Menú principal

Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XVI, núm. 395 (8), 15 de marzo de 2012
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

UMA MÃE LEVA A OUTRA(?): PRÁTICAS INFORMAIS (MAS NEM TANTO) DE “CIRCULAÇÃO DE CRIANÇAS” NA AMAZÔNIA

Maria Angelica Motta-Maués
Laboratório de Antropologia “Arthur Napoleão Figueiredo”
Instituto de Filosofia e Ciências HumanasUniversidade Federal do Pará
angelicamaues@uol.com.br

Recibido: 15 de septiembre 2010. Aceptado: 21 de julio de 2011.

Uma mãe leva a outra(?): práticas informais (mas nem tanto) de “circulação de crianças” na Amazônia (Resumo)

Neste artigo parto da consideração de Jesus e Moisés, dois personagens de mitos fundantes da sociedade ocidental, para falar de um conjunto extenso e variado de práticas da “circulação de crianças” na Amazônia, tratando mais especificamente (mas não só) do Pará. Esse elenco de práticas, aparentemente informais tem a constituí-las e orientá-las uma pletora de regras consensuais atualizadas a cada ritual de entrega & recebimento de cada criança pelas/para as mãos das muitas mulheres que, historicamente entre nós, ajudam com esse movimento a continuidade do recorrente ir-e-vir dos pequenos entre tantos lares. Procuro mostrar também, com base em meus registros de pesquisa, de um lado, a extensão dessas práticas entre as diferentes camadas sociais (neste caso, nos centros urbanos) e, de outro, os prejuízos tantas vezes presentes nelas, quase disfarçados em um interesse pelo bem estar das crianças.

Palavras chave: “Circulação de crianças”, Jesus, Moisés, Amazônia, família.

A mother leads to another: informal practices (but not so) of “circulação de crianças” in the Amazon (Abstract)

In this article I assume the account of Jesus and Moses, characters from foundation myths oh Western society, to expose a varied and extensive set of practices named “circulação de crianças” in the Amazon, treating more specifically (but not only) of Pará. This cast of apparently informal practices has been builded and directioned by a plethora of consensual rules updated in every ritual of delivery & receipt of each child by/to the hands of many women who, historically among us, helps continuing this movement, the repetition of exchanging children among so many homes. Also showing based on my search records, on the one hand, the extent of such practices among different social layers (in the case, in urban centers) and in the other hand, the prejudices so often present in them, disguised in one false interest on children willness.

Kay words: “Circulação de crianças”, Jesus, Moses, Amazon, family.


O que teriam a ver, entre si e, ainda mais, com a discussão que desejo fazer aqui e que está estampada no título deste trabalho, Moisés e Jesus –dois personagens que protagonizam mitos fundantes da sociedade ocidental?[1] À primeira vista, aparentemente, nada. No entanto, eles estão ligados por certa história comum que os dois partilham: são, ou melhor, foram, como se fosse, crianças adotadas (“à brasileira”, como nos diz Claudia Fonseca), mas com a particularidade, nos dois casos, de uma intencionalidade expressa e exitosa no encaminhamento de um e outro para os pais, a rigor, as mães escolhidas, entre todas, para criá-los; além de, olhando por outro ângulo (que pode ser o mesmo), crianças postas, em alguma circunstância, em circulação. O primeiro, Moisés, filho de uma mulher hebréia, ao tempo do cativeiro de seu povo no Egito, ainda um recém-nascido e diante da iminente sentença de morte decretada pelo faraó –quando ordenara “Todo menino recém-nascido jogai-o ao Rio! Toda menina deixai-a viver!”[2]–, foi encaminhado por sua mãe àquela que esta queria que o criasse, quando o depositou no meio dos juncos à beira do Nilo, em uma pequena arca –uma “arquinha”, como reza no texto de minha versão da bíblia–feita de papiro (lembro que hoje damos o nome de “Moisés” aos bercinhos de transportar nossos bebês), a qual acabou seguindo a direção do local onde se banhava todos os dias, a princesa, filha do faraó. O cestinho é encontrado pelas servas, Moisés (“salvo das águas”), foi assim achado, recolhido, bem cuidado (até amamentado pela própria mãe, oferecida, como ama de leite, pela irmã menina de nosso herói, que tinha ficado de longe à espreita para ver aonde ia a arca) adotado, educado pela princesa, como se nobre fosse e, depois, como sabemos, voltou a seu povo (um retorno ao lar materno, das crianças de nossas histórias de adoção informal? embora a de Moisés não fale nisso) para liderar a luta contra o jugo do faraó, regada a mil espetaculares intervenções divinas. Para, afinal, conduzi-lo, numa sina de miraculosa e longa travessia pelo deserto até a esperada terra prometida, onde Moisés, segundo reza o relato bíblico, não pode entrar. O segundo, Jesus, concebido, com intervenção divina, por uma virgem[3], descendente da tribo do rei Davi, sendo criado, como filho, por José, o homem que casou com sua mãe. Isso significa ser Jesus uma criança que, a rigor, circulou entre dois pais, um “divino” e outro “terreno”, entre duas “casas”, uma “na terra” (a de Nazaré, na Judéia) e outra “no céu” (para onde ele –como todos nós um dia– retornaria). Elas têm mesmo um registro nominal no discurso cristão (católico, particularmente), em que aparecem como a “casa do carpinteiro” –traduzindo, de um lado, o ofício de José e, de outro, seu estatuto de “chefe da casa”, daquela (“sagrada”) família[4]– e/ou a “casa do pai”, expressão mais de uma vez usada por Jesus, na referência dos evangelhos.

 Chamo atenção, ainda, que Moisés, ao ser depositado dentro de sua arquinha nas águas do Nilo, foi visto e resgatado por várias servas da princesa, como que passou de mão em mão no palácio, sendo certamente socializado por várias “mães”, escravizadas como a sua, circulando, em dois movimentos: um mais amplo e drástico, da sua colocação, como se na “roda” fosse –embora, exatamente ao contrário, como também se dava, ou se podia dar, naquela, não para abandonar e sim para encaminhar[5]–, outro mais restrito, mais tênue, no sentido do universo particular, não dos agentes, como veremos se atualizando hoje em qualquer camada. Quanto a Jesus, este, além de suas duas casas, também pontificava um tipo de movimentação “por conta própria” (encontrado, de outro modo, hoje, quando meninas das camadas populares, na grande Belém, vão, elas próprias, procurar o conselho tutelar), em que, por exemplo, se “perdendo” dos pais, na volta da sua primeira viagem (anual para os judeus), para a festa da páscoa em Jerusalém, foi achado, “pregando entre os doutores”, e, diante da angústia de Maria e José retrucou-lhes: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devo estar junto do meu Pai?[6], o que normalmente traduzimos como: “não sabíeis que tenho que ocupar-me das coisas de meu pai?”.

