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OPERAÇÃO
URBANA: A EXPERIÊNCIA DE BELO HORIZONTE
Daniela
Abritta Cota
Faculdade
de Minas Gerais – FAMINAS.
Tânia
Maria de Araújo Ferreira
Centro
Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH.
E-mail: taniamaf@ig.com.br
Operación urbana: La experiencia de Belo Horizonte
(Resumen)
La operación urbana, instrumento urbanístico definido por el Estatuto
de
Palabras-claves: planificación urbana, gestión urbana
The urban operation: the
case of
The urban operation, urbanistical instrument defined by the City
Statute, presents itself as a possibility to make interventions in the city
viable, with the participation of the public and private sectors. Although
federal and municipal legislation aim at the defense of the collective interest
in detriment of the private, recognizing the right of all to the city, the laws
show impressions that can permit deviations from these objectives. This can be
verified in the application of this instrument in the
Key-words: urban planning, urban
management
Operação Urbana é
considerada um conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo poder
público com a participação de recursos da iniciativa privada (Souza, 2003). O
objetivo do instrumento é viabilizar intervenções de maior escala em atuação
conjunta do poder público e da iniciativa privada, visando a integração e a
divisão de competências e a obtenção de recursos para a execução de projetos
comuns. Pode-se considerá-lo uma forma de urbanização consorciada, na qual o
Estado faz concessões à iniciativa privada mediante o oferecimento de
contrapartida por parte do empreendedor interessado.
Vale ressaltar que,
apesar da validade do instrumento como forma de viabilizar empreendimentos de
interesse coletivo em parceria com a iniciativa privada, é justamente nesta
parceria que está o grande perigo: corre-se o risco de gerar favorecimentos
abusivos de interesses privados em detrimento do interesse da coletividade. A
proposta de analisar o instrumento, neste trabalho, expressa a preocupação com
tal risco, buscando aqui, avaliar a sua efetividade enquanto instrumento de
promoção do desenvolvimento urbano com justiça social.
Operação Urbana: um
breve histórico
A
idéia de se utilizar a operação urbana como instrumento urbanístico de indução
do desenvolvimento urbano surge em um contexto caracterizado pela necessidade
de tratamento específico de determinadas áreas da cidade que sofreram
esvaziamento em função de reconversão produtiva (re-territorialização de
atividades econômicas), ocorridos nas grandes cidades a partir dos anos
oitenta. Sua origem (européia e americana) carrega em sua concepção a
utilização do instrumento para requalificação urbana com a participação de
investimentos privados. Além disso, outro fator que alimenta a proposta do
instrumento é a possibilidade deste representar uma alternativa de
flexibilização de normas de uso e ocupação do solo, adequando-as às
especificidades espaciais, sociais e ambientais, em geral, não consideradas nas
legislações urbanísticas.
No Brasil, o instrumento
surge nos anos oitenta[i]
com o objetivo duplo de promover mudanças estruturais em determinadas áreas da
cidade e mobilizar recursos para tais mudanças. A demanda pela aplicação do
instrumento ocorreu a partir da constatação de quatro fatores principais que justificariam
a sua instituição como instrumento urbanístico:
Vários
municípios brasileiros vêm servindo-se do instrumento da operação urbana, na
sua maior parte, para viabilizar pequenas intervenções, em escala local, em
áreas onde já existia um grande interesse do mercado imobiliário. Mais adiante,
neste trabalho, serão analisadas algumas destas experiências para o caso
específico do município de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais.
