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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XIV, núm. 331 (97), 1 de agosto de 2010
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

O ESPAÇO FORA DO LUGAR: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO DO BAIRRO DOM BOSCO E SEUS IMPACTOS PARA A COMUNIDADE LOCAL

Maria Lucia Pires Menezes
Universidade Federal de Juiz de Fora
mlmgeo@terra.com.br

Gabriel Lima Monteiro
Universidade Federal de Juiz de Fora
gabriel.geo@hotmail.com

O espaço fora do lugar: uma análise do processo de gentrificação do bairro Dom Bosco e seus impactos para a comunidade local (Resumo)

A zona oeste de Juiz de Fora, onde o bairro Dom Bosco está localizado, é considerada um dos principais eixos de crescimento e “desenvolvimento” da cidade. O bairro vem enfrentando atos que enfraquecem os direitos básicos à vida, o que especialmente afeta a população mais tradicional e pobre. Essa situação levou os habitantes do Dom Bosco a criarem um movimento social para lutar pelo direito à cidade. O lugar se transformou em um local de diferença entre classes sociais. A cidade tem sido transformada sem preocupação com as populações locais. Especuladores imobiliários e o Estado agora têm que lidar com um espaço construído pela população, atores em construção do território por sua mobilização e resistência. Isso remete à práxis da luta contra a hegemonia do capital na produção da cidade e do lugar que, por sua vez, emerge da desigualdade e da expropriação do espaço comunitário.

Palavras chave: movimentos sociais, geografia urbana, planejamento urbano, luta de classes.

The space out of place: analysis of a gentrification process of Dom Bosco and its impacts to the local community (Abstract)

The western zone of Juiz de Fora, where Dom Bosco is located, is considered one of the main axes of growing and “development” of the city. However, Dom Bosco has been facing acts that weaken the basic rights to life, what especially affects the more traditional and poorer population. This framework led Dom Bosco inhabitants to create a social movement to fight for the city, thus, strengthening identity and local space. The place turned out into a spot of the difference between social classes. Since the city has been transformed without concerning for the local populations, real state speculators and the State now have to deal with a space built by the population – agents who have been constructing the territory due to their mobilization and resistance. This leads to the praxis of fight against the hegemony the community space’s expropriation.

Key words: social movements, urban geography, urban planning, fight of classes.

El espacio fuera de lugar: un análisis del proceso de gentrificación del barrio Dom Bosco y sus impactos en la comunidad local (Resumen)

La zona oeste de la ciudade de Juiz de Fora, donde se encuentra el barrio Don Bosco, está considerada como un eje fundamental de crecimiento y "desarrollo" de la ciudad. Sin embargo, el barrio enfrenta actos que debilitan los derechos básicos a la vida, hecho que afecta especialmente a la población más tradicional y los pobre. esta situación hizo con que la población de Don Bosco CREASE un movimiento social para luchar por la ciudad, el fortalecimiento de la identidad local y el espacio. El lugar se convirtió en un sitio de la diferencia entre las clases sociales. Dado que la ciudad se transforma sin que haya un cuidado con la población local. Los especuladores inmobiliarios y el Estado, ahora trabajan en un espacio construido por la gente, que se muestra como actor en la construcción del territorio por su movilización y resistencia. Esto hace referência a la práctica de la lucha contra la hegemonía del capital en la producción de la ciudad y del lugar que, a su vez, nace de la desigualdad y la desposesión de espacio comun.

Palabras clave: movimientos sociales, geografía urbana, planificación urbana, lucha de clases.

O presente trabalho tem como objetivo principal analisar o processo de segregação ocorrido na zona oeste da cidade de Juiz de Fora – MG, mais especificamente no bairro Dom Bosco. Essa cidade passa por um processo de desenvolvimento desigual-combinado, ou seja, ao mesmo tempo em que recebe investimentos públicos e privados que visam o desenvolvimento econômico local e regional, é palco de várias lutas sociais como o direito à cidade traduzido no acesso a questões sociais básicas: a moradia, a educação, a segurança, o trabalho, o lazer, a saúde e outros. Trata-se de um processo dialético de discussão sobre a pseudorracionalidade técnica, administrativa e intelectual do planejamento urbano, que atrai investimentos e equipamentos para as proximidades dos bairros populares e legitima o processo de territorialização do capital, a gentrificação e a expulsão paulatina das populações locais. Do ponto de vista formal, os altos impostos e a elevação do valor de troca dos imóveis gerados por essas ações do poder público, em suporte aos agentes especuladores imobiliários, espacializam os ditos processos de segregação socioespacial no bairro Dom Bosco.

A zona oeste de Juiz de Fora é um dos principais eixos de crescimento e “desenvolvimento” da cidade o que intensifica atos e ações que fragilizam os direitos básicos à vida, especialmente da população mais pobre e tradicional do bairro Dom Bosco. Situado numa das regiões mais valorizadas da cidade, o bairro encontra-se cercado por diferentes equipamentos públicos – Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), Associação de Combate ao Câncer de Juiz de Fora (ASCOMCER) – e privados, tais como o Shopping Independência, o conjunto médico-hospitalar e de consultórios do Hospital Monte Sinai, bem como vários condomínios residenciais fechados, de classe alta, localizados no seu entorno imediato. O conjunto desses fatores contribui para a valorização do espaço local e são indutores do processo de segregação socioespacial.

