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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XII, núm. 270 (88), 1 de agosto de 2008
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

CRESCIMENTO URBANO-TURÍSTICO: TRAÇADO E PERMANÊNCIAS URBANAS EM BALNEÁRIO CAMBORIÚ

Milena Skalee
Mestranda em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, Universidade Federal de Santa Catarina
milenaskalee@hotmail.com

Almir Francisco Reis
Universidade Federal de Santa Catarina
almir@arq.ufsc.br


Crescimento urbano-turístico: traçado e permanências urbanas em Balneário Camboriú (Resumo)

Localizada no litoral de Santa Catarina, estado situado na região sul do Brasil, a cidade de  Balneário Camboriú se caracteriza por uma forte dinâmica no crescimento urbano-turístico, o que implicou em rápidas e grandes transformações no espaço urbano. Condicionantes físicos, históricos e o avanço da atividade turística orientaram a construção do traçado atual desta cidade, que é hoje um dos principais balneários turísticos do Brasil.

O estudo do crescimento da cidade, através da reconstituição da construção de seu traçado urbano, a partir de uma análise histórica, aponta as permanências no território e permite o estabelecimento de diretrizes no sentido da preservação e da qualificação urbana e ambiental da cidade.      

Palavras chaves: crescimento urbano-turístico, Balneário Camboriú, turismo, traçado urbano.


Urban-touristic growth: grid and mark urban in the Balneário Camboriú (Abstract)

Located on the cost of Santa Catarina, a state of Brazil’s southern region, the city of Balneário Camboriú is caracterizated by a strong dynamics in its urban-touristic growth, implicating fast and large transformations in the urban space. Physical an historical conditioning factors and the improvement of the touristic activity oriented the construction of the actual grid of this city, which is today one of Brazil’s main touristic balnearies. The study of the city’s growth, by redoing the construction of its urban grid, starting with a historical analysis, points the marks left by history in the territory and allows the establishment of guidelines towards the preservation and qualification, both urban and environmental, of the city.

Key words: urban-touristic growth, Balneário Camboriú, turism, urban grid.


O trabalho analisa historicamente o desenvolvimento do traçado urbano de Balneário Camboriú, resgatando o processo de construção espacial e apontando a relação das estruturas resultantes com as ocupações pioneiras do território. A principal fonte para desenvolvimento da pesquisa advém de aerofotografias de diferentes décadas, que permitem a leitura das características originais do sítio, a estrutura dos primeiros parcelamentos do solo destinados a agricultura e as dinâmicas de transformação recentes impulsionadas pela exploração turística. A esta análise foram adicionadas pesquisas bibliográficas e de campo que permitiram a reconstituição desse processo.

O trabalho se inicia com a apresentação de Balneário Camboriú, destacando aspectos relativos ao crescimento urbano e apontando os principais condicionantes das rápidas transformações físicas da cidade. A seguir são expostos os referenciais teóricos, o método da pesquisa e seu desenvolvimento, que consiste na leitura e análise dessas transformações em uma seqüência temporal. A estruturação urbana atual de Balneário Camboriú, com o  predomínio na malha de extensas vias perpendiculares a praia e poucas transversais,  não se deve a um projeto global: sua constituição é resultado de sucessivas transformações no território ao longo da história. O sítio físico atuou como condicionante e o parcelamento agrícola da terra direcionou transformações no espaço urbano. As considerações finais do trabalho discutem acerca da influência dessas variáveis na construção do Balneário Camboriú contemporâneo, bem como apontam algumas diretrizes no sentido da qualificação ambiental e urbanística da cidade.


