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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. X, núm. 218 (51), 1 de agosto de 2006 

QUANDO A FÁBRICA CRIA O BAIRRO: ESTRATÉGIAS DO CAPITAL INDUSTRIAL E PRODUÇÃO
DO ESPAÇO METROPOLITANO NO RIO DE JANEIRO

Márcio Piñon de Oliveira*

Universidade Federal Fluminense
Estado do Rio de Janeiro, Brasil.


Quando a fábrica cria o bairro: estratégias do capital industrial e produção do espaço metropolitano no Rio de Janeiro (Resumo)

O presente trabalho trata-se do fenômeno industrial na sua relação com o espaço urbano, tendo como objetivo analisar as estratégias espaciais pelo capital industrial territorialmente.

Para esse estudo tomamos como objeto de observação e pesquisa a Companhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB), mais conhecida por Fábrica Bangu, fundada no final do século XIX, no Rio de Janeiro.

 A análise das estratégias praticadas pela CPIB em seu território fabril nos permitiu identificar três arranjos espaciais: o de “fábrica-fazenda”, constituído a partir da implantação da fábrica na Fazenda Bangu em 1889; o de “cidade-fábrica”, que ganha corpo durante a primeira grande expansão da produção têxtil da Companhia, nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial; o de “fábrica da cidade”, cuja configuração se inicia em meados da década de 1930 com o processo de alienação patrimonial promovido pela companhia e a incorporação definitiva do subúrbio de Bangu à dinâmica do espaço metropolitano do Rio de Janeiro.

A materialização de cada um desses arranjos espaciais apresentou correspondência com as etapas da acumulação de capital, combinando as condições específicas de realização do empreendimento fabril (Fábrica Bangu) com as condições gerais de desenvolvimento do capitalismo na formação social brasileira.

Palavras-chaves: Capital industrial; espaço urbano; território fabril.


When  the factory create the city district: capital strategies and production of the metropolitan space in Rio de Janeiro (Abstract)

This essay deals wit industry and its relationship with urban space. It aims at follwed by afraction of the industrial capital in Rio de Janeiro. The object of our research is the Companhia Progrsso  Industrial do Brasil (CPIB), a textile industry established in 1889, and more popularly known as Fábrica Bangu. By means of an analysis of the territorial strategies followed by CPIB, it was possible to identify three spatial-temporal phases. The first one is the “Farm-Factory” phase, and relates to the very establishiment of a factory that still has several links with the rural sector. The second phase can be regarded as the “Company-town” phase, urban improvements start to be provided and production experiences its first great expansion, especially in the years preceding Wold War I. Finally, the third and last phase is characterized by the adoption of a estrategy that stresses the sale of the territorial domains obtained earlier, thus transforming the CPIB in factory not so much uncommon than the others in the city. This is what we have called the “Urban Factory” phase. The advent of each one of these territorial strategies is closely related to corresponding stages of capital accumulation that combine the special conditions governing capital accumulation at the level of the firm with the general conditions  guiding the development of capitalism in the Brasilian social formation.

Keys-words: Industry capital; urban space; factory territory.


 O presente trabalho trata do fenômeno industrial na sua relação com o espaço urbano, tendo como objetivo analisar as estratégias espaciais pelo capital industrial territorialmente.

Para esse estudo tomamos como objeto de observação e pesquisa a Companhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB), mais conhecida por Fábrica Bangu, fundada no final do século XIX, no Rio de Janeiro.

 A análise das estratégias praticadas pela CPIB em seu território fabril nos permitiu identificar três arranjos espaciais: o de “fábrica-fazenda”, constituído a partir da implantação da fábrica na Fazenda Bangu em 1889; o de “cidade-fábrica”, que ganha corpo durante a primeira grande expansão da produção têxtil da Companhia, nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial; o de “fábrica da cidade”, cuja configuração se inicia em meados da década de 1930 com o processo de alienação patrimonial promovido pela companhia e a incorporação definitiva do subúrbio de Bangu à dinâmica do espaço metropolitano do Rio de Janeiro.

A materialização de cada um desses arranjos espaciais apresentou correspondência com as etapas da acumulação de capital, combinando as condições específicas de realização do empreendimento fabril (Fábrica Bangu) com as condições gerais de desenvolvimento do capitalismo na formação social brasileira.

A origem e a fundação do capital da Companhia Progresso Industrial do Brasil

Em 6 de fevereiro de 1889 foi constituída a Companhia Progresso Industrial do Brasil com um capital de 3.000 contos, dividido em 15.000 ações de RS200$000 cada uma.  A companhia tinha um prazo de 30 anos para funcionar e poderia contrair empréstimos no Brasil ou no estrangeiro, por meio da emissão de debêntures. Estes empréstimos eram garantidos pelo ativo e imóveis da companhia até soma igual ao capital efetivamente emitido.

A Companhia Progresso Industrial do Brasil surge como um empreendimento de grande vulto, no qual estava previsto a montagem de uma fábrica com 1200 teares, máquinas de alvejar, tinturaria e estamparia, com motores do tipo “compound” britânicos, num total de 1900 cavalos-força, e com capacidade para empregar até 1600 operários.