O Instrumento no Estatuto da Cidade (Lei Federal n°
10.257/2001)
A Lei
10.257/2001,
conhecida como Estatuto da Cidade, foi promulgada
visando fixar diretrizes de ordem pública e interesse social sobre o uso da
propriedade urbana e da cidade, tendo em vista o interesse coletivo, a segurança
e o bem-estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental. Esta lei
regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, que
tratam da "Política Urbana", proporcionando uma uniformização capaz
de dirimir os problemas decorrentes da implementação de regras estabelecidas
pelo Poder Público municipal e materializando os princípios constitucionais da
função social da propriedade urbana e da ordenação da cidade. O Estatuto da Cidade prevê diversos instrumentos
de política urbana, descritos no art. 4º, postos à disposição das unidades
federadas. Tais instrumentos são divididos em: instrumentos de planejamento (incisos I a III), institutos tributários e financeiros
(IV), e institutos jurídicos e
políticos. Destaque-se aqueles que visam estabelecer uma proposta de
sustentabilidade ambiental e de justiça social, tais como: direto de preempção,
outorga onerosa, transferência do direito de construir e operações urbanas
consorciadas.
As operações
urbanas consorciadas, de acordo com o artigo 32, § 1º do Estatuto da Cidade,
são “o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público
municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários
permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar, em uma área
determinada, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a
valorização ambiental”.
A implementação das operações
urbanas consorciadas deve se dar através da edição de lei municipal específica
em que conste, no mínimo: definição da área a ser atingida; programa básico de
ocupação da área; programa de atendimento econômico e social para a população
diretamente afetada pela operação; finalidades da operação; estudo prévio de
impacto de vizinhança; contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários
permanentes e investidores privados, em função da utilização dos benefícios
decorrentes da modificação de índices e características de parcelamento, uso e
ocupação do solo, alterações de normas edilícias e regularização de
construções, reformas ou ampliações; bem como a forma de controle da operação,
com compartilhamento obrigatório e representação da sociedade civil.
A adoção
destas medidas procura evitar que as operações sejam somente
"liberações" de índices construtivos para atender interesses
particulares, ou simples operações de valorização imobiliária que impliquem
expulsão de atividades e segmentos da população de menor renda.
Além disso, devem ser
destacados alguns componentes da conceituação do instrumento que devem ser
observados para sua legalidade:
·
Somente o Poder Público poderá coordenar as
intervenções urbanas. Trata-se de uma função pública, não passível de ser
delegada para o setor privado.
·
A participação dos agentes previstos deve ser
garantida, estabelecendo negociações e mediações entre os diferentes interesses
envolvidos.
·
As intervenções previstas devem destinar-se a
transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização
ambiental. A ausência de um destes elementos pode acarretar a
inconstitucionalidade do instrumento.
Nos
termos do caput do artigo 32, para a aplicação do instrumento da
operação urbana consorciada é necessário que o município institua a operação
através de uma lei municipal específica que, como dito anteriormente, delimite
áreas objeto da operação. Esta lei deve ser baseada no Plano Diretor do
município. Dito isto, pode-se concluir que as modificações de uso e ocupação do
solo na lei da Operação Urbana deverão estar sintonizadas com as diretrizes
previstas no Plano Diretor para o desenvolvimento urbano, de modo que as
alterações propostas sejam voltadas a atender os princípios da função social da
cidade e da propriedade. Dessa forma as mudanças nas normas de uso e ocupação
do solo somente poderão ser feitas se tiverem fundamento e respaldo nas
diretrizes e normas do Plano Diretor.
Quanto aos
recursos obtidos da Operação Urbana, estes deverão ser aplicados exclusivamente
na própria operação urbana nos termos do § 1º do artigo 33. Caberá à lei
municipal definir como deverão ser utilizados os recursos de modo a
proporcionar um controle social sobre a utilização dos recursos e evitar uma
transgressão à ordem urbanística.
Sabe-se
também que, de acordo com o significado do instrumento, o poder público não
poderá estabelecer contrapartida desproporcional, no qual proprietários e
investidores privados sejam duplamente beneficiados em detrimento da
coletividade. A lei municipal, dessa forma, não poderá privilegiar o setor
privado, uma vez que o que se pretende com a aplicação do instrumento é o
equilíbrio sócio-espacial-ambiental. No entanto, a Lei Federal não é clara
quanto a este ponto, o que aumenta a preocupação quanto as prioridades dos
interesses empresarias prevalecerem nessas operações.
