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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (25), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

[Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica]


O territÓrio e o lugar na vida cotidiana metropolitaNA

Diamantino Alves Pereira
diamantino@terra.com.br

Cleodon
Silva
Gustavo de Oliveira Coelho de Souza


O território e o lugar na vida cotidiana metropolitana (Resumo)

As novas tecnologias de informação, particularmente aquelas que oferecem a possibilidade de proporcionar a síntese territorial dos fenômenos, como é o caso dos “Sistemas de Informação Geográficos”, podem desempenhar o importante papel no sentido da construção de uma imagem da cidade e de seu local de vivência. Articulando essa possibilidade ao princípio de que essas coisas não são uma dádiva que faremos à população, mas que nosso papel é proporcionar as condições para que esses amplos setores desenvolvam essa nova maneira de se identificar com o seu real imediato, o Instituto Lidas tem elaborado e implementado projetos que visam proporcionar condições para que o maior número possível de pessoas possa ter acesso a essas novas tecnologias e possam utilizá-las em benefício da comunidade. Neste texto, apresentamos o projeto cooplurb em sua lógica, prática, fundamentação e resultados obtidos.

Palavras chave: Tecnologias da informação, lugar, território, prática política


The territory and the place in the metropolitan everyday life (Abstract)

The new technologies of information, particularly those that offer the possibility to provide to the territorial synthesis of the phenomena, can play the important role in the direction of the construction of an image of the city and its place of experience. Articulating this possibility the beginning of that these things are not a gift that we will make the population, but that our paper is to provide the conditions so that these ample sectors develop this new way of if identifying with its immediate real, the Instituto Lidas has elaborated and implemented projects that they aim at to provide conditions so that the biggest possible number of people can have access to these new technologies and can use them in benefit of the community. In this text, we present the cooplurb project in its logic, practical, substance and results.

Key words: Information technologies, place, territory, practical politics



A vida do cidadão comum em uma metrópole como São Paulo, assim como em outras grandes cidades, é levada a um processo de alheamento em relação à própria dinâmica que a cidade adota nos seus mais diferentes níveis de decisão. O cotidiano tomado por uma atividade intensa e febril na busca da conquista de um mínimo de condições dignas de sobrevivência e o gigantismo da cidade criam imagens do real muito específicas e nem sempre orgânicas.

Essa situação implica na perda da de uma imagem da cidade que antigamente podia ser preenchida por relações estabelecidas sobretudo nos locais de moradia e que permitiam ao cidadão compor uma imagem com um mínimo de aproximação do lugar onde vivia e sentir-se parte integrante e ativa desse ambiente.

Não se trata, porém, de evocar o passado mas recuperar instrumentos que possam recompor essa imagem orgânica da cidade e recolocar o cidadão em um lugar onde se reconheça como parte integrante e ativa de um processo mais amplo, mas agora já impossível de se criar com as antigas relações de amizade e conhecimento pulverizadas entre os locais de moradia, trabalho, lazer etc. numa metrópole onde as diferentes atividades das pessoas implicam em deslocamentos para que possam ser realizadas.

Estamos nos referindo ao papel que podem desempenhar nos dias atuais as novas tecnologias de informação, particularmente aquelas que oferecem a possibilidade de proporcionar a síntese territorial dos fenômenos com é o caso dos “Sistemas de Informação Geográficos”. Articular o real construído com essa tecnologia com uma escala compatível para se formar um todo orgânico é uma possibilidade que se coloca como extremamente viável.

Com o crescimento da cidade e a intensificação do ritmo de vida, as referências espaciais do cidadão se diluíram. Os bairros de São Paulo, por exemplo, perderam a capacidade de servir de referência. Para contribuir com a confusão, não existe um padrão de territorialização, mesmo nos serviços públicos. As várias instâncias de governo usam territorializaçôes diferentes: distritos de saúde, zonas eleitorais, CEP, etc. Enfim, um monte de divisões territoriais diferentes e desarticuladas entre si.

A experiência que nós temos é de que quando a população se identifica com o seu local de vivência através das redes de amizade e vizinhança e além disso esse local apresenta consistência censitária e é bem delimitado, é possível acumular informações. Isso abre a possibilidade para o que denominamos de “base comum de conhecimento cidadão”.


