Menú principal

Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XIV, núm. 311, 10 de enero de 2010
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

POLÍTICAS PÚBLICAS, USO DO SOLO E DESERTIFICAÇÃO NOS CARIRIS VELHOS (PB/BRASIL)

Bartolomeu Israel de Souza
Departamento de Geociências – UFPB
bartoisrael@yahoo.com.br

Dirce Maria Antunes Suertegaray
Instituto de Geociências – UFRGS
suerte.ez@terra.com.br

Eduardo Rodrigues Viana de Lima
Departamento de Geociências – UFPB
eduvianalima@gmail.com

Recibido: 5 de febrero de 2009. Devuelto para revisión: 23 de marzo de 2009. Aceptado: 14 de mayo de 2009.


Políticas públicas, uso do solo e desertificação nos cariris velhos (PB/Brasil) (Resumo)

A desertificação consiste num tipo de degradação ambiental que ocorre nas áreas de clima seco, tendo se tornado um fenômeno preocupante em escala mundial a partir da década de 1970. No Brasil, a principal área sujeita a esse fenômeno está concentrada na Região Nordeste, em sua porção semi-árida, na qual os Cariris Velhos (estado da Paraíba) detém o menor índice pluviométrico nacional (cerca de 500mm/ano). Esse tipo de degradação tem início no século XVII com a colonização dessas terras por parte dos europeus, entretanto, a partir do século XX, uma série de ações do Estado ligadas a agricultura irrigada, a política agrária e a pecuária têm favorecido a disseminação desse processo, em área e intensidade, o que já vem ameaçando o desenvolvimento da economia local.

Palavras-chave: semi-aridez, desertificação, Cariris Velhos, políticas públicas.

Public policies, use of the soil and desertification in old cariri areas (PB/Brazil) (Abstract)

 The desertification consists of a type of environmental degradation that happens in areas of dry climate and it has become a preoccupying phenomenon worldwide since the beginning of 1970's. In Brazil, the main area where this phenomenon happens is in the semi-arid areas of the Northeast Region, where the Old Cariris (State of Paraiba) have the smallest pluviometric national index (about 500mm/year). This kind of degradation started in the 17th century with the colonization of those lands by the Europeans. However, from the 20th century on, a serie of actions on irrigated agriculture made by the Brazilian government, the agrarian policies and the livestock have been favoring the dissemination, in relation to area and intensity, of that process, so that it is already threatening the development of the local economy.

Key words: semi-aridity, desertification, Old Cariris, public policies.

A região dos Cariris Velhos (ou Cariri) encontra-se localizada no centro-sul do estado da Paraíba (Região Nordeste do Brasil), num eixo que se distancia de 180 a pouco mais de 300km de João Pessoa (capital), perfazendo um vasto território com área de 11.192,01km², o que equivale a pouco mais de 20 por cento do estado em questão (figura 1).

 

Figura 1. Localização dos Cariris Velhos na Paraíba/Brasil.
Fonte: Souza, 2008.

 

Os elementos comuns do conjunto de paisagens existentes nos Cariris Velhos são os baixos índices pluviométricos (cerca de 500mm/ano, a menor do Brasil), as temperaturas médias elevadas (cerca de 27ºC), os déficits hídricos acentuados, vegetação xerófila (um tipo de savana estépica conhecida nacionalmente como “caatinga”), as limitações edáficas (solos rasos e, em muitos casos, com altos teores de salinidade), grandes extensões de vegetação e de solos degradados, cidades pequenas e baixa densidade demográfica.

Devido as características físicas dominantes associadas ao uso predatório, essas terras são consideradas das mais desertificadas em todo o Brasil. Em relação a desertificação, este termo, originalmente, faz menção a ausência de população ou partida desta. Entretanto, notadamente a partir da década de 1970, essa palavra passa a expressar um conjunto de processos que dão origem a áreas degradadas nas regiões de clima seco (Mainguet, 1995).

Na década de 1990 esse conjunto de processos é definido oficialmente como “[...] a degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, resultante de vários factores, incluindo as variações climáticas e as actividades humanas” (Convenção Das Nações Unidas De Combate Á Desertificação, 1995, p. 13). A degradação da terra, por sua vez, é entendida como

"[...] a redução ou perda, nas zonas áridas, semi-áridas e sub-húmidas secas, da produtividade biológica ou econômica e da complexidade das terras agrícolas de sequeiro, das terras agrícolas de regadio, das pastagens naturais, das pastagens semeadas, das florestas ou das áreas com arvoredo disperso, devido aos sistemas de utilização das terras ou a um processo ou combinação de processos, incluindo os que resultam da actividade do homem e das suas formas de ocupação do território, tais como: (i) A erosão do solo causada pelo vento e/ou pela água; (ii) A deterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas ou econômicas do solo e, (iii) A destruição da vegetação por períodos prolongados"(Convenção Das Nações Unidas De Combate À Desertificação, 1995, p. 14).

Quanto ao semi-árido brasileiro, sua condição histórica de periferia capitalista fez com que, durante muito tempo, esta área, em grande parte, fosse abandonada do ponto de vista socioeconômico pelos governos estaduais e federais. Portanto, uma análise apressada de como o processo de desertificação se fez e se faz nessa região, particularmente no Cariri, poderia nos levar a pensar que este resultou da adoção de práticas de uso do solo arcaicas num quadro de concentração de terras que não respeitou os elementos naturais da região.

Esta dinâmica, por sua vez, estaria associada a ausência de ações do Estado, constituindo-se como o grande responsável pelo quadro de degradação com que nos deparamos. Entretanto, uma análise mais detalhada do assunto mostra que, mesmo e principalmente estando presentes, as ações governamentais, notadamente a partir da década de 1950 foram, são e podem se constituir em importantes disseminadores de degradação nessa região.

Neste trabalho, as discussões se fundamentarão na análise de algumas ações governamentais, desencadeadas principalmente a partir de Políticas Públicas que, ao submeterem as terras do Cariri a determinados usos, vem acentuando o problema histórico de desertificação que acompanha essa região desde o momento em que esta passou a ser colonizada pelos europeus. Destacaremos assim, de forma geral, principalmente os efeitos dessas ações sobre a vegetação nativa já que, a partir das transformações que podem ocorrer neste último elemento da paisagem, uma série de outras são desencadeadas. Ressaltamos ainda que o acompanhamento desta dinâmica é reconhecido como um dos indicadores mais importantes no que diz respeito a detecção dos processos de ocupação do território capazes de gerar a desertificação nas zonas secas.

De forma mais específica, faremos uma recapitulação histórica sobre o estabelecimento da política hídrica e de irrigação, a questão fundiária e a pecuária na zona de clima seco do território brasileiro, com ênfase no Cariri para, em seguida, discutirmos a sua contribuição ao processo de desertificação na região em destaque.

A “solução hídrica”

Falar sobre Políticas Públicas para o semi-árido brasileiro significa, inicialmente, falar em ações de combate à seca, manifestação natural que, a partir do século XVIII, com o aumento da população no interior da Região Nordeste do Brasil, ultrapassa a condição de evento climático para se transformar em fenômeno econômico e social. Dessa forma, grande parte do conjunto de ações levadas a cabo pelo poder público no semi-árido, até hoje, teve o objetivo de combater os efeitos da seca.

É importante destacar que, mesmo sendo um fenômeno antigo, tendo sido relatado desde 1583 pelo padre jesuíta Fernão Cardin (Alves, 1984), somente no início do século XX são desenvolvidas linhas de ações governamentais para enfrentar os problemas decorrentes desse evento climático. Nesse sentido, a primeira resposta do governo federal foi dotar o semi-árido de uma maior segurança hídrica frente às estiagens, particularmente através da construção de açudes (barragens) nos leitos dos rios temporários da região, armazenando assim as águas das chuvas escassas e concentradas espacial e temporalmente.

Para que as ações necessárias aos empreendimentos pudessem ser adotadas, foram criados diversos órgãos de planejamento regional. O primeiro destes foi a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), em 1919, depois transformada em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), em 1919 e, finalmente, no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), em 1945.

Apesar de atuarem em diversas frentes de combate aos efeitos da seca, tendo inclusive realizado uma série de estudos de conhecimentos básicos sobre o semi-árido (geologia, botânica, hidrologia, etc.), esses órgãos tiveram na construção de açudes e perfuração de poços artesianos as suas principais ações. Além destas, cabe destacar o incentivo à agricultura irrigada.

O sustentáculo financeiro das grandes obras sugeridas pelo DNOCS, por sua vez, era o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), criado pelo governo federal em 1952. Assim, a denominada “solução hídrica” para o semi-árido, embora estivesse alicerçada na força das elites locais, contava também com o apoio do governo federal, desde o início da República, conforme explica Ferreira (1993, p. 30-31):

"Sendo o café o sustentáculo da economia republicana e o grupo hegemônico constituído pelos cafeicultores, o governo adotou uma política econômica protecionista voltada para esse setor. O Nordeste, com seus produtos em crise, não conseguia nenhuma medida protecionista e passou a se utilizar dos períodos de estiagem para reivindicar ajuda financeira da União. Para conseguir apoio federal, o Sul alegava o café; o Nordeste, a seca – cada um à sua maneira e com seus argumentos".

Com a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em 1959, ocorre inicialmente um pequeno hiato à “solução hídrica” pois, mesmo não negando a importância da açudagem e da irrigação, os idealizadores deste órgão entendiam que os seus benefícios estavam circunscritos a uma pequena parte das terras do semi-árido. Nesse caso, das quatro diretrizes básicas que nortearam a criação da SUDENE, três delas se referiam diretamente a essa região (SUDENE, 1985):

a) a intensificação dos investimentos industriais, baseado na expansão manufatureira;
b) a transformação da economia dessa zona, elevando a sua produtividade e tornando-a mais resistente ao impacto das secas, através da melhoria do desempenho das lavouras xerófilas (particularmente do algodão) e da pecuária (incentivo ao cultivo de forrageiras arbóreas, diminuindo a sobrecarga nos pastos nativos);
c) o deslocamento do excedente populacional, criado pela reorganização da economia da faixa semi-árida para as terras úmidas do estado do Maranhão, encarregadas de produzirem gêneros alimentícios para os mercados dessa faixa.

Observa-se que, particularmente em relação à questão das lavouras xerófilas e à pecuária, existia uma nítida preocupação em incentivar uma economia mais adaptada às condições climáticas da região atingida pelas secas, e não em torná-la ainda mais dependente de um produto que a própria natureza criou escasso em seu território: a água. Tal preocupação, entretanto, não estava fundamentada principalmente nas preocupações ambientais dos idealizadores da SUDENE, mas sim num caminho que se julgava, do ponto de vista econômico, mais competitivo e racional para a região.   