O Estatuto da Cidade
prevê ainda, nos termos do artigo
Feitos tais
comentários, o emprego da Operação Urbana como um instrumento urbanístico
indutor do desenvolvimento urbano pode ser questionável, uma vez que algumas de
suas diretrizes podem não ser seguidas, já que a lei as define de forma vaga.
A partir da reflexão
conceitual do instrumento propõe-se a análise de experiências de aplicação do
mesmo como forma de subsidiar a avaliação de sua efetividade enquanto indutor
do desenvolvimento urbano. Os resultados da aplicação das Operações Urbanas no
município de Belo Horizonte serão avaliados de forma a constatar se os
objetivos do instrumento, instituído na Lei Federal, vêm sendo alcançados.
O caso de Belo Horizonte
A Lei do Plano Diretor
de Belo Horizonte, promulgado em 1996, trouxe em seu conteúdo alguns conceitos
defendidos pelo Movimento Nacional de Reforma Urbana, sobretudo, aqueles não
incorporados pela Constituição. O governo municipal, desse período,
representava uma frente de esquerda política do país e, neste contexto,
esperava-se esse comportamento. Seria uma forma de colocar em prática as idéias
rejeitadas pelos constituintes representantes dos setores mais conservadores da
sociedade. Assim, as idéias de função social da propriedade, justiça social,
universalização dos serviços públicos e preservação ambiental, desde os
recursos naturais ao patrimônio histórico e cultural, estão explícitas nos
princípios fundamentais do documento.
Reconhece-se, em um
genérico texto legal, a intenção de inversão da lógica da exploração do solo
urbano por meio do pacto entre a administração pública e o setor privado.
Contudo, a sustentação destes princípios ao longo da lei nem sempre é sólida e
detecta-se alguma insegurança na tentativa de assegurar estes objetivos.
Destacam-se, a seguir, aspectos relevantes do texto da Lei do Plano Diretor que
consistem em referências para a discussão proposta pelo presente trabalho.
Na abertura da lei, ao
atribuir ao Plano Diretor sua posição de instrumento “básico da política de
desenvolvimento urbano”, é explicitada a preocupação em ressaltar os interesses
coletivos como fator a ser respeitado. Afirma-se, ainda, que uma das garantias
que o ordenamento da ocupação e do uso do solo deve oferecer é “a justa
distribuição dos custos e benefícios decorrentes dos investimentos públicos”.
Mais adiante associa-se a função social da propriedade ao “aproveitamento
socialmente justo e racional do solo”. Todavia, ao descrever aos objetivos
estratégicos do desenvolvimento urbano perde-se em especificidades sem coesão.
Neste texto, de aspecto irregular, as conexões com as intenções iniciais
mostram-se tênues, exceto em um único inciso, entre os vinte e cinco, que
insere a participação da população na gestão municipal. Nas diretrizes de
política urbana, a coerência é restabelecida ao ser enfatizada a importância do
Plano Diretor na garantia do interesse coletivo e na estratégia para evitar a
especulação relativa à utilização do espaço urbano. Aqui está presente a opção
por um planejamento mais dinâmico e ampliado, evitando-se a fragmentação e o
distanciamento da realidade cotidiana. Muitas dessas incongruências foram
promovidas pelas negociações com vereadores e setores econômicos para a
aprovação da lei na Câmara Municipal.
No decorrer do conteúdo
subseqüente diretrizes são listadas, agrupadas de modo variável, pois ora o
elemento agregador é a dimensão setorial ora sobressaem as questões
territoriais. Nesta parte, as interferências do processo de negociações parecem
ter sido mais fortes. Algumas dessas diretrizes serão relembradas nas análises
das operações urbanas específicas que será feita adiante neste trabalho.