A forma como surgiu este empreendimento é bastante interessante: um certo dia, no despontar do ano de 1889, o engenheiro brasileiro, descendente de ingleses, Henrique Morgan Snell, membro da firma “De Morgan Snell & Co”, sediada em Londres, resolve, em plena crise da economia agro-exportadora, implementar um projeto de fábrica de tecidos, oferecendo-o a quem tinha capital e meios de viabilizar a criação de uma vultosa indústria têxtil e apresentando-o como um excelente negócio para se investir. Na sua peregrinação capitalista, o engenheiro encontrou pela frente dois banqueiros, o Conde de Figueiredo e o Barão de Salgado Zenha, ligados na sua origem ao capital mercantil que, após examinarem as plantas da fábrica, acompanhadas do cálculo de custos e despesas de fabricação e demonstração de lucro provável sobre o capital empregado, resolveram bancar a idéia do projeto fabril e tomar a iniciativa da fundação da companhia.

Contudo, a fundação da Companhia Progresso Industrial do Brasil, na Praça do Rio de Janeiro, não foi um fato isolado. Seu surgimento está relacionado com aquilo que Roberto Simonsen considerou como sendo o primeiro surto industrial brasileiro, ocorrido na década de 1880 e que se estende até os primeiros anos da década seguinte. São desta época no Rio de Janeiro a Fiação e Tecidos Aliança (1880), a Confiança Industrial (1885), a Fiação e Tecidos Carioca (1886), a Fiação e Tecidos Corcovado (1889), a Fábrica São Cristóvão (1889), a Fábrica Cruzeiro (1891) e a Fábrica Bonfim (1891).

O surto da década de 1880 fez com que o Rio de Janeiro saltasse para a posição de primeiro centro industrial do Brasil, e só perdendo esta posição para São Paulo na década de 1920. A importância de tal surto para o Rio de Janeiro é tamanha que, das indústrias de fiação e tecidos de algodão do Distrito Federal que participaram da Exposição Nacional de 1908, todas haviam sido fundadas até o ano de 1891. Segundo o censo de 1920, no Distrito Federal, as empresas têxteis fundadas até 1889 representavam 72,9% do capital investido em 1920.

Não é por acaso que o maior crescimento industrial se dá exatamente no Rio de Janeiro, primeiro centro econômico do país, cuja principal região produtora de café, o Vale do Paraíba, se encontrava em franca decadência. Além da inversão de capital, oriundo direta ou indiretamente da economia cafeeira em crise, outros fatores também importantes para criar condições favoráveis ao investimento industrial têxtil no Rio de Janeiro, tais como: a ampliação do mercado de trabalhadores livres, a presença de uma política tarifária com efeitos protecionistas, as mudanças ocorridas na legislação no sentido de facilitar a organização de empresas, e a disponibilidade de bens de capital no mercado internacional, já que as economias centrais entravam na fase do capitalismo monopolista.

Neste sentido, a Companhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB) é bem uma expressão do seu tempo.

Na análise da origem do capital da CPIB, apresentada na tabela 1, podemos observar que, dos 127 acionistas que participaram da fundação da empresa, 56 eram oriundos do comércio, detendo 7210 ações, ou seja, 48,07% do capital inicial da companhia, sendo que deste capital 8,50% eram ligados ao comércio de tecidos. Os demais acionistas encontravam-se distribuídos entre 9 bancos, representando 29,46% das ações: 5 industriais com 2,13%; 7 capitalistas e proprietários com 4,70%; 17 profissionais liberais com 6,33% e 33 outros com 9,31% do total das ações.
 

Tabela 1
Origens do capital
Origem
Num. accionistas
(absoluto)
Nº de ações
%
absoluto
%
Comércio em geral
(exceto tecidos e café)
40
31,50
5.560
37,07
Comércio de café 
10
7,87
1.275
8,50
Comércio de tecidos
6
4,72
375
2,50
Bancos e banqueiros 
9
7,09
4.418
29,46
Indústrias e industriais
5
3,94
320
2,13
Capitalistas e
Proprietários 
7
5,51
705
4,70
Profissionais liberais
17
13,39
950
9,31
Total
127
100
15.000
100
Fonte: CPIB – Lista de acionistas em 06/02/1889

Embora os dados acima revelem uma nítida predominância do capital de origem mercantil na fundação da CPIB, foi o setor bancário que teve um papel mais direto e decisivo como agente deste grande empreendimento, a começar pelos bancos Rural e Hypothecário e Internacional do Brazil, duas importantes instituições bancárias que foram os incorporadores da CPIB.

Era comum, na época, as companhias terem, na sua constituição, a presença de um banco ou um banqueiro como grande acionista, ou mesmo, fazendo parte da diretoria, o que significava certamente facilidades de crédito na praça. No entanto, o que é singular na CPIB é que o capital bancário não se limitava à simples presença do banco como acionista ou de um banqueiro na diretoria: foi ele, o capital bancário, o próprio incorporador e organizador da companhia. Assim, a CPIB inaugura juntamente com a Confiança Industrial um novo estilo de empresa capitalista no setor têxtil, a iniciar pelos nomes dessas duas companhias que refletiam bem o rumor dos ventos industrialistas que sopravam no Rio de Janeiro na época. A Confiança Industrial foi a primeira grande empresa têxtil no Rio de Janeiro a ser fundada como sociedade anônima, sendo a CPIB a segunda.