Poucos anos após a sua criação, enfrentando forte resistência política por parte das elites nordestinas que viam alguns dos seus privilégios ameaçados por essa nova forma de pensar essa região, em 1964, Celso Furtado, um dos idealizadores e primeiro superintendente desse órgão, é afastado do seu cargo, tendo os seus direitos políticos cassados pelo novo governo, acabando no exílio. Assim, a SUDENE, a partir desse momento, dava continuidade à antiga política que originou os outros órgãos que a antecederam.

Em paralelo a estocagem da água nos reservatórios, desenvolveu-se uma política de incentivo a agricultura irrigada, sendo esta mais expressiva a partir da década de 1970, através do Programa de Irrigação do Nordeste, executado originalmente pelo DNOCS e pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF). Nesse caso, existe toda uma relação com a desertificação, embora levemos em consideração que, como um dos causadores do processo, a agricultura irrigada é responsável somente por uma pequena parcela desse tipo de degradação, até porque foram criados poucos perímetros irrigados nessa região.

A irrigação nas zonas secas origina a desertificação a partir da salinização das terras submetidas a essa intervenção. Esse processo ocorre quando existe deficiência de drenagem nos solos, sendo potencializado quando estes apresentam pequena espessura e elevado déficit hídrico. Com a evaporação, os sais se concentram na zona superficial do solo, aumentando o potencial de compactação, redução da infiltração e incremento do escoamento superficial.

Os efeitos para a vegetação, por sua vez, estão relacionados a redução na absorção de água, a presença de toxicidade que afeta a germinação, crescimento e desenvolvimento das plântulas e desequilíbrio nutricional (Gheyi, 2000). Em virtude dessas conseqüências, poucas espécies vegetais se adaptam a esses ambientes.

No caso do semi-árido brasileiro, levando-se em consideração a questão da drenagem dos solos, atualmente, somente 27,9 por cento de toda área irrigada no Nordeste possui sistemas de controle (Brasil, 2004), o que acaba, nas condições naturais e de uso do solo dominantes, favorecendo o estabelecimento da salinização nessas terras. Além disso, para diminuir ou acabar com esse processo, depois do mesmo estar presente e dependendo do tamanho da área atingida, as ações necessárias e possíveis tecnologicamente de serem executadas podem se tornar inviáveis do ponto de vista econômico devido aos custos muito elevados, levando-se em conta trata-se de uma região com fortes níveis de subdesenvolvimento.

Acrescentamos as informações anteriormente citadas o fato de, nessas áreas, a irrigação predominante ser do tipo inundação, onde a água liberada chega aos cultivos através de pequenos canais construídos na terra. Embora exista a vantagem de ser uma técnica de baixo custo para o produtor, ocorre desperdício de água e, principalmente, em situações de drenagem deficiente, caracteriza-se pela contribuição decisiva em relação a expansão da salinidade.

Quanto ao Cariri, embora a participação da grande irrigação seja historicamente pequena, a construção pelo DNOCS dos açudes de Sumé e Boqueirão, no final da década de 1950, acabou viabilizando a instalação de perímetros irrigados importantes no contexto regional, ainda que os mesmos se encontrem atualmente parcialmente comprometidos pelo processo de salinização, o que vem afetando cada vez mais a produção de hortifrutigranjeiros existentes nas áreas de entorno dessas barragens (Molle, 1994; Macêdo & Menino, 1998; Gheyi, 2000).

Outro exemplo de uso do solo baseado na agricultura irrigada a partir do incentivo de Políticas Públicas, contribuindo até a década de 1990 com a desertificação no Cariri através da salinização das terras utilizadas, ocorreu com a produção de alho em alguns municípios existentes nessa região (particularmente em Cabaceiras, no Distrito de Ribeira). Esse produto começou a ser produzido para fins comerciais no Cariri no final do século XIX. Mesmo assim, apesar de originalmente já haver uma produção voltada para as cidades próximas, essa era inexpressiva no conjunto das atividades econômicas.

No final da década de 1970, a atuação de políticos locais com o objetivo de modernizar a cultura desse produto na região, desencadeou ações de financiamento do governo federal através do Programa de Desenvolvimento de Comunidades Rurais (PRODECOR), Banco do Brasil e Ministério da Agricultura, assim como a presença de assistência técnica, através da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), no âmbito estadual, incrementando a produção do alho.

A conseqüência imediata do aumento da área cultivada com essa cultura implicou em elevação do consumo de água pelas lavouras, uma vez que o antigo uso de latas d’água foi substituído pelas motobombas. Conforme as observações de Grabois et al. (1991), essas ações também originaram o rebaixamento do nível do lençol freático no rio Taperoá (principal bacia hidrográfica dessa parte do Cariri) e a acentuação do problema de salinização nas áreas irrigadas o que, em alguns casos, acabou inviabilizando essa produção em muitos canteiros, além de deixar algumas terras de várzea inviáveis por um certo período para o cultivo de quaisquer outros produtos alimentícios, inclusive os de subsistência. 

A crescente salinização do solo nas áreas cultivadas e a disputa no mercado com o alho mais barato vindo de outras regiões brasileiras e até de outros países fizeram com que esse tipo de hortaliça ficasse cada vez mais difícil de ser produzido no Cariri, culminando com a queda quase integral da safra em 1987 (Grabois et al., 1991) o que, consequentemente, afetou de maneira intensa a economia dessa região, devido ao nível de dependência econômica e social que foi criada em torno desse cultivo.

Mesmo com os exemplos existentes de experiências negativas com o uso da irrigação nessa região, a perspectiva atual é de que, através de alguns projetos, inclusive federais, haja aumento da área irrigada no Cariri.

Desses projetos, o mais ambicioso é o da transposição das águas do rio São Francisco, cuja bacia hidrográfica é uma das maiores do Brasil. Essa obra pretende, através de canais, levar água desse rio para perenizar artificialmente os recursos hídricos temporários de parte do semi-árido. Nesse contexto, um dos canais previstos tem o Cariri como ponto de passagem, atingindo diretamente a bacia do rio Paraíba, principal recurso hídrico da região, tornando-o permanente.  

Essa obra significa um retorno à idéia da “solução hídrica”. Seu marco de renascimento foi estabelecido em fevereiro de 1992, quando na cidade de Fortaleza (estado do Ceará) ocorre a Conferência Internacional sobre Impactos e Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Semi-Áridas (ICID). A grande contribuição desse evento foi criar as bases para a elaboração de uma nova estratégia de desenvolvimento para o Nordeste semi-árido brasileiro, constituindo o que foi chamado de Projeto Áridas (Vieira, 2004; Brasil, 1994).

O referido projeto, para o qual a transposição das águas do rio São Francisco é fundamental, apresenta um cenário tendencial onde os serviços de turismo e, no caso específico do semi-árido, a agroindústria irrigada,o foi criar as bases para a elaboraççela CODEVASFa da Uniilizar dos perral. terão um peso crescente na renda regional. O objetivo é fazer com que os produtos gerados nessas terras sejam comercializados em importantes mercados nacionais e internacionais, o que implica em aumento de produção e competitividade, bases da economia globalizada.

Observa-se assim uma tentativa de ampliar uma iniciativa que tem origem noutros perímetros irrigados do semi-árido (como no eixo Petrolina/Pernambuco-Juazeiro/Bahia), não dando a importância necessária a uma série de especificidades pedológicas, culturais e sócio-econômicas que existem, não apenas na região do Cariri, mas também em outras localizadas nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, conforme destacam Souza & Suertegaray (2005), cujos territórios também estão inseridos nessa política hídrica.    

As preocupações com a ampliação da agricultura irrigada nas terras do Cariri são ainda maiores quando consultamos alguns estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), órgão governamental cujas pesquisas se fundamentam no desenvolvimento desse setor na área seca do Brasil.

Dentre os estudos desenvolvidos por este órgão, o Zoneamento Agroecológico do Nordeste do Brasil (Zane, 2000) considera a região estudada, de maneira geral, inapta a uma exploração agrícola comercial sustentável, com altos riscos de perda de safra e de degradação ambiental muito elevada.

Em relação a irrigação, o trabalho citado classifica os solos do Cariri como pertencentes aos níveis 4 e 6. Os solos de nível 4 caracterizam-se pela pequena profundidade efetiva, textura grosseira, excessiva pedregosidade superficial, salinidade e/ou sodicidade e drenagem inadequada, estando localizados em áreas de topografia ondulada. Esses fatores fazem com que esses solos sejam considerados aráveis de uso especial, podendo apresentar deficiência específica ou deficiências susceptíveis de correção de alto custo, ou ainda apresentar deficiências incorrigíveis que limitam sua utilidade somente para determinadas culturas adaptadas ou podem exigir métodos específicos de irrigação.

Os solos de nível 6 são piores ainda, sendo considerados não aráveis e particularmente não adequados para uso com irrigação, devido a sua pequena profundidade, influência natural por sais, textura extremamente grosseira, baixa capacidade de retenção de água, bastante dissecados e severamente erodidos, o que os torna de recuperação muito difícil, em caso de uso agrícola.

Apesar das fortes restrições existentes no Cariri para a irrigação, podemos afirmar que, no tocante a salinização provocada por esse tipo de uso dos solos, esta ainda ocorre de forma pontual sendo, portanto, pouco expressiva no momento, embora fique a preocupação em relação aos projetos pretendidos para essas terras.

As modificações na estrutura fundiária

É sabido que a questão do acesso à terra é uma das maiores necessidades da população que habita o semi-árido brasileiro. Mesmo assim, se esta não for acompanhada de toda uma infra-estrutura que garanta ao produtor as condições mínimas para a sua sobrevivência, fatalmente a desertificação se fará presente ou tenderá a se agravar nos lotes de terras onde existem as pequenas propriedades e os assentamentos originados por reforma agrária.

Ressaltamos também que, mesmo que a questão da infra-estrutura de produção seja resolvida, existe outra tão importante quanto esta, relacionada aos pacotes produtivos aos quais geralmente os proprietários mais antigos dessas terras e os assentados ficam submetidos por parte dos órgãos financeiros que liberam verbas para o desenvolvimento da pequena agricultura.

Como regra, os referidos pacotes estão baseados na aquisição de uma série de insumos produtivos que tornam essa categoria de agricultores cada vez mais dependentes e, muitas vezes, com o passar do tempo, mais empobrecidos. Além disso, apresentam elevado poder de degradação das terras, uma vez que são comandados pela lógica da intensificação e da não-diversificação da produção.

Todas as características acima destacadas também estão presentes noutras regiões do Brasil. Entretanto, dadas as especificidades naturais e sócio-econômicas dominantes no semi-árido, as conseqüências são ainda piores para os pequenos produtores que habitam essas terras e para as próprias terras, entendidas enquanto parte dos ecossitemas.

Quanto ao Cariri, ao se fazer um resgate da história de ocupação dessa região, observamos que, em princípio, o latifúndio era o tipo de propriedade dominante. Nesse sentido, a sesmaria mais antiga localizada nessa região foi requerida pelos irmãos Antônio de Oliveira Lêdo e Custódio de Oliveira Lêdo que, em 1665, chefiando um pequeno grupo de familiares, passaram a ser proprietários de trinta léguas de terra por doze de largura, ao longo do rio Paraíba (Terceiro Neto, 2002).

