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USOS DO CADASTRO TÉCNICO MUNICIPAL NA FORMULAÇÃO E EXECUÇÃO DA POLÍTICA URBANA NO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE
Pedro Alves
De Oliveira
Professor
Assistente da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas
Coordenador
do Setor de Informática da Empresa de Informática e Informação do Município de
Belo Horizonte - PRODABEL
E- mail:
pedro@pbh.gov.br
Usos Do Cadastro Técnico Municipal Na Formulação E
Execução Da Política Urbana No Município De Belo Horizonte (Resumo)
Belo Horizonte (BH), capital do estado de Minas
Gerais, é uma cidade que nasceu planejada para uma realidade de fins do século
XIX. É também uma das cidades pioneiras, no Brasil, no uso de tecnologias de
geoprocessamento
Palavras-chave: Cadastro Técnico Municipal, Sistema de Informações Geográficas, Geoprocessamento, Informação Urbana.
Using Cadastral
Mapping in Urban Politics Formulation and Execucion in
Belo Horizonte (BH), capital of Minas Gerais
state, is a city planned for the XIX century’s end reality. It is also one of
the first cities in
Key words: Cadastral Mapping, Geographic
Information System, Geoprocessing, Urban Information.
Breve Visão da Gestão
Municipal no Brasil Contemporâneo
O poder político brasileiro é exercido em três
níveis distintos, bem delimitados – municipal, estadual e federal. São esferas
de poder autônomas, que se organizam administrativa, legal e politicamente. Por
se tratar de uma república federativa, existe entre esses três níveis de poder,
uma separação de competências constitucionalmente garantida e exercida na
prática. Por exemplo, embora o município não possa legislar contradizendo a
constituição federal em algum de seus artigos, ele pode transcender as definições
constitucionais e implementar seus próprios mecanismos de exercício das funções
que lhe são delegadas, dentre as quais a Constituição Federal destaca (BRASIL,
1988) “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local...”
A Lei Orgânica é o principal instrumento que
rege o funcionamento dos municípios, devendo ser elaborada e aprovada em cada
instância municipal que compõe a federação. A Lei Orgânica do Município de Belo
Horizonte (BELO HORIZONTE, 1990, p. 7) destaca, no art. 1º, que: “O município
de Belo Horizonte integra, com autonomia político-administrativa, a República
Federativa e o Estado de Minas Gerais”. Essa autonomia permite a formulação de
legislação municipal própria e a arrecadação de tributos em nível local, tais
como: Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), relativo à posse da terra e
de imóveis e Imposto Sobre Serviços (ISS), devido pelos prestadores de
serviços.
Os principais serviços delegados ao município,
de acordo com o texto constitucional e a prática vigente, são:
·
Responsabilidade
sobre a educação fundamental (primeira à oitava série);
·
Assistência
à saúde básica do cidadão;
·
Promoção
de programas de construção de moradias populares;
·
Provimento
de “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (BRASIL, 1998). Aí se incluem o
uso e manutenção do espaço urbano: aprovação de projeto, edificação e
licenciamento de construções particulares e coletivas, além da concessão de uso
comercial e industrial do território;
·
Cuidados
com a preservação ambiental e a qualidade do meio-ambiente;
·
Promoção
da exploração ou licenciamento e uso adequado dos meios de transporte coletivos
(ônibus, táxis, transporte escolar);
·
Proteção
e cuidado com o patrimônio histórico, artístico e cultural;
·
Saneamento
básico.
O Brasil é um país onde historicamente o
município tem papel importante na vida do cidadão. Sendo a instância de governo
mais próxima do dia-a-dia das pessoas e tendo uma característica mais uniforme
em relação à realidade de outros países, que diversificaram os modelos de
distribuição territorial em nível local. Pode o município ser constituído ao
mesmo tempo por espaços urbanos e áreas rurais. Observa-se que nessas
circunstâncias o espaço urbano, a cidade, é a arena privilegiada onde os fatos
do cotidiano acontecem e são percebidos pelos seus habitantes, que assim se
relacionam com o nível local de governo de forma muito mais intensa que o fazem
com as outras esferas (estadual e federal). O aprofundamento dessa percepção
pode ser observado através de dois fatos do cotidiano das pessoas, relatado por
Oliveira (2000):
Alto nível de cobrança de serviços e projetos
dos cidadãos em relação à municipalidade: Este fato tem sido percebido e
enfrentado por todas as administrações municipais, principalmente aquelas que
propiciam mais espaço para participação popular. Afinal, quem senão o próprio
morador de uma região da cidade pode melhor caracterizar as necessidades de
intervenção do poder público naquela região?
