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RENDA DA TERRA E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM
JALES-SP/BRASIL
Sedeval Nardoque
Doutorando em Geografia pelo IGCE/UNESP – Campus de Rio Claro – Estado de
São Paulo; Professor de Geografia Agrária na Fundação Educacional de
Fernandópolis – SP.
E-mail: nardoque@itelefonica.com.br
Lúcia Helena de
Oliveira Gerardi
Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia do IGCE/UNESP –
Campus de Rio Claro – SP
E-mail: lucia@rc.unesp.br
Renda da terra e a
produção do espaço urbano em Jales-sp/Brasil (Resumo)
O que se propõe no
texto é a análise dos princípios e práticas que orientam e orientaram a
produção do espaço urbano da cidade de Jales, localizada no extremo Noroeste do
Estado de São Paulo. Esta cidade foi fundada no ano de 1941, resultante do
avanço da frente pioneira pelo interior do Estado de São Paulo. O fundador,
Euplhy Jalles, buscou, à medida que efetuou o planejamento urbano, promover a
comercialização de terrenos, alicerçada
nos estoques de terras, e na cobrança do laudêmio, garantindo a si e seus
descendentes a apreensão da renda da terra Também, pretende-se apreender as
relações entre as esferas pública e privada, através do poder local, como fator
determinante da produção do espaço urbano de Jales.
Palavras-chave: Espaço urbano,
renda da terra, poder local, laudêmio.
Land income and the production of the urban area in Jales - sp/Brazil (Abstract)
The aim of the text is to analyze
the principles and practices that have lead and have being leading the production
of the urban area of the city of
A Microrregião
Geográfica de Jales está inserida na Mesorregião Geográfica de São José do Rio
Preto, ocupando, portanto, o extremo Noroeste paulista. A Microrregião é
composta por 23 municípios: Jales, Vitória Brasil, Pontalinda, Dolcinópolis,
Populina, Paranapuã, Mesópolis, Santa Albertina, Urânia, Santa Salete, Aspásia,
São Francisco, Dirce Reis, Palmeira D’Oeste, Marinópolis, Aparecida D’Oeste,
Nova Canaã Paulista, Três Fronteiras, Santana da Ponte Pensa, Santa Rita
D’Oeste, Santa Clara D’Oeste, Santa Fé do Sul e Rubinéia. Muitas desses
municípios resultaram da emancipação política e conseqüente divisão
político-territorial, com conseqüentes desmembramentos do município de Jales, a
partir dos anos 1950.
O Município de
Jales possui, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística) do ano de 2000, 46.178 habitantes, sendo 3.846
rurais e 42.332 residentes na cidade. Uma das características do município de
Jales é o predomínio de pequenas propriedades, tanto em número quanto em área
ocupada. A cidade de Jales foi fundada, pelo engenheiro Euphly Jalles no dia 15
de abril de 1941, fruto da expansão das fronteiras para o Oeste do Estado de
São Paulo e resultante do direcionamento das frentes de expansão e pioneira do
final do século XIX e início do século XX.
No Oeste Paulista,
ocorreu a expansão da propriedade capitalista da terra através da indústria de
grilagem, onde os comerciantes de terras eram personificados nas figuras dos
fazendeiros, companhias imobiliárias, engenheiros, topógrafos e advogados, ou
seja, citadinos, como afirma Monbeig
(1984). A procura por novas terras, devido à demanda, elevou seus preços e uma
verdadeira indústria de grilagem desenvolveu-se posteriormente a 1850, quando
da aprovação da Lei de Terras. Esta Lei estabeleceu o prazo para legitimação das
posses, efetuadas entre a cessação do regime de sesmarias e a promulgação
desta, até o ano de 1854. O critério adotado para legitimação de posses foi o
registro paroquial, ou seja, o registro de nascimentos ou de casamentos
realizados em paróquias próximas às terras possuídas.
O preço da terra
passou a ser determinado por práticas, tais como subornos a cartorários,
demarcações, tocaias a posseiros, pagamentos a topógrafos e jagunços
(Martins,1990). Até as primeiras décadas do século XX, os documentos forjados
representavam a base dos conflitos de terra nas frentes pioneiras de São Paulo.
Somente aqueles possuidores de um certo capital poderiam participar desses
negócios ilícitos, portanto, inacessíveis aos despossuídos de dinheiro ou por
ignorância em relação à lei, como os ex-escravos, os imigrantes e aos próprios
posseiros, que já ocupavam as terras bem antes da chegada do pioneiro.