As recentes transformações no arranjo espacial local são engendradas pelo capital imobiliário, que busca estruturar as alterações no espaço intraurbano através da materialização dos novos empreendimentos voltados para a prestação de serviços, circulação de capital, pessoas e mercadorias. O local, lócus da reprodução da vida social e comunitária, é transformado a partir de atores e ações vinculados ao capital estranho ao próprio lugar, territorializando novos objetos para a reprodução do capital e desterritorializando compulsoriamente as formas de vida comunitária. As contradições geradas por este processo produzem as condições materiais necessárias para o movimento de luta dos moradores contra a nova função e uso impostos ao bairro pelo capital.

A construção de estruturas como o shopping, o hospital privado Monte Sinai e a universidade, aos quais a população mais pobre e tradicional do bairro não tem acesso, propicia a luta e intensifica as desigualdades, produzindo o movimento de “contra-espaço” pelos movimentos sociais locais, ou seja, a comunidade se organiza e imprime uma práxis de luta contrária a todo o processo de opressão, gentrificação e segregação espacial.

A população local vem sofrendo várias perdas de estruturas comunitárias como: o campo de futebol – única área de lazer do bairro, localizado em espaço público, expropriado para desterritorializar a população local exatamente em frente ao Shopping; a remoção da “bica d’água” comunitária – utilizada pelas lavadeiras do bairro, para a ampliação do maior hospital privado da região; e, recentemente, o fechamento da única escola estadual que atendia a comunidade.  Tais perdas mostram claramente a intenção de “higienização” do lugar, intensificando o conflito entre classes e, simultaneamente, tentando escamotear as diferenças através de um processo de retirada das estruturas coletivas e comunitárias, levando à perda do direito à cidade.

Essa conjuntura leva a população a criar um movimento de luta pela cidade fortalecendo a identidade com o espaço local.  A comunidade, por meio de suas ações e mobilizações, se organiza e atua como agente histórico para transformar o espaço.

O lugar é foco da diferença de classes. A cidade produzida pela classe dominante em especial - especuladores imobiliários e Estado – se depara com a cidade produzida pela população, tomando as ruas, territorializando o movimento e a resistência.

A geografia dos processos e fenômenos urbanos deve estar ancorada à luta imediata da população local: um movimento de baixo contra o processo imposto pelos mecanismos de valorização e circulação do capital. O espaço como mediação da reprodução das relações de produção por meio da materialização de novos fixos que orientarão novos fluxos, intensifica, no caso em análise, a contradição e a luta de classes. O que remete à práxis da luta direta contra a hegemonia do capital na produção da cidade e do lugar que, por sua vez, emerge da desigualdade e da expropriação do espaço comunitário.

Na verdade a racionalidade técnica, administrativa e intelectual pode ter sido capaz de atrair novos investimentos e equipamentos para o território urbano, mas dialeticamente suscitou uma maior valorização do espaço sobre os bairros populares, elitizando seu uso e, além de inflacionar impostos e valor de troca dos imóveis e terrenos, ainda foi capaz de extinguir uma parte significativa de equipamentos necessários à vida cotidiana dos moradores e seu lazer. Ou seja, parte-se da hipótese de que ao dar mais racionalidade técnica e mais modernidade ao uso do espaço urbano e, portanto aumentar a extração de renda da terra, os novos investimentos, à luz dos novos planos e planejamentos, impetraram uma situação de risco social ao gentrificar e precarizar, simultaneamente, o espaço de vivência da população do Dom Bosco.

Por fim pretende-se acompanhar e assessorar os movimentos sociais no e para o bairro – espaço de vida histórico dos moradores – utilizando-se da luta sobre, com, no e para o espaço, face às condições de embate e conflitos atuais e de sua transformação em território pleno de usufruto de todos que o habitam.

O bairro Dom Bosco

O bairro Dom Bosco surgiu na década de 1920, oriundo do processo de decadência do café na região. A principal mão-de-obra utilizada nas fazendas de café ainda era de origem afrodescendente, resquício da escravidão que “acabara” em 1889. São controversas as histórias de sua origem que remetem desde a existência de comunidade quilombola a demais populações, de origem rural, assistidos pela obra de assistência social da Igreja de São Mateus. Uma capela foi erguida pela ordem dos Vicentinos no alto da encosta e dedicada a Dom Bosco, consolidando assim o nome da localidade e o bairro em formação. Portanto, a origem do bairro Dom Bosco é predominantemente de migrantes rurais negros e pobres que se encontravam sem teto seja por origem direta do êxodo rural, seja por constituírem-se já, uma periferia social urbana. Outra versão relata que em 1927, após a aquisição das terras, o Sr.Vicente Beghelli edificou uma capela surgindo a seu lado e quase que simultaneamente, um campo de futebol. Esse campo também ocupava parte das terras de Beghelli. Mais tarde, a partir da doação de terras do próprio Vicente Beghelli, foi construída uma creche comunitária e um abrigo para idosos entregues às irmãs vicentinas. Foi exatamente ao entorno da capela e do campo que o bairro, então denominado de Serrinha, se consolidou. Este fato mostra claramente a importante relação da comunidade do bairro com sua principal área de lazer (o campo) e com sua religiosidade, pois eram nestes locais que os negros e os operários marginalizados territorializavam-se, consolidando assim suas relações pessoais e suas características culturais.