Maior facilidade de acesso aos representantes
políticos eleitos do município (vereadores, prefeitos, líderes locais). Esses
homens públicos, pela proximidade geográfica de seus eleitores e apoiadores, se
tornam uma referência local para os cidadãos, que se sentem distantes dos
poderes de nível maior – estado e governo federal. Quando se adota alguma forma
de participação popular (orçamento participativo[i],
por exemplo), conforme descrito no tópico anterior, essa realidade acaba se
tornando dialética, surgindo pessoas na comunidade que funcionam como
referências para os outros moradores e que acabam por postular cargos
políticos;
Oliveira (2000, p. 67) descreve que há uma
dicotomia entre poder e capacidade de mobilização colocada para os gestores
municipais, destacando que as importantes atribuições do município na vida dos
cidadãos não são acompanhadas por mecanismos que permitam ao povo exercer o
poder que a principal lei municipal lhe outorga (Belo Horizonte, 1990, art 2º),
“Todo o poder do município emana do povo, que o exerce por meio de seus
dirigentes eleitos, ou diretamente, nos termos da Constituição da República e
desta Lei Orgânica”. Apoiando-se na literatura para descrever essa situação, o
autor descreve algumas experiências brasileiras de tentativa de aproximação
entre poder público e cidadão, que acabavam por gerar demandas ainda maiores de
serviços públicos.
Outra questão que o autor levanta diz respeito
ao papel do planejamento como ferramenta indispensável para gestão pública, em
todos os níveis. Em termos municipais, é possível planejar de forma realista e
eficaz fazendo uso de um modo de governar mais participativo, em que a
população ajuda a identificar demandas e buscar soluções, ao mesmo tempo
compondo um orçamento público adequado à situação econômico-financeira e social
da cidade. Infelizmente, não é usual adotar-se uma postura agressiva em termos
de planejamento no Brasil por vários motivos. Este trabalho pretende destacar
algumas vantagens da utilização do geoprocessamento como ferramenta adequada e
indispensável para gestão municipal, permitindo planejamento e execução de uma
série de serviços devidos pelos órgãos municipais. Serviços nas áreas de saúde,
educação, trânsito, regulação urbana, licenciamento de atividades comerciais e
industriais e saneamento, dentre outros, são totalmente dependentes de uma
referência geográfica.
Perguntas pertinentes se colocam, de
característica eminentemente geográfica, como:
·
Onde
é mais adequado instalar postos de saúde e escolas?
·
Como
prover acesso dos cidadãos a esses serviços?
·
Como
alocar os alunos às escolas mais próximas?
·
Como
sair de um lugar A e chegar a um lugar B?
·
Que
linha de ônibus atende a um determinado trajeto?
·
É
possível edificar prédios residenciais em determinada área?
·
O
bairro onde um cidadão pretende morar é oficial (legalmente registrado)?
·
A
ocupação de uma área está de acordo com os padrões urbanísticos e ambientais
vigentes?
·
Que
tipo de comércio pode ser instalado numa determinada região da cidade?
·
Qual
é o percentual da cidade servido de saneamento?
·
Como
se estruturam as redes de água e esgoto?
·
Qual
é a qualidade de vida e que tipo de lazer se oferece aos cidadãos de cada
região?
Também pode-se fazer cruzamentos de informações
de modo a melhorar as análises de necessidades de investimentos e identificar
problemas de infra-estrutura ou atendimento às necessidades básicas da
população. São análises cruzadas do tipo:
·
Que
percentual de pessoas residentes em áreas não atendidas por redes de água e
esgoto possuem problemas de saúde?
