Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. 
ISSN: 1138-9788. 
Depósito Legal: B. 21.741-98 
Vol. XI, núm. 245 (48), 1 de agosto de 2007
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

Número extraordinario dedicado al IX Coloquio de Geocritica


O RE-CICLO DOS RESÍDUOS URBANOS EM CIDADES MÉDIAS: UM ESTUDO DE CASO NO SUDOESTE BAIANO
[1]


Hilda Maria de Carvalho Braga
Pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Geografia
Universidade Federal da Bahia
hmcb@terra.com.br
O re-ciclo dos resíduos urbanos em cidades médias: um estudo de caso no sudoeste baiano (Resumo)

Neste artigo analisamos a organização espacial e sócio-econômica da comercialização de materiais recicláveis que vem imprimindo um caráter inovador à gestão das cidades baianas. No cenário urbano estadual as cidades de Jequié e Vitória da Conquista configuram-se como centros polarizadores dessas atividades no sudoeste baiano. Tal atividade evidencia em sua base econômico-social uma rede de relações que se estabelece entre os setores formais e informais com características próprias das economias em desenvolvimento. No fluxo econômico desses materiais a pesquisa direta realizada verificou que a inter-relação entre as cidades sugere uma maior ênfase nas políticas públicas regionais que contribuam para a estruturação do setor. Trata-se, por outro lado, de buscar fundamentação num outro tipo de desenvolvimento baseado nos poderes locais, interagindo de um lado o poder municipal, de outro, os agentes econômicos, sucateiros e as cooperativas de resíduos enquanto agentes sociais urbanos indispensáveis no processo de dinamização do espaço regional.

Palavras-chave: reciclagem, resíduos, cidades médias, cooperativas.


Urban waste re-cycle in middle towns: a case study on the Southwest of Bahia (Abstract)

This article analyses the social economic and spatial organization of the recycling trade which clearly impresses a new character to the management of cities. In the urban scene of Bahia´s State, the towns of Jequié e Vitória da Conquista have been configured as regional centers which polarizes these activities. This configuration provides in its social and economic basis a net of relations which are settled within the formal and informal economy with characteristics of the developing economies. In the economic flowing of the recycling materials, is showed that the interrelation of cities suggests more emphasis on regional policy making in order to contribute to the economic structure. It refers to ask to other kind of growth based on local power, interacting from one side the municipality, and from the other, economics agents, junkers and the waste cooperatives as urban agents essential to the dynamic process of regional space.  

Key-words: recycling, waste, middle cities, cooperative 


Com o adensamento dos centros urbanos regionais a necessidade de intervenção pública por um espaço sócioambiental mais equilibrado vem exigindo novas formas de gestão dos serviços urbanos que sugerem eficiência, equidade e políticas públicas voltadas para a melhoria da qualidade ambiental urbana e regional.

Este artigo discute os resultados da pesquisa desenvolvida no sudoeste baiano sobre a organização espacial e sócio-econômica da comercialização de recicláveis que têm as cidades de Jequié e Vitória da Conquista como centros urbanos polarizadores regionais. No fluxo econômico desses materiais, a pesquisa verificou que a inter-relação entre as cidades sugere uma maior ênfase nas políticas públicas regionais que contribuam para a estruturação econômica do setor de reciclagem [2].

Ao fundamentarmos nossa análise buscamos responder algumas indagações sobre a formação de redes de comercialização dos resíduos urbanos nas cidades médias; as características que se verificam nos modos de organização dessa atividade e seu papel na economia urbana associado à gestão ambiental. Algumas perguntas orientaram nossa investigação: como explicar a diferenciação entre os núcleos urbanos regionais nessa nova dinâmica sócio-espacial? Como se configuram essas inter-relações espaciais no contexto dos novos imperativos globais? Uma de nossas hipóteses de trabalho foi verificar como se organiza e estrutura a comercialização de recicláveis formando uma rede que extrapola os limites regionais locais, interligando as cidades médias de Vitória da Conquista e Jequié aos vários centros urbanos de pequeno porte.

As cidades médias são centros urbanos regionais que durante a realização da pesquisa revelaram ter potencial e dinamismo econômico para a implantação de unidades recicladoras como ficou comprovado na cidade de Vitória da Conquista onde foram localizadas 3 unidades recicladoras que absorvem grande parte do plástico coletado na região.