Então, o que pretendi com meus dois exemplos? Minha ideia, se não estou “delirando”, como costumo dizer, brincando, a meus alunos, quando penso algo fora da consideração usual, é propor ampliar mais ainda o mapa de nossa consideração da prática da “circulação de crianças”, para tratá-la, continuando eu a fazê-lo partindo da mesma interpretação antropológica aceita para sua existência –ou seja, a transferência temporária da responsabilidade sobre a criança de um adulto para outro, com fins de seu cuidado e socialização– como um fenômeno passível de ocorrer em qualquer sociedade, lugar e tempo[7]. O que significa não impor à ocorrência do fenômeno da circulação de crianças qualquer restrição referente à classe ou camada social, momento histórico, local ou sociedade –com o que alargo eu mesma minha interpretação primeira[8] quando apenas queria propor que a prática da “circulação de crianças” ocorre também, mas de modo diferente, nas camadas médias.

Para me fazer entender aqui, com esta minha pretensão –talvez não possa pensá-la, ainda, mesmo como uma proposta– devo começar contando que caminhos percorri, ou persegui, que preciosos achados me esperavam neles, como os fui percebendo, pensando, interpretando, para, afinal, chegar a ela. Neste sentido, vou contar primeiro, como passei, no tocante a meus interesses de estudo, da questão “racial”, com foco especial em uma personagem feminina recorrentemente citada, a chamada “mulata paraense”, para uma pesquisa sobre família, com acento especial sobre o fenômeno que motiva nossa presença neste seminário[9].

Direi, assim, que meu interesse mais específico pelas questões de que vou tratar neste trabalho surgiu ao longo de pesquisa anterior na qual estudei imagens e representações sobre o “negro” (em substituição ao escravo) e as assim chamadas “relações raciais” na cidade de Belém do Pará, na virada do século XIX para o XX. Para fazê-lo, cruzei dois tipos de fontes –jornais editados no período em foco, entrevistas e histórias de vida de velhos, homens e mulheres, negros e brancos (auto-classificados como tal)– buscando a memória das interpretações daquelas construções, no próprio meio negro. O que achei na minha busca? Além, evidentemente, daquilo que procurava, deparei-me com teóricos da “raça”, que interpretavam a Amazônia com um registro específico na forte e mais “deletéria”, segundo sua leitura, presença indígena e outro mais particular –o acento na mulher “de cor”, traduzida na figura da “mulata paraense” (combinação linguística que só encontrei para ela), herdeira e tradução do perfil traçado por ninguém menos que José Veríssimo[10], Elizabeth e Louis Agassiz[11], Nina Rodrigues[12]. Ao lado de jornalistas, romancistas, literatos em geral que ajudavam a construir e atualizar, em crônicas, notícias, trovas, poemas, romances, as imagens que eu buscava identificar/interpretar, no meu estudo, o que “traduzi”, por minha vez, em meus próprios escritos acadêmicos[13].

Se, porém, no tipo de fonte referida, o material aparecia naquela forma, nas conversas, na fala dos velhos, minha/nossa outra fonte[14], em qualquer circunstância, outro se mostrava o quadro. Esses velhos (homens e mulheres, com mais de 70, 80 e até 90 anos) acabaram por construir, para nós, um conjunto sociologicamente diversificado de formas ou, como se costuma dizer em nossa área, “arranjos” de família, no qual –se assim me é possível dizer– aquela figura tão negativamente pintada na crônica social/intelectual da cidade (da Amazônia toda), aparece agora noutro papel –o de “esteio” da família.

A mesma mulher que andava, trabalhava, comprava e vendia, festejava, brigava, amava, enfim, que ia e vinha pelas poucas avenidas e as muitas travessas, ruelas e becos da Santa Maria de Belém do Grão-Pará da virada do XIX para o XX –sozinha, com suas companheiras de sorte e luta e/ou com os homens que ela aí encontrava e com quem se relacionava amorosamente (por breves ou longos períodos, já que as uniões mais perenes, como em qualquer caso, também entre elas se davam), se “juntava”, casava, tinha filhos, de uniões sucessivas, configurando, assim, famílias contrárias ao modelo que, até hoje, nos serve de referência maior[15]; famílias tão “flexíveis e plurais”, talvez, como registrado, quase na virada do outro século, para as camadas médias urbanas[16]. Essa mesma mulher é a que aparece com o mesmo perfil/com outra imagem, nas falas de seus (agora velhos) bisnetos, netos, filhos, sobrinhos-netos, sobrinhos, conforme a idade que tenham. Falando não de arruaças (de brigas, sim), atentados à moral e ao sossego público, muito menos de “taras” sexuais e defeitos morais, como encontrei e analisei noutros discursos. Mas da vida comum que todos vivemos e, mais ainda –sem querer criar para elas alguma especificidade– dos arranjos extremamente criativos que inventaram, inventam ainda hoje, para criar os filhos, amparar sobrinhos, ajudar vizinhos, receber os netos, órfãos ou temporariamente sem a possibilidade da assistência materna, para “manter a família unida”, como gostam de dizer delas seus atuais descendentes.

Longe de se conformarem à ideia, muitas vezes corrente, da desestruturação, do abandono, da violência, como regra para os pobres –sabendo nós que situações semelhantes, apenas sem a presença da pobreza, de uma baixa escolaridade e de um diferente gosto e estilo de vida, encontrados nas camadas médias, são registradas em nossas próprias análises, com outro olhar e outra rubrica[17]– os registros mostram estruturas ou configurações que, se podem ter como parâmetro e, ao que parece de fato o têm, o modelo da família patriarcal, ou até da família conjugal moderna, podem também atualizá-los com outros contornos, outros personagens. Desse modo, encontramos, desde as primeiras décadas do XIX, reproduzindo-se até os dias de hoje, exemplos de lares compostos por duas ou mais irmãs e seus filhos, de diferentes uniões desfeitas, em que uma delas tem um trabalho fora de casa, exercendo uma espécie de papel do homem provedor, enquanto a outra fica em casa cuidando das tarefas domésticas, do conjunto dos filhos, podendo, eventualmente, exercer, aí mesmo, tarefas remuneradas (uma “lavagem de roupa”, por exemplo) sem precisar sair do domicílio. Noutro caso, o “casal” (sem sê-lo, evidentemente), é constituído por um irmão mais velho, solteiro, sua irmã e a filha desta, de um casamento desfeito. Ainda em mais um caso, duas vizinhas, comadres, cujos respectivos maridos trabalhavam como “embarcadiços”, em navios que percorriam os rios da Amazônia, resolvem, em certo momento, reunir a filha de uma e os três da outra para viverem numa casa só, criando juntas seus filhos e compartilhando o lar e a criação dos pequenos com esses dois homens, cada qual com seu marido, nos breves momentos em que eles estavam “em terra”.

