REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98 Vol. X, núm. 218 (60), 1 de agosto de 2006 |
FORMAÇÃO MILITAR E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO NO BRASIL DO SÉCULO XIX
Claudia Alves
Universidade Federal Fluminense
Formação militar e produção do conhecimento geográfico no brasil do século XIX (Resumo)
No século XIX, a profissionalização dos exércitos ocidentais influiu na consolidação do ensino militar e de uma série de atividades da prática profissional dos oficiais militares. O avanço tecnológico decorrente da industrialização acelerou transformações importantes na atividade bélica que atingiram a organização e o papel das diferentes armas, assim como as necessidades de formação de sua oficialidade. Nos países independentes da América, os exércitos sofreram os efeitos desse processo, envolvidos pelas mudanças nos equipamentos, nas táticas e no domínio de conhecimentos de novo tipo. O exército brasileiro, apesar das dificuldades vividas em seu processo de institucionalização, relacionadas ao Estado escravista, também buscou a modernização. Os oficiais que assumiram sua direção participaram ativamente da elaboração de conhecimentos necessários ao domínio do território, bem como à sua qualificação. Na pesquisa que realizamos – tendo como principal corpus documental os Relatórios dos Ministros da Guerra do Império – enfocamos o exército como campo intelectual. No presente trabalho, apresentaremos a produção de conhecimento geográfico existente no interior da corporação analisado na sua relação com a formação militar destinada à oficialidade.
Palavras-chave: Conhecimento geográfico – século XIX -exércitobrasileiro
O exército brasileiro participou, embora em posição secundária, de um movimento de expansão escolar que marcou o século XIX europeu e se refletiu em diversas iniciativas no continente americano. As transformações desencadeadas pelos processos revolucionários que se iniciaram em fins do século anterior agudizaram a crise que já se instalara desde meados do XVIII em relação aos padrões de formação de elites intelectuais, construídos a partir de referenciais do humanismo. A essa cultura, denominada clássica, passava a se opor uma alternativa que se constituiria como moderna, da qual as escolas militares assumiriam a liderança.
No
caso particular dos exércitos, a atividade própria à
corporação, de defender o território pertencente ao
Estado Nação, exigia conhecimentos inerentes a tais campos
disciplinares. Por esse motivo, a oficialidade intelectualizada transformou-se,
ao mesmo tempo, em produtora e difusora de saberes históricos e
geográficos. No Brasil, é possível perceber tanto
a atuação individual de oficiais militares quanto a função
exercida pelo exército, como instituição, nessa ação
criadora e disseminadora. No presente trabalho, enfocaremos a produção
de conhecimento geográfico existente no âmbito da corporação,
naquele século, como parte das atividades desenvolvidas institucionalmente.
Nessa dinâmica, é possível percebermos a íntima
relação presente, no processo histórico, entre a construção
do Estado e do conhecimento científico, por meio da intermediação
da própria construção institucional do exército
nacional como força profissionalizada.
No Brasil, a formação militar assumiu um caráter mais sistemático com a criação da Academia Real Militar, por decreto de 4 de dezembro de 1810 que contou com 72 alunos na primeira turma. Sua formação em engenharia, atendendo aos preceitos da época, deveria abranger a habilitação de oficiais em engenharia e artilharia, geógrafos e topógrafos.
Em 1839, a Academia transformou-se em Escola Militar. Em 1855 começou a funcionar a Escola de Aplicação do Exército, criada por lei de 1851[2] e destinada a implementar instrução prática a oficiais e praças. O curso de formação de oficiais desdobrou-se, em 1858, em duas escolas: a Militar e de Aplicação - estabelecida nas fortalezas de São João e da Praia Vermelha - e a Escola Central, que continuou a funcionar no Largo de São Francisco. Em 1874, a Escola Central deu origem à Escola Politécnica e a Escola Militar transferiu-se definitivamente para a Praia Vermelha, separando-se a formação do engenheiro civil da do militar.