Balneário Camboriú: desenvolvimento turístico e crescimento urbano

Balneário Camboriú é hoje um dos principais pólos turísticos do país. A cidade, localizada no litoral de Santa Catarina, na região sul do Brasil,  tem uma superfície de 46,4 Km2 e uma população estimada em 94300 habitantes[1], sendo portanto um dos município do estado com maior média em densidade populacional, perfazendo 20,3 hab/ha[2]. A cidade vem apresentando altos índices de crescimento populacional e além disso recebe a cada verão mais de 700.000 turistas. Estes dados são surpreendentes se considerarmos que o munícipio tem apenas 43 anos de emancipação política e o início da ocupação da orla remonta a meados dos anos 20. A utilização turística da área iniciou-se efetivamente nos anos 50, tendo se intensificado nos anos 70, com a progressiva integração da região à rede urbana regional. A inauguração da BR-101, rodovia litorânea que interliga o norte e o sul do país, em maio de 1971, aumentou o fluxo de pessoas na região e facilitou a vinda de turistas para o litoral. Hoje, os empregos e a economia do município dependem basicamente do setor terciário relacionado às atividades turísticas. A produção agrícola é praticamente inexpressiva no contexto econômico, se destacando as atividades de comércio e prestação de serviços.

O ambiente natural da região ocupada pelo município caracteriza-se por diferentes tipologias e composições vegetais, características das áreas costeiras do sul/sudeste do país  destacando-se: Floresta Ombrófila Densa (Mata Atlântica), ocupando as áreas de encostas cristalinas e manguezais; restingas e banhados, por sobre as áreas de formação sedimentar, as planícies quaternárias. A qualidade ambiental desses ecossistemas foi afetada pela ocupação antrópica, com redução da biodiversidade da fauna, da flora e contaminação de recursos hídricos.

Ocupações pioneiras do território dirigiram em grande parte as transformações formais por que passou a cidade nas últimas décadas. Habitada por índios no litoral e interior, a região recebeu os primeiros colonizadores no século XVIII. Existem relatos referentes à colonização desde 1758, com algumas famílias que já moravam na margem esquerda do rio Camboriú, mas somente em 1826 o colono Baltazar Pinto Corrêa recebeu do Governo da Província de Santa Catarina, uma área de terra para cultivo e moradia por sesmaria. No final da década de 1920 tem início o processo de desenvolvimento turístico da área, começando a surgir as primeiras casas de veraneio, no centro da praia, pertencentes a teuto-brasileiros, que trouxeram infra-estrutura e melhoramentos, alguns estabelecimentos comerciais e, principalmente, a hotelaria. Provenientes do Vale de Itajaí, estes primeiros turistas introduziram na cidade o hábito de ir à praia como lazer, pois, até então, o mar só era utilizado para banhos medicinais ou para pesca. Durante a segunda guerra mundial (1939-1945) os alemães mantiveram-se afastados da praia para não serem hostilizados, já o que exército brasileiro usou os hotéis e as moradias ali existentes como observatórios da costa brasileira. Com o fim do conflito reiniciou-se o fluxo turístico e, em 1964, foi criado o município de Balneário Camboriú.

Na década de 70, a inauguração da BR-101 incentivou a entrada de turistas no município - não só brasileiros, mas também estrangeiros de países do Conesul, especialmente Argentina, Chile e Uruguai. Na atualidade, em Balneário Camboriú, os visitantes não são atraídos apenas por sol e praia, mas também pela oportunidade de encontrar outras pessoas, desenvolver diferentes atividades e ir de encontro a uma realidade que contraste com a cotidiana. Os turistas que visitam a cidade buscam um balneário agitado, cujo movimento não cessa ao final de um dia de sol: é continuado por inúmeras opções de lazer noturnas. Esses atrativos se incrementam a cada temporada, acompanhando o aumento de visitantes ávidos por novidades nas viagens de férias. Com fins turísticos, ou para atender a demanda habitacional, a estrutura urbana de Balneário Camboriú sofreu rápidas transformações nas últimas 4 décadas: alterações na malha viária, infra-estrutura, novas concentrações de moradia e hospedagem e centros de comércio, saúde e lazer visam dar suporte ao crescente número de usuários.