Além desses, outros lares abrigam, permanentemente, uma mulher e seus filhos, com a participação eventual de parentes (irmãs, primas, sobrinhas solteiras, principalmente), que quando o lar tem a presença permanente do homem, podem ser da família dele também; as quais vêm ajudá-la no cuidado com as crianças, quando ainda são todas pequenas[18]. Aliás, até a primeira década do XX era tão comum, inclusive nas famílias abastadas e vistas como tradicionais, a presença da figura de uma parenta solteira, dependente economicamente, que nestas atuava como espécie de “dama de companhia” das moças da casa, até para as comuns temporadas em Paris, onde muitos ficavam parte do ano[19], enquanto nos grupos populares essas mulheres funcionavam, com a venda de sua força de trabalho, como mais uma fonte de renda[20]. Destarte, esses lares abrigam ou podem abrigar homens, companheiros sucessivos das mulheres (mesmo que, quase sempre pensados, desejados como definitivos - até porque podem vir a sê-lo), com quem podem continuar mantendo, ou não, uma ligação amigável e até de ajuda mútua. Sem excluir de modo algum a presença e participação masculina, como quer que esta se dê, os dados das fontes aqui referidas como outros registros já feitos parecem apontar para uma espécie de predominância feminina no tocante a uma “fixidez” da responsabilidade e presença no lar[21], o que implica, no provimento da casa, exercício das tarefas domésticas, manutenção e socialização dos pequenos. Num caso encontrado, temos um lar com a mãe, quatro filhas e os filhos delas dividindo todos, literalmente, as tarefas dentro e fora de casa, numa espécie de “rodízio” forçado pelas intermitências do emprego.

Em todo esse enorme e variado painel que consegui ir reunindo e de que fiz um pálido e sumário registro aqui, nos ricos e distintos arranjos, pontificava, saltava aos olhos, embora eu ainda fosse demorar algum tempo para me voltar à sua apreciação, um dado absolutamente recorrente: a prática da circulação de crianças, nas suas mais variadas faces e atualizações. Apesar disso, só depois de algum tempo (alguns anos), comecei a falar sobre essa prática, e quando o fiz, foi de certo modo às avessas, no sentido de que tentei relativizar a forma de sua consideração e interpretá-la, em um de seus pontos-chave, de modo completamente diverso do que tinha sido feito até então.

Neste trabalho pretendo: 1) falar brevemente de minha proposta primeira apresentada em fórum nacional de nossa disciplina num artigo logo depois publicado[22]; 2) apresentar e discutir o representativo conjunto de formas de circulação que sucintamente descrevi quando apresentei aquela proposta, acrescido das numerosas e distintas modalidades em que se desdobram aquelas formas, as quais só consegui identificar com a continuação da pesquisa que passei a desenvolver depois, combinando diferentes fontes[23], depois de muito refletir sobre os dados que iam aparecendo e sobre minhas próprias lembranças de vida como observadora e, mesmo, participante (em algum de seus múltiplos e multiplicados papéis) daquele sistema; 3) salientar no conjunto que consegui reunir, até agora, o contraste entre as crianças que, como personagens privilegiados da mesma ciranda, ocupam nela posições absolutamente opostas; e, finalmente, 4) reafirmar e ampliar a interpretação que venho propondo desde que me animei a falar de minhas ideias nesse campo.


Na ciranda, em Belém: velhas lembranças, um novo olhar... muitas histórias

Antes de entrar na ciranda, agora como estudiosa interessada, mais do que isso, como alguém que tendo nascido e crescido, como se fala, vendo (sem ver) a prática ao meu redor, procura entendê-la no seu lado bom e sempre ressaltado, mas também registrar dela um outro, perverso, violento e, o que é pior ainda, não pensado comumente como tal. Diria assim que, tal como o personagem principal da conhecida peça de Molière, “giramos” todos nessa ciranda sem nos darmos conta de que o fazemos. Por isso mesmo, talvez se possa dizer que aquilo que causa estranheza é também o que explicaria o ainda não tão grande interesse pelo tema no Brasil, em que pese o vai-e-vem tão extenso, intenso e historicamente recorrente de nossas meninas e meninos.

Minha primeira proposta[24] foi que a “circulação de crianças”, pensada sempre apenas para os “grupos populares” ou os “pobres”, fosse vista também como algo corrente nas camadas médias e altas, porém, em modalidades só encontradas entre elas. Devíamos assim considerar os fluxos mais curtos, mais dinâmicos, mais intermitentes e incluindo outros personagens e outros espaços sociais. Como, por exemplo, e mais caracteristicamente, daquele que se estabelece, formalmente, entre as duas (ou mais) diferentes casas de seus pais e de suas mães com suas novas “famílias” formadas com suas novas (e, por vezes, sucessivas) uniões. Esta, dizia eu então, sendo uma espécie de marca distintiva do tipo de circulação característico das camadas médias urbanas. Visto que a formalização do tipo de guarda –com a mãe ou com o pai– encontrado até há pouco tempo, ou dos ajustes sobre o modo de exercê-la de forma compartilhada, algo só mais recentemente estabelecido como necessário a todos os casais que se divorciam, dadas as diferenciações da conjugalidade entre as camadas populares e médias, só nestas últimas se atualizaria efetivamente dessa forma.

Com minha primeira ideia (e considerando a inspiração pessoal que refiro no primeiro trabalho que escrevi sobre o tema), falava de espaços especializados e dos agentes, especialistas que atuam neles atendendo, cuidando, ensinando, socializando as crianças, coisas essas todas que são, justamente, aquelas que se inscrevem como instituintes da prática da circulação de crianças, e que encontrava sempre entre as famílias observadas e entrevistadas. Além da escola regular, desde as creches e maternais, as situações do aprendizado de línguas, das aulas/treinos de natação, de futebol, das sessões com psicopedagogos, com psicólogos, com fonoaudiólogos, das aulas de dança (ballet, jazz, sapateado), nas lutas e artes marciais (judô, karatê, jiu-jitsu, capoeira), na música (o aprendizado de diferentes instrumentos). É isso, em profusão, o que descobri, ou melhor, me dei conta com este outro olhar, sobre tanto vai-e-vem de meninos e meninas de camadas médias (crianças com a vida “agendada”)[25]. E que continuamos, eu e bolsistas do projeto, encontrando e escrevendo sobre[26]; continuando a perguntar, a instar a nós todos, como fazia eu, em 2004: será que não podemos chamar a isso “circulação”, tal como se faz quando a referência são outras andanças das crianças nos grupos populares?