(Martins,
1975).
O conflito
resultou do contato da frente pioneira com a frente de
expansão.
A primeira representada pela transformação da terra em propriedade capitalista
através dos comerciantes de terras e do retalhamento destas para os ex-colonos
das “zonas velhas”. A segunda, que ocorreu primeiro, caracterizada pela forma
de ocupação da terra através da posse, personificada na figura do posseiro, que
não tinha a noção jurídica da propriedade (ou não dava importância),
reproduzindo-se através de uma economia de excedentes.
O início do século
XX foi marcado pela transformação na forma de apropriação da terra no extremo
Noroeste de São Paulo, em especial em uma gleba de mais de
Euphly Jalles,
açambarcou aproximadamente
Feita a grilagem e
a “limpeza da terra”, através da transformação de posseiros em agregados,
Euphly Jalles passou a lotear suas possessões em lotes de cinco, dez, quinze,
vinte ou mais alqueires. Vendeu-as a ex-colonos de regiões mais antigas de
ocupação do Estado de São Paulo e de outros estados, incluindo imigrantes, que
conseguiram formar um pequeno pecúlio, trabalhando nas fazendas de café, que
davam de entrada no pagamento parcelado efetuado ao especulador. Naquele
momento, deu-se início a extração da renda capitalista da terra, através da
venda das glebas maiores em pequenos lotes a migrantes, que passaram a conhecer
a concretização do sonho de terem sua terra para o trabalho e, assim,
tornarem-se proprietários. Sonho, por muito tempo acalentado do outro lado do
Atlântico, quando as primeiras levas de imigrantes deslocaram-se para o Brasil
e, alimentado pelos filhos destes que seguiram em direção ao Oeste, conduzidos
pelos interesses capitalistas.
No caso
de Jales, em um primeiro instante, como assinalado anteriormente, o loteador
fez posses sobre terras de forma obscura, caracterizando-se em processo de grilagem da terra.
Concomitante à grilagem, foi realizada a “limpeza” da terra através da
transformação do posseiro em agregado.
O passo seguinte foi
montar um esquema de vendas destas terras a ex-colonos provenientes de regiões
mais antigas de ocupação. No esquema montado, fundou-se uma vila,
construíram-se estradas e usou-se de propaganda para atrair interessados em
adquirir terras em pagamentos “facilitados”, de até três anos[2].
O loteador de
Jales, um citadino, como afirma Monbeig
(1984), esperou o momento oportuno para extrair a renda da terra, representada
pela venda da terra florestada, que aumentava sem lhe custar nada e lhe deu
chance para uma promissora especulação. O momento oportuno ocorreu quando do
anúncio da retomada das obras da ferrovia (Estrada de Ferro Araraquarense),
paralisada em Mirassol desde 1920, e da mudança do seu trajeto, antes anunciada
no espigão entre os Rios Tietê e São José dos Dourados, para o espigão entre os
rios Grande e São José dos Dourados. A partir de então, Euphly traçou um plano
ortogonal, que foi a célula de uma nova cidade, para dar suporte à posterior
“colonização” das terras de uma região conhecida como “Sertão de Rio Preto”.
Assim, Jales
tornou-se parte da, definitivamente, frente pioneira com o retalhamento da gleba,
onde se riscou a zona urbana e suburbana em função de um planejamento:
loteou-se a propriedade a partir do núcleo, em círculos concêntricos, em lotes
desde um alqueire de área, com limites máximos de 2,5 e 10 alqueires. Segundo Monbeig (1984), “alguns loteadores chegaram a implantar um verdadeiro planejamento do
espaço rural. Em Jales, o loteamento foi aberto em 1940 e o plano concebido sistematicamente,
de maneira a oferecer propriedades cada vez maiores à medida que aumentava a
distância do patrimônio” (Monbeig, 1984:29)
Os lotes eram retalhados das glebas maiores, obedecendo, como limites,
os divisores de água, denominados de espigões, entre os ribeirões ou córregos.
Assim, cortavam-se as vertentes de cada um dos pequenos vales em faixas
perpendiculares aos ribeirões, de tal forma que todos os lotes ficassem
servidos pela aguada, ou seja, tivessem, ao fundo, o córrego. Nos espigões, eram
traçadas as estradas que serviam de ligação entre as propriedades e o povoado.