Levando-se em consideração que uma légua equivale a 6,17km, essa sesmaria apresentava 185,16km ao longo do rio Paraíba e 74,06km de fundo, o que significa uma área de 1.371.294 ha, ou seja, uma propriedade de tamanho ligeiramente superior ao que se considera toda a região do Cariri na atualidade (1.119.201 ha.).

O fato da maior extensão dessa sesmaria estar localizada em terras próximas ao rio Paraíba (denominadas de “ribeiras”) demonstra, por sua vez, a importância histórica dos rios intermitentes no processo de ocupação da zona semi-árida nordestina. Nessa época, tal como se vê atualmente, a presença de quase toda água disponível da propriedade nas terras de várzea acabava fazendo com que houvesse também nessas áreas e no seu entorno a concentração da maioria das atividades econômicas desenvolvidas.

Após alguns anos de instalação da primeira sesmaria do Cariri, esta começou a ser dividida entre os familiares dos Oliveira Lêdo e seus descendentes. Adicionamos à repartição inicial dessas terras, a criação de uma Carta Régia do governo imperial brasileiro em 1697 determinando que, para evitar problemas de limites entre os providos de sesmarias, a partir daquele momento, o tamanho das propriedades estaria limitado a posse de três léguas ao longo dos rios principais, por uma de comprimento (Jofilly, 1892; Almeida, 1994; Guedes, 2006), o que daria uma área máxima de 114.206 ha. para cada fazenda. 

Em relação ao comprimento das propriedades, o que se observa é que, apesar do valor estipulado pela referida Carta Régia, na prática, esta apresentava tamanho variável, uma vez que, como destacam Jofilli (1892) e Almeida (1994), em princípio, não existiam cercas que delimitassem os fundos das propriedades (denominados ainda hoje de “fundos de pastos”), sendo as demarcações feitas por convenções verbais entre os fazendeiros.     

O uso dos “fundos de pastos” fundamentava-se na criação extensiva de vários tipos de gado, embora predominasse o bovino, enquanto nas áreas de várzea, durante o período chuvoso, se desenvolvia a agricultura de subsistência. Para os dois tipos de uso, embora fosse mais comum nas várzeas e áreas próximas a esta, quer seja para o cultivo de diversas plantas utilizadas na alimentação humana ou para abrir espaço para o gado através da renovação dos pastos nativos, a limpeza dos terrenos era praticada através da retirada da vegetação nativa (“broca”) e da queima desse material (“coivara”), o que alterava consideravelmente o padrão de vegetação anteriormente dominante.

No caso dos pastos nativos, o conhecimento do produtor da diversidade florística e o seu aproveitamento diferenciado como alimento pelos diversos tipos de gado, também funcionava como um trunfo para a sobrevivência do rebanho. Por exemplo, embora o marmeleiro (Croton sp.) seja uma espécie bastante abundante nessas áreas, como as suas folhas são tóxicas quando verdes, o seu consumo pelo gado só se dava no final da estiagem, após a sua queda, sendo aproveitadas principalmente pelos caprinos.

Ainda nesse sistema, os bovinos alimentavam-se preferencialmente das gramíneas nativas e, à medida que essas iam escasseando, complementavam a sua dieta com as folhas de algumas árvores, especialmente de leguminosas como a catingueira (Caesalpinia bracteosa) que, por conta disso, também eram preservadas nessas áreas. Esse conhecimento permitia que os produtores, nos anos de chuvas mais regulares, deixassem o rebanho ou parte dele até seis meses nos pastos nativos (Cohen, 1997).

A estabilidade desse tipo de aproveitamento do solo se manteve durante vários anos em virtude da abundância de terras a serem utilizadas, existindo um período de pousio para as parcelas utilizadas que garantia, em geral, uma produtividade capaz de satisfazer as necessidades dos criadores em relação a sua subsistência e/ou a produção para o mercado.

Entretanto, a partir de séculos de repartições das propriedades por herança entre os familiares, a pressão sobre este meio foi ficando cada vez mais elevada, já que passou a ocorrer a diminuição do tempo de pousio das terras, o que acarretou numa maior intensificação do uso dos solos e da vegetação nativa. Além disso, o grande número de pequenas propriedades resultante desse processo também tornou mais difícil a sua sustentabilidade, devido a exigüidade de terras passíveis de serem cultivadas e de alimento disponível para o gado.

Atualmente, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária na Paraíba (INCRA/PB), o módulo fiscal das terras dos municípios do Cariri, que é a área expressa em hectares para efeito de tributação, levando em conta o tipo de exploração predominante no município, a renda obtida e o conceito de propriedade familiar, este oscila entre 55 ha. e 60ha.

A classificação das terras feita pelo INCRA nessa região estabelece os seguintes critérios: até 4 módulos fiscais (cerca de 240ha.) tem-se uma Pequena Propriedade; acima de 4 e até 15 módulos fiscais (acima de 240 e até 900ha.) tem-se uma Média Propriedade, enquanto as áreas acima de 15 módulos fiscais (mais de 900ha.) são classificadas como Grandes Propriedades.

O quadro 1 apresenta a situação atual da malha fundiária no Cariri, incluindo os dados de propriedades inferiores a 100ha. As propriedades classificadas nessa categoria são entendidas como parte das Pequenas Propriedades. Entretanto, como as tecnologias desenvolvidas pelos órgãos governamentais (especialmente a EMBRAPA) para se obter rentabilidade e impactar menos as terras do semi-árido foram criadas para serem praticadas em propriedades com tamanho superior a esse patamar, a sua identificação é importante.

 

Quadro 1.
Malha fundiária do Cariri paraibano
Tipos de Propriedades
Número de Propriedades
Área Ocupada pelas Propriedades

Pequenas Propriedades

10.922 (97,1 por cento)

329.683,8 ha. (46,1 por cento)

Menores que 100ha.

10.049 (46,5 por cento)

218.516,0 ha. (66,3 por cento)

Médias Propriedades

530 (2,4 por cento)

222.050,1 ha. (31,1 por cento)

Grandes Propriedades
98 (0,4 por cento)
162.704,1 ha. (22,8 por cento)

Fonte: INCRA/Sistema Nacional de Cadastro Rural (setembro de 2006): Informação pessoal.

 

De acordo com os dados do quadro 1, as Pequenas Propriedades são amplamente dominantes em número nessa região (97,1 por cento). Dessas, quase a metade (46,5 por cento) correspondem a propriedades menores que 100ha., o que demonstra a importância dessas categorias no Cariri.

A participação das Pequenas Propriedades em relação a área ocupada no Cariri também é muito expressiva, correspondendo a 46,1 por cento de toda a região. Dessas, 66,3 por cento apresentam tamanho inferior a 100 ha.

Logo, pelos dados expostos, a limitação de espaço em grande parte das propriedades do Cariri, neutraliza a possibilidade de uso das tecnologias até agora desenvolvidas pelos órgãos governamentais o que, por sua vez, acaba tornando um elevado percentual dos proprietários de terras nessa região fortemente dependentes dos recursos naturais ainda existentes, sendo estes submetidos a uma pressão cada vez mais intensa.

Nas áreas mais secas do semi-árido, a exemplo dos Cariris Velhos, onde a caprinocultura é predominante, Guimarães Filho & Lopes (2001) destacam que são necessários de 200 a 300ha. para manter, em condições semi-extensivas, um rebanho de caprinos para corte com 300 matrizes, viabilizando a reprodução e a acumulação dos meios de produção de uma família.

Como no Cariri e, por extensão, em grande parte do semi-árido, dominam propriedades muito pequenas para esse tipo de uso, nas palavras dos autores anteriormente citados: “[...] Em situações como essa torna-se muito difícil, senão impossível, conciliar atividade econômica com preservação ambiental.” (Guimarães Filho & Lopes, 2001, p. 14). 

Em relação as terras onde ocorreram desapropriações para fins de reforma agrária nessa região, a situação dos assentamentos é idêntica, nas causas e nas conseqüências, ao restante da maioria das propriedades no que diz respeito às dificuldades de se desenvolver uma atividade econômica ao mesmo tempo competitiva e ambientalmente sustentável. Isto porque, além das questões relacionadas a inadequação do tamanho dos lotes de terras que são distribuídos, ocorrem inúmeras dificuldades em fazer com que os instrumentos de crédito e extensão se façam presentes, de maneira satisfatória. Dessa forma, todos esses elementos contribuem decisivamente para que o disciplinamento do uso dos recursos naturais (preservação da mata ciliar, não utilização da Reserva Legal, etc.) existente nesses projetos e discutidos com os assentados, seja pouco respeitado (Pereira, 2006).

Além disso, piorando a situação descrita anteriormente, Pereira (2006) destaca que, grande parte das terras destinadas à reforma agrária existentes na Paraíba, herdaram um passivo ambiental elevado e não detectado nos estudos preliminares de desapropriação, agravando-se ainda mais o quadro quando essas terras foram parceladas e submetidas a determinados tipos de usos.

O problema do tamanho das propriedades destinadas aos assentados está longe de ser uma realidade dominante apenas no semi-árido do estado da Paraíba. Em estudos sobre os projetos de assentamentos localizados na Região Nordeste, Buainain & Pires (2003) destacam que estes apresentam a menor área média do país, ou seja, cerca de 17 ha., além de considerável parte deles não exibirem investimentos no processo produtivo, o que acaba forçando os trabalhadores a buscarem a sua sobrevivência no extrativismo generalizado, particularmente nos períodos de estiagens prolongadas, num nível que supera a capacidade natural de renovação dos ecossistemas. 

Outro problema sério nas terras do Cariri e, por extensão, em todo o semi-árido, é a questão da assistência técnica ao agricultor. Embora na maior parte das vezes ela esteja ausente, o que se constata é que, quando esta se faz presente nas propriedades, particularmente nas pequenas, geralmente existem incompatibilidades elevadas entre o técnico e o agricultor, o que acaba inviabilizando boa parte dos benefícios econômicos e ambientais que esta intervenção poderia suscitar.

A dificuldade de diálogo começa pelo domínio da lógica produtivista, baseada na especialização da produção, por parte do técnico, que entra em choque com a lógica da diversificação da produção e busca de segurança, por parte dos produtores.

A falta de esclarecimento para os produtores das diversas possibilidades de financiamento oficial, as orientações sobre manejo dos recursos naturais no clima semi-árido, conforme ressaltam Duque & Costa (2002), também são outros problemas que afetam essa relação. Os técnicos, por sua vez, reclamam da pouca abertura e lentidão dos agricultores. Logo, com o quadro dominante, a troca de experiências que poderia proporcionar uma melhor qualidade de vida, baseada numa relação mais sustentável nessas terras, fica praticamente inviabilizada. 