Base comum de conhecimento cidadão

Desde 1999 o Instituto Lidas vem desenvolvendo ações com base na estrutura territorial denominada como Unidades de Planejamento Participativo (UPP) na cidade de São Paulo. No curso dessa experiência onde se articula a ação social de uma parcela da juventude com tecnologia da informação e com uma base conceitual ligada à significação da dimensão espacial dos fenômenos e da visão estratégica de apropriação do território, empreendemos a construção de um sistema de informações de caráter universal e gratuito vinculados ao território de vivência do cidadão.

O foco do projeto é disponibilizar ao cidadão bases cientificas para suas tomadas de decisões.

Esta Base Comum deConhecimento Cidadão deve cumprir o papel de permitir que todos os cidadãos possam ter acesso ao conjunto das informações necessárias para fundamentar seus desejos de mudanças. Sua ação individual já deve nascer fecundada pela visão do movimento no conjunto. A estrutura do sistema de informações deve ter como ponto de partida:

·        Uma divisão territorial de base censitária reconhecida pelos cidadãos no cotidiano de suas relações;

·        Um conjunto de informações existentes e disponíveis estruturadas com metodologia reconhecida pelos poderes públicos e pela comunidade.

·        Um padrão e um campo relacional que seja necessariamente o território de vivencia do cidadão.

·         Uma tecnologia amigável desenvolvida em softwares livres capaz de suportar as bases de dados.

·         Uma pedagogia de utilização destas informações;

·        Agentes de difusão

Com base nesses princípios o Instituto Lidas tem implementado diversas ações, entre as quais destacaremos o projeto Cooplurb que ganhou o prêmio Milton Santos da Câmara de vereadores da cidade de São Paulo em 2004.


Projeto da Cooperativa de Logística Urbana (COOPLURB)

O Projeto visa qualificar a juventude com as novas tecnologias para buscar informações na sua área de vivência (500 a 700 metros em torno da casa de cada jovem), podendo assim, distribuir informações de forma universal e gratuita para a população, contribuindo para uma intervenção social; trocar ou vender informações para o poder público, colaborando para melhorias das políticas publicas e vender informações para as empresas, proporcionando auto-sustentação dos cooperados.

A capacitação dos jovens tem duração de 6 meses com os seguintes conteúdos:

·        Reconhecimento do Território: Reconhecer tudo o que existe em torno da sua área de vivência.

·        Censo: Estudo das informações do CENSO de 2000, ligadas à sua área de vivência.

·        Banco de Dados: Elaboração e manipulação de banco de dados, utilizando os programas apropriados.

·        Pesquisa de Campo: Conhecimento dos tipos de pesquisas, abordagens e noções de sua elaboração.

·        Fotografia: Estudo sobre as técnicas fotográficas e a história da fotografia.

·        Elaboração de Maquetes: Noções de Escala e de coordenadas geográficas.

·        Geoprocessamento: Construção de Mapas digitais.

·        Cooperativismo: Estudo sobre legislação de cooperativas, ênfase na cooperação ao invés da competição.

O Projeto Cooplurb foi iniciado em parceria com a Casa dos Meninos (Jardim São Luís) em 2001, com jovens de 15 a 18 anos oriundos do programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano (Governo Federal/PMSP), na perspectiva de alternativas de auto-sustentação com domínio das informações da UPP 254 (norte do distrito do Jardim São Luís), tendo três objetivos distintos: distribuir à população informações de forma universal e gratuita, fomentando condições, cada vez mais amplas, para a realização dos desejos de mudança na prática do exercício da cidadania e da democracia; trocar informações de interesse dos poderes públicos na perspectiva de objetivar as políticas públicas de acordo com os interesses da população e por fim negociar informações mercadológicas com empresas, comércio e serviços. Em 2003, lançamos o primeiro produto da cooperativa: o Jornal Guia da COOPLURB.

Um dos elementos fundamentais para a articulação das equipes de trabalho e a coordenação do projeto foi a criação das reuniões digitais que se constituíram em torno de um software desenvolvido pelo Instituto Lidas que, operando num provedor de Internet, proporciona um espaço qualificado de discussão e construção coletiva do conhecimento. A Reunião Digital, como é chamada, permite o registro cotidiano de propostas, idéias, fatos etc., em pastas previamente nomeadas permitindo uma integração permanente de todos os participantes. Para acessar a reunião digital a pessoa só precisa do acesso a Internet com o Internet Explorer ou outro navegador compatível. Para ver a porta de acesso: http://www.lidas.org.br/reuniao/cooplurb.