Acantonada na vertente sul do platô que separa a Cidade Alta do vale do rio Paraibuna, assim permaneceu a comunidade do Dom Bosco, até que mudanças urbanísticas na cidade, em função do projeto Cidades de Porte Médio na década de 70 transformaram o Dom Bosco em bairro de passagem para toda a região da Cidade Alta, para a Universidade Federal de Juiz de Fora e para a BR 040, como até hoje se estabelece, sem que, desde este tempo surgissem aparatos urbanísticos- técnicos de melhoria das condições sociais do bairro e da comunidade mais pobre.

Em seus primórdios o bairro Dom Bosco localizava-se nas fímbrias da cidade formal sobre a encosta que separa o vale do Rio Paraibuna – onde se assenta a cidade – e o platô que separa a chamada Cidade Alta. Seu acesso dava-se por um vale secundário à bacia do córrego Independência e conformava um caminho que levava à localidade conhecida por Serrinha e ao interior dos caminhos que adentravam a zona rural na direção sudoeste do município de Juiz de Fora. Atualmente sobre o bairro organizam-se importantes vias de acesso em direção ao aeroporto e à universidade, ambos localizados na Cidade Alta e as via de acesso entre o centro da cidade e a região dos bairros São Mateus, Cascatinha, Teixeiras e Salvaterra no acesso à BR 040 eixo de ligação entre Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília.

O crescimento populacional do bairro sobe a encosta e atinge áreas de grande declividade hoje caracterizadas como áreas de risco socioambiental – as Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS) do Alto Dom Bosco, conforme se verifica na Figura 1.

 

Figura 1. Encosta do bairro Dom Bosco, Juiz de Fora – MG.
Fonte: http://i522.photobucket.com/albums/w347/fly_jf2/PA270001_01.jpg

 

Segundo o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Juiz de Fora (Prefeitura de Juiz de Fora, 2006b) o bairro Dom Bosco localiza-se na Região de Planejamento do Centro, ou seja, no extremo sudoeste desta regionalização. No Alto Dom Bosco vivem cerca de 170 famílias e segundo o PDDU configura “(...) Parte da área doada pela Sociedade S. Vicente de Paula, sendo que vários moradores não possuem escritura. Perto da UFJF, ocupação expontânea (sic) em área pública, merecendo estruturação urbanística.” (Prefeitura de Juiz de Fora, 2006b,). Observe-se que para o Atlas Social de Juiz de Fora (Quadro 1) a microárea de exclusão no Dom Bosco consta como situação de infraestrutura urbana total.

 

Quadro 1.
Microáreas de exclusão em Juiz de Fora. Dom Bosco

Quantidade Domicílios (Estimada)

 

Dom Bosco

Urbanização

1- Infra-estrutura urbana:

·    Saneamento: Total
·    Acessibilidade: Total
·    Serviços: Total

2- Habitação:

·    Moradia: Mínima
·    Densidade de Ocupação: Média

Situação - Resumo:

1- Infraestrutura urbana: Total
2- Habitação: Mínima
3- Titularidade da Terra: Regular
4- Risco: Físico
5- Cond. Socioeconômica: Baixa

Grupo III

300 Domicílios

Alto Dom Bosco

Urbanização

1- Infra-estrutura urbana:

·    Saneamento: Parcial
·    Acessibilidade: Parcial
·    Serviços: Parcial

2- Habitação:

·    Moradia: Mínima
·    Densidade de Ocupação: Média

Situação - Resumo:

1- Infra-estrutura urbana: Parcial
2- Habitação: Mínima
3- Titularidade da Terra: Irregular
4- Risco: Físico
5- Cond. Socioeconômica: Muito Baixa

Grupo II

30 Domicílios

São Mateus

(Rua Carlos Monteiro)

Urbanização

1- Infra-estrutura urbana:

·                 Saneamento: Total
·                 Acessibilidade: Parcial
·                 Serviços: Total

2- Habitação:

·                 Moradia: Mínima
·                 Densidade de Ocupação: Média

Situação - Resumo:

1- Infra-estrutura urbana: Parcial
2- Habitação: Mínima
3- Titularidade da Terra: Irregular
4- Risco: Inexistente
5- Cond. Socioeconômica: Baixa

Fonte: Prefeitura de Juiz de Fora (2006a).