Este rápido crescimento urbano e aumento populacional vem se desenvolvendo à margem de um efetivo processo de planejamento que integre ações individuais em um projeto coletivo de cidade, dada a fragilidade dos planos e formas de controle existentes,  levando a problemas urbanos e ambientais: degradação de ecossistemas naturais, contaminação dos rios e mar e compromentimento da balneabilidade, baixa capacidade de abastecimento de água potável, falta de infra-estrutura de saneamento e transporte e trânsito de automóveis caótico nas temporadas de veraneio. Um processo de ordenamento urbano e territorial torna-se importante no sentido de controlar e limitar a atuação de agentes privados, que exercem altas pressões no mercado imobiliário. Faz-se necessário que  o planejamento urbano se integre a processos de ordenamento turístico e ambiental, evoluindo de ações emergenciais e intervenções pontuais para planos conscientes de desenvolvimento urbano global, com preocupações efetivas acerca do futuro da cidade, buscando frear os impactos negativos da atividade turística e adotá-la como frente de desenvolvimento social.

“El turismo debe ser reconocido como uma parte substancial de los actuales procesos de globalización económica y mundialização territorial, pero también como pieza en la construcción de nuevos espacios de crecimiento a escalas regional y local; con evidentes impactos – no sólo negativos, sino también en buena medida positivos – en la transformación de las sociedades y territorios en el tránsito al siglo XXI .” (Vera, 1997:11 e 12)

Os problemas urbanos de Balneário Camboriú não impedem que a cidade seja visitada por número crescente de turistas a cada temporada. Os visitantes não são atraídos apenas pela praia, mas também pela oportunidade de encontrar outras pessoas, desenvolver diferentes atividades e ir de encontro a uma realidade que contraste com a cotidiana. O turismo, responsável pela aquisição de uma determinada experiência social e a dinâmica do encontro de diferentes pessoas - num ecletismo de idade, classe social, origem e gostos – faz de Balneário Camboriú um centro de urbanidade. A cidade agitada, num cenário rico de belezas naturais, é consagrada como referência urbana de turismo de verão no sul do Brasil e no Conesul (figuras 1 e 2).

          
Figura 1. Ppraia lotada em fevereiro/2008                      Figura 2. Vista da cidade
Fotografia da autora                                                            Fotografia da autora

Referências teórico-conceituais e método de pesquisa

Diversos autores abordam o processo de crescimento urbano. LOBATO (1989) analisa a ação de diferentes agentes no modo de produção e de organização do espaço. Segundo o autor o espaço ubano é reflexo e condicionante da sociedade que o criou. Enquanto reflexo, o espaço é um produto social, resultado de ações acumuladas no tempo e incita um olhar sobre  a dinâmica das relações sociais e interesses públicos ou privados, ao longo da história que se refletem em transformações formais no território. O espaço urbano é condicionante na medida em que a locação de atividades e grupos fornece a base material imprescindível para a produção e reprodução social. Neste contexto, o espaço público possui atributos que são propícios ou restritivos às relações de trocas sociais, ou seja, o espaço público qualificado permite o reconhecimento mútuo dos usuários se constituindo na base de sustentação do modo de vida de diferentes grupos. Além disso, a forma do espaço público, transformada por ações antrópicas, limita ou direciona o uso, apropriação do solo e intervenções futuras.

“...tudo o que existe articula o presente e o passado, pelo fato de sua própria existência. Por essa mesma razão, articula igualmente o presente e o futuro. Desse modo, um enfoque espacial isolado ou um enfoque temporal isolado são ambos insuficientes. Para compreender uma qualquer questão necessitamos um enfoque espaço-temporal.“ (Santos, 1980, p.205)

Solá -Morales (1997) inova ao apresentar uma abordagem específica para análise e projeto urbano, uma teoria que integra a história aos estudos clássicos do urbanismo. Sua preocupação principal recai sobre o estudo do crescimento das formas da cidade, influenciada por seus conteúdos sociais e econômicos: é uma teoria da forma física, na qual os elementos são as unidades da forma (ruas, lotes, edificações, infraestruturas) e os processos são os mecanismos de ação, construção, propriedade, usos e transformação ao longo do tempo. Segundo este autor, cabe, como numa dança, medir o tempo sobre o espaço. Das múltiplas formas de combinar as ações de parcelamento, urbanização e edificação se origina a riqueza morfológica das cidades.