Desse modo, a CPIB já nasce como uma grande empresa capitalista, não só na forma de organização acionária em sociedade anônima, com uma forte concentração de capital, mas também na forma de organização da produção, com uma acentuada divisão social do trabalho e empregando técnicas avançadas e equipamentos modernos para a época, que garantiam uma rentabilidade elevada.

Neste sentido, a CPIB e as demais indústrias têxteis modernas que surgem no Rio de Janeiro, no final do século XIX, possuíam uma divisão social do trabalho, em nível da produção, superior e bem mais desenvolvida do que aquela apresentada pela sociedade da época. A industrialização no Rio de Janeiro, no final do século XIX, iria impor um padrão de acumulação que não cabia na antiga ordem urbana, precisando, desse modo, adaptar-se (reconstruir) e/ou produzir uma outra ordem urbana mediada pelo desenvolvimento da técnica e pelo nível histórico das condições gerais de produção.

A CPIB, consagrada, posteriormente, como Fábrica Bangu, nome dado pelo lugar de sua instalação, adquirira terras fora dos limites urbanos da cidade de até então e se localizara na zona rural do antigo distrito federal, como se observa no mapa 1, levando o nome da principal fazenda existente no local.


Figura 1


A CPIB e o padrão de localização da indústria têxtil no Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro, em fins do século XIX, era ainda uma cidade de estrutura colonial-mercantil e que tinha experimentado um rápido crescimento em poucas décadas. Sua população aumentou 72% de 1838 a 1870, passando de 137.078 para 232.291 habitantes, e quase dobrou em menos de duas décadas, elevando-se de 274.972 para 522.651 habitantes no curto período de 1872 a 1890. Este vertiginoso crescimento demográfico do Rio de Janeiro deveu-se, em grande parte, à entrada de muitos estrangeiros na cidade e, também, a um considerável fluxo de migrantes oriundos de toda parte do país para a capital da República, em função da desagregação do sistema escravista, visto que um importante contingente foi de antigos escravos que abandonaram a região fluminense em decadência.

Até o final da década de 1880 o Rio de Janeiro já possuía a maior concentração operária e fabril do país. A instalação de estabelecimentos fabris na capital e adjacências, a partir de meados do século XIX, deveu-se a um conjunto de fatores, dentre os quais a acumulação de capitais provenientes da empresa agrícola ou dos negócios do comércio exterior, a facilidade de financiamento dos grandes bancos, cuja sede estava localizada na capital do país, um mercado de consumo de proporções razoáveis, abrangendo não só a cidade como a região tributária, servida pela rede de ferrovias, e a substituição da água pela energia a vapor como força motriz. Acresça-se a tudo isto, ainda, o peso da presença do aparelho administrativo da capital federal e a estrutura portuária, facilitando o acesso às matérias primas e as máquinas necessárias à produção fabril.

Se na escala nacional o Rio de Janeiro reunia, no final do século XIX, condições francamente favoráveis ao desenvolvimento da atividade fabril, na escala local, ao nível da forma e funcionalidade da organização interna do seu espaço, faziam-se presentes algumas limitações para a implantação da indústria fabril, sobretudo a moderna indústria têxtil. Tal fato, aliado à evolução tecnológica desta indústria, irá ajudar a explicar a sua localização diferenciada, como veremos a seguir.


Figura 2

Partindo da análise sobre a localização das indústrias têxteis fundadas no Rio de Janeiro e adjacências até 1891, como nos mostra o mapa 2, podemos observar que as primeiras fábricas de tecidos fundadas localizavam-se nos contrafortes da Serra do Mar e não na cidade do Rio de Janeiro. É o caso da Santo Aleixo (1849), a mais antiga delas, e daquelas que surgem na década de 1870: A Brasil Industrial (1872); A Petropolitana (1874); a São Pedro de Alcântara (1874) e a Pau Grande (1878). A exceção à regra era dada pelas fábricas S. Lázaro (1877), Santa Rita (1877) e Rink (1879) que se situavam na área urbana do Rio de Janeiro, as duas primeiras em São Cristóvão e a última no Centro.

Embora houvesse muitos estabelecimentos industriais no centro da cidade, a maioria ligada ao setor artesanal e manufatureiro (couro, chapéus, velas etc), o centro não era, efetivamente o lugar da moderna indústria têxtil.Contudo, quando comparadas àquelas situadas nos contrafortes da Serra do Mar, estas fábricas eram pouco expressivas, tanto em volume de capital quanto em número de fusos, de teares, de operários e de força motriz.

As indústrias têxteis que se instalaram junto à Serra do Mar tinham uma grande dependência das quedas d’água, pois utilizavam tecnologia baseada na energia hidráulica. Em função disso, a distância do mercado assumia posição secundária em relação à possibilidade das fontes hidráulicas. Segundo Stein (1979) havia, no meio industrial brasileiro da época, uma mentalidade de que para o país este tipo de tecnologia era a mais adequada devido ao fato de que o Brasil tinha grande potencial hidráulico.

Outro fator a ser considerado é a força de trabalho. Não havia, até o final da década de 1870, um mercado de força de trabalho capitalista totalmente constituído, o que só iria acontecer ao longo das décadas seguintes, em especial após a abolição da escravatura. Tal fato fez com que estas empresas lançassem mão, quase que obrigatoriamente, da força de trabalho estrangeira (imigrantes), no estilo de núcleos coloniais afastados dos ares urbanos do Rio de Janeiro. Foi o caso da Santo Aleixo, da Brasil Industrial e da Petropolitana, sobretudo com a presença de imigrantes alemães e suiços.