A coleta de dados e informações do território foi baseada na percorrida, que é (ou foi) um termo utilizado pelo serviço dos Correios para designar a área percorrida diariamente pelo carteiro. As percorridas estabelecidas e testadas na UPP-254 correspondem (numa área acidentada) a três setores censitários percorridos por um jovem numa média de duas horas. O setor censitário possui cerca de 350 domicílios. A percorrida é o trabalho de cada jovem cooperado, onde é exercido seu trabalho de distribuição de mala-direta, panfletos, objetos vendidos pela internet, etc. e, também, o local de coleta de informações para o Jornal Guia e para o banco de dados de pesquisas de mercado.

A “mãe” da percorrida foi uma sistematização de uma experiência da UPP-254. Trata-se de uma residência onde o responsável pelo domicílio é uma mulher com filhos na faixa de idade dos cooperados, que tenha uma prática social na vizinhança envolvendo questões ligadas à juventude.

Nesta residência, instalamos um microcomputador ligado a internet em banda larga e uma impressora, criando um espaço de entrada e saída de informações. Além de acomodar as necessidades de alguns jovens da cooperativa, o “espaço” veio a se tornar referência para outras mães que, possibilitando melhor aproveitamento das horas disponíveis devido à proximidade, começaram a se aproximar com carinho das atividades, respaldando os seus filhos e participando mais freqüentemente das diversas iniciativas ligadas ao nosso projeto. O reconhecimento dessa prática teve grande valia para o desenvolvimento das atividades locais, daí surgindo a idéia de generalizar o que veio a ser chamado de "Mãe da Percorrida".


Boletim do Projeto Cooplurb

O Boletim informativo COOPLURB surgiu com o propósito de informar aos pais, entidades parceiras, empresas e governo sobre as atividades desenvolvidas pelo Projeto. Através dele criamos um cadastro virtual, onde cada jovem registra a pessoa para quem entregou o boletim, formando um banco de dados com pessoas amigas, empresas e instituições de interesse do projeto.


Jornal-Guia

O Jornal-Guia COOPLURB, produzido pelos jovens moradores da Subprefeitura de Capela do Socorro é inovador, pois existe no seu interior o Guia de Ruas da Região (a notícia sempre vinculada com o Guia).

Vem com o intuito de contemplar os três objetivos da COOPLURB, e busca sempre em primeiro plano formar uma Base Comum de Conhecimento Cidadão, a fim de respaldar os desejos de mudança da população, fortalecendo sua identidade e seu sentimento de pertencimento territorial. Com a elaboração do Jornal isso se torna real, pois o cidadão comum terá informações básicas de sua região e com isso, poderá fomentar a busca de melhorias.

As matérias para o Jornal Guia foram extraídas das atividades desenvolvidas na oficina de Jornalismo, as fotografias feitas pelos jovens sob orientação do educador responsável e as ilustrações confeccionadas por um jovem cooperado.

O plano e a estratégia de distribuição foram elaborados pelos jovens a partir da orientação do educador e das premissas traçadas por todos os participantes cooperados nos seminários.

Desde o lançamento do primeiro número do Jornal-Guia acrescentamos às atividades, oficinas de plano de vendas, marketing, contabilidade e administração. As questões de legalização da cooperativa também começaram a ser trabalhadas para a consolidação da COOPLURB.


A evolução do projeto

Gráficos, dados estatísticos, mapas e tabelas são as novas 'armas' utilizadas pelas comunidades da zona Sul de São Paulo que querem, por meio desses indicadores, entender melhor quais são os principais problemas sociais que os afetam. A proposta inovadora, que utiliza técnicas de geoprocessamento de dados, permite à população ter informações detalhadas do local onde vivem e assim se apropriarem de informações que possam ser decisivas para a transformação social dessas comunidades.

A noção de localidade das pessoas é muito problemática. Quando perguntávamos: onde você mora, ou a resposta era muito ampla, muito específica: moro perto da fábrica tal, ou perto de um ponto notável qualquer. Quando a noção de localidade é muito ampla, as pessoas ficam sem condições de ter um domínio do local onde vivem, de terem uma relação mais efetiva, e freqüentemente se perdem. Quando é a sua noção é muito estreita, ficam vulneráveis às políticas clientelistas em torno de um problema muito localizado".