 

Por sua vez, todo o perímetro do bairro faz fronteira com a Região de Planejamento (RP) da Cidade Alta e a RP polarizada pelo bairro Cascatinha. Essa inserção pode ser avaliada como errônea, pois não articula funcionalmente o bairro com os equipamentos de grande impactos localizados na RP Cidade Alta – como a Universidade Federal de Juiz de Fora – e na RP Cascatinha, a qual é limítrofe aos empreendimentos do conjunto hospitalar Monte Sinai e do Shopping Independência. De maneira direta, tais empreendimentos ocasionaram a precarização dos espaços comunitários de uso coletivo do bairro sem que, até o momento, tenha havido ações compensatórias ao patrimônio dos equipamentos de uso coletivo do bairro e, principalmente, para a comunidade.

Os impactos dos novos empreendimentos sobre o lugar (bairro) e a comunidade

Segundo dados do Atlas Social de Juiz de Fora (Prefeitura de Juiz de Fora, 2006), Juiz de Fora tem 99,17 % de sua população urbana. Do ponto de vista econômico, amadurecem as transformações impostas pelo novo arranjo produtivo regional-nacional por efeitos da economia globalizada e do momento pós-fordista, onde Juiz de Fora, a despeito de centro regional polarizador da Zona da Mata mineira e de parte do Vale do Paraíba fluminense deixa de ter sua economia ancorada na indústria fabril local para abrigar novos empreendimentos com capitais oriundos do exterior e de outras regiões do país. Em tempos de inovação e renovação realiza-se, portanto, uma nova rodada de reestruturação e reincorporarão dos espaços e territórios nas regras e modos operacionais do modelo econômico em curso. Após os anos 90, com a abertura da economia, a “redemocratização” do país e a nova Constituição alicerçada pelas novas tecnologias de mídia e informação, cidades e regiões transitam para novas inserções no sistema espacial brasileiro. Lugares emergentes, ranking de cidades, qualidade de vida são temas midiáticos que logram apresentar novos lugares de investimentos para as mais diversas gamas de empresários e corporações econômicas. Sobre a organização interna da cidade, assistiu-se nos últimos 20 anos a busca de modelos e as tentativas de implantação de políticas e projetos de regulação da pobreza urbana. Efetivamente foram realizadas obras de infraestrutura viária, marketing e inovações no mercado imobiliário de alta renda – condomínios fechados e edifícios residenciais acoplados de serviços de lazer – junto à infraestrutura de ordenação da expansão urbana  nos eixos de alcance da rodovia BR-040, na direção oeste do município. Funcionalmente a expansão urbana estruturou e equipou novos subcentros dentro da cidade, como o bairro Benfica, no setor noroeste e uma região de modernidades e inovação que compreende o espaço entre os bairros Alto dos Passos, São Mateus, Cascatinha e a Cidade Alta no setor sudoeste da cidade

Dentre estes empreendimentos destacam-se os centros empresariais, porque são elucidativos da junção da logística do mercado atacadista e das empresas de transportes, geralmente externas a região; do capital imobiliário; da indução de novos consumos; além do tratamento diferenciado da força de trabalho empregada. O que há de comum entre eles é o fato de serem espaços privados e privativos no sentido do uso e da ocupação. Territórios fechados e, principalmente seguros, que congregam grupos diferenciados e exclusivos de consumidores dentro do perfil dominante do empreendimento: armazenagem, eventos e negócios, instalações industriais e de serviços, e moradia “personalizada”. A despeito das inovações introduzidas pelo Planejamento Estratégico de Juiz de Fora, as novidades se referem muito mais ao marketing do próprio plano e à promoção de projetos pontuais localizados nas áreas mais bem estruturadas da cidade, do que propriamente a soluções dos graves problemas sociais ou da promoção da cidade como um todo articulado. A Prefeitura capitaneou um plano “estratégico” para a cidade que, no discurso e na apresentação da metodologia, se apresenta como participativo, mas que na prática é extremamente competitivo e empresarial.

Aqui se aporta a emergência de novas geografias  na estruturação do espaço interno da cidade relacionadas ao redesenho também de novas morfologias tais como: mudanças na morfologia dos subcentros, equipamentos dispersos ao longo da malha viária urbana e rodoviária, novos equipamentos relacionados à funcionalidade da logística de transportes, novas funções do centro em relação a sua região imediata de influência, reafirmação da prestação de serviços enquanto motor da economia urbana, predominância de equipamentos para arrendamento e aluguel de espaços (shoppings e centros comerciais, equipamentos que atendem ao espaço urbano e regional como Business-park dentre outros). Este cenário proporcionou um momento de  valorização do mercado imobiliário e concentração de terras em mãos de incorporadores imobiliários, incluindo a criação de condomínios, de interface urbano-rural, o que revela a imposição da extração de renda da terra urbana em áreas antes de uso rural. O que se tornou, principalmente, possível graças à incorporação das rodovias como espaço urbanizado, na medida em que, no caso específico de Juiz de Fora, no setor ocidental, sua geomorfologia favorável de acordo com as novas engenharias, permitiu à expansão da cidade em direção oeste para a conexão com a rodovia BR-040, conforme supracitado.