A dinâmica urbana e regional

O Estado da Bahia com uma superfície de 567.295 Km² e densidade de 22,11 hab./km², como maior Estado da região Nordeste apresenta os melhores índices econômicos mas é, também, o cenário dos piores indicadores sociais. Por outro lado, as transformações significativas em inovação tecnológica vêm modificando a gestão urbana e buscam consolidar a reversão do quadro social vigente. No contexto das regiões econômicas baianas as cidades médias despontam com dinamismo nos processos de inovação social, incorporando novos elementos modernizadores no seu território.         

Destaca-se, excepcionalmente, na região sudoeste baiana, duas cidades de porte médio, Jequié e Vitória da Conquista com uma distancia entre elas de 153 km, o que imprime um dinamismo regional peculiar[3]. Com grande parte do território localizado no semi-árido baiano, as duas cidades possuem, respectivamente, 147 mil habitantes e 262 mil habitantes e eliminam, diariamente, 83 e 160 toneladas de lixo. Nos últimos anos, algumas ações governamentais de modernização na gestão dos resíduos urbanos vêm abrangendo o reaproveitamento dos materiais recicláveis imprimindo uma outra dinâmica na economia local e regional. Este fenômeno tem atribuído um novo significado sócio econômico e ambiental aos materiais recicláveis.

Nas grandes e médias cidades baianas a configuração espacial da economia urbana é revelada através de uma paisagem contrastante que tem como característica mais marcante a convivência dos modernos centros de consumo ao lado de precários estabelecimentos, além da presença constante de vendedores ambulantes[4]. Cada um deles com características bem distintas, variando quantitativamente e qualitativamente. Coexistem, paralelamente, essa configuração dual da economia, analisada por vários estudiosos em outras sociedades (Santos:1979; Belshaw: 1965; Boeke: 1953; Schrieke:1955). Assim, ao lado de um setor que opera de acordo com os princípios do capitalismo moderno temos um outro, totalmente, oposto, o circuito econômico inferior[5], a economia submergida[6] na qual se insere a comercialização de materiais recicláveis realizada no sudoeste baiano. 

O estudo realizado pela autora na região constata que a coleta de materiais recicláveis ocorre em sua grande maioria com uma população não assalariada ou sub-empregada que por um valor estipulado repassa aos intermediários, em geral, sucateiros, todo o material recolhido para ser processado na indústria recicladora. Observou-se que a comercialização de sucatas é formada por atividades de pequena dimensão, desenvolvida a partir da utilização de uma mão de obra não qualificada com fortes relações informais na região, caracterizando-se como atividade de capital não intensivo[7]. Essa economia submergida, de acordo com Milton Santos (1979) se desenvolve com maior intensidade na periferia entendida tanto geograficamente como sócio-economicamente, muito embora, estabeleça elos com a moderna economia capitalista. O problema é que este setor não é computado nas estatísticas oficiais e nem nos trabalhos de planejamento econômico e territorial, o que contribui para uma visão distorcida da realidade local ao ignorar a necessidade das ações do planejamento setorial. Um caso mais recente, no Estado da Bahia, refere-se à instalação de uma indústria de celulose no extremo sul do Estado da Bahia[8] que obteve recursos do BNDES e isenções fiscais, sem que o poder público houvesse direcionado qualquer ação ou recursos para a redução dos impactos sobre o setor marginal do papel reciclado.

Este pólo marginal da economia vem assumindo um papel fundamental na vida urbana das nossas cidades, por abrigar grande parte da população pobre e migrante que, dificilmente, poderia empregar-se no circuito moderno da economia. É a estrutura que emprega a população expulsa do campo, portanto, desempenha um papel social e econômico fundamental. Por isso, mesmo, representa um fator agregador e dinamizador da economia urbana local. Impõe-se, então, deslocar a solução do problema que não reside na adoção, simplesmente, de novas tecnologias, que podem ter um papel secundário mas, em primeiro lugar, na combinação de modelos de organização do território que permitam introduzir relações de equilíbrio social e ambiental. Isto implica em políticas públicas específicas que venham a considerar a defesa desse setor não moderno da economia visando equiparar-se à expansão do setor moderno.


A reciclagem no sudoeste da Bahia

Há muitos anos que a recuperação de materiais secundários procedentes dos resíduos sólidos urbanos é praticada por pessoas que buscam na atividade uma fonte de renda. Com o interesse crescente das indústrias em baratear os custos com a matéria prima, esta atividade, antes restrita a alguns materiais, ampliou-se, tornando-se comum a coleta desses materiais por trabalhadores da limpeza urbana, desempregados, autônomos e crianças. São trabalhadores do setor informal que percorrem as ruas da cidade em busca de jornal, garrafas, plásticos e metais. Na maioria dos países subdesenvolvidos, fazem parte do sistema de reciclagem, as cooperativas e associações, os agentes sucateiros e a indústria recicladora, além desses trabalhadores[9].  Na grande maioria das nossas cidades de porte médio os serviços de limpeza urbana realizam-se dentro de uma visão limitada e uma concepção restritiva do sistema urbano, entendido como serviço de coleta e eliminação final, sem considerar o sistema de tratamento dos resíduos.

