Menú principal
Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (30), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]


Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica

A anÁlise da moradia em Manaus (AM) COMO estratÉgia de compreender a cidade


José Aldemir de Oliveira
Universidade Federal do Amazonas - Manaus-AM-Brasil
Pesquisador do CNPq
jaldemir@ufam.edu.br
 

Danielle Pereira da Costa
Núcleo de Estudos e Pesquisas das Cidades na Amazônia Brasileira – NEPECAB-UFAM, Bolsista FAPEAM
danielle.geografia@gmail.com 



A análise da moradia em Manaus (AM) como estratégia de compreender a cidade (Resumo)

O espaço da moradia produz dialeticamente a fragmentação e a articulação da cidade, em que se aproximam e se afastam contradições entre ricos e pobres. Manaus apresenta grande contingente populacional residindo em áreas inadequadas, igarapés, encostas, em moradias precárias e com acesso inadequado aos serviços urbanos. A importância de se entender a cidade de Manaus a partir da produção da moradia é que ela possibilita unificar os vários campos de análise urbana, especialmente quando se observa que os atuais problemas da sociedade parecem ser cada vez mais articulados como problemas de natureza espacial. Por fim o texto aponta que as moradias precárias na cidade não são apenas manifestações das diferenças. Mais que isso, são toleradas e se proliferam.

Palavras-chave: moradia, análise urbana, fragmentação, Manaus (Amazonas, Brasil).



The analysis of housing in Manaus (Brazil), as a estrategy to understanding the city (Abstract)

The space of the housing produces the fragmentation and the articulation of the city, which approaches and moves away contradictions between rich and poor. Manaus presents great population contingent inhabiting in inadequate areas, igarapés, hillsides, in precarious housings and with inadequate access to the urban services. The importance of understanding the production of the housing at the city of Manaus are that it makes possible to unify the some aspects of urban analysis, especially when are observed that the current problems of the society seem to be each time and much more articulated as problems of space nature. Finally the text points that the precarious housings in the city are not only manifestations of the differences. More than this, are tolerated and they proliferate.

Key-words: housing, urban analysis, fragmentation, Manaus (Amazonas State, Brazil). 



A intensa urbanização da sociedade e as complexas redes de cidades no início do século XXI tornaram agudos os problemas ditos urbanos como altos índices de desemprego, violência, carência de serviços básicos. A tais problemas acrescente-se o agravamento da situação ambiental urbana: resíduos sólidos, escassez e poluição da água, falta de esgoto, diminuição de áreas verdes e poluição do ar. No centro desses problemas que atingem as cidades está a questão da habitação, visto que ela explicita as contradições resultantes da produção da cidade numa sociedade desigual.

O modo como se estabelece a produção da habitação nos ajuda a compreender a paisagem que, sem abandonar toda a riqueza da morfologia urbana, expressa a aparência da cidade, tornando-se um fator importante no tecido urbano e no seu conteúdo demográfico. A habitação é aqui entendida como a categoria estatística (unidade de habitação), bem como a categoria administrativa (prédio, apartamento, casa). Portanto, habitação é o espaço da moradia, espaço de vizinhança, espaço públicos (Reginensi. 2005, p. 131).
 
A importância de se entender a cidade a partir da produção da moradia é que ela possibilita unificar os vários campos de análise urbana, especialmente quando se observa que os atuais problemas da sociedade parecem ser cada vez mais articulados como problemas de natureza espacial, visto que eles são explicitados pelas desigualdades socioespaciais. Neste sentido, diferenças espaciais, especialmente nas áreas consideradas como subnormais por apresentarem os piores índices de qualidade de vida,  mostradas no Atlas do Desenvolvimento Humano em Manaus, de 2006, e utilizadas na elaboração deste texto se enquadram no que Mark Gottdiener (1994, p. 41) denomina de zona de transição e se constituem como desvalorização do ambiente construído, parte da lógica de produção e do crescimento da cidade baseado no desenvolvimento desigual dos padrões espaciais. Por isso, antes de considerar as áreas de igarapés, invasões e favelas como subnormais, como aberração na paisagem da cidade, é preciso compreende-las como parte da lógica de produção da socioespacialidade urbana numa sociedade desigual, onde morar na cidade pressupõe ter possibilidade de pagar por isso.

Todavia a produção da habitação não pode ser reduzida apenas à localização ou às relações sociais de posse. Ela representa uma multiplicidade de fatores sociais, culturais e econômicos. A moradia é sem dúvida uma localização física, mas é ao mesmo tempo uma expressão psicossocial, sendo produto e condição da sociedade e da sua produção e reprodução.