Na proposta referida acima, entretanto, eu separava as crianças e seu ir e vir. No entanto, logo percebi que se mudássemos o eixo da consideração das razões pelas quais se tem afirmado que as crianças dos “grupos populares”[27] ou dos “pobres”[28] circulam –a situação de pobreza extrema e/ou as obrigações morais do parentesco, embora, no caso desta última, possa dizer que ela não deve ser completamente desconsiderada– penso que podemos dizer que as crianças pertencentes às camadas médias e altas também partilham, ou podem partilhar, com as primeiras, das mesmas modalidades de sua, por vezes, extensa e intensa vilegiatura. E, mais, procurando, como é preciso fazer, tornar mais fina minha etnografia, relativizei o outro lado, mostrando que os pequenos dos grupos populares também circulam pelos espaços especializados para onde vão e vem, atravessando a cidade, os da outra classe –ainda que estes espaços se mostrem com diferente estilo e consideração social[29]. Neste sentido, o que estou querendo dizer sobre a relação entre a prática da “circulação de crianças” e as camadas sociais, é que a “verdadeira” diferença, se é possível assim falar, entre grupos populares e camadas médias, é uma espécie de “obrigatoriedade” naturalizada, algo como uma espécie de extensão das obrigações morais do parentesco, para além do, ainda que extenso, círculo de seus membros (também) “naturais”, na forma como isto se dá na vida social. Que se atualiza mais explícita e expressivamente entre os primeiros; sem esquecer, evidentemente, sua representatividade numérica na população, bem como a ausência, ainda significativa, de dados de pesquisa em nossa área, sobre as camadas médias (e altas), neste caso particular e, na verdade, em muitos outros (a gravidez na adolescência sendo bom exemplo).

De todo modo, a proposta geral que fiz até aqui era que “... a prática da circulação de crianças pode ser pensada como uma estrutura básica (ainda que não pelas mesmas razões, por vezes) da organização de parentesco no Brasil, E não apenas dos ‘grupos brasileiros de baixa renda’”[30].


Minhas histórias de vai-e-vem das crianças em Belém (e na Amazônia também)

Quando fiz a proposta acima e comecei a ficar atenta e a refletir sobre a circulação de crianças descobri o sistema por todo lado ao meu redor. Para dar só uma ideia, identifiquei minha própria casa (a de minha mãe e meu pai) como um lar receptor de crianças de variada procedência (parentes ou não), atualizando uma situação que percorreu quase cinquenta anos, do final dos anos 1930 até o final dos 1980, já próximo da morte daquela senhora, perto de completar seus oitenta anos, que nessa longa performance recebeu, desde seus vinte e cinco anos (logo depois de casar), em diferentes modalidades, três de seus oito irmãos já órfãos de mãe, duas sobrinhas, também, uma criança não parente, recebida, com o mesmo estatuto de filha, embora não assim pensada (já que a mãe existia e era conhecida), dois meninos do interior (“crias”), além dos “agregados” adultos ou não, parentes ou não, eventuais & permanentes frequentadores desse lar –nas férias escolares inteiras, por exemplo. Descobri em meu próprio local de trabalho, estrito (meu departamento, como fizera Fonseca[31], no seu) e mais ampliado (meu Centro, atual Instituto), vários casos (11 naquela ocasião, com mais três registrados depois) de adoção informal entre meus próprios colegas[32] (como adotados eles mesmos ou que adotaram crianças)[33], num período que começa nos anos 1930 e segue até os dias de hoje. O que parece sinalizar para certa continuidade desse processo.

Além das formas indicadas acima, contando com dados de pesquisa histórica, da própria pesquisa que passei a desenvolver sobre o tema, de minha memória pessoal, a qual já cobre bons sessenta anos e que utilizo sabendo como se pode contar com ela –como nos ensinam, entre outros, Bosi[34], Halbwachs[35] e Pollack[36], com o mesmo estatuto dos dados de pesquisa– de relatos de pessoas envolvidas, participantes ou conhecedoras da prática, da observação de situações próximas, deparei-me com um elenco significativo (cujos desdobramentos só fazem crescer), o qual, conforme considero, pode ser inscrito num conjunto maior do que proponho ver como um grande e englobador contorno da circulação de crianças, no universo tratado aqui, e que vou, enfim, apresentar.

Nesse elenco estão:

1) O regime da “tutela infantil”, existente, entre nós, segundo dados registrados, desde as primeiras décadas do XIX[37] e criado para gerir o destino da “infância desvalida” –os “órfãos”, segundo a lei, em que um juiz, o chamado “juiz de órfãos”, entregava a criança a um tutor para criá-la. Conhecidos como os “meninos do juiz” (as mães costumavam ameaçar os filhos com a entrega deles a essa autoridade), nessa prática, através dos processos examinados pelo autor do trabalho referido acima, é possível ver claramente as disputas entre a mãe da criança– sozinha ou junto com as pessoas que ela designava, conseguia para criá-la –frente àquelas que tinham sido determinadas pelo juiz para fazê-lo, assim como o movimento da criança circulando entre um lar e outro ao longo do processo. Tal forma de circulação teve vida longa em Belém (até, pelo menos, a metade dos anos 1950), podendo eu mesma sabê-la ocorrendo através de comentários ouvidos sobre disputas de pretendentes ou sobre a possibilidade concreta e corrente de trazer para casa, como um “criado”, um “menino do juiz” –que podia ser também uma menina. Em minha lembrança, o registro da ideia, que não posso afirmar verdadeira, da “facilidade” com que alguém podia “conseguir” uma dessas crianças.