Esta questão foi tratada por Mota & Sayago (1998) ao apontarem a necessidade de inserir-se na viabilidade econômica da reciclagem os benefícios socioambientais gerados, concluem que ao afirmar-se os elevados custos da reciclagem, as pesquisas têm esquecido de contabilizar os benefícios gerados pela re-introdução do material no ciclo produtivo[10].  Contudo, algumas pesquisas[11] analisam a lógica sob a qual está fundamentada a cadeia que forma o circuito econômico da reciclagem. Contrariando aqueles que argumentam sobre os benefícios ambientais gerados pela reciclagem dos resíduos, outros pesquisadores defendem a idéia de que o principal estímulo da reciclagem é a obtenção do lucro e não a preservação ambiental.

Não resta dúvida de que a reciclagem resulta, em primeiro lugar, na possibilidade de recuperação lucrativa dos resíduos urbanos para o ciclo produtivo das mercadorias. Entretanto, o fato de ser uma atividade econômica lucrativa não exclui o benefício ambiental gerado com a atividade. Esta não pode ser entendida fora da lógica do sistema econômico capitalista que revela a sua face perversa ao realizar-se fora das regras formais das relações de trabalho. Grande parte da separação dos materiais para a reciclagem é resultado do trabalho de catadores que coletam nos lixões e nos centros urbanos, o que revela o alto grau de marginalização social dessa população, obrigada a trabalhar por um prolongado período diário, em condições insalubres e sem direitos trabalhistas. Pesquisadores como Hilda Braga (2002) e Gabriel Grossi (1998) analisaram a atividade de catação em Salvador e concluíram que a mesma está integrada ao processo de produção, circulação industrial e comercial [12] nos grandes centros urbanos da maioria dos municípios brasileiros.

A re-introdução dos resíduos sólidos urbanos corresponde a uma lógica reversa do circuito produtivo da economia que ocorre com base em determinadas condições, ou seja, não são todos os resíduos que interessam à indústria recicladora. Além do mais, o mercado desses materiais é muito instável. Excetuando-se o metal, todos os demais têm seus preços oscilando ano a ano. Uma das explicações reside no número reduzido de indústrias influenciando o processo de negociação/decisão de preços. 

Esta cadeia produtiva segue os mesmos fundamentos que orientam a economia capitalista ao incrementar e estimular o consumo, assim, o reaproveitamento do material descartado é re-introduzido no circuito econômico como matéria-prima. Dessa forma, realiza-se como atividade econômica fomentando a própria indústria. Sua reprodução consolida a integração econômica dos mercados que articulam o território aos processos globais. Embora o setor moderno da economia ocorra num nível distinto da economia não moderna, existe uma forma de interação entre essas duas economias, na medida em que uma alimenta a outra. A indústria recicladora se beneficia desse mercado da economia informal.

Recentemente, pesquisa realizada na cidade de Jequié buscou demonstrar que o lixo orgânico[13] gerado ao mês no mercado municipal, em torno de oito toneladas, pode ser aproveitado para a compostagem orgânica, constituindo-se em um enorme benefício social, econômico e ambiental para a administração municipal. A pesquisa destaca a produção do composto orgânico em substituição ao freqüente uso de fertilizantes. A tendência crescente no consumo de produtos orgânicos são um forte indicador da viabilidade econômica e do potencial do mercado local das cidades médias para a produção de composto orgânico.

No fluxo da comercialização dos materiais recicláveis observa-se uma hierarquia de atores (ver quadro 1) que tem nos extremos a fonte geradora e a indústria recicladora; e  entre eles, os intermediários formais e informais representados por empresas, sucateiros, cooperativas e catadores. A fonte geradora desses materiais engloba a indústria, o comércio e os domicílios, representa o setor de base na indústria do lixo, portanto, assumindo um papel indispensável no processo, na re- introdução dos materiais recicláveis, enquanto matéria prima para a indústria de bens de consumo[14]. A indústria recicladora se diferencia em recicladoras transformadoras e as de beneficiamento de materiais apresentando maior diferenciação as que trabalham com o plástico.