Variando sobre as escalas do estrutural ao conjuntural a nova divisão territorial do trabalho também infere sobre o local reordenando desigualdades espaciais tanto a nível global quanto nacional e local. Sobre o lugar expressa esta ordem os novos investimentos e equipamentos oriundos da ordem produtiva e especulativa, que combinadas sobre os interesses dominantes geram e são sujeitos das novas desigualdades espaciais e sociais. Como exemplo pode-se apontar a construção do Shopping Independência, localizado na outra vertente e vizinho ao Bairro Dom Bosco, na chamada Curva do Lacet: um entroncamento entre a Avenida Independência, a Avenida Paulo Japiassu Coelho e os acessos para a Cidade Alta, a Universidade e o Dom Bosco. Ali foi construída uma praça com suporte esportivo e administrada pelo projeto Bom de Bola Bom de Escola para atender as crianças carentes do bairro. Esta praça foi desmontada, e deu lugar a um projeto paisagístico para o embelezamento frontal do shopping tendo, inclusive, a preocupação de ondular o terreno gramado para que ninguém possa praticar qualquer tipo de esporte, numa evidente estratégia de expulsar e impedir a presença de outros segmentos sociais, incluindo, evidentemente, a comunidade do Dom Bosco que utilizava este espaço tradicionalmente como área de lazer (Figuras 2 e 3).

 

Figura 2. Campo de futebol da Curva do Lacet, antes da construção do Shopping Independência.
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/3061906

 

Figura 3. Campo de futebol da Curva do Lacet, após a construção do Shopping Independência.
Fonte: Dados da pesquisa.

 

Além disso, ocorreu a remoção do tanque comunitário em função de obras de expansão do Complexo Hospitalar Monte Sinai, além de novos empreendimentos imobiliários que por sua, vez, em conjunto, vem paulatinamente escondendo a paisagem do bairro das vistas dos que vivem e passam no seu entorno (Figura 4).

 

Figura 4. Curva do Lacet tendo ao fundo o Bairro Dom Bosco (1) e a sua frente o Complexo Médico do Hospital do Monte Sinai (2) e prédio residencial de luxo (3).
Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread. php?t=742776

 

Assim, restam aos pacientes-objetos deste processo a mobilização e a luta por sua condição cidadã no espaço urbano em transformação, ou seja, que assumam e que sejam, de fato, sujeitos de sua história e do continuar da construção do seu espaço e lugar de convivência.

Conflitos e a questão urbana e urbanística

Até hoje se encontram presentes no bairro, apesar de cada vez mais escassos, elementos da cultura africana como os terreiros e a capoeira. Já a principal área de lazer da comunidade, campo de futebol denominado Curva do Lacet, foi destruída recentemente no intuito de melhorar a visibilidade do recém construído Shopping Independência, ao qual grande parte da população do bairro Dom Bosco tem acesso restrito devido à sua condição econômica. Não se sabe ao certo se os negros chegaram antes ou depois dos primeiros loteamentos, ou seja, não há registros se a ocupação do bairro por estes negros se deu de forma ilegal (invasão ou ocupação) ou de forma legal através da compra de lotes. Fato é que a chegada dos negros ao bairro, por volta da década de 1920, coincide com o período em que Vicente Beghelli comprou, através da sociedade imobiliária de São Mateus e Vicente Beghelli, as terras herdadas pelos irmãos Kstemarque no ano de 1927. Ao longo de sua história o bairro apresentou diferentes formas de ocupação, sendo algumas se concretizando de formas legais (aprovado pela prefeitura) e outras de formas ilegais (áreas de invasões/ocupações). O primeiro processo de loteamento no bairro apresentado junto à prefeitura ocorreu em 1937, tendo como protagonista o proprietário de terras Vicente Beghelli, sendo este não aprovado pelo município (Cf. Herdy, 2008). Neste período o Bairro se chamava “Serrinha” e era considerado subúrbio de Juiz de Fora isenta de impostos. Cabe ressaltar que neste momento a cidade ainda não contava com nenhuma lei que se regulamentasse o parcelamento do solo em Juiz de Fora. O primeiro instrumento avalizado oficialmente pelo município que se comprometia com tal regulamentação foi o Código de Obras de 1938, um ano após a abertura do processo de loteamento feita por Vicente Beghelli e não aceito pela prefeitura. Mesmo com a não aprovação do processo de loteamento em 1937, havia a comercialização de terrenos tendo como principal negociador o próprio Vicente Beghelli dono da maior parte das terras que vieram a compor o bairro. Neste momento os principais compradores de lotes eram oriundos da classe operária atraídos pelo baixo custo da área.