A busca que se estabeleceu então foi por uma área que tivesse consistência censitária e ao mesmo tempo fosse uma área de vivência do cidadão. Não tão pequena que não contivesse os principais elementos sócio-culturais e econômicos da região metropolitana, nem muito grande que fugisse da noção de localidade. O ponto de partida foi a pesquisa de Origem e Destino realizada pelo Metrô em 1997, que subdividiu os distritos da capital respeitando os setores censitários. O resultado foi a configuração de 270 zonas, as zonas OD que nós denominamos como UPPs.

No final de 99, cruzando diversos dados do censo do IBGE e outros órgãos oficiais, a comunidade da UPP 254 – Jardim São Luís –, quase 70 mil habitantes numa área de 4 quilômetros quadrados, pôde ter conhecimento da sua situação local. Entenderam, por exemplo, onde estavam localizadas as favelas, as áreas públicas, a distribuição de homicídios, entre outras informações. É um trabalho de aplicação de informações censitárias do IBGE com dados "georeferenciados" e "geocodificados", que visa identificar os recursos, carências e potencialidades do território.

Com base nos mapas organizados, o Instituto Lidas, por meio da Casa dos Meninos passou a se aproximar mais das escolas, desenvolvendo diversos trabalhos com os diretores e coordenadores pedagógicos, para promoverem ações voltadas aos jovens. Resultados concretos dessa ação já estão refletidos na COOPLURB que trabalha com os jovens como parte da solução e não do problema.

Estabeleceu-se como meta capacitar equipes de 30 jovens por UPP, organizados em cooperativas, para produzir informações e formar a "base comum de conhecimento cidadão". Além disso, a perspectiva é a de produzir também dados para os governos municipal e estadual por meio de projetos de parceria, com o intuito de, em contrapartida, conquistar benefícios culturais e educacionais para a região.

Com base nos dados, localizando os setores censitários (são cerca de 340 domicílios) e qual área a ser abrangida, os jovens fizeram um levantamento de quantas casas estavam sem portões ou quebrados. Encontraram 150. Na etapa seguinte, será oferecida uma oficina de marcenaria, onde os adolescentes irão aprender a fazer portões recicláveis, a partir de técnica desenvolvida por um marceneiro local, a partir do lixo.

Outra ação gerada na comunidade é a Cooperativa de Mulheres que já começa a produzir refeições, principalmente feijoada, nos fins de semana e entregar em domicílio, utilizando o tempo livre da cozinha da Casa dos Meninos. Será elaborada também uma pesquisa, continua Silva, onde os jovens irão verificar toda a produção da área, quais pratos são oferecidos e, a partir daí, determinar os produtos com preços mais em conta e de melhor qualidade.

Mas as reais mudanças só irão realmente ter impacto quando a população se apropriar dos dados, até mesmo para apontar qual é a melhor maneira de fazer o levantamento. Normalmente, os censos são elaborados pelos poderes constituídos e não diretamente pela população. Ele fica então desconhecido dessa população. Mas, sendo ou não dados elaborados pelos dominantes, ele é o ponto de partida. Uma apropriação desses dados e da situação é importante para começar a alternar números que atingem a região.

O projeto não busca utilizar os dados como fazem os técnicos, que podem apontar em questões de minutos onde se deve abrir uma rua, iluminar uma viela ou derrubar algum muro. Isso não interessa. O que importa é que a população veja isso e as soluções apareçam a partir da sua vivência. Aí sim a história começa a ser escrita por outra tinta. Para isso, todo o instrumental de cruzamento de dados será transmitido aos jovens da região, para que eles possam utilizar as informações de acordo com os interesses do cotidiano e medir as mudanças conquistadas.

Quando afirmarmos que existem 100 crianças fora da escola, eles vão saber exatamente quem são e onde estão essas pessoas. Dessa maneira, terão condições de pensar a solução para aquela exata pessoa. Senão eles ficam alienados da solução, que acaba vindo de políticas elaboradas sem a participação deles. A intenção é de que, quando as políticas chegarem às regiões, encontrem uma população mais crítica.

Devido a diversos interesses, as informações não chegam a toda a comunidade. Para quem tem alguma coisa a esconder e defender, principalmente coisas ilícitas, não quer que essas informações apareçam. Por exemplo, quais quadras estão vazias aqui e são de domínio público? Todas as imobiliárias sabem e ficam brigando no mercado. Aqui não existe nenhum centro poliesportivo. Onde colocar? Há alguma área pública? Até você descobrir isso leva anos.