·
Onde
se deve investir o maior volume de recursos na construção de unidades
educacionais para enfrentar o problema da baixa taxa de alfabetização?
·
Que
tipo de hospital público um bairro de periferia demanda? Qual é o volume
previsto de atendimentos?
·
Onde
implantar uma nova linha de ônibus?
·
Como
melhorar o fluxo do trânsito numa determinada região?
Todas essas questões são passíveis de solução
com o uso de ferramentas de informática na geografia, ou seja, ferramentas de
geoprocessamento. Os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) são conjuntos de
hardware, software e pessoas especializadas, que juntos promovem o
desenvolvimento sistêmico desses aspectos, permitindo o planejamento
geograficamente elaborado, de modo a garantir a melhor distribuição territorial
dos recursos públicos, que são limitados.
Na seção seguinte será abordado o uso do
geoprocessamento e dos SIGs em empresas municipais, sendo posteriormente
abordado, neste artigo, o caso da cidade de Belo Horizonte.
Um Pouco da História e
Características Sócio-Econômicas do Município de Belo Horizonte
Um dos mais importantes municípios brasileiros,
a capital do estado de Minas Gerais é a quarta cidade do país em população,
contando com uma população, de acordo com o último censo (2000), de 2.238.526
habitantes. A densidade
populacional é de 6.763 hab/ km2. Na região metropolitana vivem quase 4 milhões de
pessoas. A área total do município é de 330 km2, ocupados por uma
população que vive exclusivamente em zona urbana, embora ainda haja algumas
poucas áreas remanescentes de antigas fazendas, que não chegam a caracterizar
uma área rural na acepção do termo.
Delimitado pelas latitudes 19º
O Produto Interno Bruto (PIB) foi de
R$21.243.167.000,00 em 2000, resultando num PIB per capita de R$9.527,40. O orçamento para 2005 é de
R$3.597.425.670,00. Existem 200 vilas e favelas, com um total de
aproximadamente 450 mil pessoas, além de 60 mil pessoas morando em áreas de
risco de desabamento, enchentes e outros acidentes naturais. O índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), de acordo com a metodologia da Organização das
Nações Unidas (ONU), é de 0,839.
A figura 1 mostra a localização do município no
estado e no país e a figura 2 os limites dos municípios da região
metropolitana. Observa-se que, tratando-se de uma metrópole regional cuja
posição é central em relação ao estado, constitui rota de passagem para
migrantes que saem de regiões próximas à procura de emprego, num fenômeno
semelhante ao que acontece com a cidade de São Paulo em nível federal. Parte
desse fluxo migratório não consegue emprego formal, indo fixar residência em
vilas e favelas, normalmente localizadas em encostas de morros com alto risco
de desmoronamento na época de chuvas.
Figura Nº1
Mapa político do Brasil
(fonte: http://www.brasilchannel.com.br/capitais/
)
Figura Nº2
Limites do Município de Belo Horizonte
(Fonte:
www.vivercidades.org.br)
Segundo dados divulgados pelo site da prefeitura (www.pbh.gov.br), o município experimentou na segunda metade do século XX, assim
como várias outras capitais brasileiras, um rápido crescimento populacional que
degradou a qualidade de vida da população e trouxe problemas de falta de
saneamento, e outras infra-estruturas. De fato, a população do município em
1912 estava na faixa de 40.000 habitantes, com 70% deste número residindo em
subúrbio e colônias Agrícolas, fora da área planejada pela Comissão Construtora
como Zona Urbana. Este número de habitantes salta para 115.000 em 1935 e, no
início da década de 50, atinge os 690.000. Porém, é a partir de então que se
inicia o maior crescimento populacional, com a chegada de migrantes de diversas
partes do estado e do país, à procura de emprego. Ao chegar na década de
A figura 3 apresenta um mapa com a evolução da
ocupação territorial da cidade, onde fica evidente a expansão populacional a
partir do centro, em direção à periferia. As manchas mais escuras indicam as
regiões que foram ocupadas primeiramente:
Figura Nº3
Evolução da
ocupação da cidade de Belo Horizonte (fonte: Plambel, 2000)
Segundo a ONG Vivercidades (2005) existem
alguns traços estruturais que Belo Horizonte apresentava na inauguração e que
acabaram por determinar sua geografia sócio-econômica até hoje. A cidade se
encontra dividida em três principais zonas: a área central urbana, a área
suburbana e a área rural. Foram planejadas e criadas colônias agrícolas
compostas de chácaras que funcionavam como um cinturão verde, abastecendo a
cidade de hortifrutigranjeiros. Na área urbana bairros de características
luxuosas foram construídos para os altos funcionários, sendo separados dos
bairros operários. Existe um bairro de classe média-alta, chamado Funcionários.