Considerando que a análise deste texto está centrada nos anos noventa, os conjuntos habitacionais e as ocupações espontâneas se constituíram como vetores da expansão da cidade de Manaus. Este processo retoma períodos anteriores, conforme demonstrado a seguir, o que, no limite, possibilita afirmar que a forma de produção da moradia na cidade contém e configura uma teia de relações sociais, conjuntos de interesses, ao mesmo tempo que explicita as práticas administrativas, hierarquicamente estruturadas. Compreender estas dimensões e o processo que resultou no mosaico de ocupação da cidade, os tipos de habitação, o nível de acesso aos serviços urbanos e aos bens de consumo, e comparar alguns desses índices da cidade de Manaus com o de outras cidades da Amazônia brasileira é a proposta deste texto.


O Estado e a produção da moradia em Manaus

É relevante na produção da moradia compreender o papel do Estado, que tem no atendimento ou não da demanda um instrumento político importante, usando-o como estratégia para assegurar seu controle sobre o espaço e como garantia de reprodução ampliada do capital. A habitação representa a dimensão do poder, e o seu planejamento implica a tentativa de estabelecer uma vida cotidiana programada e manipulada e uma espacialidade hierarquizada, determinando o modo como e por quem o espaço será ocupado.

Um dos primeiros atos do Governo Militar foi a criação, em 1964, por meio da Lei 4.380/64, do Banco Nacional da Habitação (BNH), extinto em 1986. Com o BNH, também foi criado o Sistema Financeiro da Habitação, com crédito regulado, visando atender à demanda de habitação popular e de construção de infra-estrutura urbana.

Dentre os programas criados pelo BNH, dois se destacam como elementos básicos para a realização dos seus objetivos: o primeiro, o Programa COHAB, criado em 1966, que tinha como meta a construção de casas em áreas livres, para formação de conjuntos habitacionais servidos de infra-estrutura e destinados inicialmente às famílias que possuíssem renda de até três salários mínimos, sendo, posteriormente, estendido às famílias com renda de até cinco salários; o segundo, o PROMORAR, criado em 1982, que tinha por objetivo promover a urbanização das áreas carentes de infra-estrutura, habitação e equipamentos coletivos de saúde, educação, lazer e segurança.  Ambos os programas tiveram importância na configuração do espaço urbano de Manaus, pois através deles se deu a construção de conjuntos habitacionais e a implementação do “Projeto de Urbanização” do bairro do Coroado, executadas pela COHAB-AM (mais tarde SUHAB – Superintendência Estadual de Habitação), órgão responsável pela política habitacional no Estado.

De importância maior foram os conjuntos habitacionais. Por volta de 1965, foram  construídos os Conjuntos de Flores no bairro do mesmo nome e o Costa e Silva no bairro da Raiz,  que se destinavam a abrigar os moradores retirados de aproximadamente 700 moradias da Cidade Flutuante localizada no rio Negro (Salazar. 1985, p. 204).

No final dos anos sessenta, foi construído o conjunto Castelo Branco no Parque 10 (Zona Centro-Sul), numa área cercada de balneários, chácaras e clubes. A construção do conjunto ensejou o processo de valorização urbana, com a construção nas cercanias de condomínios de classe média e nos anos dois mil a área passa por intenso processo de verticalização. Em seguida, foi construído o Conjunto 31 de março na (Zona Sul), próximo ao Distrito Industrial da Zona Franca de Manaus, que deu origem ao bairro do Japiim. Ao contrário do Parque 10, o entorno desse conjunto foi tomado por ocupações espontâneas. No mesmo período, foi construído o Conjunto Ajuricaba (Zona Centro-Oeste). Este conjunto pode ser caracterizado como intermediário entre os dois anteriores, pois sua infra-estrutura possibilitou tanto a instalação de outros conjuntos habitacionais populares, concomitantemente a diversas ocupações espontâneas.

No período de 1982 até 1990 foi construído o conjunto Cidade Nova, que ampliou a expansão da cidade para a Zona Norte e inaugurou nova fase na construção de unidades habitacionais populares em Manaus, pelo número de moradias e por concentrar no seu entorno outros projetos habitacionais populares. No período, foram construídas cinco etapas num total de 8.804 unidades habitacionais. O conjunto foi o vetor de expansão urbana da Zona Norte por causa do número de conjuntos populares construídos nos anos 90 e do número de ocupações espontâneas que ocorreu no seu entorno.