A análise da legislação referente ao ensino superior durante o Império demonstra, claramente, que houve duas vias de introdução do ensino das ciências no Brasil desse período, o ensino médico e o ensino militar. Na cidade do Rio de Janeiro, onde as academias coexistiam, os alunos de medicina e cirurgia chegaram a buscar aulas de química na Academia Militar (Cf. Cunha, 1980, p. 106). Esta informação parece nos dar conta de dois aspectos relativos ao ensino de cunho científico na época: a escassez de professores e a primazia da formação militar em obtê-los[3] . Sua influência sobre o ensino de nível secundário, entretanto, foi bastante rarefeita, dado o prestígio dos cursos de Direito ao longo do Brasil imperial, reforçando a permanência da formação literária. Não se pode deixar de considerar, entretanto, o papel que podem ter exercido os cursos preparatórios organizados dentro das próprias academias (ou faculdades) para os candidatos aos exames de ingresso.
Juntamente com as Escolas Militares - do Exército e Marinha - e as de Medicina, a Escola de Minas de Ouro Preto, criada em 1875, e a Escola Politécnica de São Paulo, em 1893, constituíram-se nos centros de difusão mais importantes do ensino científico no Brasil de fins do século XIX (Cf. Sant’Anna,1978, p. 44-47).
Na década de 1870 havia, portanto, uma certa identidade já construída entre formação militar e estudo das ciências naturais. Essa associação seria consolidada pelo Regulamento de 17 de janeiro de 1874, que acentuaria o caráter cientificista da formação militar e consolidaria a relação entre os militares e o ideário positivista. O Regulamento de 1874 parecia querer resolver o movimento pendular que marcou os currículos da Escola Militar ao longo do século XIX.
Como afirmamos anteriormene, a presença dos estudos científicos na formação militar decorreu da própria necessidade colocada pela prática bélica. O ensino que, depois, seria qualificado de teórico, nasceu de uma necessidade prática colocada pela sofisticação do armamento. Dominar o uso dos novos artefatos de guerra implicava conhecer os princípios da física e da química. Por isso, a Carta Régia que criou a Academia Militar em 1810 tinha por objetivo estabelecer um curso completo de ciências matemáticas, de ciências de observações, quais a física, química, mineralogia, metalurgia e história natural que compreenderá o reino vegetal e anima (Apud Cunha, op. cit., p. 94). num currículo que se desdobrava em sete anos. Acrescidos a este primeiro currículo básico surgiram os estudos de história militar, francês, inglês e alemão.
Estabeleceu-se, ainda, uma distinção - que permaneceu por longo tempo na formação militar - entre os artilheiros e engenheiros, de um lado, e os infantes e cavalarianos, de outro. A estes exigia-se que cursassem somente o primeiro ano e os assuntos militares do quinto. Ao fim do século XIX, esta seria uma componente importante dos debates entre os oficiais e do sentimento de superioridade dos pertencentes às chamadas armas científicas, assinalado pelos textos memorialistas. Pode-se inferir que o estudo das ciências se vinculava intimamente à formação exigida para este último tipo de oficiais.
Em 1850 a Escola Militar possuía quase trezentos alunos. Embora o nível dos exames para ingresso fosse tido como bastante elementar, as reprovações no primeiro ano pareciam demonstrar que o curso não era muito fácil. À primeira geração de professores formados em Coimbra, sucedera-se outra que já contava com elementos formados na própria academia. Os sinais de que acentuou-se a valorização das ciências apareciam em alguns fatos. O primeiro deles foi a proposta de se editar um jornal ou revista científica, feita por um jovem professor no final da década de 1840, e rejeitada pela congregação. Outro indicador foi o tema da aula de abertura do ano letivo de 1851, proferida por André Cordeiro de Negreiros Lobato, que pretendeu fazer O elogio da Matemática e demonstrar sua utilidade para as ciências, em particular as ciências físicas (Cf. Motta, 1976, p. 87 e 91).
Vale notar, ainda, a relação de alguns dos professores da Escola Militar com a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, com destaque para Frederico Cesar Burlamarque e Guilherme Schuch de Capanema. O primeiro era militar, foi diretor do Museu Nacional e secretário perpétuo daquela Sociedade. Escreveu sobre diversos assuntos, sobretudo na área de mineralogia. O segundo era civil e incorporou-se à Escola como lente de física, procurando ativar seu laboratório para a realização de experiências.