A intenção dos envolvidos no projeto é ter o governo como mais um parceiro na região. Desde 2001, as primeiras reuniões do Orçamento Participativo levam em conta o conceito de UPPs. Os encontros se iniciam pelas 270 regiões e depois são realizados nos distritos. A UPP da Capela do Socorro conta com uma participação mais efetiva do governo para reunir as organizações locais. Está sendo educativo, porque as entidades não chegam para cobrar do governo, mas sim pensando em como resolver o problema em conjunto. Isso vai agilizando os encaminhamentos sugeridos pela população.

Acostumados com a era das discussões virtuais, os cooperados da Cooplurb relacionam-se muito bem com os computadores. A cooperativa não tem uma sede física e cada cooperado vai trabalhar de sua própria casa, em sua máquina.

Para isso, os cooperados são incentivados a investir na compra de seu próprio computador conectado à Internet através de banda larga pois diariamente os adolescentes fazem "reuniões digitais", nas quais trocam mensagens e experiências, relatam o que foi discutido nas reuniões presenciais, e se atualizam - ainda que não estejam fisicamente presentes em todas as atividades.

A fim de facilitar a compra dos equipamentos, a Cooplurb criou um fundo de financiamento das máquinas. Assim, os cooperados, conforme vão recebendo pelos serviços prestados vão pagando a dívida com a cooperativa. Atualmente, dos 25 cooperados, 17 já têm seu computador em casa.

Foi criado ainda um sistema bastante prático de acompanhamento das finanças da organização, que permite a cada cooperado controlar diariamente as contas da cooperativa na Internet, utilizando-se de uma senha pessoal. O sistema também permite aos financiadores do projeto acompanhar, dia após dia, como está sendo utilizado o dinheiro doado.

Como definem os próprios cooperados, na Cooplurb o "jovem não é o meio; é o fim". A preocupação maior dos jovens não é gerar renda - embora esse seja um ponto importante e uma cobrança por parte de vários pais. O objetivo dos jovens é aprender, crescer, obter uma formação sólida, que lhes permita atuar mais tarde em diversas áreas do mercado.

Por isso, a idéia é que cada um dos cooperados dedique apenas seis horas semanais no trabalho da percorrida, mais algumas horas para a sistematização dos dados no computador. No tempo restante, eles são incentivados a estudar. Hoje, 6 cooperados são universitários - muitos deles com bolsa de estudos. Outros, já se inscreveram para prestar o vestibular no final do ano. 

Através do trabalho na cooperativa, o jovem consegue conhecer melhor a si mesmo, identificando sua vocação profissional. Com isso, ao invés de seguir os passos da maioria dos adolescentes que vivem na periferia (que vão ao mercado em busca do que encontrarem, quanto mais rápido melhor, pois precisam trazer dinheiro para a família), o jovem que passa pela Cooplurb recupera sua auto-estima, sentindo-se motivado a procurar no mercado uma vaga que lhe satisfaça pessoalmente. 

Para acalmar os pais durante todo o processo, os jovens realizam reuniões periódicas, com a presença dos responsáveis que são importantes para esclarecer aos pais o trabalho dos filhos. Com isso, os pais começam a respeitar mais o esforço e a dedicação dos filhos.

Nos primeiros seis meses de implantação da Cooplurb, já é possível notar que grande parte dos jovens está passando por uma grande transformação pessoal. Eles passaram a acreditar mais em si mesmos, sobretudo em suas capacidades de cursar uma faculdade pública, além de se preocupar mais em ajudar as outras pessoas.

Uma das principais dificuldades enfrentadas pela Cooplurb é sua legalização. Até hoje, a cooperativa não conseguiu regularizar seu registro de pessoa jurídica. Os jovens esperam que isso seja feito até o final do ano, pois só assim a cooperativa obterá sua verdadeira autonomia.

Por enquanto, todos os trabalhos realizados pelos adolescentes (como a digitalização e atualização dos mapas de 200 cidades brasileiras que hoje está sendo realizado) são contratados ou via Casa dos Meninos, ou via Instituto Lidas.

Incentivados pela conquista do Prêmio Milton Santos em 2004, que é uma recomendação da Câmara dos Vereadores para que o projeto da Cooplurb vire política pública, os jovens também pretendem ampliar seu trabalho para outras regiões da cidade. E isso já vem acontecendo


Acesso democrático aos Sistemas de Informações Geográficas e o Estado de inclusão social

A constituição de iniciativas como a do Instituto Lidas respondem a algumas dimensões da realidade, que envolvem o uso dos Sistemas de Informações Geográficas no contexto da inclusão digital; a inação do Estado nas áreas periféricas das grandes cidades brasileiras e as conseqüentes políticas de inclusão social; e a possibilidade de um reconhecimento cidadão de cada indivíduo com seu lugar de morar, conforme os próprios objetivos do projeto ora apresentado. Deteremos-nos aqui sobre os dois primeiros aspectos.