A industrialização no município surgiu nas
primeiras décadas do século XX, com uma predominância inicial de fábricas de
tecidos. Era baseada em pequenas e médias plantas. A cidade apresentava, já nos
primeiros anos, vocação para os serviços, voltados para atender às necessidades
do rol de funcionários públicos que a habitavam.
A deficiência dos serviços de infra-estrutura
acabou surgindo, causada pelo sub-dimensionamento desses serviços e pela rápida
expansão populacional de uma cidade criada para ser um lugar elitista,
separando funcionários do Governo e as elites (que tinham posses para adquirir
lotes) do restante da população. Era objetivo dos construtores desalojar e
retirar os operários responsáveis por erguer a cidade, ao término de sua
construção. Porém, com o atraso na finalização das obras acarretado pela falta
de dinheiro, surgiu o primeiro problema social da nova capital - o início da
exclusão social.
Aspectos Urbanísticos
e Arquitetônicos
Vivercidades (2005) descreve Belo Horizonte
como uma cidade cujo traçado foi baseado no que havia de mais evoluído em
urbanismo, à época. Construída para ser a capital do estado de Minas Gerais em
substituição à histórica Ouro Preto colonial, cidade de ruas estreitas e
ladeiras íngremes do século XVIII, o antigo povoado de Curral Del Rey foi
escolhido para sediar a nova capital pela localização estratégica e acesso aos
recursos naturais. Concebida segundo o ideal de cidade republicana, foi
projetada sob inspiração neoclássica. O projeto urbanístico-arquitetônico,
elaborado em fins do século XIX, apresentava forte influência européia,
predominantemente da escola francesa, contando ainda com inspiração dos
traçados de Paris e Washington. A inauguração da nova capital se deu em 12 de
dezembro de 1997.
O plano urbano foi concebido pelo chefe da
Comissão de Construção da Nova Capital, engenheiro Aarão Reis. A zona urbana da
cidade foi geometricamente traçada, com ruas paralelas e avenidas ortogonais
delimitadas por praças e muitas áreas verdes, como pode ser visto num antigo
mapa apresentado na figura 4. Essa característica lhe trouxe mais tarde a
alcunha de cidade jardim. O traçado na forma de tabuleiro de xadrez era
completamente circundado pela avenida do Contorno, funcionando como uma muralha
imaginária da cidade. A previsão inicial era que a capital abrigasse, no
máximo, cem mil habitantes.
Porém, criada com a finalidade de ser a capital
administrativa do estado, a expansão populacional seria inevitável, à medida
que a administração pública se expandia e a população do estado também crescia.
Figura Nº4
Mapa de 1959
(fonte: www.pbh.gov.br)
No projeto original, a área central da cidade
era seu coração administrativo. Nele ficavam o palácio de governo e os prédios
oficiais, em estilo eclético com ornamentação art nouveau. Outros pontos de referência importantes eram a igreja
Matriz da Boa Viagem, o Parque Municipal, praticamente a única área de lazer
disponível então e o Mercado Central.
Artistas de diversas nacionalidades trabalharam
nos primeiros anos de vida de Belo Horizonte - pintores, escultores e
fotógrafos, provenientes da França, Alemanha, Áustria e Itália, que
introduziram o paisagismo, o simbolismo e o realismo na arte da nova capital.
As construções oficiais seguiam os princípios da Escola de Belas Artes de Paris,
e a decoração dos prédios.