No tocante às ferrovias, das indústrias têxteis situadas nos contrafortes da Serra do Mar, houve apenas duas que se beneficiaram da malha ferroviária já existente: a Brasil Industrial e Pau Grande. Para as demais, a ferrovia parece não ter exercido um papel de atração locacional tão fundamental, tanto que a localização dessas fábricas, de um modo geral, não se deu às suas margens.

O sistema de transporte que era utilizado pelas fábricas Petropolitana, São Pedro de Alcântara e Santo Aleixo foi o mesmo que servia tradicionalmente à lavoura cafeeira nesta área, isto é, feito através de trilhas de mulas em conexão com pequenos portos fluviais e marítimos que davam acesso à Baía de Guanabara.

Em contraposição às indústrias têxteis mais antigas, aquelas que foram fundadas na década de 1880 e início da década seguinte, seguiram outros raciocínios locacionais, resultando daí uma localização dominante junto à cidade do Rio de Janeiro, no Distrito Federal, caracterizando um surto, ao contrário do anterior, marcadamente urbano. A opção preferencial pelo vapor como força motriz teve um papel fundamental na orientação deste padrão. De maneira integral ou parcial todas as indústrias deste surto adotaram a energia a vapor, o que se traduzia, conseqüentemente, numa menor dependência das fontes hidráulicas e na maior liberdade para se localizar junto a outros fatores locacionais, como o porto e a força de trabalho, tornada cada vez mais abundante no Rio de Janeiro pelo constante afluxo de imigrantes nacionais e estrangeiros, que vinham tentar a sorte na capital federal do País, e de ex-escravos, que deixavam as áreas decadentes da lavoura cafeeira do Vale do Paraíba.

Dentre aquelas indústrias têxteis deste surto notadamente urbano, da década de 1880, a CPIB (Fábrica Bangu) constituiu-se na única exceção, pois, embora estivesse situada dentro dos limites do antigo Distrito Federal, nas proximidades da Capital, não se localizou na área periférica ao centro da cidade, como as outras, e sim em área rural.

A exemplo, entretanto, dessas indústrias têxteis que tiveram origem neste surto urbano, a Fábrica Bangu será montada com base na tecnologia a vapor, e suas necessidades para a produção fabril serão as mesmas das demais. A sua localização em área rural aparece, portanto, como uma variante ao padrão desenhado por este surto eminentemente urbano. A diferença marcante da Fábrica Bangu em relação às outras é que ela está situada em área rural no Distrito Federal, e isto é algo que influenciaria decisivamente na organização do seu espaço fabril. 

No que diz respeito à distância do mercado (Rio de Janeiro), a Fábrica Bangu não apresentaria uma situação tão díspar e desvantajosa em relação às demais, pois embora estivesse a 31 km do Centro da cidade e do Porto do Rio de Janeiro, esta distância em termos relativos representava cerca de uma hora do Centro, através da Estrada Federal Central do Brasil; isto sem mencionar a redução dos custos de transportes proporcionados pela estrada de ferro, permitindo transportar um volume de carga bem maior de uma só vez. Desse modo, tanto a matéria-prima quanto o produto industrializado (o tecido) poderiam ir do centro até a fábrica e desta para o mercado sem nenhum transbordo.

Nestes termos, a ferrovia para a Fábrica Bangu é um fator de fundamental importância na compreensão de sua localização e organização do seu espaço fabril, ao contrário do que ocorreu com as demais indústrias têxteis do mesmo surto dela, no qual o sistema de carris urbanos teve um papel mais preponderante.

Como uma indústria têxtil localizada em área rural, a Fábrica Bangu não pôde contar também com o mercado de força de trabalho da cidade do Rio de Janeiro, e teve de criar o seu próprio mercado de força de trabalho cativa, a nível local, significando, em outras palavras, imobilizar força de trabalho, não apenas através da moradia em vilas operárias, o que já era comum nas áreas urbanas, mas também através do controle dos meios de produção e reprodução como grandes proprietários que eram de terras, estimulando a fixação de população na terra através da produção agrária em sistema de parcerias e arrendamento.

Assim, ao contrário de aniquilarem por completo a atividade rural, procuraram, de uma forma bem utilitária, coloca-la a serviço da dinâmica fabril e de sua rentabilidade capitalista, isto é, subordinando o modo de vida rural e suas práticas à mais-valia fabril. A diferença da Fábrica Bangu para as outras fábricas localizadas em área rural na região, é que ela foi de um surto mais moderno, dominado pela tecnologia a vapor, e organizada nos moldes de uma empresa capitalista avançada, em sociedade anônima, estando bem mais próxima do Rio de Janeiro e localizando-se numa área do Distrito Federal por onde passaria, algumas décadas mais tarde, a expansão urbana da cidade e a constituição da metrópole Rio.