Assim, as estradas acompanhavam as curvaturas descritas pelos divisores de
águas.[3]
“Nem todos os loteamentos apresentam um planejamento rural tão avançado
como o de Jales, mas sempre as plantas prevêem pequenos lotes junto aos
patrimônios”. Assim Monbeig
(1984) descreveu o planejamento efetuado para se efetivar o loteamento
pertencente a Euphly.
Mas, para efetuar as vendas, fundou, primeiro a vila, para servir como
ponto de referência para os possíveis compradores. “Fundar um patrimônio é
prática antiga no Brasil”, escreveu Monbeig
(1984). O fundador doava uma parcela de terra a um santo, onde seria
construída, posteriormente, a capela. Erguia-se o cruzeiro – cruz de madeira –
e fazia-se festa, para alardear o nascimento do povoado, com a bênção de um
padre e pessoas importantes. No caso de Jales, foi erguido o cruzeiro, no dia
15 de abril de 1942, um ano após a fundação do patrimônio.
Assim, a fundação do patrimônio precedeu a venda de lotes rurais e para
organizar a vila, foram destinados 40 alqueires. O engenheiro Euphly efetuou o
planejamento urbano, sendo que as quadras e os terrenos foram traçados
levando-se em conta a circunvolução do Sol, de tal maneira que as casas
construídas recebessem, sempre, em um dos lados, os raios solares e, de outro,
sombra. Todas as ruas medem quatorze metros de largura, com leito carroçável de
oito metros e duas grandes avenidas e praças demarcadas[4].
No início, as datas (lotes urbanos medindo
No entorno do
perímetro urbano traçado inicialmente, Euphly manteve, sob seu domínio e posse,
terrenos que foram sendo utilizados para negócios imobiliários. À medida que o
núcleo urbano foi se expandindo, novos loteamentos foram sendo efetuados. Até
hoje, a Família Jalles possui imóveis ao redor da área urbana e, à medida de
seu crescimento, novos loteamentos são executados. Jardim Ana Cristina,
Aclimação, Estados Unidos e Jardim Dr. Euphly Jalles são exemplos atuais de
especulação imobiliária. A imobiliária Jalemi, pertencente ao Espólio da
Família Jalles, é que realiza esses empreendimentos.
Por conta de o Espólio possuir terras ao redor da cidade, houve muitas disputas
com a Prefeitura Municipal, pelo fato de negociações para venda, doação e
desapropriação de terrenos. Devido a uma desapropriação realizada na década de
1980, para a instalação do Distrito Industrial II, atualmente o Município deve
ao Espólio Jalles a quantia de R$10.000.000,00 (Dez milhões de reais),
resultante de decisão judicial de última instância.
A partir dessas
novas áreas da fronteira incorporadas ao mercado, a comercialização de terras
passou a ter papel importante na extração da renda capitalista da terra,
através de ganhos especulativos. Euphly Jalles efetivou a extração da renda da
terra em Jales, vendendo lotes rurais e urbanos aos trabalhadores – colonos,
arrendatários e meeiros - das antigas franjas pioneiras que tinham o sonho de
se transformarem em pequenos proprietários rurais.
A partir das
concepções teóricas de Marx (1985), sobre renda da terra, pretendeu-se aqui
apontar as várias modalidades (absoluta, diferencial e monopólio), como
componentes para se explicar os mecanismos de produção e de apropriação. Para
amparar teoricamente – o estudo da extração da terra urbana e a produção do
espaço urbano em Jales -, buscou-se nos teóricos que usaram as categorias de
análise de Marx,
A renda diferencial
I apareceu e aparece nos terrenos deixados como estoques por Euphy Jalles,
localizados na porção topograficamente mais favorável às edificações e,
relativamente próximos ao centro da cidade, que vertem para a Bacia
Hidrográfica do Rio Grande, já que aqueles que vertem para a Bacia do Rio São
José dos Dourados, com mais declividade, foram comercializados por Euphly Jalles em forma de pequenas
propriedades (chácaras) no início da formação da cidade, nos idos dos anos de
1940, que foram loteados primeiramente. No caso de Jales, a renda diferencial
II aparece na adição de infra-estrutura aos terrenos pertencentes aos Jalles,
resultante de doações de lotes a APAE (Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais) e a edificação de um clube, o Jales Clube. Todos esses terrenos,
quando das doações, encontravam-se externamente à cidade, por isso, foram
beneficiados pela adição de infra-estrutura construída pelo poder público (rede
elétrica, saneamento, avenida e ruas), possibilitando um aumento relativo no preço
do solo[7]
em terrenos, posteriormente, loteados, à medida que aumentava a demanda por
lotes urbanos.