A abordagem deste trabalho envolve a análise morfológica do espaço urbano de Balneário Camboriú, com preocupações específicas relativas ao traçado da cidade, objetivando uma análise de sua evolução, impulsionada pela atividade turística, reconstituindo sua construção espacial ao longo da história e analisando seu papel no presente enquanto elemento estruturador da rede de espaços públicos.

O traçado viário é , segundo Solá-Morales, o elemento que resume e expressa a organização conjunta do solo, representando uma imagem permanente e memorável da cidade.

“Así la fuerza figurativa del proyeto se sitúa en el momento del proceso donde las decisiones están más concentradas, en el momento inicial y más permanente: en el traçado.” (Solá-Morales, 1997 p.20)

No estudo das diferentes formas de construção do traçado urbano de Balneário Camboriú, priorizou-se as relações que se estabelecem entre esses processos e as estruturas territoriais decorrentes da ocupação pioneira. A morfologia urbana resultante é reflexo de ações socias sobre o espaço, movidades por interesses específicos e condicionada por fatores geográficos. Ações ao longo do tempo de parcelamento,  desmembramento e remembramento dos lotes não impedem, porém, a percepção de que a estrutura urbana atual reflete e estrutura agrária pioneira.

A importância do estudo do traçado para o urbanista e para o planejador urbano deve-se também ao fato deste constituir-se uma estrutura de permanência no contexto das cidades. Os usos do solo, as edificações e as redes de infra-estrutura têm uma velocidade maior de transformação que o traçado. HUET (1986) afirma:

 “...a qualidade de um traçado se baseia sobre a pertinência funcional, monumental (hierarquias), e dimensionais (largura, comprimento e malha). Não sabemos ainda qual poderia ser a pertinência de um traçado destinado a uma cidade contemporânea mas com certeza ela deverá inserir-se em uma convenção urbana duradoura”. (Huet, 1986 p. 86)

Balneário Camboriú, cuja construção urbana se deu no curto prazo de meio século, possui um traçado urbano hoje já consolidado e o resgate histórico e o entendimento de seu papel no cotidiano da cidade constituem etapas imprescindíveis num processo de qualificação urbana e ambiental.

Para a compreensão do processo de construção do traçado de Balneário Camboriú, as leituras propostas envolveram a utilização de fotografias aéreas, mapas, fontes bibliográficas e informações obtidas em órgãos públicos. As fotos aéreas, resultado de levantamentos feitos desde a  década de 30 até  o ano de 2000 (último levantamento feito), foram analisadas demonstrando como as ocupações pioneiras do território direcionaram o crescimento da cidade e os impactos da expansão urbana nos ecossistemas naturais. Através das imagens procurou-se correlacionar as transformações espaciais com o processo histórico de desenvolvimento das atividades turísticas no município.

Na medida em que o objeto principal de estudo do trabalho é constituído pelos processos contemporâneos de transformação urbana, movidos principalmente pela atividade turística, intensificada na década de 60, o sítio físico e as características urbanas e territoriais decorrentes das adaptações antrópicas pretéritas são conceituadas como preexistências. A importância das preexistências territoriais herdadas da colonização está no campo das possibilidades e limitações por elas impostas aos crescimentos contemporâneos, uma vez que dirigiram em grande parte as formas de expansão da cidade. Para se descrever as transformações históricas da estrutura urbana, partiu-se da caracterização do sítio natural e da estrutura das primeiras ocupações e percorreu-se a construção do traçado ao longo da história, até a análise de sua conformação atual. As formas de crescimento do traçado foram analisadas a partir do parcelamento inicial do solo e a incorporação, ou não, das preexistências formais no traçado atual. A análise da evolução da malha viária foi feita buscando-se apontar padrões de ocupação predominantes na área urbana.