Nos artigos referentes
aos instrumentos de política urbana encontra-se o principal objeto desse
estudo: a Operação Urbana. Como se pode constatar este instrumento de indução
do desenvolvimento urbano passa a ser aplicado
A seguir, são listados
os tipos de intervenções que poderiam utilizar o mecanismo buscando, assim,
sugerir as possibilidades, mas sem limitá-los. A natureza das intervenções
caracteriza-se por fatores que afetam a estrutura urbana, tais como obras de
melhoria do sistema viário, tratamento urbanístico de áreas públicas,
regularização fundiária e ações que promovam a proteção ambiental. O que
parece, em um primeiro momento, que a operação urbana deveria ser aplicada em
questões estruturantes, logo se percebe que tudo pode se encaixar nos detalhes
dessas intervenções. Acrescenta-se o fato que, pelo texto legal, esta lista
pode ser aumentada sem qualquer restrição. Conclui-se, então, que a imprecisão
dos limites de utilização da operação urbana revela a ignorância do potencial,
positivo e negativo, do instrumento.
Pode-se,
no entanto, encontrar um ponto ainda mais frágil quanto à indefinição de
contrapartidas. Se por um lado, a lei demonstra preocupação de seus autores em
descrever, de forma bem detalhada, o conteúdo da lei que instituirá cada
operação urbana, por outro não há qualquer menção às regras que estabeleçam os
caminhos da participação do setor privado. Diante de um quadro de tamanha
precariedade no qual vive a administração pública, a concessão de pouco pode
significar uma vantagem. Assim, esta desregulamentação representa a
possibilidade de negociações perigosas, pois não garante que as partes tenham
participações equilibradas, evitando favorecimentos oportunistas a favor do
setor privado.
Apesar
da imprecisão dos reais objetivos da criação do instrumento, havia uma crença
entre os técnicos da Prefeitura que a Operação Urbana seria um instrumento que
permitiria ao Executivo viabilizar, sobretudo, intervenções de grande porte. A
principal "moeda de troca" se consistia na permissão de utilização de
parâmetros construtivos mais permissivos que os definidos por lei, mas de
acordo com determinações da Prefeitura. Em outras palavras, o setor privado
estaria pagando para "transgredir", controladamente, a lei, ação esta
legitimada pelo bem estar da coletividade. Não se percebia, em princípio, que
se criava um mecanismo precário cuja "nobreza" apenas poderia ser
assegurada diante das "boas" intenções de um poder executivo e
legislativo honesto e realmente preocupado com a cidade.
Finalmente, vale alertar
que a Lei que instituiu o Plano Diretor não determinou sanções por seu descumprimento.
Assim sendo, não há nada que obrigue ao Executivo ou ao particular seguir
rigorosamente as diretrizes expressas nessa Lei. A prática tem mostrado que a
conveniência tem sido a regra. Quando o conteúdo da lei vai ao encontro das
necessidades do momento, ela é defendida. Do contrário, a ignorância às regras
será o caminho adotado.
Exemplos desses
procedimentos serão analisados a seguir. Ressalta-se que o objeto de estudo
será o texto legal, aprovado ou não pela Câmara Municipal.
Operação
Urbana Avenida Antônio Carlos
Esta foi a primeira
proposta de operação urbana consolidada em um projeto de lei, mas sem a
aprovação pela Câmara. O exemplo será aqui analisado por sua proximidade às
intenções iniciais, expressas na Lei do Plano Diretor, referentes à Operação
Urbana.
Elaborada pelo
Executivo, a finalidade desta operação urbana seria buscar recursos para as
obras de alargamento de uma via de grande importância na cidade, acesso
principal para a região norte, fazendo parte, inclusive, do trajeto para o
aeroporto internacional metropolitano. Este seria o ganho da população, pois
resolveria problemas de retenção de trânsito e, conseqüentemente, de transporte
coletivo. Os aspectos positivos para o coletivo dessa intervenção seria
reforçada pelo fato da região atendida se compor, em sua grande maioria, de uma
população de baixa renda.