Outra forma de
expressão de renda é a propriedade privada de terrenos em poder dos Jalles,
pois eles mantêm sob seus domínios, terrenos, ditos rurais, ao redor do espaço
urbano. Esses terrenos são pertencentes à Fazenda Jalles. O domínio privado
acaba por aumentar o preço do solo urbano em relação à renda da terra auferida
por atividades agropecuárias. Nesse momento, novos loteamentos são abertos. Nesse
caso, é o direito à propriedade privada que cria a renda absoluta.
Em outra situação
exprime-se a renda diferencial e de monopólio, que no caso da última se baseia
pela necessidade e pela capacidade de pagar dos compradores, no caso de
terrenos urbanos para construção de edificações. A renda de monopólio é a
apropriação pelos proprietários de terras de parte da mais valia produzida
pelos trabalhadores, resultante do monopólio da propriedade da terra. Essa
renda fica evidenciada nos terrenos resultante de loteamentos realizados na
porção Norte da cidade, como exemplos, o Jardim Aclimação, o Estados Unidos, o
Jardim Ana Cristina, o Jardim Dr. Euphly Jalles. Estes loteamentos estão na
área residencial nobre da cidade de Jales, por isso, apresentaram e apresentam
um preço diferencial nos lotes comercializados pela Imobiliária Jalemi,
pertencente à Família Jalles.
Evidente, que
outra maneira de extração da renda da terra urbana se manifesta na cidade de
Jales. Conforme escrito anteriormente, em Jales, seu fundador instituiu o
laudêmio, que se constituiu em uma cobrança baseada em princípios do Direito
Romano. Na porção do quadrilátero original de Jales mais nos bairros Jardim
Santo Expedito e Vila Inês, Euphly Jalles instituiu uma cobrança, que vigora
até os dias atuais, que resulta de um “imposto” devido ao fundador e, no caso
atualmente, aos seus herdeiros, pela transmissão de imóveis através da compra e
da venda, de 2,5% do valor venal daquilo que é objeto de negócio.
Na verdade,
constitui-se em um direito de recompra que o senhorio tem para reaver os
imóveis vendidos ou doados e, para abrir do direito de recompra, cobra-se a
taxa do laudêmio. Por esse princípio, posse e domínio estão separados. Na
cidade de Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro,
se paga enfiteuse aos descendentes da Família Imperial Brasileira. Na
orla marítima, se paga à União. Em
alguns municípios, se paga à Igreja,
resultante do parcelamento dos terrenos recebidos em forma de doação pelo
fundador, no entorno da capela, quando da fundação da cidade, como é o caso de
Tanabi, cidade próxima a São José do Rio Preto.
A enfiteuse era o direito de
usar e gozar, no Império Romano[8] , por tempo ilimitado, de um prédio rústico
alheio, para cultivo, contra o pagamento de um foro anual ao proprietário do
terreno. As suas origens remontam ao arrendamento, por prazo longo ou para
sempre, das terras públicas a particulares, contra o pagamento de uma taxa
anual denominada de vectigal. Vem daí o nome das terras arrendadas de agri
vectigales. Separadamente e bem distinto dos agri vectigales, a partir do
século III d.C., os imperadores romanos costumavam conceder, contra um foro
anual (cânon), terras incultas a
particulares, pertencentes à família imperial, para cultivo. A origem de tal
concessão de terras é de origem grega, copiada pelos romanos no Egito e em
Cartago, e chamava-se emphyteusis. A partir do século IV d.C.,
os dois institutos, o ager vectigales e a emphyteusis fundiram-se e
assim apareceu o novo instituto, sob o nome do último, na codificação
justinianéia. Os direitos do enfiteuta são bem amplos, mais do que os do
usufrutuário. Seu direito é alienável e se transfere aos herdeiros. O direito
ao recebimento do foro foi denominado de laudemium, que era a
porcentagem de 2% do preço de alienação do direito da enfiteuse, devida pelo
alienante ao proprietário. No caso do Direito Romano, extinguia-se a enfiteuse
quando: pela destruição da coisa; reunião, na mesma pessoa, das qualidades de
titular da enfiteuse e do domínio; renúncia; ou, como pena, por não pagar o
enfiteuta durante 3 anos o foro anual, ou não avisar o proprietário para que
ele pudesse exercer o seu direito de preferência em caso de venda da enfiteuse.[9]
Atualmente, está
ocorrendo um movimento liderado pelo diretório do Partido dos Trabalhadores da
cidade de Jales para, na esfera federal, tentar abolir o laudêmio, pois o Novo
Código Civil, aprovado no ano de 2000, não permite a cobrança do “imposto” em
novas situações.