O segundo processo de loteamento no bairro data de 1948, ano em que o até então chamado de Serrinha passa a se chamar Dom Bosco. O processo foi aberto por Francisco da Rocha, proprietário da terra em questão e também não foi aprovado pela prefeitura. Tramitou por diversas instâncias até ser arquivado por temporalidade em 31/05/1989.  Até os dias atuais a área não foi loteada (Cf. Herdy, 2008). A primeira escola surge no bairro em 1945, construída pelo próprio Vicente Beghelli, destinada a trabalhar com alfabetização, música e canto. Essa escola foi ampliada pela prefeitura em 1958 recebendo o nome de Escola Municipal Álvaro Braga de Araújo e em 1965 um prédio próprio foi construído para a escola onde se localiza até os dias atuais. Atualmente é a única escola presente no bairro atendendo somente alunos do ensino fundamental (cf. Murat, 2008).

O terceiro e o quarto processo de loteamento presente no Dom Bosco são oriundos da primeira metade da década de 1950 sendo promovidos por Oscar Magaldi e Vicente Beghelli respectivamente. O quarto processo foi aprovado em 1953 e o terceiro somente em 1968 (Cf. Herdy, 2008). Mas é na década de 1970 que um maior contingente populacional começa a se dirigir para o bairro Dom Bosco. Vários são os fatores que contribuíram para isso: a construção da Universidade Federal de Juiz de Fora, a canalização do córrego Independência e o crescimento e surgimento de bairros que circundam o Dom Bosco. Pioneiro na ocupação da região, o bairro Dom Bosco passou a se inserir num contexto completamente diferenciado da função residencial e comunitária existente desde seus primórdios. Sua característica residencial proletária começou a se conflitar com o surgimento de bairros de classe média e com os empreendimentos construídos para atender às demandas desses novos moradores de bairros vizinhos, tornando-se evidente as disparidades socioespaciais da região.

“Pobreza e riqueza são realidades antagônicas, embora complementares, pois uma não pode existir sem a outra. O problema de eliminar a pobreza, isto é, de suprimir as diferenças de renda criadas por um processo produtivo gerador de desigualdades supõe uma mudança no próprio processo produtivo, o que vale dizer, das relações do homem com a natureza e dos homens entre si” (Santos, 1980, p. 38).

Ou ainda: “Mas o espaço urbano é simultaneamente fragmentado e articulado: cada uma de suas partes mantém relações espaciais com as demais, ainda que de intensidade muito variável.” (Correa, 2000, p.7)

As citações de Santos e Corrêa servem para ilustrar o processo segregado pelo qual passa o Bairro Dom Bosco. Pobreza e riqueza uma ao lado da outra, uma dependendo da outra e o espaço se articulando sendo causa e consequência do processo de segregação na zona oeste de Juiz de Fora, pois não entendemos o espaço como um mero palco onde se apresentam as questões culturais, sociais e econômicas. O espaço e sua organização, ao mesmo tempo em que é fruto das relações sociais, econômicas e culturais, interferem diretamente nas mesmas num processo dialógico e dialético. Este estudo foi motivado não só por estas questões contraditórias do sistema capitalista que envolve o bairro Dom Bosco, mas principalmente por acreditar que uma geografia libertadora só será possível com uma práxis transformadora. Afinal na afirmação de Lênin: “O ponto de vista da vida, da prática, deve ser o ponto de vista primeiro, fundamental da teoria do conhecimento. Afastando do caminho as elucubrações intermináveis da escolástica professoral, leva infalivelmente ao materialismo [...]” (Lenin apud Oliveira, 1980). Sendo assim a organização da comunidade do Dom Bosco para lutar contra o fechamento da Escola Estadual Dom Orione foi a oportunidade que se encontrou para se adentrar na comunidade participando e contribuindo para sua organização e luta.

Com o crescimento de Juiz de Fora, bairros que antes ficavam em áreas isoladas começaram a serem englobados pela área urbana da cidade. A década de 1970 foi crucial neste processo, mas são nas décadas de 1980 e 1990 que ocorre a explosão de investimentos imobiliários na região. A grande questão a ser levantada é a diferença entre o processo que levou à construção e consolidação do bairro Dom Bosco, durante cinco décadas do século passado (1920 a 1970), e o processo de ocupação da região no período que vai da década de 1980 até os dias atuais. A primeira é destinada à população oriunda da classe proletária de baixa renda, enquanto que a segunda destina-se a uma população com melhores condições econômicas, que buscavam sair do caos do centro da cidade. O processo de segregação começa a tomar corpo e passa a ser impulsionado pela vinda de equipamentos urbanos, que atendem somente à parcela da população local mais provida de recursos econômicos. Parcelas essas que ocupam os bairros ao redor do Dom Bosco. Os moradores do bairro passaram a sofrer com perdas de espaços tradicionais da comunidade como o campo de futebol, única área de lazer pública do bairro; a bica d’água, onde as lavadeiras do bairro lavavam suas roupas; pontos de ônibus entre outros. A remoção dessas áreas sempre ocorreu para atender às demandas dos espaços destinados ao novo perfil de moradores da região, moradores com maiores potenciais econômicos.