2) Os encaminhamentos ou a “colocação” de crianças, como refere Fonseca[38], por seus pais ou responsáveis, geralmente originários e moradores de cidades do interior do estado para a casa de pessoas residentes na capital, Belém (embora as cidades sedes de outros municípios, também repliquem o mesmo sistema), pessoas quase sempre de condição social mais elevada, com o intuito de serem aí cuidadas e educadas, e para “ajudar” nas tarefas domésticas, ou, como muitas vezes aparece na declaração do interesse da família em receber a criança, para “brincar” com as crianças da casa[39] –as chamadas “crias de casa família”, ou simplesmente “crias”. Esta forma pode ser encontrada também em trabalhos de estudiosos da região, inclusive de historiadores, antropólogos e outros[40], bem como em romances, ensaios e crônicas, onde a personagem central dessa modalidade também aparece[41]., Em tais situações, cruzam-se duas modalidades da “circulação” referidas, grupos populares, camadas médias e altas urbanas –mas, também, rurais pois é do “interior”, como dizemos, que vêm e onde muitas vezes começam sua “sina” como “crias” (que já eram nas fazendas do Marajó, por exemplo), muitas meninas e adolescentes, que de lá já vêm sabendo “reparar” crianças– pelo menos desde as primeiras décadas do século XX. Neste caso, embora com a diferença de classe, haja lares que só doam e outros que só recebem crianças, da perspectiva da criança, isso não deixa de configurar um ir e vir, um movimento de “circulação”. Chama atenção na história desta já tão antiga e recorrente personagem, não apenas a persistência de sua presença, com o mesmo perfil, estatuto, “destino”, o que já é muito, mas a espécie de naturalização de seu papel como prestadora de serviços (muitas e muitas vezes não só domésticos, mas sexuais; na verdade uma exploração violenta da criança, gravemente não olhada como tal)[42]. Recorrendo apenas aos registros de minha memória (que cobrem, para esse particular, como declarei antes aqui, já mais de sessenta anos) fui capaz de levantar uma lista de quase cinquenta pessoas, com apenas quatro homens fazendo parte dela, o que sinaliza, aliás, uma nítida diferenciação de gênero que já explorei em outra ocasião[43]. E, com a relutância de quem se dedica hoje (dentro da pesquisa mais ampla que desenvolve) a estudar a condição vivida pelas “crias de família”, percebi nessa lista uma menina morena, franzina, de negros cabelos, que, no final dos anos sessenta, a mãe desta pesquisadora convenceu-a a receber em sua casa, com o argumento decisivo, no conjunto deste sistema, da necessidade de “ter” uma menina “pra brincar” e “reparar as meninas”, minhas duas pequenas filhas. Não sei por que, não me enquadrei no tão assentado regime, e em alguns poucos meses, entreguei (minha mãe fez isso por mim) a menina de volta a sua casa do interior do Pará, com suas roupas e calçados novos e algum dinheirinho –e assim, ela saiu de nossas vidas, de nossa possível consideração[44]. Ficou, porém, para sempre, a imagem dela na minha memória –onde andará hoje?–, na fotografia tirada num dos passeios dominicais com as crianças, nos quais, embora também participasse das brincadeiras e dos lanches com todos, das três meninas –que era o que todas efetivamente eram– só ela tinha obrigações: carregar sacolas, brinquedos, arrumar coisas, como todas as sabe-se lá quantos centenas de meninas, que seguiram um dia os caminhos dos rios e chegaram à cidade, repetindo secularmente o mesmo movimento. Por vezes o único, na longa, perene imobilização que as espera, servindo até três gerações da mesma família, ou, numa situação invertida, compondo um grupo de parentes (irmãs, primas, tias e sobrinhas), como mostram tanto nossos registros de campo e minhas antigas e, infelizmente, novas lembranças –ao lado do alarido do noticiário das TVs anunciando, repetidamente, o crime de exploração sexual de figuras da elite paraense contra meninas que viviam em suas casas, como referi em nota acima– sinas que a sensibilidade dos escritores “da terra” registra magistralmente[45], além de estudiosas do fenômeno[46].

3) A prática da “criação de crianças”, às vezes até um grupo delas, pelas obrigações do parentesco[47] –modalidade que, hoje, marca uma diferença entre grupos populares e camadas médias, pois, nestas últimas a exigência moral do parentesco (que ainda existe) não implica mais na criação de ninguém, no máximo de uma ajuda à distância–, pelo desejo de amparar uma criança, pelo dever de “caridade”, quando não há quem o faça e até, segundo registro dos anos quarenta até os setenta do XX, por uma “promessa” feita a Deus, a um santo ou santa, de criar tantas crianças –pois, nesse caso se estabelecia um número a alcançar– ou, ainda pelo simples desejo de alguém de “criar uma criança”, os chamados “filhos de criação”, modalidade que tem registro ainda hoje como dado de pesquisa[48]. Aparecendo sempre muito ligada às obrigações do parentesco, incluindo as do compadrio, esses “filhos” podem estar com a família que os recebe, sem perder completamente o vínculo com a família “verdadeira”, como uma espécie de “filiação aditiva”. Também pode haver uma espécie de “filiação ampliada”, em que a criança, ainda que fixada em um lar, pode receber ajuda de mais de um parente para criá-la, os quais passam a funcionar como se fossem vários “pais” e “mães”, algo como uma “criação compartilhada” em que todos ajudam (frequentemente com diferentes obrigações) em seu sustento e sua socialização. Além dos registros atuais, um dos quais citei em nota anterior, dois casos encontrados, ambos de pessoas de camadas médias, são significativos aqui.

No primeiro, que percorre os anos quarenta a sessenta do século passado, três tias maternas (uma das quais, a mais nova, a única casada, mas sem filhos e a mais dedicada à criança, foi a vida toda chamada “mãe-titia” pela sobrinha), ajudavam a manter uma sobrinha, filha única do casal, vivendo fora do estado do Pará, com todas as insígnias das meninas da classe alta, no que havia, claramente, uma espécie de disputa com outra sobrinha, filha do irmão mais velho das mulheres (dado o conflito evidente com a cunhada), a qual (a segunda sobrinha), pela situação de empresário bem sucedido do pai, possuía bem mais recursos e uma posição social destacada na cidade.

No segundo caso, que começa a ocorrer na década de 1990 e segue existindo até hoje, e que, por incrível coincidência, envolve parentes de uma das famílias que protagonizaram o primeiro, a criança mora com seus pais na casa de altíssimo padrão, do tio materno e de seu companheiro, todos típicos representantes das camadas médias urbanas, sendo destes dois últimos, principalmente, a responsabilidade (inclusive, financeira, na maior parte das coisas) e autoridade maior sobre ela que, neste caso, literalmente, “circula” entre dois “lares”, sem precisar sair de casa. Os dois exemplos mostram, com diferentes atualizações de família, a mesma vigorosa prática existindo.