Os intermediadores formais são representados pelas cooperativas, empresas e sucateiros que intermediam a relação com a indústria; e os informais são os catadores, trabalhadores autônomos e desempregados que coletam, classificam e revendem os resíduos a sucateiros e empresas. Entre eles, se observam variações nos níveis de estratificação das funções, principalmente, com os sucateiros e catadores que possuem uma maior margem de atuação no mercado. Por último, nesta cadeia, também, estão os cidadãos partícipes dos programas municipais de coleta seletiva representados, em sua maioria pela população urbana consumidora, sem uma percepção clara das implicações do tratamento dos resíduos urbanos, mas que são mobilizados em torno das causas sociais e ecológicas quando solicitados.

Uma característica comum a toda cidade média brasileira interiorana são os mercados e feiras localizados nas imediações do centro da cidade. Nesses espaços, objeto de estudo de vários geógrafos e antropólogos, se realizam grande parte das atividades comerciais envolvendo fluxos de mercadorias, pessoas e informações. Nas proximidades, estão alguns dos galpões dos sucateiros da cidade de Jequié e nos arredores da cidade encontram-se os galpões maiores e da sucata de metal. Percebe-se uma configuração espacial distinta em Vitória da Conquista, em que a maioria dos estabelecimentos de sucatas localiza-se mais afastada do centro urbano, nos arredores da cidade.

Quadro 1
Fluxograma da reciclagem no sudoeste baiano

Organograma 
Fonte: Elaboração própria, 2006


A Economia da Sucata e dos Materiais Recicláveis

Predomina no comércio de sucatas as características próprias do circuito inferior das economias urbanas, também, denominado de economia submergida, destacando-se entre elas o trabalho intensivo, a baixa organização, o capital reduzido, os preços variáveis e negociáveis.

A característica indispensável que dá início à atividade ocorre com a aquisição de uma balança e um local para armazenamento do material. Todos os sucateiros dispõem de um galpão, alguns deles são alugados, com área que varia de 1.000m2 a 5.000 m2, além de uma balança e uma prensa hidráulica. Os mais antigos possuem o caminhão para a coleta de materiais, o papel, o plástico e o metal e baterias de carro em toda a região.

São poucos os empregos formais oferecidos, embora a utilização de mão de obra temporária ou por empreitada para a triagem de materiais seja numerosa. É freqüente a compra do material em mãos de trabalhadores autônomos sem que se estabeleça nenhum vínculo empregatício. Como parte de um acordo informal os sucateiros, alguns deles, fornecem os carrinhos de coleta aos catadores. O número médio de trabalhadores assalariados é pequeno, a maioria possui em torno de dois a três indivíduos diretamente empregados, predominando a precariedade nas relações de trabalho. A organização do serviço exige pouca qualificação e divisão de funções que se resumem na tarefa de seleção e triagem do material, cujo trabalho é maior em relação ao plástico, devido à enorme variedade existente devem classificados em distintas categorias[15].

As informações sobre o volume de comercialização, valores totais e faturamento bruto mensal foram obtidas com grande dificuldade[16], mesmo assim, os valores declarados revelam uma certa disparidade em relação ao faturamento bruto mensal que alcança de R$ 12.000 a R$ 30.000 e uma renda líquida que variam de 2,5 salários mínimos a R$ 3.000. Esses valores expressam uma atividade desenvolvida em Jequié por pequenos e grandes sucateiros. Já em Vitória da Conquista apresenta-se uma melhor distribuição com a presença de pequenos, médios e grandes sucateiros, cujas atividades exercem atração sobre a cidade de Jequié. O faturamento bruto mensal declarado em Vitória da Conquista concentra-se entre R$ 10.000 a R$ 100.000,  demonstrando, também, uma certa disparidade nos dados obtidos. 

A atividade de coleta dos materiais recicláveis vem apresentando um fluxo de comercialização que se estende às pequenas cidades. Verifica-se um fluxo interno de materiais que são recolhidos por sucateiros em cerca de 22 pequenas cidades em direção às duas cidades polarizadoras, alcançando um raio de 100 km² embora, muitas vezes, possa ultrapassar esse limite (ver figura 1). Um outro fluxo realiza-se externo à região, no sentido das cidades de Jequié e Vitória da Conquista dirigido para os grandes centros urbanos localizados, principalmente, na região sudeste: São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Vitória do Espírito Santo (ver figura 2). Ocorre também, um fluxo desses materiais em direção a Salvador, principalmente, em relação ao material plástico PET[17] e, em menor proporção, com o material papel/papelão em direção ao recôncavo baiano.