Ainda na Zona Norte e nas cercanias da Cidade Nova e a partir de 2001 foi iniciada a construção do Conjunto Nova Cidade, onde, até o final de 2006, foram entregues 9.220 habitações. A construção desses conjuntos ampliou os domínios espaciais da cidade, ocorrendo sua interiorização, que avança sobre a floresta pelas “terras firmes” da Zona Norte.


A moradia social: as ocupações urbanas

As ocupações são estratégias que os segmentos populares encontram para ter acesso à moradia a partir da organização de “invasões” em lotes urbanos vazios. Caracterizam-se por ser ações rápidas, o que implica o acesso imediato ao lote, possibilitando a construção contínua da moradia.

As ocupações em Manaus começaram no final dos anos sessenta, das quais resultaram bairros como Alvorada e Redenção (Zona Centro-Oeste), Novo Israel, Monte das Oliveiras, Colônia Terra Nova, Santa Etelvina, Colônia Santo Antônio (Zona Norte), Coroado, Mauazinho, Zumbi dos Palmares (Zona Leste), Compensa, Vila da Prata, Lírio do Vale, Santo Agostinho e parte do Tarumã (Zona Oeste). Esse processo se acentuou no final dos anos noventa, especialmente na Zona Norte, seguindo o eixo rodoviário da AM-10 e BR-174. Desse modo, o espaço urbano da cidade de Manaus foi produzido em parte a partir de ocupações. No período entre 2002 e 2004, surgiram em Manaus 54 novas ocupações e desse total 40 se consolidaram, transformando-se em bairros com carência de infra-estrutura urbana de toda ordem. Em decorrência, o número de bairros, reconhecidos ou não pela Prefeitura, quase dobrou a partir de 2002, passando de 60 para 110 (Oliveira et al. 2005).

Essas ocupações ocorreram tanto em áreas de platôs elevados na franja urbana como nas áreas inundáveis dos igarapés. O Atlas do Desenvolvimento Humano em Manaus 2006, para os setores censitários sob influência dos igarapés da cidade, apresenta 427.164 habitantes em 1991 e 569.267 em 2000. Observa-se que o crescimento médio nestas áreas no período citado é inferior ao crescimento da cidade, o que decorre de as áreas dos igarapés com maior densidade se localizarem próximas ao centro e já apresentarem em 1991 taxas elevadas de ocupação, impossibilitando a construção de novas casas.

Portanto, as “invasões” às margens dos igarapés constituíram-se em outro fator de expansão da malha urbana da cidade, sobretudo a partir dos anos 70. Os principais igarapés da cidade passaram por vigoroso processo de transformação. No Igarapé do Mindu, localizado na área norte da cidade, há intensa especulação imobiliária decorrente da verticalização, sobretudo entre as ruas Paraíba e Constantino Nery e no eixo entre o Boulevard Álvaro Maia e a rua Efigênio Sales, seguindo a rua Darcy Vargas e estendendo-se para a área da Ponta Negra. Já no Igarapé do Quarenta, situado na parte sul da cidade, a transformação é de outra ordem. O Governo do Estado está executando o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim), que demandará recursos no montante de 200 milhões de dólares, parte financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que aprovou, em 30 de novembro de 2005, um contrato de empréstimo no valor de 140 milhões de dólares.


Características habitacionais da área urbana de Manaus (1991 e 2000)

A análise de indicadores das condições habitacionais e de infra-estrutura prima por fornecer informações que contribuirão sobremaneira para o maior conhecimento do nível de qualidade de vida da população local, haja vista ser de grande importância a questão do acesso aos serviços essenciais, como o saneamento básico.

Na cidade de Manaus, a dinâmica urbana assume características ora espontâneas - as ocupações, ora orientadas - conjuntos habitacionais, conforme já apontada acima. Por motivos socioeconômicos e políticos, a avaliação desses indicadores possibilitou a análise das desigualdades sociais decorrentes do processo excludente de produção do espaço urbano, bem como as mudanças ocorridas e as políticas públicas direcionadas para o setor.

É válido considerar que na parcela urbana do Município de Manaus se concentram  99% da população residente, ocupando, em termos espaciais, apenas 4% da extensão territorial municipal, o que indica uma elevada concentração demográfica.