O uso dos Sistemas de Informações Geográficas (SIG)

Existe uma gama enorme de aplicações em softwares que envolvem o domínio dos SIGs. De uma tecnologia restrita a usuários especialistas, os SIGs vêm penetrando a vida de usuários em suas atividades cotidianas. Se ainda é restrito o seu acesso, devido aos custos como na aplicação de ferramentas de roteamento de veículos, a disponibilização de outras ferramentas de localização espacial, como as oferecidas pelos aplicativos do Google Maps e Google Earth, ou ainda aqueles utilizados nas buscas de endereços na Internet, rompem essas restrições. De fato, é crescente a disponibilização ao grande usuário da rede mundial de computadores, sites e aplicações que se fundamentam em ferramentas de SIG para a WEB.

Isso não ocorre por acaso e podemos considerar pelo menos dois motivos para tanto: um é o próprio desenvolvimento dessa tecnologia e o outro é um misto de fascínio exercido pelas imagens aéreas globais com uma necessidade imposta pela complexidade dos deslocamentos nos centros urbanos.

Se a perspectiva da visão do alto era restrita a poucos viajantes que tinham recurso para remunerar uma passagem de avião, o advento das imagens orbitais de alta resolução veio suprir essa restrição. A todos é permitido viajar virtualmente por todas as porções do planeta e reconhecer as “geografias” dos mundos distantes. As sagas dos viajante-exploradores divulgadas nas revistas geográficas alimentaram esse imaginário, corroborado por uma Geografia Escolar fundada no pitoresco de lugares e culturas exóticas. Saber onde estamos, localizarmo-nos nessa escala global se tornou possível com as ferramentas de SIGs existentes em aplicativos como o Google Earth. É fantástico observar o número crescente de usuários desse sistema que indicam pontos de seus interesses aos demais usuários do sistema (como se quisessem compartilhar com todos suas perspectivas e paisagens terrestres).

O avanço dos processos de imageamento terrestre de alta definição, associado à crescente capacidade de transmissão de informações pela WEB, permitirá que em um curto prazo seja possível observar detalhadamente cada porção do planeta. Avanços nos sistemas de projeção tridimensionais permitirão (com já ocorre para algumas situações) a projeção de edifícios com suas elevações reais. No futuro, teremos layers (camadas de informações cartográficas e/ou de imagens orbitais) que representarão a superfície da Terra em diversos momentos históricos. Será possível “ver” cenas de uma batalha épica ocorrida a milhares de anos. Ver uma cidade em sua formação urbana bastará dar um comando e veremos a cidade do Rio de Janeiro sem o Aterro do Flamengo, ou a cidade de São Paulo sem suas marginais dos rios Tietê e Pinheiros. Poderemos ver todos os tempos de um lugar e todos os lugares de um tempo. Chegaremos ao Aleph de Borges. Estaremos na era dos SIGHs” (Sistemas de Informações GeoHistóricos).

Esse pode ser um caráter mediático da aplicação dos Sistemas de Informações Geográficas, mas responde a uma necessidade de nos localizarmos no vasto mundo – sempre fomos fascinados por aquele globo ali colocado no canto das bibliotecas. A outra aplicação dos SIGs que se desenvolve intensamente é mais instrumental. Trata-se do uso de suas ferramentas como auxiliares em processos de roteamento (a definição de melhores rotas que possam unir dois pontos). Em ambientes urbanos menos complexos, o deslocamento pelas vias da cidade é mais fácil, pois conta com o conhecimento que o viajante tem do território. Em nossa escala de vida cotidiana, todos nós somos capazes de conhecer as ruas de nosso bairro. Sabemos como chegar a nossa escola, ao lugar de trabalho, ou à casa de nossos amigos. Construímos nossa identidade na relação com esse espaço. Mas conforme os processos de complexificação do meio urbano e de nossa relação com esse meio urbano se acirram, e quanto mais nos distanciamos desse “nosso lugar”, mais difícil torna-se o reconhecimento com o espaço que aproxima. Boa parte da existência dos mapas e do desenvolvimento da cartografia veio responder à necessidade de registrarmos um espaço que não reconhecíamos e que não poderíamos expressar apenas por um sentimento de reconhecimento do lugar, através de nossos mapas mentais.