São dados que apontam para a tendência que se esboçaria na relação da Escola Militar com as disciplinas científicas e que a transformaria no Tabernáculo da Ciência na fala de seus alunos da década de 1870. Saindo da polaridade formação científica versus formação técnico-profissional que impregnou o discurso dos comentadores do tema - em geral, os próprios militares - torna-se possível pensarmos uma interpretação de outro tipo. Parece-nos, em verdade, que o conteúdo científico, apesar das críticas que possa sempre ter recebido quanto ao teoricismo que implicava, foi-se tornando, nesse processo de ir e vir dos currículos, um elemento componente da própria identidade militar, se não de toda corporação - tendo em vista as diferenças internas à corporação - ao menos de alguns segmentos.
A Guerra do Paraguai deslocou dos trabalhos na Escola de Aplicação tanto os professores quanto os alunos. Restou funcionando na Praia Vermelha apenas o curso preparatório e a Escola Central seguiu sendo freqüentada apenas por alunos civis. A Escola de Tiro do Campo Grande foi fechada.
Por outro lado,
a guerra parece ter influenciado decisivamente no sentido das mudanças
que se operaram a partir de 1874. Naquele ano, ficou consagrada a separação
entre os estudos de engenharia civil e a formação militar,
permanecendo o primeiro na Escola Central e a última na Escola da
Praia Vermelha. Além dos cursos de Infantaria, Cavalaria e Artilharia,
os militares passaram a ter, também ali, os cursos de estado-maior
e engenharia.
Associava-se ao fazer do exército um conhecimento específico ligado ao domínio do território e que contribuía para impulsionar uma formulação imbuída de uma visão nacional. Como exemplo, podemos citar a confecção da Carta Geral do Império, de que se ocupou o Arquivo Militar durante várias décadas. O objetivo era de mapear detalhadamente as fronteiras, fazendo uma carta geográfica o mais precisa possível do território brasileiro. Junto ao Arquivo Militar, funcionava a oficina litográfica, encarregada da impressão das cartas, que recebeu cinco novas prensas no ano de 1857, ano em que aprontou a planta da cidade do Rio de Janeiro e seus subúrbios.[7]
Também as iniciativas de povoamento de áreas do interior do país, iniciadas na década de 1850 foram exemplos da associação entre a função precípua do exército com relação à guarda do território o estabelecimento de um campo de experiência e conhecimentos sobre o país e as questões vinculadas à construção da Nação. O relatório ministerial apresentado em 1858 explicitava os objetivos das chamadas colônias militares.
O de que se trata é estabelecer núcleos de povoações, em lugares remotos centrais e despovoados, onde só a principio podem resistir às privações, e permanecer como colonos, indivíduos habituados à obediência passiva, adquirida pelos severos hábitos da disciplina militar. A escolha desses pontos é, por via de regra, em nossas fronteiras ou em alguns centros, onde se tem acumulado vagabundos e malfeitores, que ameaçam a segurança e a propriedade dos habitantes dos povoados mais próximos. Tais colônias, portanto, têm o caráter pronunciadamente militar, e embora nelas entre o elemento agrícola, ainda assim são mais que tudo colônias policiais, de segurança e de defesa, que garantem ao mesmo tempo no futuro o infalível desenvolvimento de povoações, que um dia indenizarão, com vantagem, todos os sacrifícios, que com elas se fizerem.Várias colônias desta ordem, como ensaios, têm sido estabelecidas ou ordenadas em diferentes pontos do Império; umas, mais que outras, se vão consolidando ou florescendo ou conservando-se estacionárias ou definhando, conforme peculiaridades e ocorrências diversas, que não cabe aqui apreciar.(Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Segunda sessão da décima legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra Jeronymo Francisco Coelho. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1858, p. 45).
As colônias, apesar das dificuldades de manutenção, sobreviveram durante o período imperial, servindo como campo de implementação do ensino elementar, além da criação de núcleos urbanos e de extensão das atividades agrícolas. Também elas foram objeto de reflexão por parte da intelectualidade militar, encontrando-se artigos escritos por vários oficiais, sobre este tema[8] .