A lei define,
claramente, os mecanismos que assegurariam a contrapartida, utilizando outros
instrumentos, presentes no Estatuto da Cidade aprovado posteriormente. A Concessão Onerosa do Direito de Construção
Adicional, a Cessão de área públicas e a Contribuição de Melhorias seriam
aplicados em situação diferenciadas, mas que complementariam para arrecadação
dos recursos para execução do projeto. O projeto urbanístico compõe a Lei e
apresenta como seriam utilizados os parâmetros mais permissivos de modo a
explicitar os impactos que estas mudanças poderiam trazer para a cidade. Desta
maneira, há uma visibilidade de todo o processo: o caminho a ser percorrido e o
resultado final.
Reforçando o cuidado com
a utilização de instrumento tão delicado, seria consistido um Conselho
Consultivo com participação da população envolvida – moradores, técnicos e
outra entidades interessadas para monitorar e acompanhar o desenvolvimento das
questões que cercam a Operação Urbana, além de um grupo interno a Prefeitura de
coordenação.
O projeto de alargamento
da Avenida Antônio Carlos foi previsto já na década de setenta do século XX.
Desde então, a legislação tem reservado as áreas lindeiras para o alargamento
da via de modo que as construções não podem ser substituídas ou renovadas com
mudanças estruturais. Assim sendo, é visto uma crescente deterioração do espaço
que é 'reforçado' pelo excessivo trafego na avenida. A requalificação da área
passa, então, a ser fundamental para o sucesso da operação urbana, além de
transformá-lo em um pólo econômico com maior vitalidade que o atual.
O mecanismo de
arrecadação dos recursos para as obras necessárias seria através, sobretudo, da
valorização da área proveniente das melhorias promovidas. Isto se daria com a
venda de permissão de adensamento construtivo e populacional acima do definido
pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do solo. Contudo, apenas a intervenção
no leito da via não bastaria para tornar o negócio sedutor o necessário para
atrair o maior número de investidores. Como dito acima o projeto contemplaria
áreas de desenho urbano diferenciado conformando espaços atratores de
sofisticados setores econômicos. Embora não explícita na lei, esta intenção
está intrínseca ao processo de negociação para se alcançar os objetivos
desejados. Afinal, sendo uma intervenção de grande porte, o recurso a
arrecadado pela operação urbana teria que ser em grande quantidade e, por isso,
os interessados deveriam fazer parte de um grupo que poderiam investir muito,
mas com segurança de retorno. Grandes áreas públicas associadas à possibilidade
de utilização de grande potencial construtivo, muito acima do máximo permitido
na cidade, seriam formas de indução destes empreendimentos.
Surge, entretanto, uma
dúvida: será isto o suficiente para seduzir os investidores com o perfil
necessário? Qual o diferencial eficaz que a área poderia oferecer? Belo Horizonte teria este tipo de investidor?
Segundo informações de técnicos envolvidos na elaboração dessa operação urbana,
as respostas vieram numa consulta ligeira ao mercado imobiliário. Na visão
deles, este empreendimento não teria sucesso fácil, pois a “moeda”, sobretudo
potencial construtivo, não era forte o bastante para atender as expectativas de
arrecadação. Por isso a operação urbana foi retirada da pauta política e a
avenida continua sem intervenção.
Um outro questionamento
pode ser feito sobre esta operação urbana se refere à obra proposta, o
alargamento da Avenida Antônio Carlos. Ao se resgatar as diretrizes de
desenvolvimento urbano constante da Lei do Plano Diretor encontra-se a
constatação de que a estrutura viária radioconcêntrica representa um problema
em vários aspectos (qualidade ambiental da área central, deslocamentos
excessivos etc) e que deve ser reformulado, inclusive, para propiciar a
descentralização de atividades econômica e serviços públicos. A Avenida em
questão, todavia, é uma das que liga a região norte ao centro e, assim sendo, a
melhoria deste seria reforçar a estrutura radioconcêntrica. Se por um lado
atende á uma demanda imediata de dificuldades de fluxo, por outro pode agravar
situação no futuro próximo.