A pecuária

Essa atividade econômica é dominante no Cariri desde o início da sua colonização. Os registros históricos indicam que, apesar da variedade do gado existente, inicialmente havia o domínio dos bovinos. Nessa região, ainda hoje os bovinos são tidos como animais nobres e, junto com os equinos, simbolizam o nível de riqueza de um proprietário: quanto mais desses animais, mais rico e poderoso é o dono da terra. A fama dos caprinos, por sua vez, historicamente é contrária a dos bovinos: gado de pobre e considerado ladrão (pois facilmente invade as propriedades vizinhas e utiliza-se do seu pasto).

Mesmo assim, nessas terras, cada vez mais passaram a predominar os caprinos que, junto com as ovelhas e porcos, constituem a chamada “miunça” (gado pequeno) ou simplesmente “criação”. Dessa forma, ao menos do ponto de vista econômico, o tempo foi redentor dos caprinos. Em princípio, muito mais por falta de opção dos produtores que por outra razão, como veremos adiante.

Conforme já destacamos noutro momento desse trabalho, o processo de ocupação das terras do Cariri e de todo o semi-árido paraibano e nordestino, durante o período das sesmarias, se deu pelas linhas fluviais. Essas apresentavam extensões muito grandes ao longo dos rios, as “ribeiras”, ocupadas pela agricultura de subsistência no curto período de maior concentração de chuvas anuais (cerca de 04 meses) e por parte do gado no período de estiagem (cerca de 08 meses). Nas áreas mais distantes, os “fundos de pastos”, a ocupação se dava o ano inteiro através da pecuária extensiva.

Como nas áreas de caatingas a associação de alta radiação solar, temperaturas médias elevadas, grande variabilidade interanual das chuvas e solos com baixo potencial de armazenamento de água é mais favorável a presença de árvores e arbustos, em detrimento das espécies anuais herbáceas (Resende, 2000), a utilização da vegetação como pasto nativo era feita, predominantemente, nos primeiros tipos de plantas mencionadas, tal como se repete nos dias atuais. 

Nos “fundos de pastos” havia alta concentração de animais se alimentando da vegetação. Jofilly (1892) chama atenção para o fato de que, até o final do século XIX, não havia preocupação com a qualidade desse gado e principalmente com a capacidade de suporte dessas pastagens nativas. Como a introdução de outras plantas forrageiras complementando a alimentação do gado era geralmente incipiente, isso tornava a pressão sobre as caatingas muito acentuada, principalmente durante a estação seca, quadro que hoje é ainda mais grave tendo em vista a diminuição do tamanho das propriedades, conforme já destacado.

Comparando-se essa situação com a existente no Sahel, internacionalmente a área mais conhecida no que se refere a desertificação, Hare et al. (1992) destacam que, a morte do gado durante a grande seca da década de 1970, se deu muito mais devido aos efeitos da superpastagem que pela deficiência em aprovisionamento de água, o que demonstra que esse problema de uso excessivo da vegetação como alimento pela atividade pecuária é uma característica comum às áreas onde ocorre esse tipo de degradação.   

Quanto aos caprinos, embora originalmente em menor quantidade que os bovinos, o predomínio recente desses animais no Cariri está diretamente relacionado, em princípio, a sua maior resistência á seca e principalmente à sua necessidade de alimento que, comparada a dos bovinos, é bem menor.

Analisando a taxa de lotação média estimada para os dois rebanhos, enquanto são necessários de 10 a 12 ha. de caatingas para  criar um bovino (Araújo Filho & Carvalho, 1997), nas mesmas condições de pasto podem se alimentar 8 caprinos (Grabois & Aguiar, 1985), o que equivale a uma taxa  de cerca de 1 caprino/1,5 ha.

Essa estimativa para o Cariri ainda está relativamente longe de ser alcançada, conforme demonstra o quadro 2, o que poderia levar a pensar, em princípio, que a superpastagem é um problema inexistente nessas terras . Mesmo assim, entendemos que essas médias não correspondam ao que efetivamente ocorre no Cariri pelas razões que se seguem: primeiro, a capacidade de suporte das caatingas para a criação de caprinos ainda é pouco estudada; segundo, tanto a taxa de lotação média aconselhada como a existente nessa região, fazem parte de uma estimativa generalista para um tipo de vegetação que apresenta grande diversificação, particularmente na densidade e no porte das espécies. Em relação a essa observação, o quadro das caatingas no Cariri, além da extrema heterogeneidade natural, conta com níveis de degradação muito elevados. Terceiro, tanto o número de caprinos por propriedade assim como o tamanho destas é variável, fatores estes que influenciam fortemente a disponibilidade de pasto nativo.

 

Quadro 2.
Evolução da taxa de lotação para os caprinos no Cariri paraibano

Período

Caprinos (nº de cabeças)

Taxa de Lotação/ha. 

1970

74.756

0,06

1980

166.863

0,1

1990

212.405

0,2

2006
304.105
0,3

Fonte: Adaptado de: IBGE – Censo Agropecuário/PB 1970 e 1980; Pesquisa Agropecuária Municipal/PB 1990 e 2006.

 

Além das vantagens destacadas anteriormente em relação a criação de caprinos frente aos bovinos, outra de grande importância é o fato do valor destes animais ser menor que estes últimos. Por conta disso, são vendidos mais facilmente que os bovinos, funcionando também, conforme destaca Silva (2006), como importante reserva de valor utilizada nos momentos de maiores dificuldades das famílias (aquisição de remédios, pagamento de dívidas, compra de bens de consumo, etc.).

No final do século XIX, Joffily (1892) já chamava atenção para o fato desses animais estarem adquirindo uma importância cada vez maior nas propriedades do semi-árido paraibano. Isto se devia ao preço elevado que atingia suas peles no mercado, além de sustentarem o sertanejo com carne e leite, já que este encontrava cada vez mais dificuldades para criar o gado bovino.

Embora esse último autor mencionado não revele explicitamente quais seriam essas dificuldades, baseado no que destacamos nesse trabalho, acreditamos que a ocorrência de estiagens mais prolongadas associadas a diminuição dos tamanhos das propriedades, resultando na menor disponibilidade de pasto nativo disponível como alimento, justifiquem o ocorrido.

Esses fatos, juntamente com a declaração da inexistência de preocupação em relação a capacidade de carga da vegetação das caatingas, podem ser identificados na obra mencionada como os primeiros registros na história da Paraíba sobre os efeitos da desertificação provocados pelo pastoreio.

Corroborando as nossas idéias, Almeida (1994) revela que, no início do século XX, no semi-árido paraibano, particularmente nas “ribeiras” mais secas e em outros tipos de terrenos, nos maiores intervalos das estiagens, os rebanhos multiplicavam-se. Em conseqüência, com o aumento da exploração da vegetação, junto com os efeitos das secas, a raça bovina foi degenerando.

Referindo-se aos caprinos, Almeida (1994) destaca a sua rusticidade. Ressalta que pouco lhe importava a seca, apresentando capacidade de sobreviver onde qualquer outro tipo de gado morreria de fome, como nas estepes da Ásia e da África. Denomina o Cariri de “paraíso das cabras”, devido ao rebanho de 170.412 cabeças (dados de 1915), ao mesmo tempo em que ressalta o papel de “artífices dos desertos” desses animais, por conta das suas características alimentares.  

Esse papel de “artífices dos desertos” envolve não apenas as características alimentares intrínsecas dos caprinos e o seu número, mas também a forma como eram e ainda hoje, em geral, são criados. Nesse sentido, Grabois & Aguiar (1984) destacam que, no Cariri, o que também pode ser considerado uma regra para quase todo o semi-árido paraibano e nordestino, quando o algodão era uma cultura mais difundida, o gado bovino se utilizava do pasto nativo a maior parte do ano. Por volta de novembro/dezembro, quando se concluía a sua colheita, devido a diminuição do pasto (em virtude da seca) e das grandes exigências em alimento dos bovinos, estes eram postos para se alimentar do restolho dessa planta, do milho e do feijão, geralmente plantados em consórcio na várzea dos rios, até março, quando já havia sido iniciado o período chuvoso na região.

Quanto aos caprinos, os autores destacam que estes permaneciam nas pastagens nativas durante o ano inteiro, só recebendo alimentação complementar nos casos de estiagens muito prolongadas. Neste sentido, a capacidade dos caprinos de consumir diversos tipos de plantas é muito grande, chegando a se alimentar de até 70 por cento das espécies existentes nas caatingas (Araújo Filho et al., 1996, 1999a, 1999b), o que os torna mais aptos que outros tipos de gado a sobreviver em ecossistemas secos, mesmo em ambientes com pouca disponibilidade de vegetação, embora essa característica possa fazer com que as terras submetidas a esse uso fiquem ainda mais degradadas.

Em relação a pressão dos caprinos sobre as caatingas, Albuquerque et al. (2003), submetendo uma pastagem nativa no semi-árido do estado de Pernambuco a várias intensidades de usos por esses animais, constataram que altas taxas de uso por caprinos (1 cabra/1 ha.), durante três anos, por si só, não foram suficientes para causar diferença na freqüência das espécies herbáceas nem na densidade das plantas novas das espécies lenhosas, não ocorrendo degradação do estrato herbáceo. Entretanto, foi observado que a degradação da vegetação ocorreu quando as altas taxas de lotação estiveram associadas a ocorrência de estiagens prolongadas, tendo esse último elemento papel de destaque ainda maior que o pastejo dos caprinos.

Indo além da observação anterior, mesmo que as estiagens prolongadas não ocorram sempre no Cariri, como a variabilidade espacial das chuvas é muito elevada (mesmo em anos considerados de pluviosidade média normal), a disponibilidade de pastagem nativa para esses animais nessa região acaba se tornando tão mal distribuída territorialmente quanto a própria pluviosidade, o que implica que, mesmo parcialmente, durante o período considerado de maior ocorrência de chuvas nessas terras (fevereiro à maio), o superpastejo e, consequentemente, a desertificação, podem ocorrer. 

Ainda em relação a herbivoria dos caprinos em áreas de caatingas, Leal et al. (2005) constataram que esses animais constituem importante fator de seleção natural, afetando principalmente arbustos e árvores perenifólias, como o juazeiro (Ziziphus joazeiro) e o umbuzeiro (Spondias tuberosa), ou espécies decíduas com ciclo reprodutivo parcial ou completo na estação seca, como a aroeira (Myracroduon urundeuva) e a imburana (Commiphora leptophoeos).

Todas as espécies mencionadas são clímax nas paisagens das caatingas. A diminuição da sua quantidade, mediante a ação dos caprinos, ocorre em função de estarem acessíveis ao pastoreio na época em que estes animais dependem exclusivamente da vegetação lenhosa para se alimentarem. Além disso, no consumo de alguns frutos nativos, algumas sementes são totalmente trituradas, impedindo-se assim a sua reprodução.

