).
A cidade do Rio de Janeiro, posteriormente a
metrópole, foi e é construída, desconstruída e reconstruída indefinidamente.
Tal processo não se dá de forma homogênea ou linear, mas heterogeneamente e aos
saltos, para frente e para trás. Os objetivos são, também, endógenos e
exógenos, levando em conta interesses, que muitas vezes advém de agentes que se
encontram a muitas milhas distantes das fronteiras da cidade e do próprio país.
Utilizar-nos da consideração do espaço como
produto, condição e meio do processo de produção geral da sociedade,
permite-nos perceber os agentes que produzem o espaço urbano buscando
interligações que, muitas vezes, partem do global em direção ao local, e aí
encontram sujeitos que ora apresentam-se como aliados, ora como oponentes. Para
tanto, ao analisarmos a ação desses agentes será importante a percepção da
(con)formação de territorialidades construídas a partir de processos de
desterritorialização e reterritorialização por que passam os teletrabalhadores.
Logo, é necessário trabalhar com a relação dialética entre estrutura e ação,
conforme enunciada por Gottdiener (1997, p. 217), que resultaria numa
compreensão do espaço que enfatizaria as determinações gerais do modo de
produção, ao mesmo tempo que procuraria entender o papel dos agentes em suas
articulações e não como elementos isolados.
Assim, temos nessas articulações o proprietário
dos meios de produção, o setor imobiliário, “mas
também elementos do capital financeiro e corporativo, políticas públicas,
grupos locais de ativistas, partidos políticos necessitados de suporte
financeiro, ambientalistas, proprietários de casa própria etc” (Gottdiener,
1997, p. 218). São exatamente esses interesses e os conflitos entre eles que
formarão o fio condutor das mudanças espaciais.
Foi nesse sentido que trilhamos nosso debate até
aqui; buscamos elencar os indícios de algumas deslocações de empresas de áreas
tradicionalmente de negócios (CDB – Central District Business), e no caso
específico do Rio de Janeiro o bairro do Centro, para outras que, até então,
não exerciam a função de áreas de concentração empresarial – sendo o bairro da
Barra da Tijuca o maior exemplo. Temos percebido que, ao contrário da tendência
anterior em que as empresas buscavam localizar-se na área central da cidade
(que tem como característica a verticalização), há indícios de uma
desconcentração, que tem ocorrido de forma constante e que guarda
características diferentes do local anterior: a área construída ocupada pelas
empresas é bem menor, busca a horizontalização (prédios baixos) e a valorização
dos espaços verdes.
Acreditamos que para essas mudanças, tenha
contribuído também a crescente utilização das redes nesse tempo dos fluxos
(Santos, 1996, 1994). Devemos observar que, no que concerne às redes, não seria
a ocupação de áreas o que importa, mas a ativação e/ou criação de pontos e
linhas. Contudo, no momento atual de evolução – que Santos (1996; 1994)
denomina período técnico-científico-informacional – os suportes das redes
encontram-se também centrados em objetos técnicos, dos quais o computador é seu
maior representante.
Haesbaert (2002, p. 26) identifica três grandes
perspectivas quando da distinção entre território e rede. Primeiramente, aquela
em que o território se oporia à rede (Castells, 1996 e Badie, 1996,
encontrar-se-iam nesse grupo); na segunda perspectiva, “o território seria uma forma de organização do espaço mais tradicional
do que a rede. Neste caso abrem-se pelo menos duas perspectivas de análise”.
Teríamos aquela que distingue duas lógicas espaciais: uma zonal – em área – e
uma reticular. Por outro lado, teríamos aquela defendida por Lévy (2002, p.
15), que fala em duas métricas: uma contínua (topográfica) e outra descontínua
(topológica), a métrica das redes.
A terceira e última perspectiva, caberia àqueles
denominados “territorialistas”. A idéia de rede estaria “completamente subordinada à de território, e este se confunde com
espaço geográfico, já que toda relação social seria também uma relação
territorial. A rede é vista participando
apenas de processos territorializadores, na medida em que ajuda a inegrar o
território, visto sempre como sendo estável e enraizador” (Haesbaert, 2002,
p. 28).
Haesbaert (2002, p. 28) apresenta-nos uma
leitura intermediária entre “a que separa
claramente território de rede (pregando a hegemonia crescente das redes) e a
que dilui completamente as redes no interior dos territórios, é a que afirma
que território e rede formam um binômio em que a rede pode tanto ser um
elemento fortalecedor, interno aos territórios [e aqui estaria se referindo
às redes viárias e de comunicações como base para a integração do território
nacional], quanto um elemento que se
projeta para fora do território”, promovendo a sua desterritorialização.
Nesse sentido, os fluxos e a própria rede podem se tornar de tal forma
dominantes que acabam por se confundir com o próprio território.
Temos que compreender a desterritorialização e a
reterritorialização como processos relacionais, pois a desterritorialização a
que nos referimos não está acabando com o território. Dessa forma
complexificamos a categoria território, que se encontra agora numa trama que
incorpora ligações em rede e multi-escalares, mas também, por outro lado, shopping centers e condomínios fechados
que separam as classes mais abastadas da cidade daqueles menos
afortunados.