Etapas de construção do traçado urbano de Balneário Camboriú

O estudo da construção do traçado urbano de Balneário Camboriú, foi realizado a partir da análise de diversos períodos históricos, que expressam características locais do processo, bem como reflexos do desenvolvimento brasileiro como um todo. Neste sentido, distinguimos 3 períodos principais:

- antes da Segunda Guerra Mundial;

- até a construção da BR-101;

- após a abertura da BR-101 e integração da região sul ao norte e aos países do Conesul.

Antes da 2ª Guerra Mundial

O período que antecede a Segunda Guerra Mundial marca as primeiras ocupações balneárias na região, a partir da vinda de turistas provenientes principalmente do Vale do Itajaí. Estas ocupações caracterizam-se como segunda-residência, concentrando-se em pequena porção da parte central da praia.

A estruturação física de Balneário Camboriú neste período, pode ser lida através da análise da aerofotografia de 1938 (figura 3). É a imagem que mostra de maneira mais clara as características do sítio original. As restingas, próximas ao mar, sobre a planície quaternária, encontram-se já transformadas pela agricultura tradicional. Somente aquelas áreas mais úmidas permanecem intocadas. Os morros, parte do complexo cristalino, também têm sua cobertura natural (Mata Atlântica) bastante alterada em função das práticas agrícolas. Os cursos d’água mantém sua forma original. Junto ao Rio Camboriú, ao sul da praia, podem ser observados manguezais e outras áreas úmidas. O Rio Marambaia apresenta maior largura fluvial em comparação aos levantamentos posteriores, uma vez que aterros, canalização e a verticalização da área fizeram com que o rio -  bastante expressivo na paisagem de 1938 – tenha pouca relevância no contexto atual.

Na aerofotografia de 1938, observa-se o parcelamento agrícola da terra, concentrado principalmente ao norte da praia central, com as propriedades conformando faixas perpendiculares à orla do mar e seguindo até elevações situadas a oeste. As ocupações no centro da praia e ao sul, são bastante rarefeitas, restringindo-se a poucas propriedades próximas a orla. Estas edificações são as primeiras de caráter balneário na região, pertencendo a famílias vindas do Vale do Itajaí, já uma das principais regiões industriais do estado de Santa Catarina.

O fluxo de pessoas e mercadorias ocorria pela estrada estadual que dava acesso ao município de Itajaí e norte do estado, bem como pela praia, até então o principal caminho de organização do povoado. Já está traçado, nesta época, a atual Avenida Central, ali localizada supostamente pela facilidade de transposição do Canal Marambaia.

Todos esses traços, decorrentes da geografia do sítio (relevo, hidrografia e vegetação) e das primeiras ocupações (parcelamento agrícola da terra, estrutura de caminhos) vão permanecer apesar das intensas transformações urbano-turísticas.

Figura 3. Aerofotografia da área ocupada por Balneário Camboriú – 1938
Fonte: Secretaria de Planejamento Estadual

Até a construção da BR-101 – 1971

Esta etapa corresponde ao período de abertura de inúmeros loteamentos, ocupando a maior parte da planície costeira, sendo analisada através das aerofotografias de 1957 e 1969.

Na imagem de 1957 (figura 4) percebe-se que o traçado urbano se expandiu pelo território, ocupando áreas de restinga seca e úmida. Há um adensamento de edificações nos arredores do Rio Marambaia e diversas vias fazem sua travessia, estabelecendo novas conexões na malha viária do norte da praia

As implantações dos loteamentos foram realizadas de forma gradativa, a partir do parcelamento das propriedades agrícolas preexistentes (figura 5). Empreendedores privados compravam terrenos coloniais ainda pertencentes a agricultores locais e seu desmembramento visava a maior quantidade possível de lotes. Resgatando a história de crescimento de municípios do litoral norte de Santa Catarina, torna-se recorrente fazer referência a empresas loteadoras, dada sua importância  na estruturação urbana das cidades. A imobiliária Leopoldo Zarling[3] foi uma das principais companhia loteadoras de Balneário Camboriú, adquirindo grandes extensões de terra, abrindo ruas e construindo loteamentos que hoje constituem os principais bairros do município. Seu trababalho expandiu-se pra outras áreas do litoral catarinense, igualmente atingidas pelo crescimento urbano-turístico