Esses estudos comprovam que altas taxas de lotação de caprinos em áreas de caatingas, quando associadas a outras formas de pressão sobre a vegetação, têm o poder de empobrecer e reduzir o porte das plantas, levando à ocorrência da desertificação, o que também já foi constatado em outras regiões semi-áridas fora do Brasil (Leal et al., 2005).

No que diz respeito aos ovinos, no Cariri o seu número sempre foi menor que o de caprinos e, consequentemente, a sua contribuição à degradação também foi menos expressiva. Comparando-os com os caprinos, são mais seletivos quanto as plantas das quais se alimentam, dando preferência às gramíneas e, na falta destas, as folhas dos arbustos caídas no chão. As ovelhas também apresentam tendência de se concentrarem nas áreas em que estão pastando, enquanto os caprinos, além de menos seletivos quanto à alimentação, deslocam-se rapidamente, afetando áreas maiores em sua atuação.

Analisando o crescimento da caprinocultura à luz do que aconteceu com a atividade pecuária na Região Nordeste, este também deve ser entendido em função da demanda do mercado pelos seus derivados, onde o Estado passa a exercer um papel fundamental. A título de exemplo, Duque (1984/1985) destaca que, para todo o Nordeste brasileiro, entre 1971 e 1977, aproximadamente a metade do crédito total do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA) foi dedicado à pecuária.

A participação da SUDENE nesse processo também foi importante. Ocorreu particularmente através do Projeto Sertanejo (1976-1983), contando com o apoio financeiro do Banco Mundial (BIRD) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O objetivo desse projeto era facilitar o crédito rural, criar melhores condições de acesso aos recursos hídricos, proporcionar assistência técnica e possibilitar o acesso á terra. Entretanto, a pecuária acabou monopolizando grande parte dos recursos financeiros, enquanto o processo de concentração de terras foi acelerado.  

Sobre a pecuarização do semi-árido na Paraíba e a participação do Estado nesse processo, Moreira & Targino (1997) destacam que:

"A expansão da atividade criatória na década de 70 foi um dos marcos do processo de modernização da agropecuária estadual. Para sua efetivação, ela contou com o crédito subsidiado, com juros muito baixos e um longo período de carência (três anos). O Banco do Brasil, o Banco do Nordeste e o Banco do Estado da Paraíba (Paraiban), foram os principais agentes da política de crédito e de financiamento da pecuária do Estado.

Esses bancos oficiais efetuaram repasses dos recursos de bancos ou entidades estrangeiras como o Banco Mundial (BIRD), o Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), entre outros, além dos recursos oriundos do Fundo de Investimentos do Nordeste (FINOR), do PROTERRA, do POLONORDESTE e do Projeto Sertanejo, que também se inseriram nessa política" (Moreira & Targino, 1997, p. 138).

Os subsídios ao setor pecuário ainda hoje tem continuidade, inclusive para os pequenos produtores. No Cariri, essas ações são direcionadas principalmente às associações de criadores de caprinos, estimulando a aquisição de animais com maior capacidade de produção leiteira e de carne.

A diminuição do tamanho das propriedades, associada aos incentivos à pecuária e as transformações na agricultura do Cariri, provocaram forte aumento de pressão sobre as pastagens nativas. Neste sentido, os dados do quadro 3 indicam uma redução significativa da lavoura permanente e mesmo temporária, associada a um expressivo aumento da caprinocultura. De forma mais específica, isto significa a decadência do algodão dos tipos arbóreo e herbáceo (presentes, respectivamente, nas lavouras permanentes e temporárias), também utilizado como alimento para o gado; a diminuição da produção do feijão, do milho, da fava, da melancia e da batata-doce (lavoura temporária) que, através do restolho, entravam como complemento na alimentação do rebanho (principalmente dos bovinos); o aumento da caprino-ovinocultura e o  não acompanhamento, no mesmo ritmo, do cultivo de pastagens plantadas para esses tipos de gado, além da diminuição da produção de palma-forrageira (Opuntia fícus indica).

 

Quadro 3.
Evolução da agropecuária e da produção forrageira no Cariri

Período

1970

1980

1985

1990

1996

2006

Lavoura Permanente (ha.)

86.995

51.031

-

4.356

-

1.304

Lavoura Temporária (ha.)

48.632

117.278

-

102.545

-

54.492

Bovinos

119.607

153.181

-

169.415

-

123.803

Caprinos

74.762

166.863

215.796

212.405

-

304.105

Ovinos

82.993

107.096

-

128.687

-

134.577

Pastagem Natural (ha.)

545.886

441.898

-

-

400.562

-

Pastagem Plantada (ha.)

8.288

16.848

-

-

28.435

-

Palma-forrageira (ton.)
250.935
318.015
200.042
-
86.723
-

Fonte: IBGE – Censo Agropecuário/PB 1970, 1980, 1985 e 1996; Produção Agrícola Municipal/PB 1990 e 2006; Pesquisa Agropecuária Municipal/PB 1990 e 2006.

 

Ainda em relação ao incremento recente do rebanho caprino no Cariri, exerceu papel importante nesse processo, a partir do final da década de 1990, a atuação de algumas lideranças comunitárias e políticas locais e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).  

Os dois últimos períodos de estiagens prolongadas que atingiram o Cariri (1982-1983 e 1997-1998) acabaram colaborando para a criação e/ou aperfeiçoamento de algumas idéias capazes de promover uma melhoria no desempenho da economia da região. Do ponto de vista político, essa tomada de consciência acabou gerando, em 2001, o Pacto Novo Cariri, envolvendo prefeituras e lideranças comunitárias. Frente à tradição da caprinocultura e da resistência desses animais em relação aos períodos de estiagem, essa atividade foi eleita como prioridade territorial pelo Pacto Novo Cariri.

Apesar da tradição na criação de caprinos, as técnicas utilizadas não permitiam a geração de uma rentabilidade suficiente para que esse criatório alcançasse posição importante na economia. Nesse contexto, as experiências do SEBRAE na região, através de alguns projetos anteriores, fizeram com que essa instituição passasse a fazer parte desse pacto, desenvolvendo então um projeto denominado Programa de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Cariri (PROCARIRI), onde a melhoria da caprinocultura seria contemplada através de um sub-projeto denominado Fortalecimento da Cadeia Produtiva da Caprinovinocultura (Galvão et al., 2006).

As ações empreendidas começaram por organizar os produtores em associações, estimulando a criação destas onde não existiam e o fortalecimento das já existentes. Nessas associações, o SEBRAE passou a orientar os produtores em diversas frentes que, no geral, estão fundamentadas na capacitação, orientação técnica e orientação para obter linhas de crédito junto aos agentes financeiros.

A assistência técnica, por sua vez, um dos maiores problemas do Cariri, começou a ser feita por pessoas que tivessem Nível Médio de ensino e fossem da região, capacitados por algumas instituições, como a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), para prestar orientação aos produtores em suas propriedades nas áreas de veterinária, zootecnia e agronomia. Nasciam dessa forma os Agentes de Desenvolvimento Rural (ADR’s).

O estímulo dos governos federal e estadual para o consumo de leite destinado a população carente, através dos programas Fome Zero e Leite da Paraíba, também intensificado no final da década de 1990, por sua vez, favoreceu a caprinocultura e também a criação de usinas de beneficiamento desse derivado da atividade pecuária em diversos municípios da região (07 no total, 05 das quais só trabalham com leite de cabra). Os efeitos desses incentivos podem ser vislumbrados através de alguns dados do SEBRAE/PB (2007), com a Paraíba se destacando como o maior produtor de leite de cabra do país e o Cariri produzindo atualmente cerca de 350 mil litros de leite/mês, dos quais a maior parte é de origem caprina (70 por cento da produção de leite de cabra da Paraíba é oriunda dessa região).

Quanto ao aproveitamento da carne de caprinos, este ainda não alcançou o nível de organização da produção leiteira, particularmente pela inexistência na região de uma unidade agroindustrial que proporcione segurança de mercado para os produtores (Galvão et al., 2006). Nesse caso, a comercialização desse produto fica restrita, em grande parte, a um mercado local e regional. Entretanto, a crescente aceitação e consumo no país da carne desses animais, vêm estimulando a instalação de uma dessas unidades produtivas no município de Cabaceiras.

Esse conjunto de elementos acabou fazendo com que, entre as dez maiores densidades de produção de caprinos na região Nordeste do Brasil, já no ano de 2003, conforme os dados de Martins et al. (2006), os Cariris Ocidental e Oriental ocupassem, respectivamente, o segundo e quinto posicionamento (31,9 e 22,4 cabeças/km²). Outros números que demonstram a importância desses animais na região dizem respeito ao total do seu efetivo no ano de 2006, correspondendo a 304.105 cabeças, o que equivale a 46,5 por cento de todo o plantel existente no estado da Paraíba.

Analisando esses números à luz do que relatamos sobre a questão fundiária, as características alimentares dos caprinos, a produção forrageira, a quase total inexistência de um banco de proteínas que possa complementar a dieta desses animais e a ocorrência freqüente das estiagens, percebemos como se dá, de forma mais recente, a relação caprinocultura/desertificação nessa região. Esse fato, por sua vez, já vem afetando toda a cadeia produtiva da pecuária no Cariri, sentida particularmente no período de estiagem, quando a oferta de pasto cai naturalmente, afetando a produção leiteira a tal ponto que algumas usinas chegam ao limite mínimo de produção enquanto os produtores, a fim de não comprometerem por completo o rebanho, são obrigados a vender parte do plantel a preço abaixo do mercado.

Esse processo acaba fazendo parte de um ciclo vicioso, pois durante o retorno da estação chuvosa, os produtores irão substituir os animais perdidos durante a última estiagem, procurando recuperar o prejuízo e, se possível, aumentar ainda mais o rebanho. Dessa forma, as paisagens vão sendo dominadas por uma vegetação cada vez menos diversificada e com pequena densidade, onde a presença de solos quase completamente desnudos, mesmo durante a estação chuvosa, passa a ser um elemento marcante em diversas áreas dessa região.

Um outro aspecto da atuação das Políticas Públicas na pecuária da Região Nordeste é que esta não ficou restrita ao incentivo financeiro, mas também interviu diretamente na produção complementar de alimentos para os animais, visto desde a criação da SUDENE como um dos processos básicos de modernização do setor nessa parte do Brasil (Sudene, 1985). Para o semi-árido, os destaques foram os incentivos dados ao plantio de capim-buffel (Cenchrus ciliaris) e de algaroba (Prosopis juliflora) que, mesmo não obtendo êxito total no que diz respeito a oferta de alimentos para o gado, em diversos casos acabaram contribuindo para o desenvolvimento da desertificação na região.