A “Fábrica-Fazenda”

A implantação da fábrica de fiação e tecelagem na antiga freguesia de Campo Grande, no antigo Distrito Federal, do Rio de Janeiro, grosso modo, só se viabilizou a partir da constituição de um imenso território fabril controlado pela CPIB. Para tanto, alguns fatores tiveram que ser criteriosamente considerados pela diretoria da CPIB na organização do espaço rural até então existente aí, como, por exemplo, as condições naturais de produção, a estrada de ferro e outros componentes herdados da velha estrutura de fazendas do lugar. Assim, longe de termos a substituição por completo de um espaço de estrutura rural por outro de estrutura fabril e urbana, teríamos sim, inicialmente, a conjugação de ambos, donde o espaço rural pretérito assumiria uma outra qualidade, dada, agora, pela presença de um grande empreendimento do tipo têxtil e com traços notadamente urbanos. Neste sentido, seria atribuída ao espaço de organização rural uma outra finalidade, a da produção fabril moderna.

Portanto, considerar o espaço que já existia, em todas as suas características e organização, para nele produzir um espaço adequado às necessidades do sistema fabril em geral e da moderna indústria têxtil em particular, acabou por funcionar como uma espécie de estratégia que norteou toda a implantação da fábrica no local, produzindo um arranjo espacial que seria o resultado da simbiose deste rural com o urbano fabril.

A relação existente entre a propriedade territorial e as condições naturais de produção é muito estreita no caso da implantação da fábrica em Bangu, sobretudo porque foi a partir de um dos elementos desta natureza, a água - que continuava a ser um componente vital para a produção fabril têxtil, não só para uso nas seções de branqueamento, tinturaria e estamparia, como também na condensação  - que a CPIB acabou comprando uma grande extensão de terras na localidade.

Foi exatamente imbuída da necessidade de garantir o elemento água que a CPIB empreendeu a compra em 1889 de cerca de 3600 ha de terras de uma só vez, correspondendo a duas fazendas e dois sítios. Como podemos observar no mapa 3, a compra destas propriedades permitiu à Companhia controlar os mananciais das Serras do Mendanha, mais ao Norte, e do Bangu, ao Sul, transformando o uso deste precioso líquido numa espécie de monopólio da fábrica na área.

Outro aspecto importante a ser considerado na implantação da fábrica em Bangu é a ferrovia. Sem dúvida, a estrada de ferro foi um fator diferenciador da Fábrica Bangu em relação às demais fábricas têxteis do Distrito Federal na mesma época. Na paisagem de Bangu, e para todos que ali viveram ou passaram, na ferrovia tornou-se juntamente com a imponente presença da fábrica, um elemento identificador do lugar e indissociável da vida cotidiana daquela população integrada ao “sistema Bangu”.

É como se a fábrica na paisagem fosse a obra de arte da modernidade capitalista, que surgiu ali como que caída dos céus, e a ferrovia fosse a sua moldura, o melhor contorno ou acabamento desta modernidade. A criação da estação de Bangu foi uma condição essencial para viabilizar o empreendimento têxtil no lugar. Ela foi fundamental tanto para servir a implantação da fábrica, como para garantir o seu futuro funcionamento. A vila operária foi situada em terreno bem contíguo à fábrica, ladeando toda a sua extensão no sentido norte-sul a partir da Estação de Bangu.

Com 3.660ha de propriedade a primeira coisa que a diretoria da CPIB vai fazer, juntamente com o início da construção da fábrica, é procurar dar uma destinação econômica àquelas terras. Assim, a Companhia resolveu, em 1890, transformar o antigo canavial da Fazenda do Bangu em área de cultura de algodão, com o objetivo de fornecer a matéria-prima necessária à fábrica têxtil e reduzir os seus custos de produção, evitando deixá-la a mercê das oscilações de mercado. O plantio de algodão iniciou-se a partir deste mesmo ano, mas em fins de 1892 a produção foi tão baixa que não representava nada diante das necessidades da produção fabril. Desse modo, verificou-se que a manutenção do algodoal era improdutiva, decidindo a direção a Companhia a abandonar essa idéia.

No mesmo ano de 1890, em que a diretoria da Companhia resolveu inserir a cultura de algodão na área, decidiu também remontar o engenho que existia na Fazenda do Retiro, segundo ela “no intuito de conservar os rendeiros que existiam nas fazendas (...) não só por servirem de guardas das matas, como também para manter um pessoal que de futuro se aplicará ao serviço de fábrica com suas famílias”. Portanto, a CPIB não estava preocupada apenas em dar uma destinação econômica às suas terras, que complementasse a atividade fabril, mas também com a manutenção dos seus mananciais, fundamentais como já vimos para a vida da fábrica, assim como fornecimento de força de trabalho necessária à fábrica.

Nesse sentido, a direção da Companhia dá uma demonstração clara de que pretendia, por um lado, exercer um controle efetivo sobre as condições naturais de produção de sua propriedade fabril e, por outro, fomentar um mercado de força de trabalho ao redor da fábrica através do uso de suas terras por rendeiros e parceiros.

A produção de aguardente do engenho era feita pelo sistema de parceria recebendo a Companhia metade da produção. Neste ano de 1890 foram mandadas para o mercado local 132 pipas, sendo 87 de meação da fazenda e compradas aos rendeiros. Toda a Fazenda do Retiro seria dada em arrendamento no período entre 1895 a 1899.

Figura 3

A partir do ano de 1895, quando a produção da fábrica entra em processo de expansão, a Companhia mandará alguns emissários convidar famílias que residiam nas zonas rurais do Rio de Janeiro para virem morar em suas terras.