Mas ao lado do lado rico, charmoso e chic da cidade de padrão europeu que
nascia já se podia notar o duro contraste representado pela pobreza – operários
que trabalharam na construção de uma cidade feita para outros, não para eles.
Algo que veio a se repetir décadas depois, durante a construção da capital do
Brasil, Brasília, cercada por cidades satélites carentes da mínima
infra-estrutura.
No caso de Belo Horizonte, houve uma segregação
desses operários que, indo morar na periferia do novo centro urbano, começaram
a constituir uma cidade ao lado da cidade, de padrão totalmente diferente da
que foi planejada – sem padrões urbanísticos adequados, casas edificadas sem
qualquer cuidado arquitetônico ou padrão estético.
Cartografia do
Município - dos Mapas da Construção até o Surgimento do Cadastro Técnico
Municipal (CTM)
Nesta seção pretende-se analisar a importância
do CTM para Belo Horizonte, cidade que possui um considerável acervo de dados e
mapas, desde a época da fundação até o atual estágio de desenvolvimento. Esta
tradição cartográfica é importante para entender a implantação da cartografia
digital no município, que é tema da seção seguinte.
Em 2002, o governo federal lançou o Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e
Fiscal dos Municípios Brasileiros (PNAFM), através da Unidade de Coordenação
de Programas (UCP). Seu objetivo
principal era “apoiar o governo brasileiro na busca de estabilidade
macroeconômica por meio de um equilíbrio fiscal auto-sustentável, fundamentado
em uma política transparente e eficiente na gestão da receita e do gasto
público municipal.” (BRASIL, 2005)
Estruturado com base no Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), foi produzido um documento que define, no
anexo
O documento segmenta a definição do CTM em 5
cadastros:
1. Cadastro Único de Contribuintes,
contendo os dados de todas as pessoas, físicas e jurídicas, sujeitas a algum
tributo municipal;
2. Cadastro Imobiliário Municipal, que
reúne as características de todos os imóveis e edificações existentes no
município;
3. Cadastro de Logradouros, com o
registro dos logradouros (ruas, avenidas, etc);
4. Cadastro de Trechos de Logradouros,
definindo as principais subdivisões de logradouro;
5. Cadastro Econômico, com os dados dos
contribuintes sujeitos a algum tipo de tributo (IPTU, ISS, etc).
O modelo adotado na capital mineira não difere
muito dessa proposta, embora tenha sido implantado antes dela. Além disso, os
dados são organizados e categorizados, de modo a permitir uma melhor
distribuição de responsabilidades entre as diversas áreas de negócio
envolvidas.
Uma seqüência de figuras, apresentada em ordem
cronológica, serve como exemplo da evolução que a cartografia tem sofrido ao
longo dos anos no município. A figura 4 (ver seção anterior) mostra um mapa
feito em papel, a partir de fotografias aéreas de 1953 do hipercentro, onde se
pode distinguir um grande número de elementos: arruamento, quadras, lotes,
árvores e edificações, dentre outros. A figura 5 apresenta um mapa também
convencional, produzido a partir de dados de 1979 contendo ainda mais elementos
(pode-se observar, por exemplo, as curvas de nível) e com melhor qualidade
final. Finalmente, é mostrado na figura 6 um mapa digital produzido em
Figura Nº5
Mapa de 1979
(fonte:
www.pbh.gov.br)
Figura Nº 6
Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo em
formato digital
(fonte: www.pbh.gov.br)
A implantação do Cadastro Técnico Municipal
(CTM), na década de 70, pela prefeitura constitui um marco que alterou
substancialmente a forma de obter, manter e divulgar as informações urbanas
básicas. A empresa encarregada de manter esse acervo foi a recém-criada Empresa
de Processamento de Dados do Município de Belo Horizonte – PRODABEL, cujo nome
foi posteriormente mudado para Empresa de Informática e Informação do Município
de Belo Horizonte, mantendo a mesma sigla.
Passou-se a manipular a extensa mapoteca
existente de forma mais organizada e cuidadosa. Inicialmente, contratando
profissionais especializados em cartografia, geografia e ciências afins com o
intuito de manter o acervo em papel até finalmente implantar, em fins da década
de 80, o geoprocessamento na capital mineira.