Campo de exercício de direção, objeto de reflexão, lugar de aprendizagem do poder. As diversas faces do exército imperial configuravam lugares onde essas práticas se cruzavam. À medida em se construía como uma instituição que abrangia todo o território, acumulava, em seu interior, uma série de conhecimentos, de inovações técnicas e tecnológicas, de experiências práticas e de vivências de comando. Por isso, embora não possuísse força política para obter do Estado imperial as modificações que seus dirigentes consideravam necessárias, nem para receber da sociedade o reconhecimento que sua oficialidade esperava, constituiu-se em força política capaz de promover o fim do regime monárquico.
Conjugadas à formação intelectual fornecida pela Escola Militar, esse conjunto de experiências de construção do nacional e de proximidade da modernização configuraram uma modernidade no exército. Essa modernidade foi traduzida no discurso e nas propostas práticas da intelectualidade militar que sintetizaram uma ação. Não bastaria o ressentimento, nem a formação intelectual, nem a sociabilidade interna à Escola Militar, nem a forte identidade entre os oficiais e a corporação, se não houvesse um exercício prático de poder e direção consubstanciado na atividade militar da forma como se construiu no Estado imperial.
Os diversos lugares que abrigavam as variadas atividades existentes no interior do exército mantinham relação com o ensino militar. As visitas às fábricas e fortalezas foram incorporadas como parte de uma metodologia de ensino. Os alunos da Escola Geral de Tiro do Campo Grande eram levados, ao final do ano letivo, a visitarem a Fábrica de Pólvora da Estrela, a Fábrica de Armas da Conceição, o Laboratório Pirotécnico do Campinho, o Arsenal de Guerra da Corte e a Fortaleza de Santa Cruz. Também na Escola de Tiro eram feitas experiências com armamentos pela Comissão de Melhoramentos do Material do Exército, assistidas pelos alunos.
Espaços não especificamente militares também foram incluídos por essa metodologia. No caso da Escola Militar, desde o Regulamento de 1858, previa-se que os lentes de mineralogia e geologia, zoologia e metalurgia levassem os alunos ao Museu Nacional, para que, à vista dos diferentes animais e minerais, pudessem melhor explicar as respectivas doutrinas (Artigo 12 do Decreto n. 2.116, de 1-3-1858). Os alunos de engenharia civil deveriam ter, durante as férias, exercícios práticos dirigidos pelos respectivos lentes e opositores, visitando as diferentes construções e obras públicas de toda espécie, como calçamentos, encanamentos, estradas, pontes, vias férreas e outras (Artigo 13 do mesmo decreto). Os arsenais, fábricas, oficinas públicas e particulares também serviriam para que se observasse o sistema dos diferentes maquinismos, seus motores e a combinação e resultado de seus movimentos (Idem). Até o final do Império essa concepção esteve presente. No relatório ministerial relativo ao ano de 1888, noticiava o Ministro da Guerra:
Ainda no empenho de fazer com que na mesma escola a instrução prática marche paralelamente à instrução teórica, determinei que os alunos que concluíssem o curso de engenharia militar e de artilharia fossem visitar a Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, a Escola de Minas de Ouro Preto, estações, oficinas e principais obras de arte das estradas de ferro das províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. (Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na Quarta sessão da vigésima legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra Thomaz José Coelho d’Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889, p. 21)
O dilema continuava sendo o de garantir a formação prática e a facilidade de locomoção trazida pelas estradas de ferro levou à ampliação do campo de observação, saindo da Corte para as províncias vizinhas. A inclusão da Fábrica de Ferro de Ipanema, que continuava em atividade, sob a direção do tenente-coronel Joaquim de Souza Mursa, é significativa das relações que se mantiveram, no interior do exército entre as instâncias de produção e de ensino. Naquele mesmo ano, a Escola Militar da Corte recebera amostras de minério de ferro e materiais enviados pelo tenente-coronel Mursa para enriquecerem os seus gabinetes de mineralogia e química. Da mesma forma, recebera ofertas da Escola de Minas de Ouro Preto.