Figura 1
Manaus – Zonas Urbana e Rural


Os dados utilizados na análise foram obtidos do Atlas do Desenvolvimento Humano em Manaus 2006, que foi organizado a partir de informações dos Censos Demográficos de 1991 e 2000, pela Fundação João Pinheiro, em parceria com o Governo do Estado do Amazonas, por meio da SEPLAN, e com a Prefeitura Municipal de Manaus. A análise das características habitacionais da área intraurbana de Manaus pautou-se por dois grupos de indicadores: indicadores gerais de condição domiciliar e indicadores de acesso a bens e serviços.

Como resultado, pode-se considerar em linhas gerais que houve melhoria em alguns indicadores habitacionais na zona urbana de Manaus nos nove anos compreendidos entre 1991 e 2000, seguindo o padrão do que ocorreu nas demais capitais de estados e municípios brasileiros com população acima de um milhão de habitantes, conforme demonstrando por Lívia Miranda em 2005. No entanto, quando se considera a escala intraurbana, especialmente tratando-se de áreas de ocupação recente da cidade de Manaus, como as Zonas Norte e Leste, observa-se que existem fortes desigualdades espaciais relativas à moradia.

Considerando-se a análise espacial do total de domicílios, percebeu-se que as áreas que concentravam o maior número de residências em 1991 se localizavam na Zona Sul da cidade (tabela 1), principalmente nos bairros do Centro, Nossa Senhora Aparecida, Educandos, Colônia Oliveira Machado, Crespo, Betânia, São Lázaro e Vila Buriti. A Zona Oeste ficou em segundo lugar (com destaque para os bairros Compensa, São Raimundo e Glória). E nas Zonas Centro-Sul e Norte da cidade, os bairros do Parque 10 e Chapada/Conjuntos, e Cidade Nova (Novo Aleixo e Amazonino Mendes respectivamente), eram os que apresentavam maior número de domicílios (figura 2).

É importante considerar que a Zona Sul é a área de ocupação mais antiga de Manaus, concentrando as atividades comerciais relacionadas ao Centro Comercial da Zona Franca e o principal porto hidroviário da cidade, que à época era o único pólo de articulação da capital com o interior do Estado via transporte fluvial.

No ano de 2000, a situação sofreu mudança. A Zona Leste passou a ocupar o primeiro lugar em relação ao total de domicílios, seguida pela Zona Norte, que apresentou o maior percentual de crescimento no período analisado (183,80%) e pela Zona Sul, que teve apenas 9,34% de crescimento, comparado a 1991 (tabela 1). Esta mudança reflete os dois principais eixos de crescimento horizontal da cidade, especialmente a partir da criação de conjuntos habitacionais como Cidade Nova, situado na zona Norte e já referido anteriormente, bem como das ocupações espontâneas que surgiram ao seu redor e da abertura de importante eixo de circulação para a Zona Leste pela Estrada Grande Circular, que contribuiu para a continuação das ocupações espontâneas e o adensamento urbano da área (figura 2).


Tabela 1
Total de domicílios segundo as zonas urbanas de Manaus, 1991 e 2000

Zonas urbanas de Manaus

Total de domicílios particulares permanentes, 1991

Total de domicílios particulares permanentes, 2000

% de Crescimento no período de 1991 a 2000

Zona Centro Oeste

24.880

32.342

29,99

Zona Centro Sul

20.653

31.739

53,68

Zona Leste

34.382

76.783

123,32

Zona Norte

23.463

66.587

183,80

Zona Oeste

38.508

47.952

24,53

Zona Sul

62.966

68.846

9,34

Fonte: Censos Demográficos – 1991 e 2000 (IBGE);
Atlas Municipal IDH em Manaus, 2006.



Figura 2
Zonas Urbanas de Manaus - Total de domicílios, 1991 e  2000

 


Fonte: Censos Demográficos – 1991 e 2000 (IBGE);
Atlas Municipal IDH em Manaus, 2006. Org. Danielle Costa.


Quanto ao número médio de moradores por domicílios, a análise demonstrou que em 1991 a média de Manaus era de 4,91 moradores por domicílio. Já em 2000, embora tenha havido uma queda para 4,28 moradores por residência, os valores ainda continuavam acima dos padrões mínimos adequados, que estabelecem de três a quatro pessoas por unidade domiciliar, considerando que esta possua no mínimo quatro cômodos básicos (tabela 2). Em 2000, das zonas urbanas de Manaus, apenas a Zona Centro-Sul se enquadrava nestes padrões, apresentando uma média de 3,88 moradores por domicílio.