Operação
Urbana Do Conjunto Arquitetônico Da Avenida Oiapoque
Quatro anos separam a
proposta acima e esta operação urbana. Durante este período algumas leis de
operação urbana foram aprovadas. A maioria se mostrou muito inexpressiva quanto
aos impactos sobre a cidade, sejam negativos ou positivos, mas já começaram a
representar desvios dos propósitos mais relevantes definido no Plano Diretor.
Propostas por particulares ao Executivo, tinham a origem em questões de
interesse privado, embora para definir o objetivo, buscava-se na própria lei, a
dimensão nobre do discurso. Ocorre uma inversão com relação à operação urbana
da Avenida Antônio Carlos, pois nos casos posteriores é o particular,
geralmente ligado ao setor imobiliário, que busca uma solução para uma
irregularidade, à luz da legislação pertinente, já consumada ou pretendida. A
contrapartida pode ser apresentada pelo interessado ou pelo Executivo e o
acordo é celebrado.
A operação urbana do
conjunto arquitetônico da Avenida Oiapoque teve várias questões envolvidas sendo
que a menos importante é a idéia registrada no título. Dois interesses do setor
privado se encontraram em uma aliança coordenada pelo poder público: os
proprietários de um shopping na área nobre da cidade necessitando de maior
potencial construtivo que a lei lhe permitia e um proprietário de um edifício
tombado pelo Conselho deliberativo do Patrimônio Cultural precisando de
recursos para dar uma utilização rentável para seu imóvel. A venda de potencial
construtivo para o shopping poderia ter sido realizada sem recorrer à operação
urbana, pois o imóvel tombado pode alienar o potencial construtivo impossível
de ser aplicado no local devido à restrição imposta pela preservação do
edifício. Contudo, a legislação permite que cada imóvel receptor incorpore, no
máximo, 20% da área de construção acima da definida pela lei e as normas
vigentes para esta transferência restringe a recepção à determinados
zoneamentos que apresentam infra-estrutura viária e capacidade de adensamento.
No entanto, dois obstáculos impediam a adoção deste processo. O primeiro motivo
é o fato do shopping estar localizado em uma zona não passível de se beneficiar
com a transferência de potencial construtivo, por se tratar de uma região muito
adensada e saturada em termos de sistema viário. A outra dificuldade é que os
proprietários queriam construir 60% acima do permitido. Assim, a operação
urbana foi empregada para resolver este impasse, pois a Lei do Plano Diretor,
como já comentado neste trabalho, não estabeleceu limites e, ao contrário,
possibilitou que, através de lei específica deste instrumento, novos parâmetros
urbanísticos fossem instituídos e todo tipo de negociação pudesse ser
efetivado.
A contrapartida para o
interesse coletivo consistiu na preservação do edifício construído na década de
40 do século XX, na implantação de um terminal de ônibus de importância
secundária e a criação de um espaço para “atividades de interesse público
relacionadas ao lazer, à cultura e à economia popular”. Esta última expressão
garantiu ao proprietário a instalação no prédio de um centro de comércio
popular, onde são alugados pequenos boxes para ambulantes (camelôs) que
ocupavam as ruas do entorno. Assim o “interesse público” se traduziu em ganhos
particulares, mas o discurso estava respaldado pelo Plano Diretor que indica,
entre as diretrizes de indução do desenvolvimento urbano, a utilização de
instrumentos e incentivos para promover a requalificação da área central.
Ao analisar a lei que
institui a operação urbana do conjunto arquitetônico da Avenida Oiapoque,
pode-se destacar vários pontos que merecem comentários. Primeiramente,
observa-se que, em comparação com a operação urbana da Avenida Antônio Carlos,
esta lei é muito pouco claro quanto às suas reais intenções. Entre os objetivos
da operação, os ganhos públicos descritos são frágeis e pontuais, sem
apresentarem uma relevância urbanística. Por outro lado, as concessões para
viabilizar o shopping são amplas e não se encerram na recepção excepcional de
potencial construtivo, como explicado acima, mas outros procedimentos foram
facilitados para agilizar o processo de aprovação do projeto shopping, já que
sua construção estava em estágio avançado.