Na escala urbana esse “mapa cotidiano” são nossos guias de ruas (é curiosa a referencia a esses instrumentos de localização como sendo guias). Neles é possível localizar endereços que jamais poderíamos chegar, a não ser percorrendo um longo percurso que envolveria uma série de coletas de informações durante o trajeto (que poderiam, inclusive, me induzir a chegar a lugares errados). Todo motorista prevenido que resida em uma grande cidade deve ter um guia de ruas em seu carro. Com advento dos Sistemas de Informações Geográficas e a disponibilização de mapas eletrônicos dos eixos de logradouros com informações de direção das vias, foi possível transformar os guias de ruas em sistemas de orientação ao deslocamento de veículos. Basta indicar para esse sistema qual o ponto de saída (traduzida como uma coordenada geográfica, por exemplo, uma latitude e uma longitude) e um ponto de chegada (outro sistema de coordenada), que ele indicará através dos segmentos de linhas que compõem o mapa da cidade, qual o caminho a seguir. Como os aparelhos que comportam esses sistemas estão vinculados a outros sistemas de posicionamento global (GPS) por satélite, é possível ao motorista usuário saber exatamente em que posição do mapa ele está e ao sistema indicar em que logradouro deve seguir.

Esse é uma dos mais comerciais usos dos SIGs. De fato, o setor de transportes foi e é um dos usuários desenvolvedores mais ativos desses sistemas. Temos de um lado os sistemas de logística e do just in time como demandatários de soluções tecnológicas para as estratégias de deslocamento e distribuição de produtos (fundamentais para o sucesso da acumulação flexível). Boa parte dos softwares comerciais de Sistemas de Informações Geográficas surgiu de aplicativos em logística.

Essas são características dos SIGs como ferramentas que vêm se incorporando ao cotidiano das pessoas. Outra perspectiva é a adotada no projeto aqui apresentado, ou seja, que eles possam servir de ferramentas para a construção de uma “base comum de conhecimento cidadão” dos territórios de vivencia das pessoas. Nesse aspecto deve-se destacar o esforço que vem sendo desenvolvido por algumas instituições no sentido da democratização do acesso a esses sistemas e das informações espaciais associados a eles. Dentre os esforços mais representativos destaca-se o desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE – com o desenvolvimento da família de aplicativos em SIG a partir da plataforma TerraView. Trata-se de software que utiliza uma biblioteca (TerraLib) de fonte aberta que permite o desenvolvimento de ferramentas por seus usuário. A proposta do INPE é a criação de um clube de usuários-desenvolvedores que podem aperfeiçoar as versões já existentes, ou desenvolver ferramentas específicas que podem ser disponibilizadas aos demais usuários como plug ins. Em breve uma dessas parcerias com instituições usuárias, no caso o Centro de Estudos da Metrópole – CEM/CEBRAP (através de financiamento da Fapesp), irá disponibilizar uma versão do software denominada TerraViewS, ou Terra View Social, que tem sua aplicação voltada a projetos e programas sociais e à políticas públicas. A intenção do INPE e o do CEM é que esse software possa instrumentalizar o gestor público no uso dos SIGs de acesso livre em seus processos de tomada de decisão; assim como dar uma alternativa a organizações da sociedade civil, como é o caso da Cooplurb, de acesso a um SIG não comercial, com potencial de desenvolvimento e suporte técnico (um dos grandes problemas dos softwares não comerciais).


O uso dos Sistemas de Informações Geográficas na definição de Políticas Públicas

A busca da universalização de ações nem sempre foi uma das marcas da ação do Estado em suas políticas públicas. Em um Estado populista aparelhado politicamente por grupos de interesses econômicos, a eficácia de tais ações estava respaldada na resposta política que a população dava aos seus proponentes. As metas eram traçadas visando-se os retornos políticos, sem atentar-se às necessidades dos grupos sociais e aos lugares mais carentes.

Apesar da provisão de água, energia elétrica, acesso à escola, ao serviço de saúde, ao sistema de transporte a toda a população serem metas universais que toda política deveria buscar, o populismo elegia grupos que deveriam ser atendidos. Mas dado o alto nível de necessidade da população, a aplicação de tais políticas em qualquer lugar corria o risco de dar certo. Mas o problema é que isso ocorria em detrimento de outros grupos, por vezes mais necessitados que ficavam sem nada.