O campo de futebol conhecido como Curva do Lacet removido em 2007 para viabilizar uma melhor visualização da fachada do Shopping Independência, bem como para retirar de frente do Shopping o fluxo de pessoas pobres, semeou na comunidade do bairro um sentimento de revolta. Aliás, essa vem sendo uma prática constante no processo de higienização da área. Basta remover os fixos utilizados pelas parcelas mais pobres da população local, que os fluxos dessas parcelas diminuem, podendo até se extinguir. Ou seja, alteram-se os fixos que se mudam os fluxos. O sentimento de revolta da comunidade foi rapidamente cooptado pelo poder executivo da cidade, que prometeu em troca a construção de outro campo num bairro vizinho. Surge aí outro problema. O novo campo seria construído num local bem afastado. Mas a prefeitura, na época representada pela figura de Carlos Alberto Bejani, não perdeu tempo, cooptou as lideranças da comunidade e os usuários do campo com o discurso que o novo campo seria bem melhor e que onde era o antigo campo seria construída uma praça com quadras poliesportivas e com professores de Educação Física para a orientação de práticas esportivas em geral. Esse discurso feito a uma comunidade tão carente de áreas de lazer não demorou a conquistar a confiança da população do bairro. Esta então se acalmou e ficou à espera das promessas do então prefeito. Não demorou e no dia 09 de outubro de 2007 a prefeitura de Juiz de Fora anunciou que colocaria 25 lotes à venda, entre eles a Curva do Lacet, na tentativa de levantar recursos para a construção do Hospital da Zona Norte. Cabe lembrar que o outro campo construído pela prefeitura, além de se localizar bem afastado do bairro, não cumpriu as dimensões e especificações que constavam no projeto apresentado à comunidade pelo próprio poder executivo da cidade. O sentimento de revolta antes cooptado, volta a se manifestar. Entra em cena o poder legislativo e seus representantes, que através de velhas práticas “coronelistas” canalizam a revolta da comunidade para a via institucional, esfriando os ânimos dos moradores. Atualmente o terreno onde se localizava o antigo campo encontra-se sem função social servindo de acesso e de fachada para o Shopping Independência.

O segundo ato político que contribui para a insurgência da população do bairro Dom Bosco foi o anuncio do fechamento da Escola Estadual Dom Orione. A comunidade possuía um elo muito forte com a escola onde se formaram inúmeros moradores do bairro. A mesma já havia sido considerada “Escola Modelo” de Juiz de Fora, funcionando durante os turnos da manhã, tarde e noite. O argumento apresentado pela superintendência estadual de ensino de Minas Gerais para o fechamento da escola foi o baixo número de alunos matriculados no ano de 2009. No entanto o fechamento, bem como o número de matriculas serão entendidos aqui como parte de um processo histórico que envolveu a comunidade, o Estado, os promotores imobiliários e a Igreja. Esta última dona do prédio alugado pelo Estado onde funcionava a escola.

Como vimos, a região onde se localiza o bairro Dom Bosco passou por um processo de alta valorização imobiliária a partir da década 1990. Esse processo aguçou o instinto capitalista dos promotores imobiliários, que viram na área onde se localiza a escola, uma ótima oportunidade de ganhar dinheiro. Entre os interessados em ocupar terrenos próximos ao prédio da ex-escola, encontra-se inclusive a Universidade Federal de Juiz de Fora que tem como plano construir um estacionamento na área em questão, para atender ao Centro de Atenção à Saúde/Hospital Universitário (CAS/HU). A Igreja por sua vez, parece ver a valorização da área com bons olhos, afinal o Instituto Profissional Dom Orione, proprietário do prédio da ex-escola Dom Orione não paga Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), sendo assim ela só tem a ganhar com a valorização de seus bens. O Governo Estadual por sua vez, tem fundamental participação no baixo índice de alunos matriculados na Escola. Como vimos a Escola Estadual Dom Orione carregava consigo a tradição de ser uma das melhores escolas públicas da cidade. E aqui cabem algumas perguntas: Quais seriam os pais que deixariam de colocar seus filhos numa das melhores escolas públicas da cidade? Se a população do bairro Dom Bosco não diminuiu ao longo dos anos, pelo contrário, aumentou, por que o número de alunos diminuiu?

O processo que levou ao baixo número de alunos matriculados na escola não se deu da noite para o dia, foi fruto de um longo processo de descaso do governo do Estado de Minas Gerais. Até 2004 a escola possuía mais de 500 discentes. Em 2005 foram fechadas as matriculas para o turno da noite devido à falta de verba. A negligência do estado fez com que a escola chegasse a tal precariedade física e pedagógica que os pais dos alunos começaram a transferir seus filhos para outras escolas. Afinal, quem colocaria seus filhos para estudar numa escola sem luz nas salas, sem portas nos banheiros e nas salas de aula, sem merenda e muitas vezes até mesmo sem professores? Para esta pergunta a resposta é: famílias que não possuíam condições de locomoverem com seus filhos até as escolas mais próximas. Cabe ressaltar que o número de crianças e adolescentes que ficaram sem se matricular em escola alguma cresceu substancialmente no bairro a partir de 2005.