Para a utilização de cartografia digital as
necessidades de mão-de-obra e recursos eram maiores e mais específicas. Houve a
necessidade de contratação de pessoas de diversas especialidades profissionais:
topógrafos, engenheiros, cartógrafos, geógrafos, digitalizadores, técnicos e
analistas de informática, um grupo multidisciplinar que deveria responder pela
tecnologia utilizada, ainda pioneira em termos de Brasil. Durante os trabalhos
de montagem da base de dados trabalharam também técnicos contratados para
algumas etapas específicas do trabalho, que só precisavam ser feitas uma vez.
Isto aconteceu nas áreas de
aerofotogrametria e restituição, por exemplo. Empresas de engenharia
especializadas nesse tipo de trabalho foram contratadas nessas etapas.
Finalmente, houve a prospecção e aquisição de
um Sistema de Informação Geográfica (SIG), escolhido dentre vários software avaliados, para manutenção da
base cadastral urbana. Foi uma aquisição importante para a equipe de
geoprocessamento do município, viabilizando a montagem do acervo digital de
componentes geográficos – camadas de informação compostas dos objetos
considerados importantes para o CTM. Inicialmente, eram cento e oitenta camadas
que com o passar do tempo foram ampliadas até chegar a um número excessivamente
grande (mais de 300). Esse elevado número de componentes acabou por configurar
uma base de dados ampla demais para ser mantida por um único órgão e uma única
equipe. Deve ser ressaltado que, além das geometrias das feições geográficas
tinham de ser mantidos os atributos, tais como código e nome de cada elemento e
características adicionais.
As principais feições armazenadas eram as que
caracterizavam a riqueza do solo urbano e seus equipamentos, destacando-se como
de especial interesse:
·
Limites
oficiais do município;
·
Bairros
oficiais;
·
Bairros
populares;
·
Logradouros,
com seus códigos e nomes oficiais;
·
Quadras,
sequencialmente numeradas, com todos os atributos que lhe dizem respeito;
·
Lotes,
com os dados de propriedade e da lei de uso do solo;
·
Imóveis,
com propriedade e dados de ocupação (industrial, comercial, residencial);
·
Edificações,
de vários tipos: públicas, industriais, particulares, de referência;
·
Infra-estrutura
urbana: pavimentação, energia elétrica, telefone, iluminação, meio-fio,
sarjeta;
·
Equipamentos
públicos: Praças, canteiros, áreas de lazer;
·
Hidrografia
(rios, córregos, lagoas, represas);
·
Saneamento
básico: esgoto e água;
·
Árvores,
parques e jardins;
·
Escolas
e jurisdições escolares;
·
Hospitais
e unidades de saúde.
A expansão do uso dos softwares e dados que
compunham o SIG veio a partir da aquisição de produtos específicos para
cartografia, CAD e outros complementares, de uso específico e custo mais baixo.
Essa nova direção tecnológica permitiu que o geoprocessamento se tornasse uma
ferramenta de ampla utilização na prefeitura. Pouco a pouco, alguns órgãos e
empresas municipais começaram a se aparelhar, tanto em termos de hardware como de software, orientando seus projetos para atender a seus próprios
interesses. A característica transdisciplinar dos dados mantidos na base e dos
que iam sendo agregados, a cada novo projeto ou demanda, fez com que esses
dados fossem categorizados em temas que se apresentam bem delimitados, conforme
se apresenta nos parágrafos a seguir.
O tema Mapa Urbano Básico (MUB) contempla dados
referentes ao “chão da cidade”, que reúne as feições necessárias para qualquer
trabalho com SIG urbano, sendo formada pelos elementos essenciais ao CTM;
O tema da regulação urbana é gerido pela
secretaria municipal homônima, responsável pela definição de parâmetros
relativos à posse de terrenos, construção, moradia, serviços, comércio,
indústria e fiscalização, editando a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do
Solo (LPOUS).
Os dados de Transportes e Trânsito são
necessários à gestão de transportes e trânsito em ambiente urbano, sendo de especial
interesse e ficando sob a gestão do órgão municipal de trânsito.