Figura 1
Fluxo Interno de Recicláveis

Orientação Hilda Braga
Elaboração Valter

Figura 2
Fluxo Externo dos Recicláveis

Fonte: Pesquisa direta, 2006

Contudo, o fluxo de materiais entre as duas cidades pesquisadas apresenta-se de forma diferenciada do fluxo exercido entre elas e as pequenas cidades, indicando que numa mesma escala hierárquica de funções, também, se estabelecem relações de troca. Entretanto, Vitória da Conquista é, sem dúvida, a cidade polarizadora regional, inclusive, exercendo sobre a cidade de Jequié. No mercado da sucata os mais antigos, com mais de 15 anos na atividade, iniciaram no ramo através de um familiar, dispõem de uma área maior, alguns ultrapassam a área de 5.000m2.

A sucata de metal, é o material mais estável, devido aos elevados custos da mineração, a indústria paga melhores valores e, até mesmo, investe no transporte para a coleta periódica nos principais fornecedores. O metal alcança o maior volume de comercialização dos recicláveis na região com o valor máximo apresentado[18] de 400 toneladas ao mês em V. da Conquista e 210 toneladas ao mês em Jequié.  Em seguida vem o papel e papelão, com os valores máximos de 125 toneladas ao mês e 60 toneladas ao mês em V. da Conquista e Jequié, respectivamente. Por último, o plástico nas duas cidades representando 60 e 8 toneladas ao mês, respectivamente. A venda para a indústria é sempre em grandes volumes, exigindo grandes áreas para armazenagem, o que leva muitos deles a possuírem o seu próprio caminhão para recolher o material na região e no Estado da Bahia. A distância percorrida a outros núcleos urbanos alcança um raio de 100 km, mas alguns ultrapassam essa distancia deslocando-se até Bom Jesus da Lapa, Brumado, etc.                  

A convergência de migrantes para o município de Vitória da Conquista propiciou uma dinâmica inovadora neste setor e tem-se refletido no surgimento de algumas unidades recicladoras do plástico.  Entre os compradores de resíduos plásticos registramos três empresas formalmente constituídas, que adquirem o material de catadores, sucateiros e cooperativas para a sua transformação em grãos e em embalagem plástica. Essas unidades são as maiores absorvedoras do material plástico, o polietileno de baixa e alta densidade na região, inclusive absorvendo fora da região. Cada uma delas adquirem, mensalmente, em torno de 60 toneladas/mês para a produção de plástico granulado e de embalagens, tubos de irrigação e de condução. Nessas unidades de processamento e beneficiamento de material plástico seus proprietários exerceram função no setor industrial como trabalhador especializado em São Paulo.

Embora muito, provavelmente, sejam dados subestimados, o faturamento bruto mensal informado concentrou-se na faixa de 10 a 100 mil reais, com um número de até 10 funcionários. Somente as unidades produtoras de materiais plásticos (tubos, conexões, sacolas) empregam até 100 pessoas na unidade.

Entre as dificuldades apontadas pelos pequenos e micro empresários da sucata estão a ausência de apoio creditício nos bancos oficiais de desenvolvimento, a elevada carga tributária, o que faz com que esses empresários, logo resolvam dirigir-se  para outro setor. Além disso, a sazonalidade do papel é um dos fatores apontados como dificuldade na negociação dos preços com a indústria.


As cooperativas de catadores

O apoio à formação e à integração de cooperativas de catadores no Estado da Bahia,  em sete municípios baianos tem sido a iniciativa da Rede Cata Bahia formada por uma Organização Não Governamental, PANGEA, que recebe o apoio financeiro da Petrobrás através do Programa Petrobrás Fome Zero. Desenvolvem o projeto de organização das cooperativas de reciclagem com a participação das prefeituras nas cidades onde atuam. Entre seus objetivos está a centralização da comercialização dos resíduos recicláveis das cooperativas envolvidas, visando aumentar o volume e o preço de venda e, com isso, gerar uma maior renda para os catadores da Bahia.  

Além dessas ações de organização de cooperativas, no âmbito das políticas públicas outras iniciativas institucionais são fomentadas visando à consolidação da rede de cooperativas. É o caso de algumas empresas, incentivadas pelo Programa Parceiros do Meio Ambiente do Centro de Recursos Ambientais (CRA), que buscam apoiar ações de responsabilidade social. Algumas cooperativas vêm recebendo esse apoio de distintas empresas que adotam por um ano a organização, como a Cooperativa de Material Reciclado de Camaçari (Coopermarc) e a Cooperativa de Agentes Ecológicos de Canabrava, que tem implantado coletores na rede de supermercados de Salvador.  