Esta modalidade de circulação, dos “filhos de criação”, à primeira vista pode parecer homogênea, mas um exame mais fino mostra outro quadro. “Criar” pode significar: a) criar como “filho” com igual estatuto de um filho “biológico” (caso de meu colega cujos tios viraram “pais” para sempre, embora a “mãe que teve” também mãe fosse reconhecida (?), mas, de estatuto diferenciado da “mãe que criou”), ou não (caso da mulher de camada média alta, que criou duas meninas, uma desde bebê, com adoção informal e registro direto, e outra, filha de uma sua irmã, desde criança, em que uma era filha mesmo e a outra uma “sobrinha-filha”, ainda que as duas chamassem a mulher de mãe); b) só “criar”, sem adjetivações, o que é igual a receber, abrigar, alimentar, ajudar, educar, encaminhar, ter amizade, esperar fidelidade, gratidão e amparo na velhice; c) criar como um parente (sobrinho, neto, irmão) sem passar ao estatuto e assim à identidade de “filho”, mesmo o “de criação” (exemplos de um casal, entre outros, que recebeu de volta o filho separado e os dois netos, bem pequenos ainda, entregues pela mulher que exigiu que deixassem a casa onde viviam, e que os criam até hoje, já adolescente e jovem como netos; e de um grupo de sobrinhas mais novas e outro de filhas mais velhas, criadas juntas pelo casal e que nunca se viram, nem se vêem até hoje, como irmãs, nem “de criação”). E, ainda, no limite, d) pode-se “criar” como uma espécie de “cria-filho” –acontecendo neste caso, a esdrúxula situação em que a criança que é tomada para ser criada por alguém, ora é tratada como filho de criação, ora como cria, configurando, para ela, um estatuto ambíguo e ambivalente. Perfeito, para este caso, a vida de Joana, mais velha dos doze meninos e meninas,entre eles três irmãos, até que a “mãe”, por promessa, se pôs a receber e criar, a partir dos anos 1940 e até, pelo menos o início dos 1970 do século passado– quando perdi sua referência– morando todos com ela e sua mãe, ambas viúvas, num belo sobrado colonial, ricamente mantido, e tendo Joana, nunca estudado, ao contrário dos “irmãos”, com seu duplo estatuto, a desfilar, com autoridade e altivez, mas, ciente de seu papel –como nos mostra Proust de Francisca (Françoise), criada de sua tia Leôncia (depois “herdada” pela família dele)– da cozinha à sala, entre a comida que fazia e a conversa de que participava, ainda que encostada no umbral entre os dois salões da frente, com o sujo avental enrolado (escondido) nas mãos que nele acabara de enxugar.

4) O costume, extremamente recorrente e ao que parece cada vez mais dinâmico em qualquer classe (embora com atualizações e personagens diferentes, por vezes) de “reparar” (tomar conta de) crianças, diante da ausência temporária da mãe, ou responsável, que sai para o trabalho ou por outra razão qualquer se afasta do lar (uma consulta médica, compras ...). Circuito onde, nas camadas populares, além de adultos - como avós, tias, sobrinhas, primas, cunhadas, sogras, outras parentas, madrinhas incluídas, amigas, vizinhas (embora não de modo exclusivo, mas, quase sempre mulheres) –pode incluir, na mesma posição, também outra criança, por vezes de bem pouca idade)[49]. E que nas camadas médias e altas inclui, preferencialmente, as avós (com acento para as maternas), mesmo em se tratando de profissionais que exerçam funções fora do lar[50], que nesta classe contam quase sempre com a ajuda de outras profissionais, as “babás” –por vezes são “crias” a ocupar tal função– que acompanham as crianças nessa sua vilegiatura, muitas vezes diária e de até quase metade do dia[51]. Em um caso, os filhos de um típico casal de camadas médias, ambos profissionais da academia, eram todos os dias, após a escola, recebidos pela avó paterna, juntamente com todos os primos, todos também com suas respectivas babás, onde ficavam até o fim da tarde (às vezes até tarde da noite). Para facilitar a “operação”, todos adquiriram apartamentos no mesmo prédio dos pais e, então, os meninos “circulavam” entre os andares, de elevador[52]. Já nas camadas caracterizadamente altas a criança pode ser cuidada, desde o nascimento, por enfermeiras, babás (muitas delas enfermeiras ou auxiliares de enfermagem), governantas, motoristas que, além dos cuidados com ela, controlam seus passos, saúde, deslocamentos, dando conta delas, inclusive, diante da escola onde estudam (num caso mais sofisticado, além de toda essa entourage o casal, da considerada “elite” belemense e seus cinco filhos utilizam dois carros nos deslocamentos conjuntos para distâncias maiores –com destino a temporadas na praia, por exemplo– um luxuoso utilitário só para uso das crianças, onde seguem com um motorista e suas cinco babás e outro, sedan, para os dois.)

5) Os fluxos mais curtos, mais dinâmicos, mais intermitentes, incluindo outros atores e espaços especializados, junto com ou fora dos circuitos do parentesco e da sociabilidade mais restrita, fluxos esses próprios, ou mais próprios, num certo sentido, da circulação das crianças das camadas médias e altas, para algumas especificidades, com um acento mais particular, em filhos de pais com casamentos desfeitos, e com novas uniões, que ficam, como eu dizia: “na casa da mãe” / “na casa do pai”[53] ou “quicando” entre uma casa e outra, como aparece num personagem nova-iorquino de Hustvedt[54]. Tal escopo foi ampliado, como já disse aqui, para incluir, conforme seja a situação vivida pelo grupo familiar da criança, também os “grupos populares”, pois, como sabemos todos, tais grupos não formam, bem assim quaisquer outros, uma categoria homogênea e, então, esta pode muito bem e, na verdade, o faz, circular por espaços correspondentes àqueles que considero para as crianças das outras camadas (aulas de ballet, judô, música, reforço escolar).