A extração da renda da terra urbana em Jales,
efetuada pelos Jalles, desde o início da fundação da cidade até os dias atuais,
assenta-se nos ganhos imobiliários através da comercialização de terra e da
cobrança do laudêmio. De toda forma, os ganhos adquiridos em Jales são
transferidos para empreendimentos imobiliários na cidade de São José do Rio
Preto, distante cerca de
Evidentemente que
este projeto de negócios imobiliários foi gestado há algum tempo. Como escrito
anteriormente, Euphly Jalles grilou terras na Fazenda Ponte Pensa, entre os
anos 1930 e 1940. De início, tentou se desfazer de suas posses vendendo-as em
terrenos maiores, mas não conseguindo devido à forte depressão econômica e ao
retalhamento das propriedades rurais nas antigas zonas de ocupação do Estado de
São Paulo. Quando do anúncio do prolongamento dos trilhos da Estrada de Ferro
Araraquarense (EFA), hoje Ferroban, que estavam parados
Em todo o Oeste do
Estado de São Paulo, fundar uma cidade constituiu em uma estratégia para
promover a venda das terras rurais. Assim, não foi diferente com várias cidades
na Microrregião de Jales, como: Santa Fé do Sul, Santa Albertina, Santana da
Ponte Pensa, Paranapuã, entre outras. Desta maneira, Euphy Jalles fundou a
cidade, como data oficial, no dia 15 de abril de 1941. Foi elevada a condição
de Distrito de Paz pelo decreto-lei nº 14334 de 30 de novembro de 1944 e
tornando-se município no dia 24 de novembro de 1948 pela lei nº 233. Tornou-se
comarca pela lei nº 1940 de 3 de dezembro de 1950. Em um prazo inferior a dez
anos, Jales elevou-se da categoria de vila a comarca.
Do ano de 1949 até
1953, Jales teve seu primeiro prefeito. O eleito para o primeiro mandato foi
Euplhy Jalles. De
Também, dentro da
perspectiva da produção do espaço urbano de Jales e a extração da renda da
terra, incluiu-se, aqui, a análise do
conceito de poder local, que permeia a todo tempo, a compreensão da
dinâmica territorial na cidade. Por esta perspectiva, Euphly Jalles exerceu o
poder local ou aliou-se a ele em todas as esferas, promovendo o uso do público
pelo privado[10].
O poder exercido
por Jalles baseou-se, de acordo com Hobbes (1983), no poder natural e no
instrumental, que no primeiro caso refletia-se nas eminências de sua capacidade
de inteligência e de eloqüência e no segundo caso quando o poder foi adquirido,
através da riqueza ou exercendo cargo político. De acordo com Foucault (1979),
o que Jalles exercia era a microfísica do poder, manifestada nos discursos
populistas, nos hábitos, nos gestos, nas atitudes, que possibilitavam um
“endeusamento” por parte da população[11].
No imaginário das
pessoas, Euphly Jalles exerceu e exerce poder até os dias atuais, mesmo após
sua morte, que talvez por ter ocorrido de forma trágica[12],
contribuiu para reafirmação de forte poder simbólico. É fato comum, as pessoas
relatarem os vôos rasantes de avião que Jalles fazia sobre a zona urbana e
rural do município. Do imaginário social, a ideologia foi a maneira usada pelo
fundador para consolidar seu poder simbólico[13].
As representações simbólicas estão presentes em todas as localidades da cidade
de Jales, como forma de manutenção do poder, havendo como exemplos, o próprio
nome da cidade, o Córrego Jales, a Fazenda Jales, a Avenida Francisco Jalles
(pai do fundador), a Praça Dr. Euphly Jalles com estátua, a Rua Jales, a Avenida
Maria Jalles (irmã do fundador), a Vila Inês (mãe do fundador), o Jardim Ana
Cristina (filha do fundador), o Jardim Dr. Euphly Jalles.