O Projeto Recicla Conquista e o Recicla Jequié têm como objetivo a inclusão sócio-econômica dos catadores provenientes do lixão do município, através da formação de uma cooperativa e da implantação de sistema de coleta seletiva do lixo na cidade. O projeto é realizado pelo PANGEA- Centro de Estudos Socioambientais e com o apoio das prefeituras municipais de Vitória da Conquista e Jequié. Um dos entraves na organização dessas cooperativas é que não conseguem abranger um número maior de associados, dificilmente ultrapassam o número de cem associados. Outra dificuldade refere-se a consolidação do funcionamento da cooperativa que recebe nos primeiros anos de formação o apoio técnico do Projeto. 

A Cooperativa Recicla Conquista fundada em novembro de 2004, possui 94 cooperativados, destes 30 atuam, ainda, no lixão. O registro da cooperativa foi feito com metade dos cooperados, pois, a maioria não era alfabetizada. Em função desse quadro sócio econômico, o projeto iniciou suas atividades com ações de assistência social visando o resgate da cidadania, com a inserção dos catadores nos programas sociais do governo, na Bolsa Família, na  confecção de documentação, nos cursos de treinamento e na capacitação em cooperativismo e técnicas de triagem de materiais.  

A Cooperativa de Catadores de Jequié (COBARJE) encontra-se em constituição, surgiu da iniciativa dos moradores na comunidade de base eclesiástica Senhor do Bonfim para a formação de uma cooperativa no bairro da Caixa d’água. Com o início do Projeto Recicla Jequié, esse grupo de moradores foi somado aos catadores do antigo lixão da cidade para a constituição da cooperativa. Ao todo estão registrados 70 cooperativados que atuam fazendo a coleta de material na cidade. Está previsto no aterro a instalação de um galpão para seleção e triagem do material, uma esteira mecânica e uma prensa vertical. A estratégia de implantação e operação é a mesma que em Vitória da Conquista iniciada com o treinamento, a capacitação, o cadastramento e a inserção dos catadores nos programas sociais governamentais para em seguida a estruturação da cooperativa e a implantação da infraestrutura básica. 

Os materiais recebidos da coleta nos bairros, empresas e doações são comercializados com a indústria como, também, com os sucateiros locais já que a indústria não vem garantindo a compra do volume determinado anteriormente. A cooperativa tem recorrido a formas alternativas de comercialização/troca entre sucateiros, sem recorrer a moeda, mas baseadas no valor equivalente de mercado da mercadoria. O plástico do tipo Polietileno Teraftalato (PET) com o apoio governamental é comercializado diretamente à indústria Bahia PET que havia assegurado a compra de todo plástico reciclado coletado. Em 2004, o volume total absorvido alcançava 1.200 toneladas ao mês, com um valor fixado em R$ 0,60 por kg. Entretanto esse valor, hoje, foi reduzido a R$ 0,15 por kg. Com isso, assegurar o preço nos níveis adotados no início do programa tem sido raro. No caso do plástico a indústria em Salvador iniciou o programa absorvendo todo o plástico usado do mercado, há alguns meses, contudo, só tem adquirido o plástico das cooperativas. Esses valores dificultaram a coleta desse material na região pelos sucateiros que em vista do prejuízo financeiro, acordaram com as cooperativas a troca entre mercadorias, plástico, papel ou vidro. Este fato comprova a necessária intervenção das políticas públicas visando fortalecer o setor de reciclados, um fator indispensável para assegurar os atuais níveis de re-ciclo dos materiais é garantir o mercado dos produtos reciclados.


Considerações Finais

Diante dos novos imperativos econômicos e ambientais, o papel do poder municipal na condução de uma gestão ambiental dos resíduos municipais emerge como articulador dos agentes urbanos envolvidos: o governo em seus diferentes níveis de poder, os cidadãos e o setor privado.

Nesse sentido, deve se pautar o debate sobre o papel de cada um desses agentes na tarefa de construirmos a qualidade ambiental tão desejada para as nossas cidades, concepção esta que tem no princípio de sustentabilidade dos recursos naturais o seu fundamento para a compreensão dessas novas redes urbanas. A cidade média como pivô de articulação regional na atividade de reciclagem dos resíduos urbanos deve, então, mobilizar, eficientemente, as condições econômicas, sociais e ambientais. A volatilidade dos preços dos recicláveis, somente é contornável através de políticas públicas que propiciem a estruturação do setor e as medidas necessárias visando estimular e assegurar o mercado do reciclado. Contudo, não defendemos a idéia de que a reciclagem de materiais seja a panacéia dos nossos problemas, mas que no contexto urbano atual deve ser mais um fator a ser considerado nas políticas públicas das cidades médias como um elemento agregador e dinamizador de economia regional.