Reafirmamos, então, a nossa posição no que
concerne à inter-relação entre território e redes como encaminhamento
teórico-metodológico fundamental para a compreensão desse debate. Em um mesmo
território, há uma superposição de redes, que inclui redes principais e redes
secundárias, conjunto de pontos e linhas, ou conforme Santos (1996, p. 214):
redes principais e redes afluentes; o que Veltz (1996) denominaria “territórios
em rede e território de redes”. Ou seja, nos territórios em rede não só as
cidades se dissociam de seu território, privilegiando as relações com outras
cidades às quais estão ligadas através das redes, mas, além disso, o território
das redes dá lugar a um território
Destarte, nesse início do século XXI, é
necessário reconhecer que os modelos centro-periferia, que segundo Veltz (1994,
p. 189) funcionavam tanto para o espaço nacional quanto para o espaço mundial,
se tornam menos viáveis, principalmente agora no que se refere ao teletrabalho.
Atualmente, a periferia está no centro e o centro na periferia, pois a
integração se dá através de interações verticalizadas (Santos, 1996, p. 226). O
centro e a periferia, agora, tendem a se interpenetrar, ou seja, percebemos uma
imbricação entre eles. Eis o motivo da nossa afirmação de que a periferia está
no centro e o centro na periferia.
Encaminhamo-nos para além do modelo hierárquico
centralizado. As redes hierarquizadas, conforme definidas por Christaller –
baseadas em uma árvore de “localidades centrais” ligadas entre si em uma
sucessão encadeada de níveis da hierarquia urbana – estariam sendo substituídas
por redes multipolares desprovidas dessa hierarquia arborescente. O modelo anterior,
além de não garantir a solidariedade do comportamento organizacional, mostra-se
também contraditório com essa interação verticalizada. Por isso, Veltz (1994,
p. 195) enfatiza que “integração e descentralização não são pois
contraditórios; pelo contrário, a descentralização das estruturas surge como
uma condição necessária da capacidade de reacção, incompatível com os longos
vaivéns da pirâmide hierárquica.” Estar-nos-íamos encaminhando para o que
Veltz (1994, p. 200) denominou de territórios-rede.
As relações
verticalizadas entre os territórios-rede levam-nos a percebê-las como uma
espécie de túnel, que atravessa as áreas de seu entorno sem com elas manter
contato. Ou seja, há predominância das relações entre pólos sobre as relações
com a hinterlândia, estaríamos passando de território-zona para
território-rede. Nesse contexto de território-rede, podemos perceber
que, no Rio de Janeiro, os teletrabalhadores vêm se desterritorializando – no
sentido de desenraizamento dos indivíduos em relação ao seu território – em um
momento em que há um acirramento da competitividade e do individualismo. Assim,
a desterritorialização acaba por desconectar os teletrabalhadores em relação ao
seu lugar de trabalho.
Os agentes responsáveis pela implantação do
teletrabalho – e aqui não estamo-nos referindo apenas aos gerentes de projeto
que efetivamente dão partida à sua implementação, mas também àqueles que se
encontram na matriz da empresa, muitas vezes localizada em um outro continente,
àqueles responsáveis pela criação de infra-estrutura (não somente, mas em
geral, o Estado), às incorporadoras, às construtoras, etc. – acabam por
fragmentar e provocar a desordem na tentativa de impor uma nova ordem que se
desvincula da escala do local.
A partir desse olhar, o território-rede é,
simultaneamente, um espaço de conectividade/integração, ou de aproximação, e de
distúrbio e descontrole no que se refere à organização espacial, pelo simples
fato de que não existe a pura “ordem”, pois há sempre constrangimentos –
rugosidades, permanências – a serem incorporados e porque a malha de redes tem
o potencial de conectar e ao mesmo tempo de excluir os lugares (Veltz, 1996, p.
62; Haesbaert, 1997, 259).
Mesmo que o nosso objeto de pesquisa nos remeta
a um local – o Rio de Janeiro – isso não significa afirmar que vemos a escala
local como a instância decisória primordial. Acreditamos, junto com Rua (2003,
p. 276) que há limites para a escala de ação local e que, ademais, “é preciso ter consciência de que a
cidadania e a identidade se constróem em todas as escalas”.
O fato é que as escalas não estão dadas, “mas são, elas mesmas, objeto de confronto,
como também é objeto de confronto a definição de escalas prioritárias onde os
embates centrais se darão” (Vainer, 2001, p. 146). Na análise, ao
escolhermos uma escala, escolhemos nosso objeto e os sujeitos que estarão em
jogo, logo a própria opção torna nossa análise limitada.
Temos de ter em conta que o poder das grandes
empresas encontra-se menos em seu caráter global que em sua capacidade de
interação entre as escalas global, nacional, regional e local. Dessa maneira,
não se trata de considerar o global e o local.
[i] Joshua Lepawsky, em seu artigo apresentado no 97º Annual
Meeting of The Association of American Geographers. Nova York, EUA, 27/02 a 03/03, 2001, apresenta
como novos aglomerados de exclusão aqueles que não estão conectados a rede
mundial de computadores e que, portanto, fariam parte da denominada Digital
divide.
[ii] Em SOUZA (1997, p. 43-87) é possível observar a
tentativa desse autor em trabalhar com a Teoria da Complexidade – associando o
acaso (a partir da Teoria do Caos), ordem, desordem e sinergética – para
explicar o desenvolvimento sócio-espacial.
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Ferreira,
2005
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2005
Ficha
bibliográfica:
FERREIRA,
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do Rio de Janeiro e sua associação com a implementação do teletrabalho pelas
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Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (81). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-81.htm> [ISSN:
1138-9788]
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