Em relação ao Cariri, o reflorestamento com a algaroba (Prosopis juliflora) foi a atividade mais disseminada, destacando-se quanto a área plantada em nível estadual e nacional. Tal disseminação ainda hoje é alvo de polêmicas em relação aos seus benefícios e prejuízos, como veremos a seguir.

vel pelo quadro de degradaçgique este resultou da adoçez com que, durante muito tempo Essa espécie, provinda da região desértica de Piura (Peru), foi introduzida no Brasil a partir de 1942, com o objetivo de tornar a pecuária do semi-árido menos dependente das pastagens nativas. Enquanto estas, em sua maioria, apresentam produção forrageira, embora abundante, restrita à curta estação chuvosa, a algaroba (Prosopis juliflora), além da resistência à seca, é perene, sendo as suas folhagens e sementes apreciadas pelo gado. Adiciona-se a essas características o fato de frutificar no período de estiagem, quando são escassos os estoques naturais de alimento para os animais.

A partir da década de 1970, o governo federal começou a oferecer apoio financeiro a fundo perdido para os produtores que enviassem projetos de reflorestamento com essa espécie, através do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF, incorporado atualmente ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA) e da SUDENE.

Na Paraíba, essa atividade iniciou-se em 1979, prolongando-se até 1986 (Paraíba, 1994) e, já em 1980, o Cariri concentrava 83,0 por cento da produção estadual dessa planta (Moreira & Targino, 1997).

Quanto aos plantios comerciais, os recursos do governo federal eram liberados somente para os produtores que possuíssem mais de 100ha. de terra e apenas quando ocorria o desmatamento das áreas de caatingas onde seria implantado o reflorestamento. Dessa forma, tendo em vista a realidade fundiária dominante no Cariri, esses financiamentos excluíam grande parte dos proprietários de terra dessa região, exatamente os que tinham maiores dificuldades para alimentar o gado no período das secas.

Acrescentamos ainda o fato de, levando-se em consideração que um dos órgãos responsáveis pela liberação desses projetos era o responsável, na época, pelo cumprimento das leis ambientais no Brasil (IBDF), a retirada maciça da vegetação nativa se caracterizava, no mínimo, como uma grande contradição.  

Essa política de reflorestamento, em princípio, foi recebida como salvação para a economia pastoril do semi-árido, uma vez que se constituía como uma importante fonte de alimento complementar para o gado no período de maior carência da forragem nativa. Entretanto, com o passar do tempo, acabou se transformando em mais um problema para os ecossistemas existentes nas caatingas.

Ainda que a difusão inicial dessa espécie tenha se dado através de plantios comerciais subsidiados pelo Estado, mesmo com o fim desses incentivos (ocorrido no final dos anos 1980) a algaroba (Prosopis juliflora) continuou a se expandir largamente, agora de forma natural, através da dispersão das sementes nas fezes dos animais, colonizando principalmente áreas degradadas, abertas e ambientes ribeirinhos.

Em recente pesquisa sobre os efeitos dessa espécie na composição florística e estrutura das caatingas no município de Monteiro, Pegado (2004) chegou a conclusões preocupantes: as invasões de algaroba (Prosopis juliflora) formam densos maciços populacionais que competem com as espécies nativas das caatingas; a presença dessa espécie torna uma caatinga arbórea de várzea  (mata ciliar) tão pobre quanto uma caatinga arbóreo-arbustiva de encosta degradada, além de alterar a fitodiversidade da área invadida ao ponto de torná-la um conjunto florístico distinto no conjunto das comunidades de caatingas.

Grande parte dessa capacidade de diminuição ou mesmo eliminação da maioria das espécies das caatingas nas áreas onde existe algaroba (Prosopis juliflora), se dá por conta da alelopatia, característica típica dessa espécie. Configura-se em um processo de liberação de alguns elementos químicos, criando um ambiente de baixa tolerância para a maioria das outras plantas, particularmente as do tipo arbustivo e arbóreo.

Observa-se também que, embora a espécie em questão apresente grande capacidade para colonizar vários tipos de ambientes, os locais onde ela mais prolifera e apresenta porte mais alto estão relacionados a presença de lençol freático superficial, como as várzeas dos rios, sendo muito comum que as cacimbas e poços próximos sequem depois de um certo período com pouca ou nenhuma chuva tendo ocorrido, em função das raízes dessa planta apresentarem elevada expansão horizontal, fazendo com que a sua capacidade de absorver a água que esteja próxima seja intensa.

Pelo que foi exposto sobre a algaroba (Prosopis juliflora), a sua alta competitividade torna ainda mais frágil os ecossistemas das caatingas, até mesmo pelo fato de a maioria dos animais nativos não conseguirem se alimentar dessa espécie exótica. Além disso, a sua presença dificulta e torna mais complexa a ocorrência dos diversos estádios de sucessão ecológica nessas paisagens.

Dessa forma, conforme as observações de Pegado (2004) e os trabalhos de campo que realizamos em áreas onde predomina essa espécie no Cariri, em alguns casos, os bosques formados por essa planta podem ser considerados um tipo de ambiente degradado, embora, à primeira vista, seja difícil de serem percebidos como tal, uma vez que estão mascarados pela existência abundante de árvores.

Baseando-se no que comentamos sobre o processo de ocupação, o uso dos solos, as Políticas Públicas e a desertificação no Cariri, construimos quatro perfis cartográficos que associam grande parte dos elementos analisados nesse trabalho, sintetizando as informações destacadas e revelando algumas outras não comentadas anteriormente, fazendo com que haja uma melhor visualização das mudanças sofridas nessas terras ao longo do tempo e do espaço. Compreende-se que esta forma de análise facilita a compreensão de como a degradação da cobertura vegetal regional foi se manifestando, resultando num processo de alteração da paisagem denominado desertificação.        

Na construção dos perfis, utilizamos o software Corel Draw, tendo como base cartográfica as cartas topográficas da SUDENE em meio digital. Nesse caso, servindo de suporte aos demais perfis, foi tracejada uma linha reta com 40,5km, numa área que atravessa o vale do rio Paraíba e alguns dos seus principais afluentes. A escolha dessa área foi baseada no fato dessa bacia hidrográfica, apesar da intermitência dos seus rios, ser fundamental para que se possa compreender o processo de ocupação, as transformações econômicas, as conseqüências ambientais e as mudanças nas paisagens ocorridas nessa região.

Ainda em relação ao processo de desenvolvimento dos perfis destacamos que, no que diz respeito a legenda utilizada, esta foi organizada numa sequência onde, do número inicial para o final, temos, como regra geral, uma diminuição gradativa dos tipos de vegetação originais para os secundários, devido as diversas práticas agropecuárias empreendidas no Cariri e, consequentemente, o aparecimento das áreas degradadas. Como nessa sequência os tipos de caatingas e os usos dos solos foram substituídos ou alterados, a numeração da legenda de um perfil para outro não obedece totalmente a uma continuidade numérica uniforme.   

Tentando estabelecer um padrão inicial que identificasse no Cariri uma paisagem não desertificada de outra desertificada nessa região, a partir da análise da vegetação (diversidade, densidade e estratos dominantes), trilhamos um caminho que foi iniciado pela leitura de registros históricos. Nestes, constam declarações que nos remetem a um conjunto de paisagens caracterizadas pela heterogeneidade em termos de recobrimento vegetal. Entretanto, esses mesmos documentos também nos dão idéia do predomínio de caatingas que atingiam densidades elevadas, onde dominava o estrato arbóreo (Pinto, 1977; Almeida, 1979; Nantes, 1979; Aguiar & Ribeiro Coutinho, 1982).

Corroborando esses registros, o conhecimento atual sobre a diversidade de espécies vegetais das caatingas identificadas em algumas áreas melhor preservadas nessa região, tem encontrado um número cada vez mais variado de plantas, onde dominam os indivíduos arbóreos (Quirino, 2006).

Nesta caminhada, também levamos em consideração o fato da ecologia do semi-árido e das caatingas ser predominantemente formadora de árvores (Duque, 1980), aspecto evidenciado pelo próprio significado do nome indígena desse tipo de vegetação, ou seja, “mata branca”. Tal referência nos remete a existência de um tipo de floresta de menor porte que as existentes nas zonas úmidas e que, na maior parte do ano, se mantém desfolhada e com tonalidades próximas ao branco como estratégia de sobrevivência ao clima seco dominante.

Nesse caso, consideramos que qualquer outro estrato de vegetação preponderante que não o arbóreo (com as suas variantes) fosse resultante de uma maior fragilidade da estrutura geo-ecológica dominante em alguns setores dessas paisagens e/ou das ações antrópicas, caracterizando, dessa forma, a presença da desertificação.

Conforme as leituras dos documentos históricos mencionados nesse trabalho, os artigos e livros escritos sobre as caatingas e o que ainda pode ser observado atualmente nas áreas de vegetação melhor preservada no Cariri, antes da colonização européia ter se instalado nessa região, as paisagens eram dominadas por uma vegetação do tipo florestal e, secundariamente, nas áreas onde os solos se mostravam com profundidades muito pequenas ou com problemas de drenagem, por formações arbustivas, todas com elevada densidade, como pode ser observado na figura 2.

 

Figura 2. Perfil de cobertura vegetal dos solos no Cariri antes da colonização européia (até o início do século XVII).
Fonte: Souza, 2008.

 

A análise do perfil elaborado (figura 2) permite observar que, ao longo das duas margens do rio Paraíba, embora as caatingas apresentassem variações entre os tipos arbóreo (Mata Ciliar e Caatinga Arbóreo-arbustiva fechada), arbustivo–arbóreo fechado, arbustiva semi-aberta e arbustiva aberta, estas mostravam-se distribuídas de maneira bastante uniforme na área, indicando uma cobertura vegetal expressiva na totalidade da região.

As caatingas do tipo Arbustiva semi-aberta e aberta só ocorreriam nas áreas de solo Planossolo Háplico, devido aos problemas de drenagem e salinidade que os caracterizam, existindo assim, naturalmente, uma diminuição da quantidade, densidade e variedade da cobertura vegetal. Nesse sentido, cabe destacar que a diferenciação nos tipos de caatingas dominantes se revela associada mais ao tipo de solo do que a topografia.

Mesmo que se leve em conta a presença milenar dos índios nessas terras, o fato de dominarem poucas tecnologias, terem uma economia de subsistência (baseada na coleta, caça e, ocasionalmente, no plantio de alguns poucos gêneros agrícolas) e serem nômades, fez com que os diversos grupos que existiam no Cariri não imprimissem alterações muito intensas nas paisagens dessa região, mesmo nas áreas próximas aos vales dos principais rios em que se encontravam as suas aldeias.

A partir da segunda metade do século XVII, tendo início o processo de colonização na região, alguns padrões originais de caatingas nessas terras começaram a ser modificados.