A secretaria responsável pela saúde cuida de um
conjunto de dados que permitem gerir a saúde pública, municipalizada no Brasil.
Compõem essa base hospitais, postos e unidades de saúde, dentre outros
elementos que são geograficamente representados.
O tema educação, pertencente à Secretaria
Municipal de Educação, demanda os dados necessários para fazer o planejamento
da distribuição de alunos pela rede escolar e os controles necessários sobre
essa rede.
O tema saneamento (água e esgoto) apresenta
como peculiaridade o fato de que a água e o esgoto são serviços geridos pela
companhia estadual sendo, no entanto, necessário manter um controle sobre esses
importantes recursos, fundamentais para a saúde da população.
Limpeza urbana é outro tema sob
responsabilidade de uma companhia municipal, que utiliza dados
georreferenciados para melhorar a prestação dos serviços de coleta de lixo,
varrição e outros.
Meio ambiente é um tema que também possui uma
secretaria municipal encarregada e sua importância só tem crescido a cada dia.
Legislação urbana é uma área que atende aos
legisladores, pessoas responsáveis pela elaboração das leis que, em última
instância, irão criar ou aperfeiçoar os instrumentos de política urbana. O
órgão correspondente é a Câmara Municipal.
Existem ainda outros temas, mas não é objetivo
deste trabalho esgotar a categorização da base de dados do CTM. Entretanto, é
importante destacar que atualmente, após longos anos de entendimentos e
negociações, expandiu-se o acesso e o uso ao acervo de dados em poder da
prefeitura municipal através de um amplo convênio de troca de informações que
reúne empresas e órgãos dos três níveis de governo – federal, estadual e
municipal, além de empresas prestadoras de serviços públicos. Graças a esta
iniciativa pioneira é possível, por exemplo, manter compatibilidade entre os
cadastros de endereços, logradouros e bairros desses órgãos convenentes,
evitando que o cidadão tenha de ser penalizado com a falta de sintonia entre
eles, que gerava problemas de duplicidade de referência e de endereçamento,
historicamente graves, embora tecnicamente fáceis de resolver. Num futuro próximo, espera-se poder manter um
banco de dados comum a essas diferentes instituições, trazendo para o cidadão o
benefício maior de um cadastro unificado com todos os temas pertinentes à
formulação e execução da política urbana.
O Geoprocessamento
Como Ferramenta de Gestão Municipal
Constituiu-se, a partir da utilização da computação
na área de geografia, um ramo de estudo que alia técnicas atinentes a ambas,
formando o que se passou a chamar geoprocessamento. Os sistemas compostos de
recursos para processamento de informações geográficas logo se expandiram,
mostrando uma importância efetiva na melhoria dos processos de planejamento
urbano, meio-ambiente, agricultura, geologia, mineralogia e inúmeros outros.
Davis (1997) define Sistemas de Informação
Geográficos (SIG) como:
“...sistemas automatizados usados para armazenar, analisar e manipular
dados geográficos, ou seja, dados que representam objetos e fenômenos em que a
localização geográfica é uma característica inerente à informação e
indispensável para analisá-la.”
As cidades que possuem um planejamento urbano
desenvolvido não podem prescindir de uma ferramenta que permite analisar a
distribuição geográfica de fenômenos de características tão diversas como
distribuição populacional, acesso a serviços e recursos essenciais (saúde,
educação, lazer), segurança, atividades econômicas, dentre muitas outras.
Belo Horizonte iniciou o projeto para
implantação do geoprocessamento ainda em fins da década de 80, tendo como
alguns dos principais marcos:
·
1989:
marco inicial - decisão de reconstruir a cartografia municipal por meio de processos
aerofotogramétricos, gerando mapas em papel e arquivos digitais;
·
1990:
início do processo de restituição das fotos aéreas;
·
1990:
prospecção de um Sistema de Informações Geográficas (SIG) para a Prodabel;
·
1991:
contratação, por licitação, do SIG francês APIC;
·
1992:
construção do primeiro banco de dados geográfico de BH; início do
desenvolvimento de aplicações;
·
1994:
Início da utilização de ferramenta específica para cartografia;
·
1995-1999:
Desenvolvimento de aplicações para diversas áreas, expansão de uso;
·
2000:
início do processo de reestruturação do geoprocessamento, através da definição
da nova plataforma tecnológica, aderente aos padrão do Open Gis Consortium
(1999);
·
2002:
Mapa Digital;
·
2003-2004:
Aplicações web;
·
2004-2005:
Consolidação da mudança tecnológica e disseminação de uso das novas
ferramentas.