Em 1900 a CPIB, reforçando a tendência de revigoramento da atividade rural em benefício da produção e reprodução fabril, resolveu construir um novo engenho no lugar do antigo, passando a explorar diretamente esta atividade com o intuito de reduzir os custos da força de trabalho, por meio da produção de alimentos.

Como lembra Lobo (1981), o custo de alimentos do operariado no Rio de Janeiro era mais elevado nesta época do que em outros centros econômicos do país, devido ao acentuado aumento de população da capital federal e a decadência de sua região agrícola. O alto custo de alimentação tendia a pressionar os salários para cima e elevar o custo de reprodução de força de trabalho na capital. Desse modo, a CPIB procuraria resolver este problema que afetava toda as demais indústrias do Rio de Janeiro à sua maneira.

Foi criada também, neste ano de 1900, a “Cooperativa do Bangu”. Esta cooperativa era um enorme barracão onde funcionava um armazém, em que os operários poderiam fazer suas compras e serem descontados em folha de pagamento. Nela os arrendatários da Companhia poderia colocar a sua produção agrícola para ser vendida. O objetivo da cooperativa era o de complementar o papel do engenho e da empresa agrícola, gerando uma auto-suficiência na produção e distribuição de alimentos.

A lavoura e o engenho exigiam uma estrutura agro-industrial permanente que passou a se confrontar com a estrutura fabril em dois aspectos: o primeiro porque precisava de um capital de giro constante que seria desviado da produção têxtil, finalidade principal da Companhia; e segundo porque passava a concorrer com a fábrica na demanda de força de trabalho, sobretudo nos períodos de safra. Diante desse quadro, a diretoria da CPIB decidiu abandonar o empreendimento agrícola e liberar suas terras para aqueles que queriam morar em Bangu, autorizando, a partir de 1904, a construção de casas em alvenaria e a disseminação de ranchos ou sítios mediante o pagamento de taxas de aluguel. As terras seriam arrendadas para aqueles que nela quisessem cultivar, e a produção do engenho seria toda em parceria com esses rendeiros.

A Companhia criaria neste mesmo ano de 1904 um mercado permanente numa área junto à fábrica, onde ela concederia autorização para os sitiantes venderem seus produtos agrícolas, assim como para outros comerciantes de fora que queriam vender também seus produtos em Bangu.

Desse modo, a Companhia teve que optar entre um e outro modelo de estrutura fabril: o da “fábrica-fazenda” com uma estrutura verticalizada e complementada por uma produção agro-industrial; e o da “cidade-fábrica” que demandaria um grau maior de urbanização articulado à produção fabril. A opção foi por este último e o arranjo espacial da cidade-fábrica vai se sobrepondo aos poucos ao da “fábrica-fazenda”, como iremos analisar no próximo item.

Portanto, a orientação que a diretoria da CPIB imprimiria a utilização de suas propriedades, a partir de 1904, seria a seguinte: garantir as condições naturais de produção à fábrica têxtil, sobretudo no fornecimento de água; liberar a ocupação de suas terras, visando garantir a força de trabalho necessária no lugar para a produção fabril; e estimular o arrendamento de terras visando obter uma renda territorial para a conservação de sua propriedade.


A “Cidade-Fábrica”

A mudança na orientação da CPIB, deixando de lado o engenho e a empresa agrícola, coloca em prática uma nova política da Companhia que se definiria claramente pelo incremento da urbanização como forma de imobilizar um contingente maior de força de trabalho ao redor da fábrica, avaliada, no ano de 1907, em 6.347 pessoas.

A Companhia, assim, passou a investir mais na ampliação da infra-estrutura do núcleo urbano-fabril, dando uma dimensão maior àquela relação que já existia entre a fábrica e a vila-operária.

Já a partir do ano de 1904 a direção da Companhia resolveu melhorar o sistema de esgoto de Bangu, substituindo as antigas fossas por outras mais higiênicas com o escoamento para poços dissolventes (fossa italiana). Neste mesmo ano a administração da Companhia passaria a permitir, como já vimos, a construção de casas em alvenaria por particulares em terrenos de sua propriedade.

Foi ainda neste ano que a administração da fábrica resolveu destinar uma área para criação de um mercado permanente, onde os rendeiros e pequenos produtores rurais do lugar poderiam vender os seus produtos. Antes, isto era feito somente aos domingos, sob a forma de uma feira, que funcionava em frente à fábrica, no campo de futebol. Com a saída da feira do local e a filiação do time de futebol da fábrica à Liga Esportiva da época, a área passou a ser destinada apenas à prática do esporte. Tal fato culminou com a fundação do Bangu Atletic Club em 17 de abril de 1904.

No ano seguinte, em 1905, a Companhia melhoraria o sistema de transporte da fábrica, substituindo os antigos troles ou vagonetes do caminho de ferro, já existente, por uma locomotiva e quatro vagões de carga. A escola criada pela Companhia para os operários da fábrica e seus filhos também é deste ano. Esta escola foi instalada no prédio construído pela Companhia, em 1899, que deu lugar à “Cooperativa do Bangu”, e recebeu o nome de Rodrigues Alves, Presidente da República na época. A Companhia iria este ano criar também o primeiro sistema de iluminação elétrica através de dínamos, que atenderia algumas dependências da fábrica e iluminaria a rua principal da vila-operária por algumas horas à noite, além das casas cujos moradores realizassem o pagamento de uma mensalidade, que a diretoria dizia ser módica.