Mas as questões
suscitadas mais instigantes se encontram, sobretudo, no campo das
contrapartidas. Nessa lei, assim como nas outras, não aparece a mensuração
financeira do ganho das partes. Mesmo que se encontrem dificuldades em medir as
melhorias de mobilidade com o fim dos incômodos camelôs, não se pode esquecer
que o centro de comércio popular e, numa proporção muito maior, o sofisticado
shopping para seleta elite geram lucros incessantes com os ganhos da operação
urbana. Não estaria, então, esta compensação muito desequilibrada? É fato que o
Executivo deixou de gastar na construção dos locais específicos para os
ambulantes, mas o proprietário está ganhando com isto. No mais, para alcançar
este intento, o poder público promoveu a agregação de valor de um negócio
privado e isto, segundo o próprio Plano Diretor, deveria ser revertido, no
mesmo nível, para a coletividade. Entretanto, isto não parece claro e, ao
contrário, reveste-se de fatos relativos ao setor privado não perceptíveis para
a população, enquanto que a saída dos camelôs das ruas foi tema de campanha
eleitoral.
Deve-se ressaltar,
ainda, que, segundo informações de técnicos da Prefeitura, as intervenções não
foram estudadas pelas instâncias internas de planejamento urbano para uma
possível análise da importância das proposições para a estrutura urbana. A
elaboração e as negociações se restringiram aos gabinetes dos secretários,
sendo que apenas o Conselho Municipal de Política Urbana foi consultado, sem
que tenha ocorrido qualquer obstrução.
Considerações Finais
A
partir da análise conceitual do instrumento, das propostas legais que propõem a
implementação do instrumento e das experiências ou tentativas de sua aplicação
é possível tecer alguns comentários.
Primeiramente, é
necessário ressaltar que as duas leis analisadas neste trabalho – a municipal
(Plano Diretor) e a federal (Lei 10.257/2001) apresentam basicamente os mesmos
objetivos: viabilizar, através de recursos da iniciativa privada, projetos de
interesse público. Além disso, as duas normas não propõem qualquer regra para
definir formas de participação do setor privado. Ambas deixam o caminho livre
às possibilidades mais diversas de negociação por parte do empreendedor, o que
pode levar a definição de contrapartidas desproporcionais aos interesses
públicos.
Vale salientar também
que nem a legislação urbanística de Belo Horizonte, nem o Estatuto da Cidade
define penalidades para as Leis de Operação Urbana que descumprirem as
diretrizes de crescimento e desenvolvimento urbanos propostas no Plano Diretor.
No caso de qualquer definição na Lei da Operação Urbana não encontrar respaldo
nas diretrizes do Plano Diretor, isso, em tese, configuraria uma ilegalidade.
Porém a ausência de penalidade para tal ilegalidade abre caminho para
transgressões ao instrumento e às normas urbanísticas da cidade.
Em segundo lugar, ao
analisar as experiências de aplicação do instrumento no município de Belo
Horizonte, pode-se dizer que a participação de setores envolvidos, –proposta de
forma geral no Plano Diretor e de forma específica para o instrumento no
Estatuto da Cidade – não vem de fato acontecendo. Em geral, as negociações
ocorrem entre o público, na figura do Executivo, e o privado, representado pela
iniciativa privada. Apesar da Lei da Operação Urbana ser aprovada na Câmara de
Vereadores (simbolicamente a estância de representação popular), “os moradores,
usuários permanentes” e etc nem sequer tomam conhecimento da discussão da Lei
que implementa o instrumento. Formas de implementar a participação popular
seriam assim necessárias, de modo a cumprir o interesse público e a
democratização do planejamento defendido nas duas leis.