As principais secretarias e órgãos que se
beneficiam dessa tecnologia e as principais aplicações que estão disponíveis
atualmente são:
·
Cadastro
Técnico Municipal: técnicos responsáveis pela manutenção da base cadastral;
·
Regulação
Urbana: secretaria que faz uso do CTM para identificar, fiscalizar e licenciar
atividades, imóveis e edificações;
·
Transportes
e trânsito: órgão público que utiliza a cartografia digital para definir rotas
de transporte coletivo, mãos de direção de vias, etc;
·
Educação:
secretaria responsável pela alocação automática de alunos das redes de primeiro
grau através de cálculos de distância e rota;
·
Saúde:
área usuária do geoprocessamento para identificar epidemias, endemias e
incidência de doenças, de modo a poder agir preventivamente e corretivamente;
·
Saneamento:
realiza o planejamento e controle de varrição utilizando cálculos logísticos,
como de área das vias públicas e rota de caminhões.
Foram enumeradas aqui apenas algumas das
principais áreas e formas de aplicação de geotecnologias no município de Belo
Horizonte, atualmente. Porém, é importante destacar ainda as possibilidades de
acesso a informações públicas pelo cidadão, através da web e da área de
atendimento presencial, além das já citadas interações entre prestadoras de
serviços públicos, firmas de engenharia, imobiliárias, dentre outras, e
prefeitura municipal. Essa maior facilidade de obtenção de informações acaba
revertendo em benefício para o cidadão, que deste modo pode pagar menos pelos
serviços prestados por toda essa gama de empresas.
Considerações Finais
sobre a Situação Analisada neste Trabalho
A cidade de Belo Horizonte tem sido um exemplo
bem sucedido do uso das tecnologias de geoprocessamento em nível municipal.
Elevados gastos com hardware, software e outros recursos têm sido
demandados, sempre disputados com vários outros projetos concorrentes, mas os
gastos sempre têm se mostrado compensadores, resultando numa boa relação custo
– benefício.
Do ponto de vista fiscal e tributário, passa-se
a dispor de mecanismos que permitem melhor aplicação das leis municipais,
ensejando o justo tratamento da posse da terra e da exploração do solo urbano
para fins de edificação ou simplesmente de geração de renda.
Muito ainda precisa ser feito para que as
geotecnologias possam gerar melhoria de vida para os cidadãos que delas mais
necessitam, elevando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de populações
excluídas das melhorias setoriais que a dinâmica capitalista tem oferecido.
Como se pode observar, numa capital como Belo Horizonte ainda convivem, lado a
lado, núcleos urbanos privilegiados com níveis de vida europeu, cercados por
bolsões de pobreza (que têm aumentado ano a ano) de padrão da África
subsaariana.
Se é inegável que a tecnologia sem o homem de
nada aproveita, também é correto que o bom uso da tecnologia pode levar o homem
novos patamares de bem estar e progresso social.
Notas
[i] Orçamento Participativo: forma de elaboração do orçamento público baseada na participação popular, em que são realizadas diversas sessões de assembléias deliberativas entre representantes do governo e da comunidade local, até a definição final das prioridades em termos de obras. As principais críticas que Oliveira (2000) faz a esse modelo são que ele cobre somente uma pequena parcela do orçamento e que ocorre uma profissionalização das representações locais, o que acaba por conferir-lhes um caráter “profissional”.
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© Copyright Pedro
Alves De Oliveira, 2005
© Copyright Scripta Nova, 2005
Ficha bibliográfica:
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Municipal Na Formulação E Execução Da Política Urbana No Município De Belo
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Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (92). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-194-92.htm> [ISSN:
1138-9788]
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