 Nenhuma diretriz de conjunto era observada na implantação dos loteamentos, resultando numa malha com vias perpendiculares ao mar, com poucas transversais (paralelas à praia). A aprovação de cada loteamento, realizada inicialmente junto à Prefeitura Municipal de Itajaí e posteriormente em Balneário Camboriú, a partir da criação do município em 1964, era feita através de análise sumária, dada a inexistência de um plano de ordenamento e em função de uma estrutura administrativa municipal bastante precária.

O traçado viário, hoje estruturante de Balneário Camboriú, resulta fundamentalmente deste processo. Neste sentido, observa-se neste malha  3 direções principais, no sentido leste-oeste, que expressam a estruturação fundiária rural prévia. Mesmo loteamentos ocorridos em porções territoriais sem parcelamento agrícola, acabaram por seguir uma dessas direções. Este desenho só é interrompido nos extremos norte e sul da praia, onde a presença de ocupação prévia levou a uma geometria de carater orgânico

Neste período, a praia continua se constituindo num importante canal de circulação urbana, interligando o traçado no sentido norte-sul. Além dela existe tão somente uma outra via desempenhando este papel: a “Avenida do Telégrafo”, hoje Avenida Brasil, um dos principais canais públicos da cidade. Esta avenida recebeu este nome, em função de seu traçado estabelecer-se por sobre antiga linha de telefonia e telégrafo, desativada nos anos 60. Somente posteriormente foram abertas outras vias urbanas paralelas a Avenida Brasil, estruturando a malha viária no sentido norte-sul, cujos fluxos constituem, ainda hoje, sério problema de mobilidade intra-urbana. A rodovia BR-101 está em obras no levantamento de 1969 (figura 6), já conformando uma forte barreira física entre o centro a leste e os bairros a oeste.

No contexto da malha urbana como um todo, observa-se através da foto aérea de 1957, que o adensamento edificatório teve início em lotes próximos a praia, tendo se extendido ao longo de toda orla e se interiorizando até a Avenida do Telégrafo. O restante da malha viária, com as ruas já abertas, encontra-se com uma ocupação bastante rarefeita. Por outro lado, a foto de 1969 mostra a velocidade do processo, uma vez que neste momento a malha viária encontra-se já bastante ocupada, com edificações ainda concentradas nas regiões mais próximas ao mar, mas se extendendo de modo mais disperso a oeste. Junto ao mar, destacam-se áreas verticalizadas, bem como inúmeros estabelecimentos hoteleiros.


Figura 4. Aerofotografia da área ocupada por Balneário Camboriú – 1957
Fonte: Secretaria de Planejamento Estadual





Figura 5. Loteamento aprovado em 1964, cuja forma denota a parcela agrária original.
A malha urbana global de Balneário Camboriú resulta do somatório de inúmeros desses empreendimentos

Fonte: Cartório Almeida – Itajaí-SC



Figura 6. Aerofotografia de Balneário Camboriú – 1969
Fonte: Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú, montagem da autora

Após a abertura da BR-101

Corresponde ao período de consolidação do caráter turístico da cidade, com grande adensamento edificatório dos loteamentos abertos anteriormente, implementação dos principais equipamentos hoteleiros e verticalização das tipologias construtivas. A análise deste período será feita através das aerofotografias de 1978 e 2000.

A imagem de 1978 (figura 7) mostra uma paisagem urbanizada, na região que hoje corresponde ao centro de Balneário Camboriú, com a total substituição da vegetação nativa no contexto intra-urbano. O Rio Marambaia já tem parte de seu percurso na cidade canalizado, seu leito diminuído e a grande verticalização de suas redondezas diminuiu sua importância na paisagem urbana. As margens do Rio Camboriú encontram-se também já bastante ocupadas, com edificações avançando por sobre a vegetação ribeirinha.