Lugares como o Observatório Astronômico, que esteve sob a jurisdição do Ministério da Guerra até 1878, eram, também, pensados como locais de aprendizagem prática[9] , além de constituírem-se em espaços de atuação profissional e de vivência da modernização. Até o ano de 1874, era considerado como dependência da Escola Militar e, depois, da Escola Central. Embora não ocupassem o mesmo edifício, localizavam-se ambos no centro da cidade do Rio de Janeiro, o primeiro no Morro do Castelo, e a segunda, no Largo de São Francisco, o que facilitava o trânsito entre os dois. O Regulamento de 1858 determinava:
O governo poderá, se assim o entender mais conveniente, incumbir a direção do observatório astronômico ao lente da 1ª cadeira do 4º ano da Escola Central, ou vice-versa, mediante uma gratificação aditiva, igual à marcada na tabela para os lentes, nomear um diretor especial para o observatório com os vencimentos iguais aos dos lentes catedráticos.(Artigo 102 do Decreto n. 2.116, de 1-3-1858)
O observatório terminou ganhando um diretor francês. Em 1860, o relatório ministerial avisava a chegada do astrônomo do Observatório de Paris, Emmanuel Liais. O lugar de ajudante do Observatório era ocupado por um militar e alunos da Escola Central eram nomeados como praticantes. O engenheiro Francisco Duarte Nunes ocupou o lugar de ajudante no início da década de 1860 e o retomou em 1867, quando retornou da Guerra do Paraguai como major do corpo de engenheiros, o que indica que a função não era destituída de importância. O mesmo major assumiria, mais tarde, a direção do Arsenal de Guerra da Bahia. Por ele passou, também, Benjamin Constant, antes mesmo de tornar-se professor da Escola Militar da Praia Vermelha, nomeado praticante do observatório em novembro de 1861, ainda como aluno da Escola Central, lá ficando até 1871, quando este tornou-se instituição autônoma em relação à Escola (Cf. Castro, 1995, pp. 108 e 112).
Na década de 1870, o Observatório Astronômico foi um dos lugares em que se refletiram as iniciativas de modernização do exército. Emmanuel Liais foi enviado à Europa com o encargo de comprar aparelhos e instrumentos para equipá-lo. O prédio sofreu reformas visando sua adaptação para que pudesse abrigar os novos equipamentos. Construiu-se uma nova sala na posição meridional, onde se instalaram grandes instrumentos. Também foi construída uma cúpula, pensada para receber os materiais vindos da Europa, um pequeno terraço para os colimadores e mais dois terraços, cuja construção ficou a cargo do Arsenal de Guerra da Corte. Trilhos foram instalados para que se fizesse rodar um grande equatorial físico e chegou da Europa uma Bobina de Ruhmkorf.[10]
Os principais serviços executados no observatório eram as observações de culminações lunares – quando permitiam o tempo e as circunstâncias meteorológicas –, observações astronômicas, de passagens e alturas dos astros e a marcação da hora. Em 1874, um instrumento denominado azimuthal, que havia sido construído na Corte sob a direção de Emmanuel Liais, nas oficinas de um brasileiro chamado José Maria dos Reis, obteve medalha de mérito na Exposição Universal de Viena. Liais parecia ser, ainda, o responsável pelo intercâmbio cultural com instituições européias que nutria o observatório. Enquanto estava na Europa, foi enviada a coleção completa da revista Nautical Almanack, editada no Observatório de Greennwich.
Através do Observatório Astronômico abria-se mais uma porta de formação de uma elite intelectual de oficiais do exército, com experiências variadas para além dos estudos formais da Escola Militar. Exemplo disso foi a participação de um militar brasileiro em um evento internacional em 1874.
Tendo
diversos países da Europa nomeado comissões para assistirem
no dia 8 de Dezembro do ano passado a um dos mais importantes fenômenos
astronômicos, a passagem de Vênus pelo disco solar, e convindo
que o Brasil fosse representado em algumas delas, resolvi designar para
essefim a Francisco Antônio de Almeida Júnior, que se acha
estudando astronomia na Europa e praticando nos Observatórios de
primeira ordem, e, pois, incumbi à Legação brasileira
em Paris de procurar obter que ele fizesse parte, como adjunto, da comissão
francesa; ao que anuiu de bom grado o Governo daquele pais.
(Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa
na Quarta sessão da décima quinta legislatura pelo Ministro
e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra João
José de Oliveira Junqueira. Rio de Janeiro: Typographia Carioca,
1875, p. 23)
Notas
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ALVES, C. Formação militar e produção do conhecimento geográfico no brasil do século xix. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2006, vol. X, núm. 218 (60). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-60.htm> [ISSN: 1138-9788]