Entre os anos de 1904 e 1907 observa-se um movimento regular de construção e compra de imóveis, tanto para moradia como para a atividade comercial. No ano de 1906 a CPIB passou a regularizar a construção de casas feitas para moradia por operários e particulares em seus terrenos mediante o prévio exame e aprovação das plantas pela diretoria. A partir deste ano, a Companhia passou também a dar um apoio maior à Caixa Beneficente, criada no ano de 1899, para prestar serviços médicos, farmacêuticos, fornecer medicamentos e fazer enterros e outros auxílios pecuniários em que uma parte das despesas ficava a cargo da Companhia e a outra era coberta pelos operários e donativos. Ainda neste ano de 1906, foram iniciadas as obras de canalização das águas do Rio da Prata e aproveitando a presença de engenheiros e técnicos no lugar a Companhia resolveu empreender a urbanização de Bangu.

 A urbanização, que seria o ponto alto destas transformações, teve início em 1907. Esta urbanização começou justamente pelas estradas e caminhos já existentes, usadas para o transporte por carros-de-boi. Prevendo a expansão do casario da vila-operária foram abertas novas ruas paralelas e perpendiculares à mesma. Este traçado de ruas paralelas e perpendiculares deu origem a quadras cujos terrenos mantêm, por um lado, uma simetria com a fábrica e a vila-operária e, por outro com a Estação de Bangu e a Estrada de Ferro.

A urbanização seria complementada no ano seguinte, com a conclusão das obras de canalização das águas do Rio da Prata, quando o sistema de iluminação elétrica foi ampliado através da instalação de uma usina de força movida por uma “Roda Pelton”. Este novo sistema permitiu estender a iluminação elétrica a praticamente todas as unidades da fábrica e fornecer luz a um número maior de casas à noite. Foi instalada, também, em 1908, a primeira rede telefônica de Bangu, que funcionava entre a fábrica, a usina e o reservatório do Rio da Prata. Um ano depois, a CPIB resolveria, de maneira mais efetiva, o fornecimento de energia elétrica para Bangu, construindo instalações para colocar os transformadores que receberiam corrente elétrica por meio da “Rio de Janeiro Tramway Light and Power Company”. Assim, em 1910, a iluminação elétrica passaria a fazer parte do cotidiano operário-fabril de Bangu, quando algumas máquinas começaram a ser movidas por meio de força elétrica, iniciando-se a substituição do sistema de energia a vapor.

Todas estas mudanças ocorridas em menos de uma década em Bangu se estenderiam “ao espaço interno da fábrica”, culminando com uma grande reforma de ampliação, empreendida pela Companhia no ano de 1910. Tratava-se de uma reforma de modernização, que ampliou a escala de produção da fábrica e sua capacidade produtiva. Isto permitiu, por um lado, que a fábrica expandisse a sua produção ao longo desta década e, por outro, permitiu a melhoria da qualidade e a diversificação dos tipos de tecidos, fazendo com que ela atravessasse duas crises, a de 1913 e a de 1918, sem maiores problemas.

No mesmo ano em que foi feita esta reforma, foi ampliada a estação férrea e inaugurada a Linha Circular de Bangu, elevando de 10 para 28 o número de trens diários, ligando Bangu ao Centro da cidade do Rio de Janeiro.

Todas estas transformações ocorridas em Bangu a partir de 1904, além de serem o resultado de uma orientação que optou pelo estreitamento das relações capital-trabalho, através de um modelo nitidamente urbano-fabril, indicam a ampliação da escala de produção capitalista do centro urbano-industrial do Rio de Janeiro. Isto é evidente na chegada de luz elétrica através da “Light and Power”, na criação da linha circular e no aumento do número de viagens de trens para Bangu.

O resultado da materialização dessas transformações é o surgimento de um novo arranjo espacial – o da “cidade-fábrica”. Tal fato pode ser notado através da forma de tratamento à Bangu nos documentos da Companhia. Até 1908 a forma mais comum de se referir à Bangu é a de “Arraial”. A partir desta data o tratamento passa a ser de Villa “Bangú”.

Ao longo da década de 1910 é o arranjo da “cidade-fábrica” que vai se impor, gerando uma maior demanda por terra urbana. Neste período, o número de operários da fábrica mais do que duplicou, passando de 1.286 em 1904 para 2.754 em 1912. Isto, de certo modo, explica o aumento verificado na renda de imóveis, pois eram os próprios operários que estavam edificando as suas casas e pagando aluguel pelo uso do terreno. Por sua vez, o crescimento do número de operários também geraria, indiretamente, uma procura maior de terras para as atividades rurais, em função do aumento da demanda local de produtos agrícolas.

Assim, a renda líquida de imóveis cresceria pelos dois lados, pelo urbano e pelo rural, como conseqüência do aprofundamento da divisão social do trabalho no interior da propriedade territorial da Companhia. Em outras palavras, isto quer dizer que a expansão da atividade rural, com o aumento de sítios arrendados, foi proporcional ao crescimento do número de construções para moradia e comércio no núcleo urbano.