Ao observar a figura 3, representativa desse momento histórico, verifica-se uma substituição parcial da Caatinga Arbórea (Mata Ciliar) existente nas várzeas, onde ocorrem os solos do tipo Neossolo Flúvico, pela agricultura de subsistência, também seguida da retração da Caatinga Arbóreo-arbustiva fechada das áreas mais próximas a esses primeiros tipos de solos. Na seqüência, ocorre uma expansão das caatingas do tipo Arbustiva fechada, substituindo parcialmente a vegetação Arbustiva-arbórea fechada, devido a introdução do gado e o uso dessas áreas como pasto nativo, associadas as queimadas e a retirada da vegetação de porte arbóreo para diversos fins. Nas terras mais distantes dos cursos d`água e de maior altitude, as caatingas permaneceram na sua constituição original mantendo, conforme foi representado na figura antecedente, as características da fase anterior a colonização.

 

Figura 3. Perfil de cobertura vegetal e ocupação dos solos no Cariri no início da colonização (metade do século XVII ao final do mesmo século).
Fonte: Souza, 2008.

 

Essas modificações foram efetuadas, em princípio, nas matas ciliares e nas caatingas do tipo Arbóreo-arbustiva fechada, uma vez que estas ocupavam as terras melhor providas de reservas de água ou mais próximas a estas, elemento de importância ainda mais vital num clima semi-árido. Logo, em diversas áreas antes ocupadas por esses tipos de vegetação, começaram a ser introduzidos o gado, a agricultura de subsistência, a sede das fazendas e diversos empreendimentos a elas relacionados (cercas, currais, etc.), o que implicou no consumo e alteração de muitos padrões originais da cobertura vegetal original.

Este processo de ocupação pode ser associado as características das propriedades nessa região semi-árida, conforme já nos referimos. Estas apresentavam, desde a sua origem, uma extensão significativa de frente (testada) aos cursos d’água. Essa disposição das propriedades estava associada às necessidades da época, seja pelas características físicas da região, seja pelas possibilidades técnicas dos ocupantes iniciais, promovendo um processo de ocupação que começa pela várzea e áreas adjacentes e se estende, em sua continuidade, pelas terras mais distantes e mais elevadas em relação a esses cursos d’água.

Com a expulsão, eliminação ou pacificação gradativa dos índios dessa região, ocorre a intensificação do estabelecimento de mais colonos no Cariri. Dessa forma, a pecuária se expandiu ainda mais, modificando assim a freqüência de uma série de espécies existentes nas caatingas arbustivas e pressionando de forma mais intensa as caatingas arbóreas existentes, sendo o último tipo de vegetação mencionado ainda mais modificado nas antigas áreas onde existiam matas ciliares, devido ao aumento do uso dessas terras pelas lavouras de subsistência.

Entretanto, apesar de todas as modificações efetuadas nas paisagens do Cariri em virtude do avanço da pecuária e da agricultura de subsistência, o domínio da cotonicultura, do final do século XVII à década de 1980, conseguiu imprimir uma série de transformações nunca antes existente nessa região, o que ampliou consideravelmente a degradação das caatingas. A figura 4 expressa as modificações desse período.

 

Figura 4. Perfil de cobertura vegetal e ocupação dos solos no Cariri durante o domínio do algodão (final do século XVII a 1980).
Fonte: Souza, 2008.

 

Através da observação desse último perfil, verifica-se que ao longo das várzeas foram ampliadas as atividades agrícolas através da introdução do algodão, plantado junto com as lavouras alimentícias. As demais áreas têm ainda nesse período as mesmas características de uso que o período anterior. Isto demonstra a forte associação das atividades agrícolas com a presença da água e o uso dos campos mais distantes para o desenvolvimento da pecuária.

Devido as vantagens de produção dessa fibra (mercado favorável; alimento para o gado e podendo ser cultivado em consórcio com os produtos alimentícios), o seu cultivo foi muito popularizado, provocando assim alterações importantes nas paisagens do Cariri. Sendo plantado principalmente nos vales dos rios, nas áreas onde os solos não eram atingidos pelas enchentes periódicas, favoreceu ainda mais a retração das caatingas arbóreas (matas ciliares e caatingas Arbóreo-arbustivas fechadas) originalmente existentes, através da retirada da vegetação pelo machado e/ou queimadas.

Esse processo de ocupação mais intenso dos vales pela agricultura, por sua vez, fez com que a pecuária passasse a se utilizar de terras mais distantes, algumas delas localizadas em solos onde a vegetação nativa sempre foi mais escassa (Planossolos e algumas variedades de Vertissolos e Luvissolos Crômicos), principalmente pelos caprinos e ovinos, menos exigentes em alimentos que os bovinos, o que fez com que surgissem as primeiras áreas onde a desertificação apresentava-se mais severa.

Em muitas outras áreas, onde originalmente os solos não eram restritivos a presença de caatingas arbóreas, devido a esse processo de ocupação baseado no avanço da pecuária, ocorreu a substituição desse tipo de vegetação pela Caatinga Arbustiva semi-aberta e aberta, como pode ser observado ao compararmos o perfil de número 2 com o perfil de número 4, criando-se assim, por motivos diferentes, paisagens semelhantes. 

Mesmo após o fim do ciclo de produção do algodão, as modificações causadas nos padrões das caatingas foram tão intensas que, em algumas áreas anteriormente ocupadas pela atividade agropecuária, a vegetação passou a enfrentar dificuldades maiores que as normais para estabelecer um processo de sucessão ecológica, muitas vezes não atingindo determinadas fases. Ainda hoje essas características são observadas pelos antigos habitantes dessa região, denominando essas áreas de “terras cansadas”.

Finalmente, notadamente a partir da década de 1980, através das Políticas Públicas que ocorreram na região, a pecuária volta a ser a atividade econômica dominante no Cariri. Nesse caso, um novo processo de retração e modificação dos padrões de caatingas tem início, não apenas pelo aumento do rebanho e da sua pressão sobre a vegetação nativa. É também resultante da introdução de plantas exóticas que podiam ser utilizadas como alimento pelo gado, destacando-se, nesse processo, a algaroba (Prosopis juliflora) e, secundariamente, o capim-buffel (Cenchrus ciliaris) que, juntos com a palma-forrageira (Opuntia ficus indica), de introdução mais antiga, passaram a ocupar espaços anteriormente dominados pelos diversos tipos de caatingas ou aquelas áreas onde se praticava a cotonicultura.

No Cariri, em relação à pecuária, destacou-se a caprinocultura, pelas diversas vantagens frente aos bovinos e os incentivos governamentais que começaram a acontecer a partir da década de 1970, conforme já destacamos anteriormente. Paralelo ao crescimento desse rebanho, ocorre uma importante contribuição dessa atividade ao processo de desertificação que já vinha acontecendo na região. Os hábitos alimentares desses animais e principalmente a forma semi-extensiva como os mesmos são criados, fazem com que estes se tornem, na maior parte dos casos, totalmente dependentes da alimentação fornecida pelas caatingas. Isto, associado ao fato de não existir nenhum tipo de manejo nos pastos nativos, transforma a herbivoria numa característica comum nessas terras.

A figura 5 expressa esse processo. Sua análise permite verificar que, nessa fase, ao longo dos rios o uso do solo se dá de forma mais intensa, representado pelas culturas de subsistência e ainda parcialmente pelo algodão, sendo que, nesse último caso, essa fibra vegetal passa a dividir espaço ou mesmo cedendo-o por completo à algaroba (Prosopis juliflora), à palma forrageira (Opuntia ficus indica) e ao capim-buffel (Cenchrus ciliaris).

 

Figura 5. Perfil de cobertura vegetal e ocupação dos solos no Cariri sob o domínio da caprinocultura (1980 em diante).
Fonte: Souza, 2008.

 

Nas áreas adjacentes às várzeas, enquanto as matas ciliares diminuem de forma ainda mais intensiva que noutros períodos, verifica-se também uma substituição mais expressiva das caatingas do tipo Arbóreo-arbustiva fechada, Arbustivo-arbórea fechada e Arbustiva fechada pela Caatinga Arbustiva semi-aberta e aberta. Nas áreas mais elevadas topograficamente e sujeitas a usos menos expressivos, permanecem os diferentes tipos de caatingas com as suas características naturais mais preservadas.

Considerações finais

Pelo que foi exposto nesse trabalho, em relação ao Cariri, em termos espaciais, os vales dos rios, como as principais áreas ocupadas pela população e pelas atividades econômicas, vêm se caracterizando, há séculos, pela presença da desertificação. As áreas serranas, por sua vez, pelas próprias dificuldades impostas pelo relevo, no sentido de se efetivar um processo de ocupação mais intenso e principalmente na menor disponibilidade de várzeas expressivas passíveis de serem utilizadas pela agricultura, foram mais poupadas da ocorrência desse tipo de degradação.

As análises feitas quanto ao desenvolvimento das Políticas Públicas que se efetuaram até o momento nessa região comprovam que as suas atuações, se em parte não foram responsáveis pela origem da desertificação no Cariri, a partir do momento em que começaram a se fazer presentes, passaram a funcionar como intensificadoras do longo histórico de degradação que ocorre nessas terras.

Indo além dessas observações, poderíamos dizer também que, apesar do conjunto de intervenções estatais destacadas nesse trabalho, as soluções técnicas e a existência de capital, por si só, não foram suficientes para resolver as graves questões socioeconômicas que afligem o Cariri e, por extensão, todo o semi-árido brasileiro, estando essas, na história recente dessa região, diretamente relacionadas a desertificação que ocorre nesse pedaço do território nacional. Aliás, todos esses problemas, na realidade, estão totalmente ligados ao papel político e econômico que coube secularmente a essas terras no processo de formação e consolidação do território nacional brasileiro, entendendo que toda essa região, no contexto capitalista, é considerada, secularmente, como um espaço marginal. Nesse caso, entendemos que o que vem acontecendo no Cariri resulta dessa condição.

Pensar dessa maneira exige reflexões mais complexas em relação aos problemas que afligem a terra e a população do semi-árido brasileiro, mais uma vez em evidência em nível nacional e internacional, devido a emergência da questão ambiental e, nesse cenário, da problemática da desertificação.

Nesse contexto, destacamos finalmente que esse conjunto de problemas presentes no Cariri, mais que resultante de uma natureza agressiva, é em grande parte fruto da falta de conhecimento integrado sobre os limites e potencialidades da região e principalmente da ausência quase total de propósitos verdadeiramente comprometidos com os valores ambientais e sócio-econômicos dominantes nas Políticas Públicas desenvolvidas ao longo do processo de ocupação dessas terras.

 

Bibliografia

AGUIAR, W. & RIBEIRO COUTINHO, M. O. Elias Herckmans. Descrição Geral da Capitania da Paraíba. João Pessoa (BR): A União, 1982. 62 p.

ALBUQUERQUE, S. G. et al. Dinâmica do estrato herbáceo de uma vegetação de caatinga do sertão pernambucano, sob intensidades de uso por caprinos. [Em linha].Documentos Embrapa, Petrolina (BR), 2003. <www.cpatsa.embrapa.br>. [04 jan. 2007].