Certamente,
ocorreu na cidade de Jales um misto de populismo com o novo coronelismo, na
figura do “doutor”. O período do Populismo contribuiu para não ocorrer a
superação das velhas práticas coronelistas no país. Certamente, ocorreu a
aliança entre as duas formas de administrar e de perpetuar o poder de classes,
tanto em nível econômico como político[14].
Na cidade de
Jales, ocorreram traços de paralelismo entre a figura do coronel e a dos chefes
populistas através da conquista do eleitorado com o empreguismo, o compadrio e
a violência. Assim, Euphly Jalles conseguia conquistas para a cidade, mas
também tornou-se instrumento das políticas estadual e federal, estabelecendo
alianças com os líderes que se encontravam no poder, usufruindo-o, oferecendo
barreiras à participação popular. Desta maneira, o “doutor” Euphly Jalles, como
era chamado, personificou a figura do “novo coronel”, como chefe do poder
local, e, ao mesmo tempo, como líder populista, inserido dentro do contexto da
política estadual e federal, colocando-se como liderança para mediar as
relações de poder nas mais diferentes esferas. Portanto, o populismo se
expressa na forma assistencial e paternalista assim como nos resquícios das
práticas coronelistas através da propriedade privada, do uso da violência, do
poder local, etc.
Desta maneira,
Euphly Jalles fez da cidade uma estrutura de poder no sentido de promover a
extração da renda da terra, tanto na área rural como na urbana. Mesmo com a
morte do patriarca, a família continuou exercendo toda forma de poder para
obter os mesmos objetivos traçados.
As relações entre
os Jalles e o poder local, como forma de promover a apropriação capitalista da
renda da terra, perduram até os dias atuais. Depois da morte de Euphly Jalles,
seus herdeiros não se envolveram diretamente na política, mas é sabido que de
modo indireto houve envolvimento através de doações de terrenos ou
financiamentos de campanhas eleitorais na cidade, como forma de troca de
favores, a partir dos quais o poder público construía obras em seus
empreendimentos imobiliários ou retardava a desapropriação de parte de suas
terras para fins públicos. Dois casos mais evidentes de envolvimento entre o
público e o privado podem ser exemplificados. Um, à cerca da doação de um
terreno na porção Sul da cidade, para construir moradias em regime de mutirão,
a bóias-frias no início década de 1980 e outro da doação do terreno para
instalação do Distrito Industrial I, para não se ter uma área nobre dos Jalles
desapropriada, situada ao longo da Rodovia Euclides da Cunha, principal eixo de
ligação com a Capital do Estado.
Após a morte de
Euphly Jalles, outras personagens ascenderam politicamente na cidade, como as
Famílias Amadeu, Viola, Rossafa, Pupim,
Caparroz. Mandato após mandato, essas famílias revezaram-se no controle
político da cidade, ora rompendo ora fazendo alianças com a Família Jalles.
Essas famílias são denominadas politicamente na cidade como a “Oligarquia
do Boi”,
pois moram em Jales e fazem seus investimentos nos Estados de Mato Grosso do
Sul, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, em atividades criatórias.
O envolvimento
destas famílias, com os Jalles, transcende a escala das simples disputas ou
alianças políticas. O que está na base de suas relações é o controle do público
pelo privado, promovendo os interesses financeiros e/ou fundiários de ambas as
partes. Caso mais exemplar, foi o processo de desapropriação de uma área,
contendo 16 alqueires[15]
ou
Após Viola, foi
eleito prefeito José Antônio Caparroz que elegeu seu vice como sucessor, José
Carlos Guisso. Posteriormente, foi eleito Antonio Sanches Cardoso que foi
sucedido, novamente, por José Carlos
Guisso. Este último morreu em um acidente de automóvel e seu vice assumiu: José
Antonio Caparroz. No transcorrer de todos esses mandatos, correu paralelamente,
uma ação de indenização, movida contra a Prefeitura Municipal de Jales, pelos
Jalles, para o pagamento pela desapropriação de suas terras.