Tabela 2
Média de moradores por domicilio segundo as zonas urbanas de Manaus,
1991 e 2000

Zonas Urbanas de Manaus

Média de moradores por domicílio, 1991

Média de moradores por domicílio, 2000

Zona Centro Oeste

5,06

4,35

Zona Centro Sul

4,50

3,88

Zona Leste

5,13

4,40

Zona Norte

4,75

4,22

Zona Oeste

5,06

4,44

Zona Sul

4,82

4,24

Fonte: Censos Demográficos – 1991 e 2000 (IBGE) e Atlas Municipal IDH em Manaus, 2006.


Em relação às condições domiciliares, avaliadas a partir de indicadores e variáveis de acesso a serviços básicos como água encanada e instalação sanitária, o percentual de população com acesso a água encanada e coleta de lixo e o número médio de banheiros, constatou-se que alguns valores apresentaram queda, como o percentual de pessoas que vivem em domicílios com banheiro e água encanada (tabela 3), especialmente nas Zonas Centro-Sul, Leste e Oeste (figura 3).


Tabela 3
Percentual de pessoas que vivem em domicílios com banheiro e água encanada, segundo as zonas urbanas de Manaus, 1991 e 2000

Zonas Urbanas de Manaus

% de pessoas que vivem em domicílios com banheiro e água encanada, 1991

% de pessoas que vivem em domicílios com banheiro e água encanada, 2000

Zona Sul

82,01

85,57

Zona Centro Sul

90,02

82,16

Zona Leste

45,84

43,81

Zona Oeste

79,09

83,24

Zona Centro Oeste

82,66

86,75

Zona Norte

46,12

51,67

Manaus

72,35

67,60

Fonte: Censos Demográficos – 1991 e 2000 (IBGE) e Atlas Municipal IDH em Manaus, 2006.


Figura 3
Percentual de pessoas que vivem em domicílios com banheiro e água encanada, segundo as zonas urbanas de Manaus, 1991 e 2000


Fonte: Censos Demográficos – 1991 e 2000 (IBGE);
Atlas Municipal IDH em Manaus, 2006. Org. Danielle Costa.

 

Situação de Manaus comparada a outras capitais da Região Norte, 1991 e 2000

A análise comparativa dos valores de acesso a serviços básicos das capitais da Região Norte revelou que Manaus foi a única capital que apresentou redução no percentual de pessoas que vivem em domicílios com água encanada, ao passo que a cidade de Palmas, em Tocantins, que contabilizava em 1991 o menor índice de pessoas abastecidas por água encanada foi a que registrou o maior crescimento de acesso a esse serviço básico (gráfico 1). Uma das possíveis razões para a redução desses valores em Manaus pode estar associada à expansão urbana, determinada principalmente por ocupações espontâneas que surgem na franja da cidade, com a construção de domicílios não acompanhada na mesma proporção pelos serviços de infra-estrutura básica. A precariedade vai se acentuar a partir do ano de dois mil com o processo de privatização da empresa de abastecimento de água.

Gráfico 1


Em relação ao percentual de habitantes vivendo em domicílios com banheiro e água encanada, além de Manaus, o município de Macapá (AP) também apresentou redução neste índice. A capital de Tocantins continuou sendo a que obteve maior crescimento no período analisado (gráfico 2).

Gráfico 2


Quanto à coleta de lixo, Belém (PA) era a capital que em 1991 registrava maior percentual de pessoas com acesso a esse serviço, mantendo-se nessa posição no ano 2000. A cidade de Palmas continuou sendo a capital onde mais cresceu o acesso a este serviço, enquanto Manaus ficou em 4º lugar no ranking de crescimento. De qualquer modo, sem entrar numa análise qualitativa (do destino dos resíduos, coleta seletiva, e reciclagem), esse é dos índices de serviços urbanos com melhor desempenho nas últimas décadas nas cidades brasileiras.  

Os dados comparativos da cidade de Manaus em relação a outras cidades têm significados relativos, visto que nesta cidade se concentra um importante pólo industrial com faturamento de 18 bilhões em 2005 e 22 bilhões de dólares em 2006, gerando 100 mil empregos diretos.

Portanto, as comparações devem levar em conta a perversidade das desigualdades sociais, que se concretizam em desigualdades espaciais, numa cidade com precários serviços urbanos, cujo resultado é uma cidade não-cidadã. As ações públicas e privadas, coletivas ou individuais, devem contribuir para superar a visão funcional e caricatural de que Manaus tem um parque industrial pujante, e isso basta.  Os dados sobre moradia parecem revelar que não. Manaus é muito mais do que isso. É uma realidade complexa e contraditória, ultrapassando o aparente.