ALMEIDA, E. História de Campina Grande. 2ª ed. João Pessoa: Ed. Universitária da UFPB, 1979. 350 p.

ALMEIDA, J. A. A Paraíba e seus problemas. 4ª ed. Brasília: Senado Federal/Fundação Casa de José Américo, 1994. 730 p.

ALVES, J. História das secas. Fortaleza: DNOCS, 1984. 150 p.

ARAÚJO FILHO, J. A.; BARBOSA, T. M. L.; CARVALHO, F. C. Sistema de produção silvopastoril para o semi-árido nordestino. Boletim da Embrapa, Sobral (BR), 1999a, 29, p. 1-2.

ARAÚJO FILHO, J. A.; BARBOSA, T. M. L; CARVALHO, F. C.; CAVALCANTI, A. C. R. Sistema de produção agrossilvopastoril para o semi-árido nordestino. Boletim da Embrapa, Sobral (BR), 1999b, 30, p. 1-2.

ARAÚJO FILHO, J. A. & CARVALHO, F. C. Desenvolvimento sustentado da caatinga. Embrapa, Circular Técnica, Sobral (BR), nº. 13, 1997.

ARAÚJO FILHO, J. A.; GADELHA, E. R.; LEITE, P. Z.; SOUZA, S. M. A.; CRISPIM, M. C. R. Composição botânica e química da dieta de ovinos e caprinos em pastoreio combinado na região dos Inhamuns, Ceará. Revista da Sociedade Brasileira de Zootecnia, UFV, Viçosa (BR), 1996, 25, p. 383-395.

BRASIL. Nordeste: uma estratégia de desenvolvimento sustentável. Brasília (BR): Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República, 1994. 217 p.

BRASIL. Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca PAN-Brasil. Brasília (BR): Ministério do Meio Ambiente/Secretaria de Recursos Hídricos, 2004. 242 p.

BUAINAIN, A. M. & PIRES, D. Reflexões sobre reforma agrária e questão social no Brasil. Brasília (BR): INCRA, 2003. 163 p.

COHEN, M. As práticas sócio-ecológicas frente à seca: limites e contradições no exemplo do Cariri paraibano. CASTRO, E. & PINTON, F. (Orgs.). Faces do Trópico Úmido. Conceitos e questões sobre desenvolvimento e meio ambiente. Belém (BR): CEJUEP/NAEA/UFPA, 1997, p. 399-420.

CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS DE COMBATE À DESERTIFICAÇÃO. Tradução: Delegação de Portugal. Lisboa: Instituto de Promoção Ambiental, 1995. 94 p.

DUQUE, J. G. O Nordeste e as plantas xerófilas. Mossoró (BR): ESAM/Fundação Guimarães Duque, 1980. 110 p.

DUQUE, G. & COSTA, M. D. G. Reforma agrária no semi-árido nordestino: que passos para a sustentabilidade? O caso dos assentamentos Quandú e Bela Vista (PB). DUQUÉ, G. (Org.). Agricultura Familiar, Meio Ambiente e Desenvolvimento. Ensaios e Pesquisas em Sociologia Rural. João Pessoa (BR): Ed. Universitária/UFPB, 2002, p. 121-136.

FERREIRA, L. F. G. Raízes da indústria da seca. O caso da Paraíba. João Pessoa (BR): Ed. Universitária da UFPB, 1993. 139 p.

GALVÃO, P. F. M.; LIMA, D. N.; ALBUQUERQUE, A. C. A.; ATAÍDE, C. A. Desenvolvimento sustentável da caprinovinocultura no Cariri paraibano. In MOREIRA, E. (Org.). Agricultura familiar e desertificação. João Pessoa (BR): Ed. Universitária/UFPB, 2006, p. 149-178.

GUEDES, P. H. M. Q. A colonização do sertão da Paraíba: agentes produtores do espaço e contatos interétnicos (1650-1730). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Geografia-UFPB/. João Pessoa: UFPB, 2006. 157 p.

GHEVYI, H. R. Problemas de salinidade na agricultura irrigada. In OLIVEIRA, T. S.; ASSIS JR., R. N.; ROMERO, R. E.; COELHO, R. (Edit.). Agricultura, sustentabilidade e o semi-árido. Fortaleza (BR): UFC/SBCS, 2000, p. 329-346.

GRABOIS, J. & AGUIAR, M. J. N. O Cariri paraibano: um estudo de geografia agrária regional – primeira aproximação. Ciência e Cultura, Rio de Janeiro, SBPC, dez. 1985, 37 (12). p. 1.965-1.986.

GRABOIS, J.; MARQUES, M. I. M.; SILVA, M. J. A organização do espaço no baixo vale do Taperoá: uma ocupação extensiva em mudança. Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, IBGE, 1991, 53 (4). p. 81-114.

GUIMARÃES FILHO, C. & LOPES, P. R. C. Subsídios para formulação de um programa de convivência com a seca no semi-árido brasileiro. Petrolina (BR): EMBRAPA, 2001. 68 p.

HARE, F. K. et al. Desertificação: uma visão global.  In HARE, F. K.; WARREN, A.; MAIZELS, J. K.; KATES, R. W.; JOHNSON, D. L.; HARING, K. J.; GARDUÑO, M. A. (Orgs.). Desertificação: Causas e Conseqüências. Tradução: Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Galouste Gulbenkian, 1992, p. 11-108.

IBGE. Censo Agropecuário/PB 1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1975.

IBGE. Censo Agropecuário/PB 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1982.

IBGE. Censo Agropecuário/PB 1985. Rio de Janeiro: IBGE, 1985.

IBGE. Censo Agropecuário/PB 1996. Rio de Janeiro: IBGE, 1998.

IBGE. Produção Agrícola Municipal/PB 1990 e 2006. [Em linha] <www.sidra.ibge.gov.br>. [26 nov. 2007].  

IBGE. Pesquisa Agropecuária Municipal/PB 1990 e 2006. [Em linha] <www.sidra.ibge.gov.br>. [26 nov. 2007].

JOFFILY, I. Notas sobre a Parahyba. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal do Commercio, 1892. 415 p.

LEAL, I. R.; VICENTE, A.; TABARELLI, M. Herbivoria por caprinos na caatinga da região de Xingó: uma análise preliminar.In LEAL, I. R. & SILVA, J. M. C. (Edit.). Ecologia e conservação da caatinga. Recife (BR): Ed. Universitária/UFPE, 2005, p. 695-715.

MACÊDO, L. S. & MENINO, I. B. Monitoramento de sais na água nos solos irrigados do Projeto Vereda Grande, Pb. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, UFPB, Campina Grande (PB), 1998, 2, p. 47-51.

MAINGUET, M. L’homme et la sécheresse. Paris: Masson, Collection Géographie, 1995. 311 p.

MARTINS, E. C.; GARAGORRY, F. L.; CHAIB FILHO, H. Evolução da caprinocultura brasileira no período de 1975 a 2003. [Em linha] Comunicado Técnico on line da Embrapa, Sobral (BR), dez. 2006, 66. <http://www.cnpc.embrapa.br>. [04 ago. 2007].

MOREIRA, E. & TARGINO, I. Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa (PB): Ed. Universitária da UFPB, 1997. 332 p.

NANTES, M. Relato de uma missão no rio São Francisco. Tradução e comentários Barbosa Lima Sobrinho. 2ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Coleção Brasiliana, 1979, v. 368. 110 p.

PARAÍBA. Diagnóstico do setor florestal do Estado da Paraíba. João Pessoa (PB): Projeto PNUD/FAO/IBAMA/UFPB/Gov. da Paraíba, 1994. 61 p.

PEGADO, C. M. A. Efeitos da invasão da algaroba (Prosopis juliflora sw D.C) sobre a composição florística e a estrutura da caatinga no município de Monteiro-Paraíba. Dissertação de Mestrado. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Agronomia-UFPB. Areia (PB): UFPB, 2004. 106 p.

PEREIRA, D. D. Quando as Políticas Públicas auxiliam o processo de desertificação: o caso do Cariri paraibano. In MOREIRA, E. (Org.). Agricultura familiar e desertificação. João Pessoa (PB): UFPB/Ed. Universitária, 2006, p. 179-203.   

PINTO, I. F. Datas e notas para a História da Paraíba. João Pessoa (PB): Ed. Universitária da UFPB, 1977, v. 1. 178 p.

QUIRINO, Z. G. M. Fenologia, síndromes de polinização e dispersão e recursos florais de uma comunidade de caatinga no Cariri paraibano. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal-UFPE. Recife (BR): UFPE, 2006. 117 p.

RESENDE, M. 500 anos de uso do solo no Brasil. In XIII Reunião Brasileira de Manejo e Conservação do Solo e da Água. [Cd-Rom]. Porto Seguro (BR): SBCS, 2000.

SEBRAE/PB. <http://www.sebraepb.com.br>. [04 set. 2007].

SILVA, A. B. Relações de poder, fragmentação e gestão do território no semi-árido nordestino: um olhar sobre o Cariri paraibano. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais-UFRN. Natal (BR): UFRN, 2006. 318 p.

SOUZA, B. I. & SUERTEGARAY, D. M. A. Contribuição ao debate sobre a transposição do rio São Francisco e as prováveis conseqüências em relação a desertificação nos Cariris Velhos (PB). Terra Livre, AGB, Goiânia (BR), ano 21, jul./dez. 2005, 2 (25), p. 139-155.

SOUZA, B.I. Cariri paraibano: do silêncio do lugar à desertificação. Tese de doutorado sob a orientação da Profa. Dra. Dirce Maria Antunes Suertegaray. Porto Alegre: UFRGS, 2008.

SUDENE. Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste (Documento do GTDN). 2ª ed. Recife (BR): MINTER/SUDENE, 1985. 111 p.

TERCEIRO NETO, D. Taperoá: crônica para a sua história. João Pessoa (BR): Ed. da Unipê, 2002. 187 p.

VIEIRA, F. L. R. Sudene e Desenvolvimento Sustentável. Planejamento Regional na Década Neoliberal. João Pessoa (BR): Ed. Universitária da UFPB, 2004. 292 p.

ZANE. Zoneamento Agroecológico do Nordeste do Brasil. Diagnóstico e Prognóstico. Documentos nº 14. [Cd-Rom]. Recife/Petrolina (BR): Embrapa Solos/Embrapa Semi-Árido, 2000.

 

© Copyright Souza, Suertegaray, Viana de Lima, 2010.
© Copyright Scripta Nova, 2010.

 

Ficha bibliográfica:

SOUZA, Bartolomeu Israel de; Dirce Maria Antunes SUERTEGARAY y Eduardo Rodrigues VIANA DA LIMA. Políticas públicas, uso do solo e desertificação nos cariris velhos (PB/Brasil). Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 10 de enero de 2010, vol. XIV, nº 311. <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-311.htm>. [ISSN: 1138-9788].


Índice de Scripta Nova Menú principal