O traçado urbano se expandiu a oeste e a abertura da BR-101 impulsionou o crescimento dos bairros nesta direção. A malha viária extendeu os primeiros loteamentos, conformando quadras longas no sentido leste-oeste.

Na aerofotografia de 1978 destaca-se a abertura da 3ª e 4ª Avenidas, que extenderam o centro da cidade, juntando a região leste mais desenvolvida com a região oeste em processo de adensamento construtivo e reforçando a integração da malha viária no sentido norte-sul. Independendo da época do ano, é nas ruas paralelas a praia  que percebe-se grande movimentação de pessoas e apropriação efetiva dos espaços públicos.

No último levantamento aerofotogramétrico analisado, de 2000 (figura 8), percebe-se a alta  densidade de edificações na grande maioria dos bairros e a forte verticalização, substituindo a gradativamente a tipologia de casas isoladas no lote. O crescimento avançando para além da BR-101, praticamente interligando a malha viária de Balneário Camboriú à cidade de Camboriú, continua sob a direção do parcelamento agrícola da terra. Os loteamentos distantes da praia servem porém a outros fins: aí se estabelecendo a população fixa de baixa renda, que constitui a mão-de-obra de sustentação das atividades turísticas.


Figura 7. Aerofotografia de Balneário Camboriú – 1978
Fonte: Secretaria de Planejamento Estadual

 


Figura 8. Aaerofotografia de Balneário Camboriú – 2000
Fonte: Prefeitura Municipal de Balneário Camboriú

Considerações finais

O traçado urbano de Balneário Camboriú é resultado de um processo histórico cumulativo, decorrente da exploração turística de uma região dotada de expressiva paisagem natural. Distinguimos 3 etapas principais na sua construção. A primeira, acontecida no início do século e encerrando-se com a Segunda Guerra Mundial, marca a descoberta do potencial turístico da região, com o estabelecimento das primeiras casas de veraneio. A segunda, iniciando-se com o final do conflito, avança até início da década de 70, com a abertura da rodovia BR-101, é a etapa da efetiva construção do traçado urbano de Balneário Camboriú, com o estabelecimento de inúmeros loteamentos dirigidos exclusivamente pela iniciativa privada. A terceira etapa, iniciada com a integração geográfica possibilitada pela abertura da BR-101, avança até os dias atuais e imprime a consolidação do caráter turístico da cidade, bem como a ocupação intensiva de todo território municipal, através do adensamento, verticalização construtiva e segregação sócio-espacial.

Ressaltando a velocidade do processo, que construiu um dos principais centros turísticos do Brasil, destacamos algumas de suas características principais:

▪ a exploração turística constituiu o fator determinante das transformações por que Balneário Camboriú  tem passado desde suas origens até o presente. Neste sentido, o processo iniciado na década de 20 foi pioneiro no contexto do estado de Santa Catarina, podendo ser entendido como modelo de muitas transformações por que passaram outras cidades do litoral norte catarinense;

▪ as estruturas territoriais preexistentes, sítio físico e ocupação colonial, condicionaram fortemente a estruturação do território. As reflexões sobre a evolução do traçado urbano a partir das aerofotografias e fotografias históricas de Balneário Camboriú apontaram permanências na conformação atual da malha de formas pretéritas de ocupação. As propriedades agrárias ocupando estreitas faixas perpendiculares a praia, com estrutura formal condicionada pela topografia e por ecossistemas naturais da região, direcionaram a construção do traçado urbano da cidade;

▪ o crescimento de Balneário Camboriú ocorreu à margem de qualquer processo de planejamento, tendo sido guiado unicamente pelos interesses privados e pela busca do lucro imobiliário. A partir da década de 50, o território sofreu rápidas transformações pela ação de importantes empresas loteadoras, que compravam faixas de produção agrícola, parcelando-as de maneira que se obtivesse o maior número de lotes possível. As características formais desse parcelamento, expressas principalmente através do arruamento inicial e da morfologia das quadras, são percebidas na estrutura atual da malha da cidade, destacando o traçado como elemento mais permante da estrutura urbana. Desse processo resultou um traçado urbano bastante específico, com predominância de ruas perpendiculares a praia (sentido leste-oeste) e poucas ruas paralelas a orla (sentido norte-sul).