Com a redemocratização da sociedade brasileira a partir dos anos 1980 e a inserção dos movimentos populares na cena política, ações clientelistas por parte do Estado, fundadas sem critérios objetivos tiveram que ser abandonadas. A partir da pressão social e dos novos agentes que assumem o aparelho do Estado, as políticas públicas voltam-se a ações universalizantes.

A partir desse momento saber sobre quem e aonde agir se tornou um objetivo das políticas públicas. Reconhecer a clientela de cada ação (a demanda) e a realidade dos territórios onde ela se assenta passaram a ser um dos métodos utilizados para a priorização das ações. Para tanto o Estado também passou a utilizar os Sistemas de Informações Geográficas em suas tomadas de decisão. Se indicadores consagrados como o nível de emprego, renda, habitação, saneamento, educação e saúde da população permitem a identificação de grupos sociais excluídos de mínimas condições de sobrevivência, o uso das ferramentas de estatísticas espaciais existentes nos Sistemas de Informações Geográficas permitiu um refinamento na construção das matrizes desses indicadores onde o espaço passou a ser uma variável preponderante na matriz. O uso dos SIGs também possibilitou a identificação no território de situações extremas de necessidades. Muito das políticas públicas dependem hoje da construção desses “mapas de vulnerabilidade”, já que sua eficácia não se caracteriza mais por ações clientelistas, mas sim pela identificação de situações de carência.

Outro aspecto relevante que obriga o uso dos SIGs em políticas públicas é o fato que na medida em que a realidade (sobretudo a metropolitana) cria crescentemente espaços de profunda segregação social (hoje se discute o conceito de hiperperiferia para caracterizar os locais de assentamento das populações sem acesso a qualquer tipo de serviços e sem redes de solidariedade que lhes permitam ampliar suas estratégias de sobrevivência), o uso das ferramentas de localização dos Sistemas de Informações Geográficas torna-se fundamental para que políticas públicas sejam aplicadas nos locais de maior necessidade. O espaço intra-urbano tornou-se, assim, a escala do diagnóstico e da ação do Estado.

Mas processos decisórios de implantação de políticas de inclusão social não podem restringir-se a uma matriz de indicadores expressa no espaço. Sem dúvida o uso das ferramentas existentes nos SIGs permitiu um grande avanço da ação do Estado. Contudo não basta identificar e agir considerando as populações residentes como expressões estatísticas de indicadores. Se estas são classificadas como carentes, vulneráveis, em situação de fragilidade, elas têm que saber disso. Tem que saber como os dados manipulados pelas matrizes de indicadores chegaram a essa classificação. Se as populações são vulneráveis, e elas são aos olhos de quem? Sob que condições? Se as comunidades puderem manipular esse conhecimento e essa linguagem será possível que ela se coloque como um agente ativo perante sua condição (que está expressa no indicador).  Assim não é o Estado, como detentor de um saber específico, quem tem que dizer o que fazer, mas a sociedade instrumentalizada é que deve exigir dele ações que dêem conta da satisfação de suas necessidades.

Instrumentar a sociedade de aparatos que lhe garantam a possibilidade de construção de um processo de identificação com seu lugar de morar, vinculado a apropriação de um saber técnico que lhes dêem autonomia para manipular as informações, são os objetivos dos projetos propostos pelo Instituto Lidas e concretizados na Cooplurb.

A aliança de iniciativas como esta do Instituto Lidas e as do INPE podem resultar numa profunda transformação das aplicações das tecnologias de informações geográficas. Mais que uma ferramenta que permite a localização de eventos no espaço, ver o planeta, criar rotas, definir a localização de negócios, os SIGs podem se tornar verdadeiras ferramentas que levem a processos emancipatórios de grupos sociais que se encontram desprovidos de seus processos decisórios. Conhecer seus territórios, saber de suas reais condições mitiga os possíveis vieses das ações políticas implementadas pelo Estado voltadas ao atendimento de populações vulneráveis.


Bibliografia

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© Copyright Diamantino Alves Pereira, Cleodon Silva, Gustavo de Oliveira Coelho de Souza, 2007
© Copyright Scripta Nova , 2007

Ficha bibliográfica:

PEREIRA, Diamantino ALVES; SILVA, Cleodon; SOUZA, Gustavo de OLIVEIRA COELHO de. O território e o lugar na vida cotidiana metropolitana. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (25). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24525.htm> [ISSN: 1138-9788]


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