A atividade apresenta uma diversidade de agentes atuantes. Os sucateiros possuem um raio maior de atuação espacial e um volume de comercialização maior que o desempenhado pelas cooperativas, embora isso deva-se ao fato de que são em maior número. Mas um aspecto a destacar é a forma como tratam de estabelecer e agenciar novos vínculos numa escala regional multiplicando o seu raio de ação.       

Com o apoio do poder municipal, as cooperativas desempenham um papel importante de inclusão social, estruturação e organização da atividade, inclusive, atuam como um elemento regulador/ estruturador. Entretanto, a questão que se coloca é porque o poder municipal não atinge a todo o segmento, de forma a organizar a coleta desses materiais na cidade. Porque as cooperativas agregam somente uma parcela dos catadores?    

A necessidade de garantir uma maior integração à economia local, sem prescindir das demais instâncias governamentais, deve ser um objetivo a perseguir para reduzir-se as disparidades regionais e fortalecer as redes locais de aproveitamento de resíduos já que as mesmas possuem um papel de destaque no circuito  inferior da economia. Entretanto, esta tarefa não pode prescindir da participação dos demais agentes urbanos para a construção de um espaço e uma economia regional, onde os fenômenos locais se realizam em sua articulação aos processos globais.
 
Notas

[1] Esse termo re-ciclo é usado para enfatizar a idéia de re-introdução no ciclo econômico dos resíduos urbanos em razão do termo reciclagem assumir, além desse, diversos outros significados.

[2] Este artigo apresenta os resultados da pesquisa realizada no Pós-doutorado da autora em 2005/2006 com apoio do CNPQ.  E–mail: hmcb@terra.com.br

[3] Recente análise sobre os níveis de desenvolvimento regional e municipal no Estado da Bahia constatou, no período de 1999 a 2002, o aumento nos já elevados índices de desequilíbrios regionais baianos. As regiões mais dinâmicas, complexas e heterogêneas apresentam os maiores desequilíbrios a exceção de F. de Santana e V. da Conquista que apresentam um maior homogeneidade interna nos seus indicadores (Sílvio Bandeira: 2006). Nessa linha de análise, como estratégia de redução dessas disparidades regionais defende-se uma política de descentralização, fortalecendo as cidades médias “como verdadeiras capitais regionais” ao invés de seguir aplicando enormes recursos nas grandes capitais que, cada vez ficam mais custosas e difíceis de gerenciar.  Isto, por outro lado, contribuiria para reduzir os fluxos migratórios e a pressão sobre as grandes capitais.

[4] Santos, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1979.

[5] Op. cit. nota 5.

[6] A noção de economia dual e sociedade plural estão presentes na maioria das teorias sobre o desenvolvimento econômico apresentando variações e formas de interação entre estas economias. Sobre este assunto Cyril Belshaw (1968) analisa em várias sociedades essa concepção.

[7] Op.cit.  nota 6.

[8] Torrales, M. E. Produção da Suzano vai crescer 122%. Salvador: A TARDE, em 4 de fevereiro de 2006.

[9] Braga, H. Mª de C. Producción y desperdício: un estudio sobre la basura en la ciudad de Salvador de Bahia. Tesis Doctoral presentada en el departamento de geografia de la Universidad de Barcelona, España, 2003.

[10] Mota, R. S. da e Sayago, Daiane E. Economics Instruments for waste management in Brasil. In: Planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 1998, nº18, p.156-172.  

[11] Leal, A. César . A inserção do lixo na sociedade do capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem. In: Revista Terra Livre, São Paulo: AGB nacional, n° 19, p. 177 a 190.

[12] Ver sobre este tema em Braga, H. Producciõn e Desperdício: um estúdio sobre la basura en la ciudad de Salvador, Bahia. Universidad de Barcelona: Tesis Doctoral, 2003. GROSSI, G. Os badameiros: o luxo do lixo. Salvador: dissertação apresentada ao mestrado em Sociologia da Universidade Federal da Bahia, 1998.

[13] Oliveira, Jobert e Braga, H. Gestão ambiental e território: diagnóstico dos resíduos orgânicos  gerados no Centro de Abastecimento Vicente Grilo. Relatório de pesquisa PIBIC-FAPESB. Jequié: FTC, 2005. 

[14] Op.cit. em nota 6.

[15] Os plásticos absorvidos são o PVC, o polietileno de baixa densidade e de alta densidade, o poliuretano e o PET.