Neste sentido, ao contrário de termos no arranjo espacial de “cidade-fábrica” a decadência da atividade rural, teríamos, sim, num primeiro momento, a sua expansão ao redor do núcleo urbano-fabril, com uma produção alimentar, voltada inicialmente para o mercado local, mas que extravasaria este limite e atingiria o seu auge na década de 1930 com a cultura da laranja.

Este período de implantação e consolidação do território fabril se completaria por volta do ano de 1919. A partir daí uma outra estratégia territorial, que se anunciou nesta última década, seria colocada em prática pela CPIB. Assim, o período que vai de 1919 ao início dos anos de 1930 seria marcado por uma outra orientação da CPIB quanto ao uso da propriedade territorial e sua articulação com a estrutura fabril. A necessidade de imobilizar um contingente maior de força de trabalho, com expansão da produção têxtil, na virada da década de 1910 para 1920 levou a CPIB a adotar a estratégia de estímulo aos arrendamentos, que se esgotaria somente no início dos anos trinta com uma crise em torno da questão da terra em Bangu, uma vez que a crescente demanda por terra urbana iria se chocar com a forte concentração da propriedade nas mãos da CPIB. Por outro lado, ficaria latente a expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro no sentido de incorporar áreas periféricas.
 

 A “Fábrica da Cidade” e o bairro de Bangu

O processo de alienação patrimonial caracterizaria uma outra estratégia da CPIB quanto ao uso do território fabril, estando esta associada à mudança do padrão de acumulação capitalista no Brasil após 1930 e a incorporação efetiva do seu território à dinâmica urbana do Rio de Janeiro.

Assim, de “cidade-fábrica” periurbana, Bangu começa, aos poucos, a se transformar em um subúrbio carioca incorporado à dinâmica do Rio de Janeiro, modificando, portanto, o seu arranjo espacial. A estratégia de arrendamento correspondeu a um período de transição, que aprofundou as contradições que gerariam nesse espaço um outro arranjo espacial, agora inserido mais diretamente à dinâmica urbana da cidade e ao novo padrão de acumulação capitalista do Brasil pós 1930.

A adoção da nova estratégia, agora de alienação patrimonial, contribuiria para desencadear o processo de retalhamento de terras nas propriedades da Companhia e faria emergir o bairro Bangu. A própria empresa criaria, no início da década de 1930, um Departamento Territorial, que elaboraria projetos de loteamentos e promoveria a venda dos terrenos aos arrendatários através de pagamento a prazo. Quando estes eram operários da fábrica tinham as prestações dos terrenos descontadas diretamente dos seus salários. Entre 1936 e 1948 foram aprovados 61 projetos de loteamentos, número bastante significativo para o período, mesmo se tratando do Distrito Federal, a capital do país à época.

Na década de 1950, com a migração de capitais para outros setores de ponta e com o surgimento de uma economia de escala no Brasil, a CPIB foi obrigada a promover mudanças na sua estratégia fabril e se adaptar aos novos tempos. A incessante busca por uma produtividade do trabalho – via técnica – cada vez maior, passa a ser o comandante do leme do processo de acumulação do capital da empresa.

Figura 4
Vista aérea parcial do bairro de Bangu, em 1957


Neste novo contexto, a alienação do patrimônio da CPIB passou a servir para inversões de capitais aplicados à modernização e à racionalização científica do processo de trabalho. Por outro lado, o vertiginoso processo de urbanização, rumo à constituição da metrópole do Rio de Janeiro, iria valorizar ainda mais as terras da Companhia pela pressão demográfica, ampliando o processo de alienação patrimonial.

Assim, a manutenção de um território fabril, imobilizando capital incorporado ao patrimônio, tornou-se, cada vez mais, inconciliável com as tendências de desenvolvimento da urbanização e com as mudanças do padrão de acumulação capitalista, vigente a partir dos anos de 1960.

Nesta época, uma parte dos terrenos da CPIB, ainda não loteada, foi vendida para a CEHAB (Companhia Estadual de Habitação), que empreendeu a construção de alguns conjuntos habitacionais em Bangu. Dentre eles tivemos: Vila Aliança (1962), Vila Kennedy (1964) e D. Jaime Câmara (1968). No total, estes conjuntos representaram um acréscimo de 14.237 novas unidades habitacionais, na região.

Em meados dos anos 60, a CPIB iniciaria o processo de alienação de seus imóveis (casas e prédios) que estavam alugados ou ociosos. Em 1965, foram vendidas as primeiras casas da Vila Operária, evidenciando os primeiros sinais de dissolução do núcleo urbano-fabril original. Tal processo culminaria, no início da década de 1970, com o desmantelamento da vila operária, através da venda da totalidade de suas casas. Isto representaria o golpe de morte no núcleo original do território fabril da CPIB, e com isso a Fábrica Bangu se tornaria apenas mais uma fábrica da cidade do Rio de Janeiro.
 

Nota
 

* Professor Dr. do Programa de Pós-graduação em Geografia, da Universidade Federal Fluminense – Estado do Rio de Janeiro, Brasil.


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Ficha bibliográfica:

 
OLIVEIRA, M. P. de Quando a fábrica cria o bairro: estratégias do capital industrial e produção do espaço metropolitano no Rio de. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2006, vol. X, núm. 218 (51). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-51.htm> [ISSN: 1138-9788]

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