No ano de 2002
houve um pedido de seqüestro das rendas do município, pois houve decisão
judicial de última instância, a favor da Família Jalles, estipulando o
pagamento de R$ 10.000.000, 00 (Dez milhões de reais)[16]
pela desapropriação feita no ano de 1986. O valor da indenização equivale a R$
625 000,00 (Seiscentos e vinte cinco mil reais) o alqueire, quando o valor de
mercado não ultrapassa a casa dos R$ 100 000,00 o alqueire. Houve no decorrer
do processo, negligência por parte do poder público em contestar o preço
estabelecido na perícia na ação de indenização. Perdeu-se prazo para recurso,
enfim, negligência ou conivência ocorreram nessa relação entre o público e o
privado. Isso, de certa forma, contribuiu e contribui para a expansão do
perímetro urbano da cidade de Jales.
Nos dias atuais, a
Prefeitura está propondo a venda de terrenos públicos para que se possa pagar a
Família Jalles, pois o orçamento anual do município gira em torno de R$ 24 000
000,00 (Vinte milhões de reais), o que inviabilizaria o pagamento do débito
total. Dentre os terrenos públicos, propõe-se vender uma das praças públicas, o
estádio municipal, a rodoviária, o aeroporto e o recinto de exposições.
Novamente os Jalles conseguem, mesmo que por outros meios, auferir renda da
terra na cidade.
As relações entre
o público e o privado são, de fato, pouco lícitas, quando se verifica que o
terreno desapropriado para fins de instalação do Distrito Industrial II, de
acordo com o PRODIJAL (Programa para o Desenvolvimento Industrial de Jales,
criado pelo poder público local), deveria ser dividido em lotes onde pudessem
se instalar somente indústrias. A Prefeitura Municipal de Jales construiu toda
infra-estrutura, como guias, asfalto, iluminação pública e galerias pluviais e
a SABESB (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) construiu as
redes de esgoto e água. Acontece que no Distrito Industrial foi doada, grande parte
dos terrenos, ou vendidos a preços simbólicos, como um de área de 26 mil metros
quadrados, pelo equivalente a US$ 11,00 (onze dólares) à época posterior à
desapropriação.
Esse terreno de 26
mil metros quadrados foi vendido, a preço simbólico, a José Antônio Caparroz
Bogaz, filho do prefeito à época. Atualmente, o terreno pertence à viúva do
antigo proprietário e está alugado à Prefeitura Municipal de Jales, quando,
então, seu sogro era o prefeito: José Antonio Caparroz.
Muitos outros
terrenos foram doados a vereadores e a especuladores imobiliários, que alugam
os terrenos ou galpões construídos. A maioria dos terrenos está ocupada por
atividades ligadas ao setor terciário e não ao secundário, como prevê o
PRODIJAL. Uma dessas empresas comerciais é uma revenda de automóveis da
bandeira Ford, que até 2004 era propriedade da Família Caparroz.
Durante as décadas
de 1980 e de 1990, em Jales, surgiram alguns conjuntos habitacionais,
resultante do processo de diminuição da população do campo. Jales, também,
tornou-se, de certo modo, atrativa para a população das cidades menores, por
conta de uma possibilidade maior de empregos. Portanto, houve um aumento pela
demanda por habitação associada a políticas de distensão social promovida pelo
poder público no Brasil. Caso singular houve por conta da construção de dois
conjuntos habitacionais em Jales, no decorrer das duas décadas mencionadas
anteriormente. Os dois conjuntos foram construídos no primeiro mandato de
prefeito de José Antônio Caparroz e de seu sucessor, José Carlos Guisso. Os
dois conjuntos habitacionais receberam a denominação de JACB I e JACB II,
iniciais de José Antônio Caparroz Bogaz, filho do prefeito, morto em acidente
de automóvel. Estes conjuntos foram construídos em área periférica, distando aproximadamente
5 quilômetros do centro da cidade. Nesta época a empresa concessionária de
exploração de transporte público na cidade pertencia justamente a José Antônio
Caparroz. Fica nítido a vinculação direta entre o poder local, a verticalização
entre o público e o privado e a expansão urbana de Jales.
Assim, o
crescimento da cidade foi e é determinado por interesses particulares que, de
certa forma, ocorrem no obscurantismo das relações entre aqueles que detêm o
poder local. Poder local que é exercido através das articulações entre o
público e o privado, que em Jales, desde seus primórdios, baseia-se na não
distinção entre estas esferas, devido ao fato de, na maioria das vezes, ocorrer
a apropriação do primeiro pelo segundo.