[16] Apenas um sucateiro em Vitória da Conquista negou-se a colaborar e fornecer as informações para a pesquisa. Talvez, deva-se ao fato de seu estabelecimento, nos últimos dias, ter recebido queixas da vizinhança e notificação da vigilância sanitária, embora localizado na periferia da cidade, está próxima de um núcleo residencial.

[17] São também absorvidos pelo mercado os demais tipos de plásticos: Policarbonato (PC), Polietileno de Alta Densidade (PEAD) , Polietileno de Baixa Densidade (PEBD), Polipropileno (PP), Poliestireno (PS), Policloreto de Vinila (PVC).

[18] Refere-se ao valor máximo declarado por um sucateiro. Não foi possível encontrar um valor total na região em razão dos pequenos e médios sucateiros, freqüentemente. repassarem os seus materiais para os grandes.


Referências Bibliográficas

ANDRADE, T. A. e SERRA, R.V. (orgs.). Cidades médias brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA, 2001.

A TARDE. Prefeituras dependem da União e dos Estados. Em 11 de janeiro de 2005.

BAHIA. SUPERINTENDENCIA DE ESTATÍSTICAS E INFORMAÇÕES.  Bahia em síntese. Disponível em www.sei.ba.gov.br , acesso em 4 fevereiro de 2006.

BECKER, Bertha K. e EGLER, Claudio. Brasil: uma nova potência regional na economia mundo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand, Brasil, 1998.

BELSHAW, C. S. Troca tradicional e mercado moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

BRAGA, H. Producción e desperdício: um estudio sobre la basura en la ciudad de Salvador, Bahia. Tesis doctoral defendida en el Departamento de Geografia de la Universidad de Barcelona, dirigida por el Dr. Horacio Capel, 2003.

BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS. Censo 2000. Rio de Janeiro: IBGE.

BRASIL. SUPERINTENDÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE/ INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Caracterização e tendências da rede urbana do Brasil: redes urbanas regionais. Brasília: IPEA, 2001.

CAPEL, Horacio. El agua como servicio público, a proposito del Seminário Internacional Faire Parler les Reseaux: L’eaux, Europe-Amerique Latine. Biblio 3w, Revista Bibliográfica de Geografia y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona, Volúmen V, n º 218, 2000 . Disponível em < http://www.ub.es/geocrit/b3w-218.htm>

CORREA, R. L. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987.

Folha de São Paulo. Favelização cresce em cidade de porte médio. São Paulo, 4 de janeiro de 2004, p. C1.

GROSSI, G. Os badameiros: o luxo do lixo. Salvador: dissertação apresentada ao mestrado em Sociologia da Universidade Federal da Bahia, 1998.

LEAL, A. César. A inserção do lixo na sociedade do capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem. In: Revista Terra Livre, São Paulo: AGB nacional, n° 19, p. 177 a 190.

MOTA, R. S. da e SAYAGO, Daiane E. Economics Instruments for waste management in Brasil. In: Planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 1998, nº18, p.156-172.  

NAÇÕES UNIDAS. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO.

BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, 2003, disponível em http://www.pnud.org.br

OLIVEIRA, Jobert e BRAGA, H. Gestão ambiental e território: diagnóstico dos resíduos orgânicos  gerados no Centro de Abastecimento Vicente Grilo, relatório de pesquisa. Salvador: FTC, 2005. 

SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: F. Alves, 1979. 

SERPA, Ângelo (org.). Fala periferia: uma reflexão sobre a produção do espaço periférico metropolitano. Salvador: Edufba, 2001, 316 p.

SILVA, B. N. e ROCHA, Aline P. Análise da dinâmica da urbanização no Estado da Bahia – 1940/2000. Revista de Desenvolvimento Econômico. Salvador: UNIFACS, ano IV, nº 7, 2002.

TORRALES, M. Eduarda. Produção da Suzano vai crescer 122%. Salvador: A TARDE, em 4 de fevereiro de 2006.

VILLASANTE, T. Las alteraciones tecnológicas del territorio y las iniciativas ciudadanas. In: BALLESTEROS, A. Geografia Urbana-1, la ciudad: objeto de estudio pluridisciplinar. Barcelona: Oikos-tau, 1995, p.133-139.

 

© Copyright Hilda Maria de Carvalho Braga, 2007
© Copyright Scripta Nova , 2007

Ficha bibliográfica:

BRAGA, Hilda Maria de CARVALHO. O re-ciclo dos resíduos urbanos em cidades médias: um estudo de caso no sudoeste baiano.  Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.   Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2007, vol. XI, núm. 245 (48). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-24548.htm> [ISSN: 1138-9788]


Volver al índice de Scripta Nova número 245
Volver al índice de Scripta Nova

Menú principal