Quanto aos objetivos do
instrumento, parece que a primeira experiência analisada – Operação Urbana
Avenida Antônio Carlos – exemplifica muito bem os reais interesses públicos,
podendo ser considerada uma “transformação urbanística estrutural” e que, além
disso, incentiva a participação popular através de um conselho consultivo
estabelecido para tal finalidade. No entanto, a proposta não saiu do papel.
Trata-se de uma área na qual o mercado imobiliário não vem atuando. Além disso,
a contrapartida oferecida pelo poder público não foi atrativa para o segmento.
Este fato expressa que, de certa forma, a ausência de interesse privado
inviabiliza a operação. Seria necessário um estudo da área para identificar sua
real vocação de modo a transformar tal potencialidade em contrapartida a ser
oferecida ao empreendedor, consolidando assim a operação.
Já na Operação Urbana do
Conjunto Arquitetônico da Avenida Oiapoque, a o objetivo da “requalificação
urbana” e a “valorização ambiental” das áreas envolvidas foram as grandes
justificativas, inclusive para transgredir algumas diretrizes do Plano Diretor.
Nesta foi proposta a utilização de potencial construtivo muito permissivo em
uma área já adensada em que, segundo diretrizes do Plano Diretor, deve-se
“restringir a ocupação”. Esta contrapartida diverge com algumas diretrizes do
Plano Diretor municipal na medida em que permite a aplicação de tal potencial
em áreas já adensadas. As contrapartidas, assim, expressam um total privilégio
conferido aos interesses particulares, mesmo que o interesse público tenha sido
atendido. Além disso, a lei não prevê a utilização do potencial construtivo
adicional na área da Operação Urbana, o que, pelo Estatuto da Cidade, poderia
ser considerado uma inconstitucionalidade (art. 34 da Lei 10.257/2001). No
entanto, como o Plano Diretor não estabelece tal regra, a utilização do
referido potencial em outras áreas não se configura uma inconstitucionalidade.
Por último, vale
ressaltar que as parcerias só vêm acontecendo onde há o interesse prévio da
iniciativa privada
Cabe ainda salientar que o município de Belo Horizonte, ao instituir o instrumento em 1996 não incorporou, até o momento, as diretrizes e regras gerais estabelecidas no Estatuto da Cidade, em especial a necessidade de a lei da operação urbana incluir um “programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação” e o a realização do “Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança”, não constantes no Plano Diretor. Essa pode ser a forma de se garantir contrapartidas menos desproporcionais e de se promover um desenvolvimento urbano com justiça social
[i] O instrumento “Operação Urbana”
aparece pela primeira vez no Brasil no Plano Diretor de São Paulo, em 1985,
plano este que não foi aprovado. Esta proposta de Plano Diretor pode ser
considerada a primeira forma concreta de tentativa de se promover maior
democratização no planejamento brasileiro e cumprir a função social da cidade.
Bibliografia
BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. Lei Nº 7165. 27 . Institui o Plano
diretor do Município de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PBH, 1996.
BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. Lei Nº 8728. Institui a Operação Urbana
do Conjunto Arquitetônico da Avenida Oiapoque. Belo Horizonte: PBH, 2003.
BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. Projeto de Lei. Institui a Operação
Urbana da Avenida Antônio Carlos. Belo Horizonte: PBH, 1999.
SOUZA, M. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BRASIL. Governo federal. Lei Nº10.257. Regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, estabelece diretrizes da política urbana e dá outras
providências. Brasília: 2001.
© Copyright Daniela Abritta Cota y Tânia Maria de
Araújo Ferreira, 2005
© Copyright Scripta Nova, 2005
Ficha bibliográfica:
ABRITTA, D.; ARAÚJO, T. Operación urbana: La experiencia de Belo Horizonte. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y
ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de
2005, vol. IX, núm. 194 (90).
<http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-90.htm> [ISSN: 1138-9788]
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