Notas
[1] Sobre terra para trabalho e terra
para negócio, ver Martins (1975).
O autor afirma que a terra para trabalho não tem preço. É usada somente para a
produção de produtos necessários à alimentação e o excedente comercializado.
Neste caso, não há a noção jurídica da propriedade e muito menos é vista como
equivalente de capital. Terra para negócio ganha um caráter capitalista de
propriedade da terra. Esta se torna equivalente de capital, à medida que o
capital territorializa-se.
[2]
Sobre a
propaganda feita pelas Companhias Imobiliárias, ver Bíscaro Neto (1993). Neste trabalho,
o autor afirma que, na colonização efetuada pela CAIC, no entorno de Santa Fé
do Sul, muitos atrativos eram oferecidos. Dentre eles o transporte de ônibus
efetuado pela companhia da estação ferroviária de Votuporanga até o local de
comercialização. Durante a viagem, o interessado na compra de lotes, era
“bombardeado” com a propaganda durante todo o percurso, ou seja, na frente do
assento onde ele estava, constavam dizeres referentes às terras como sendo de
ótima fertilidade, das facilidades no pagamento e da oportunidade em se tornar
proprietário. Quando os possíveis compradores chegavam a Santa Fé do Sul, eram
recebidos com festa regada à cerveja gelada. O gelo era buscado pelos empreendedores
na cidade de Fernandópolis, distante cerca de
[4]
Sobre o assunto
ver Hespanha, Sérgio Augusto
Menezes. Proposta para um centro cívico na cidade de Jales, SP. 2000. 1v.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – FAU, USP, São Paulo, 2000.
[5]
Sobre esse
assunto, escreveu Martins (1990):
“É comum encontrar-se nos arquivos documentos de transferência de propriedade
de uma casa a um terceiro, construída em terras de um segundo, que apenas
recebia o laudêmio, um tributo quase simbólico de reconhecimento do seu
senhorio e não de sua propriedade”. p.179-180.
[6]
As áreas
“privilegiadas” da cidade e seu entorno estão até os dias atuais sob o controle
do espólio da família Jalles que determina o direcionamento do crescimento da
cidade através da especulação imobiliária no sentido de extrair a renda da
terra. Até o momento o laudêmio é cobrado (2,5% do valor venal) nas transações
imobiliárias na área central, no Jardim Santo Expedito e Vila Inês na cidade de
Jales. No laudêmio, o espólio da família Jalles tem o domínio sem ter a posse
sobre os terrenos, mas com a opção de recompra, pois foi o próprio Euphly
Jalles quem loteou e estabeleceu essa taxa; para abrir mão da recompra a
família cobra 2,5% do valor do imóvel, segundo o Cartório de Registro de
Imóveis de Jales.
[8]
Refere-se aqui
ao Império Romano do Oriente, quando foi instituído o direito justinianeu,
durante o reinado de Justiniano, quando foi formulado 4 652 regimentos
imperiais (Codex).
[9]
Sobre o assunto
ver MARKY, Thomas. Curso elementar de Direito Romano. São Paulo:
Saraiva, 1995. Ver, também, Abreu (1997).
[11]
Em Nardoque
(2002), as entrevistas com pequenos agricultores que foram ludibriados na
compra de terras griladas por Euphly Jalles, onde os mesmos tiveram que pagar
novamente por suas propriedades, não conseguem guardar rancor do loteador,
muitas das vezes afirmando que Jalles era inocente.
[12]
Euphly Jalles
foi assassinado no dia 30 de outubro de 1965 em um estabelecimento comercial na
cidade de São José do Rio Preto por Líbero Luckesi, advogado de Alcides do
Amaral Mendonça, devido a litígios por terras na Gleba Marimbondo, parte da
Fazenda Ponte Pensa. Para ver mais sobre o assunto ler Nardoque (2002).
[15]
Aqui a medida
agrária corresponde ao alqueire paulista, ou seja,
[16]
O câmbio
dólar-real, no dia 07 de fevereiro de 2005, estava US$ 1 – R$ 2,69.
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© Copyright Sedeval
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© Copyright Scripta Nova, 2005
Ficha
bibliográfica:
NARDOQUE, S.;
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Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona:
Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX,
núm. 194 (91). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-91.htm> [ISSN:
1138-9788]
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