▪ o processo atual de expansão de Balneário Camboriú, para além da BR-101, continua ocorrendo sob a direção do parcelamento rural da terra. Neste sentido tem se estabelecido, nestas áreas mais afastadas, boa parte da população permanente da cidade, com extratos sociais de menor renda. Os atrativos naturais, no caso de Balneário Camboriú, a orla do mar, constituem importante fator de atração de moradores e as áreas mais próximas à praia, vêm concentrando as populações de alta renda e os grandes equipamentos turísticos.

A conformação do traçado atual de Balneário Camboriú e as tipologias contemporâneas de crescimento urbano-turístico refletem o processo histórico de ocupação do território e por sua vez impõem limites e possibilidades às futuras transformações no espaço. O traçado constitui a base de sustentação da estrutura urbana e de localização das funções, atividades e extratos sociais que vivem a cidade. Parte integrante da paisagem urbana, organiza os padrões de movimento e a rede de espaços públicos, tendo um importante papel no modo em que a cidade é vivida e sentida por habitantes e turistas. Este trabalho, resgatando o processo de sua construção, constitui num passo importante no sentido da formação de uma consciência acerca da importância da história pra o entendimento das nossas estruturas urbanas atuais. Ressaltando a relevância daqueles elementos mais permanentes, que subsistem apesar da intensidade e velocidade das transformações urbano-turísticas, aponta fortes indicativos para o planejamento urbano e ambiental, no sentido da construção de um futuro de cidade qualificada.

Notas

[1] . Censo do IBGE 2007 – cf. http://www.ibge.gov.br/cidadesat/

[2]. Florianópolis – 7,60 hab/ha; Joinville – 4,23hab/ha; Criciúma 8,80 hab/ha.

[3] . Leopoldo Zarling nasceu no ano de 1908 em Varnof , SC e trabalhou no ramo de madeireira até 1958. Sua empresa estava sediada em Rio do Sul, sendo posteriormente transferida para Itajaí em função das exportações de madeira através do porto. Com a venda da madeireira obteve fundos para compra dos primeiros terrenos para serem loteados, em Itajaí, São Francisco do Sul, Balneário Camboriú e mais tarde em Bombas, Bombinhas, Barra Velha, Piçarras e várias outras praias do litoral catarinense.


Bibliografia

HUET, Bernard. A cidade como espaço habitável. Revista Arquitetura e Urbanismo, ano 2, n. 9, dez 86/jan 87.

LOBATO CORRÊA, Roberto. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.

REIS, Almir Francisco. Permanências e Transformações no Espaço Costeiro: formas e processos de crescimento urbano-turístico na Ilha de Santa Catarina. São Paulo, 2002. Tese (Doutorado) – USP

REITZ, Raulino. Vegetação da Zona Marítima de Santa Catarina. Sellowia: Anais Botânicos do Herbário Barbosa Rodrigues, Itajaí, n.13, 1961.

SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec, 1980.

SOLÁ-MORALES. Manuel de. Las formas de crecimiento urbano. Barcelona: Edicions UPC, Barcelona, 1993.

VERA, Fernando J, PALOMEQUE, F. Lopes, MARCHENA, Manuel J., ANÍON, Salvador. Análisis territorial del turismo. Barcelona: Ariel, 1997.


© Copyright Milena Skalee y Almir Reis, 2008
© Copyright Scripta Nova, 2008


Referencia bibliográfica

SKALEE, Milena y REIS, Almir Francisco. Crescimento urbano-turístico: traçado e permanências urbanas em Balneário Camboriú. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.  Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2008, vol. XII, núm. 270 (88). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-270/sn-270-88.htm> [ISSN: 1138-9788]

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