No final do ano de 2007 boatos de que a escola iria fechar as portas começaram a rondar a comunidade, que se mobilizou e conseguiu marcar uma reunião com a superintendência de educação do Estado de Minas Gerais. Nessa reunião além da comunidade e da superintendência, esteve presente a diretora da escola. Ficou decidido que o Governo do Estado iria revitalizar o prédio no intuito de atrair novos alunos. O ano letivo de 2008 começou e nenhuma reforma foi realizada no prédio. Em outubro de 2008, ainda na eminência de fechamento da escola, a comunidade realizou um mutirão para pintar a fachada do prédio na tentativa de sensibilizar o poder público estadual. De nada adiantou, as promessas continuaram, até que no ano de 2009, em meio ao ano letivo, a superintendência de ensino anunciou que a escola fecharia as portas em agosto, logo após as férias de julho. Para a comunidade não restou outra saída se não ganhar as ruas e lutar por seus direitos. Assim começou um grande processo de mobilização da comunidade que contou com o apoio do conselho tutelar, de entidades do movimento estudantil, do Sindicato dos Professores Estaduais (Sind-UTE), do Comitê Central Popular, Associação Beneficente Amigos do Noivo (ABAN), da seção local da Associação dos Geógrafos Brasileiros entre outras entidades da cidade. Mas e as entidades locais como as Associações de Moradores? Essas sofrem com um grave processo de burocratização e cooptação. Quase todas são dirigidas por moradores apadrinhados por vereadores ou pelo próprio prefeito. A falta de autonomia política dessas entidades as transforma em grandes aliadas daqueles que constituem a classe opressora. Essas lideranças não se reconhecem enquanto classe trabalhadora, logo não atuam em prol da mesma. São pessoas que se conformam com práticas assistencialistas e colaboram para a perpetuação da lógica “coronelista”. Foram realizadas diversas reuniões que chegaram a contar com mais de 150 pessoas além de várias passeatas que ganharam as ruas do bairro. As entidades locais – exceto a ABAM – só compareceram na reunião em que estiveram presentes representantes do poder legislativo de Juiz de Fora.

Em setembro de 2009 a escola fecha suas portas. Para a comunidade fica o legado da luta e o desafio de se organizar, pois mais enfrentamentos virão.

Por que o espaço fora do lugar

Até 1983, quando foi inaugurada a rodovia BR 040, o bairro Dom Bosco era uma localidade constituída de moradores de baixa renda, majoritariamente de afrodescentes. O novo acesso à rodovia trouxe, ao longo destes 27 anos, uma série de investimentos para a região que vem resultando na transformação do espaço de uso e ocupação dos usuários do bairro Dom Bosco com efeitos muito desiguais dependendo da classe social e da localização dos moradores do bairro. Claro que os moradores da parte baixa, inclusive regiões loteadas formalmente percebem tais transformações como processo de agregação de valor à propriedade privada, a despeito, inclusive, do aumento no recolhimento do IPTU. Porém, aos mais pobres e residentes nas áreas ainda não urbanizadas e por isto mesmo, tornadas áreas de risco ambiental e social, o que vem se processando são transformações no espaço de vida destas comunidades que, paulatinamente, as vem transformado num lugar mais precário do ponto de vista urbanístico e social. O fechamento da Escola Dom Orione, sem que até agora haja um projeto compensatório e a consequente e justa mobilização dos moradores revelam a ação autoritária, econômica e política, sobre o espaço de moradia popular. Assim que o projeto Trajetórias Urbanas: ser e estar na Cidade Alta de Juiz de Fora, coordenado pela professora Maria Lucia Pires Menezes e sua equipe, enquanto projeto de extensão, pretende disponibilizar trabalho e conhecimento para dialogar com o trabalho e conhecimento da comunidade do bairro Dom Bosco. Cremos que seja possível construir, unificadamente, estratégias de reconhecimento e valorização do espaço de vida. Auxiliando em ações de melhorias urbanísticas ainda tão carentes, especialmente no Alto Dom Bosco e, fundamentalmente despertar a ação comunitária com base na consciência política e cidadã, tentando desfazer a prática de cooptação das lideranças locais por parte da própria prefeitura da cidade, sob a égide de políticas assistencialistas e demagógicas, que sequer logram a compensação das perdas e danos dos efeitos da gentrificação sobre o lugar de convivência da comunidade do bairro Dom Bosco. Da mesma maneira, entendemos a necessidade de esclarecimentos e aporte de tecnologias e procedimentos socioculturais para conscientização e mitigação dos riscos ambiental e social.

A metodologia implantada pelo Ministério das Cidades para elaboração de planos diretores recomenda que sejam feitas leituras comunitárias que juntamente com as leituras técnicas produzam uma síntese sob o diálogo entre técnicos e usuários do espaço urbano-regional. O PDDU de Juiz de Fora está com 10 anos e este é o momento de sua revisão, portanto, esperamos contribuir não só no aporte técnico, mas na presença do trabalho de extensão como decodificador das reais necessidades, demandas e anseios da comunidade, considerando sua diversidade e legitimidade como usuária do espaço, enquanto fundamentalmente, valor de uso.

Há muito que fazer, há muito a ser feito.

 

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