Na “vida agendada” de um menino de oito anos, interlocutor da pesquisa, junto com os pais, a mãe especialmente, o tempo se divide entre escolinha de futebol, aula de natação e kumon, duas vezes por semana cada uma; sessões de fisioterapia e de fonoaudiologia, duas vezes por mês, cada; no sábado, um horário de “reforço escolar” com um professor que vai à casa dele. Nos fins de semana, ida com a família ao clube ou outros locais para lazer. Contando tudo, boa parte do convívio com os pais, sua socialização, se dá enquanto se deslocam juntos pelas ruas da cidade, o que contabiliza, sem cálculo preciso como vimos[55], entre vinte e quatro e mais horas por semana ocupadas no vai-e-vem de nosso pequeno menino. O que parece ser um movimento plenamente em curso para os meninos e meninas desse grupo. Uma delas com só três anos de idade, tem já por semana uma agenda de espaços e agentes recheada: três dias de período inteiro e dois de meio período na creche, já a segunda de sua vida; dois dias, em meio período, o pai cuida dela em casa; um dia, também meio período, é a vez da casa da avó paterna, também profissional, em sua tarde de folga; nos fins de semana, ela fica com os pais, sendo esse um dos poucos períodos de tempo seguidos em que ficam os três juntos, na semana (dada a não coincidência total de horário de trabalho dos dois). Se fizermos a conta certa, no geral, até hoje, nossa menina se dividiu, permanentemente, periodicamente, em termos de espaço entre cinco casas. As dos pais, dos avós paternos, sempre prontos a dar jeito de “ficar” com a neta; da bisavó e da tia avó e sua família, que moram juntas, num período de doença de sua mãe; dos avós maternos, noutra cidade, onde vai sempre nas férias dos pais, dela mesma; de duas vizinhas, muito amigas da mãe da menina, as quais, “donas de casa” em tempo integral, se dispõem a ficar com a criança, quando é preciso[56]; duas creches, onde foi e vem sendo cuidada, ensinada (comunicando-se com elas, bem falante que é desde cedo) por pelo menos umas vinte pessoas, parentes ou não (inclusive as várias “domésticas” que trabalharam ou trabalham em sua casa); além da mãe e do pai, obviamente, dos padrinhos, que, aliás, por um tempo foram também vizinhos e dos seis amigos vizinhos, de mesma e mais idade que ela, com os quais, sempre que pode, está a menina de meu relato. Que, com seu eloqüente exemplo, tão novinha ainda, nos traduz bem a forma de circulação que tenho proposto considerar mais destacadamente para as camadas médias.

Termino, por ora, minhas referências a esse ir e vir com um retorno atualizado ao personagem que mais caracterizadamente inspirou minha primeira incursão neste tema da “circulação de crianças” –o menino de doze anos de idade, “na casa da mãe” / na “casa do pai” e “suas” outras doze casas, em cinco diferentes cidades. Que hoje, já um quase jovem, mesmo tendo que estar (“compulsoriamente”) nessas duas (suas) casas e mais os vários espaços especializados e seus agentes em que circula (que, neste ano de vestibular para a universidade, inclui mais de trinta pessoas, para atender a sofisticada especialização de áreas que subdivide ou desdobra em muitos casos, as disciplinas e o faz ir e vir entre, por vezes, entre quatro ou cinco desses espaços de aulas por dia e até parte da noite), ele o faz conseguindo, agora, de algum modo, administrar, ele mesmo, suas idas e vindas –essa a grande mudança– revertendo em seu favor as obrigações dos fluxos a que tem, afinal, como qualquer um na sua situação, que se ater.


Entre Moisés e Jesus: brevíssimo retorno

Com esse passeio por todo o material diverso, múltiplo e fragmentado presente em nossas vidas e recolhido em pesquisa que brevemente apresentei, volto agora aos personagens com que iniciei meu texto, para dizer por que, afinal, os trouxe como inspiração e pretexto.

Moisés, Jesus e suas histórias (ainda poucas) de circulação têm aqui o propósito de ajudar a sustentar minha proposta dizendo que, mais do que fazer ou ser parte integrante (estrutural, como se diz, numa certa linguagem) de nossos costumes do parentesco no Brasil, ou de nossa herança ibérica[57], a prática da circulação de crianças deita (ou pode fazê-lo, como costumo dizer, para não deixar de relativizar minhas proposições) raízes mais atrás. Direi então que ela existe entre nós e alhures –falta, talvez, pesquisa sobre o tema (daí que recorro aos romances e seus registros ficcionais)– como algo que compõe o substrato dos costumes de família de nossa tradição judaico-cristã (quiçá de outras, quem sabe?). O que pode ajudar a reflexão e a localização de tanta movimentação, na forma como ela se apresentar, de nossas meninas e meninos –mesmo quando não necessária pareceria ser– levados pelas mãos de tantas mães, ainda que nem sempre tenham outras iguais a acolhê-los. E que as histórias emblemáticas das especiais personagens que chamei para sustentar meu texto podem ajudar a entender.

Se, nessa tradição com que operamos, somos todos “filhos do mesmo pai” (“celeste”), do ponto de vista da análise de sistemas simbólicos, é como se se pudesse dizer que já nascemos “circulando”. Pensando que, por esse prisma, nossa casa verdadeira não está aqui, mas na “pátria celeste”, dado que somos todos, como nosso “irmão”, seres transitórios, ou sempre em trânsito entre dois lares. Não é mesmo isso o que acontece com nossas crianças na sua perene e peregrina movimentação entre os lares de suas muitas mães?

Devo lembrar que, embora no caso do chamado “filho de Deus”, tenhamos que falar, mais prontamente, em dois pais e não mães, a base fixa a partir da qual o menino se movimenta, o meio pelo qual ele pôde, afinal, ter concretamente a chance de ser esse filho de Deus na terra foi a aceitação de Maria (para que ele aí descesse), o corpo de Maria (para que ele nascesse), as mãos de Maria para cuidar dele no mundo (até o final quando seu regaço o abriga na descida da cruz –sofrida Pietá). Ela, portanto, participa dessa que é/poderia ser uma outra “trindade” (?) como a mãe “biológica” de Jesus –de onde sempre saem as crianças na sua ciranda.

Nossa falta de percepção diante de prática tão presente entre nós –o que já tenho constatado ao falar publicamente de meu trabalho–, nossa naturalização da ciranda em que estamos todos (para o bem, para o mal) girando, finca os pés numa tradição que começa a se anunciar para nós entre a mãe escravizada/a mãe princesa, entre um pai celeste/um pai terreno e uma virgem adolescente que lhe permitiu nascer.

Sem esquecer Ana, Isabel, a irmã de Moisés e as escravas da filha do faraó. Todos esses e essas que aceitaram a missão de cuidar de rebentos tão especiais (como, de outro modo, são sempre todos) que, por isso, puderam ser quem foram. Não esqueçamos, como tanto acontece, que a filha do faraó podia ter criado uma “cria” e que a pequena adolescente de Nazaré (como as nossas hoje que aceitam sua “anunciação”) não recusou o que o céu lhe mandava. O que me permite, agora, tantos mil anos depois juntar Moisés, Jesus e nossas tantas crianças, afinal, numa mesma ciranda.