Considerações finais

Observa-se, apesar da melhoria de alguns índices entre 1991 e 2000, que os problemas relacionados à habitação estão longe de serem resolvidos. A ação do Estado na construção de moradias populares, apesar do crescimento do número de unidades oferecidas nos anos noventa, sequer consegue atender ao segmento inserido no mercado de trabalho e que preenche as condições exigidas pelo sistema de financiamento da casa própria. Para além destes, há outra parcela da população que não preenche tais condições e busca o acesso à moradia por meio das ocupações espontâneas. Mesmo assim, em 2000 o déficit habitacional chegou a 63.000 residências e quando, para além do déficit, se analisam as necessidades habitacionais, ou seja, adensamento, inadequação fundiária, carência de serviços urbanos e inadequação das condições sanitárias, a necessidade de moradia chegou a 248.262 moradias (Fundação João Pinheiro, 2002).  

A falta ou precariedade da moradia é uma paisagem concreta e se objetiva nas ocupações às margens dos igarapés na área central e nas ocupações espontâneas na franja da cidade. A moradia nos possibilita entender as diversas relações existentes na cidade, que resultam na grande diferença socioespacial entre as várias Zonas Administrativas da cidade e nestas entre diferentes bairros e até em partes específicas de bairros.    

Fazer o diagnóstico é importante para que, conhecendo o problema, se possam estabelecer prioridades para mitigá-lo.  

O que fazer? A solução dos problemas relacionados à moradia na cidade de Manaus depende da capacidade de organização dos moradores, mas depende, sobretudo, da ação do Estado nos três níveis de governo. As melhorias dependem de crescimento da economia, da distribuição de renda, de política habitacional para a população da baixa renda e de criar condições para implementar a reforma urbana. Neste último ponto é importante destacar os instrumentos existentes, especialmente a partir da Lei 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, que regulamentou os artigos 182 e 183 da Constituição, referentes às diretrizes gerais da política urbana.  

As moradias precárias na cidade não são apenas manifestações das desigualdades sociais concretizadas em desigualdades socioespaciais pela falta de serviços básicos e de direitos humanos, são também sintomas de uma sociedade urbana, em que desigualdades não apenas são toleradas, como proliferam.  


Referências

AMAZONAS – GOVERNO DO ESTADO – SEPLAN; MANAUS – Prefeitura Municipal; FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Desenvolvimento Humano em Manaus – Atlas Municipal. 2006. Volume I.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Informativo do Centro de Estatística e Informações (CEI) Belo Horizonte: FJP, 2002.

GOTTDIENER, Mark. A produção social do espaço urbano. São Paulo: EDUSP, 1993.

MIRANDA, Lívia. Desenvolvimento Humano e habitação no Recife. Desenvolvimento Humano no Recife - Atlas Municipal. 2005.

OLIVEIRA, José Aldemir de. Manaus de 1920 – 1967: a cidade doce e dura em excesso. Manaus: EDUA; VALER, 2003.

OLIVEIRA, José Aldemir de e SCHOR, Tatiana. Manaus: transformações e permanências do forte à metrópole regional. In: Seminário Internacional: Cidades da Floresta. Belém: NAEA-UFPA, dezembro de 2006.

OLIVEIRA, José Aldemir de et al. Geoprocessamento e análise sócio-ambiental da microbacia urbana na cidade de Manaus. Manaus: UFAM/CNPq, 2005. (Relatório de Pesquisa).

REGINENSI, Caterine. Habitação, participação e sustentabilidade. In: GOMES, Maria de Fátima Cabral Marques e PELEGRINO, Ana Izabel de Carvalho (orgs.). Política de habitação popular e trabalho social. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. 129-150.

RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas cidades brasileiras. São Paulo: Contexto, 1988.

SALAZAR, João Pinheiro, O abrigo dos deserdados. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia Ciências Humanas e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985.

 

© Copyright José Aldemir de Oliveira, Danielle Pereira da Costa, 2007
© Copyright Scripta Nova , 2007

Ficha bibliográfica:

OLIVEIRA, José Aldemir de; COSTA, Danielle PEREIRA. A análise da moradia em Manaus (AM) como estratégia de compreender a cidade.  Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (30). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24530.htm> [ISSN: 1138-9788]


Volver al índice de Scripta Nova número 245
Volver al índice de Scripta Nova

Menú principal