 

Notas
[1] O que faço no meu título é “brincar” com o velho ditado popular que diz: “Uma mão lava a outra”, ao que alguns, como minha mãe, acrescentavam, fechando ou completando o quadro da reciprocidade positiva, a instar e registrar sempre, quando era empregada, a pertinência e eficácia de alguém em ajudar a outro: “e juntas lavam o rosto”. Nada me pareceu mais adequado agora, que já raramente o ouço, do que me valer de sua inspiração, para traduzir, de algum modo, o mesmo movimento - no caso, em torno da criança e seus cuidados, através das, por vezes, inúmeras “mãos” de “mães” que entregam & recebem crianças, sempre (pretensamente) como se filhos fossem. Com isso, quero sinalizar, também e, com a interrogação que acrescentei à minha velha (aproveitada) frase, não só o conjunto variado de agentes e práticas da circulação de crianças de que vou tratar neste trabalho, mas, as ambigüidades e prejuízos de algumas de suas faces.

[2] Êxodo 1, 22.

[3] Como em tantos mitos acontece, como nos mostrou Leach, 1983

[4] Cf. Arantes, 1994; Sarti, 1996.

[5] Venâncio, 1999

[6] Lucas 2, 49.

[7] Em apoio à esta minha idéia, apresento, após as referências bibliográficas de meu texto, uma lista de romances e outras obras literárias, retratando diferentes países e momentos, que, tematizando ou não a adoção e mesmo não referindo, explícitamente, como tal, a circulação, exibem-nas em variado painel, em suas páginas. Desde os consagradamente “clássicos”, até aqueles de autores pouco ou não (re) conhecidos, mesmo que o merecessem sê-lo. E que meu “faro” de leitora inveterada sempre descobre.

[8] Motta-Maués, 2004A.

[9] Trata-se, respectivamente, dos projetos de pesquisa “Do ‘mísero escravo’ à ‘bela Joaninha’: raça, gênero, jornais e memória social em Belém – final do século XIX/início do século XX” (Motta-Maués, CNPq/UFPA, 1999-2005) e “Modos e modas de família: configurações, circulação de crianças e adoção na Amazônia” (Motta-Maués, CNPq/UFPA, 2006-...).

[10] Veríssimo, 1890.

[11] Agassiz e Agassiz, 1938 [1865].

[12] Rodrigues, 1957 [1894].

[13] Motta-Maués, 1998, 2001, 2002 a e b, 2005, 2006.

[14] Refiro aqui à participação, neste estudo, de Thiago Luiz Coelho Vaz Silva e Nara Isa da Silva Lages, bolsistas de IC no projeto, a quem agradeço a colaboração e observações sobre as situações que encontramos, assim como a meus outros orientandos de monografias, dissertações e teses.

[15] Almeida, 1987; Corrêa, 1982; Freyre, 1985 [1933]; Samara, 1987; Velho, 1987.

[16] Vaitsman, 1994.

[17] Sobre este particular, gostaria de referir, entre outros, os conhecidos estudos de Goldenberg (1991; 1992); Heilborn (2004); Matos (2000) e Vaitsman (1994), realizados entre representantes das chamadas camadas médias urbanas, salientando aqui a fração particular delas sobre que se debruçaram, não para ir contra suas interpretações, mas para propor que lembremos, com elas, com as categorias que utilizam para tratar seus interlocutores e as situações que protagonizam, a diferença radical, nestes termos, quando o foco se dirige aos, também assim chamados, grupos populares.

[18] É bom dizer também, que essas mulheres, no caso dos grupos populares particularmente, quando são meninas e adolescentes, participando desse circuito da prática da circulação de crianças, de forma imbricada com aquelas de quem cuidam, podem, eventualmente, se envolver numa relação de namoro, engravidar e seguirem elas mesmas o ciclo, formando seu próprio lar e, para mantê-lo precisarem também de outra irmã, sobrinha, prima..., que seguirá ajudando a atualização da prática que motiva este artigo.

[19] Álvaro, 2005.

[20] Julião, 1999.

[21] Woortmann, 1987.

[22] Motta-Maués, 2004a; 2004b.

[23] Motta-Maués, 2006.

[24] Motta-Maués, 2004 a.

[25] Com um conjunto, por vezes, extraordinariamente numeroso de atividades diárias e semanais que, aliás, só fazem crescer com a adolescência e a chegada do (neste contexto) decisivo ano do “vestibular” que, de evento isolado, efetuado ao final do ensino fundamental, passou a ocupar, junto com o último ano desse curso, o tempo, o empenho e a atenção dos jovens na sua intenção, quase diria, injunção, de entrar para uma universidade (ou faculdade). De meus dados sobre essa intensa movimentação - uma espécie de “circulação” juvenil entre muitos especialistas - posso dizer que, contando com o colégio e o curso de línguas e mais alguma atividade física (que já se conta como fixos nessas camadas), soma ou pode somar mais de seis tipos de espaços, agentes especializados e atividades diferentemente dirigidas e programadas, significando isso uma jornada diária - que não exclui domingos e feriados, mesmo com redução de horas destinadas e efetivamente ocupadas - iniciada às sete e trinta da manhã e encerrada entre vinte duas e trinta e vinte e três horas, quando, por exemplo, terminam as aulas do chamado “cursinho” preparatório ao exame. O que contabiliza, descontando o intervalo do almoço (mais ou menos uma hora e até menos, contando o deslocamento necessário), algo em torno de onze a doze horas diárias de intenso vai-e-vem entre um espaço especializado e outro e os agentes que os compõem - que somam, no total, segundo informação pessoal de um desses adolescentes e minha observação de casos equivalentes, mais de trinta pessoas, isso contando apenas os professores que os atendem).

[26] Motta-Maués, Igreja e Dantas, 2008.

[27] Fonseca, 1995.

[28] Sarti, 1996.

[29] Motta-Maués, 2004 b; Motta-Maués, Igreja e Dantas, 2008.

[30] Motta-Maués, 2004 b, p. 444.

[31] Fonseca, 1995.

[32] Um dos quais é meu próprio marido, adotado (“à brasileira”) por um tio materno e sua mulher, que não tinham filhos - de quem nunca havia pensado como uma criança que circulou entre duas mães, embora sempre referisse, pressurosa, minhas duas boas sogras.

[33] Um dos quais já “adota”, recebendo em sua casa e ajudando a criar, junto à mãe e ao pai que lá residem, o filho da sobrinha adotada antes e, outra, até mais sofisticadamente, numa forma de que só mais tarde me dei conta, adotando uma criança, seu parente, “à distância”, isto é, sem sair do lar de sua mãe, modalidade que ainda não havia explorado e na qual a pessoa contribui efetiva e permanentemente para seu sustento e cuidados, dando-lhe mais atenção e afeto, mesmo sem “criá-la”, propriamente.

[34] Bosi, 1994.

[35] Halbwachs, 1956.

[36] Pollack, 1989.

[37] Almada, 1990.

[38] Fonseca, 1995.

[39] Dantas, 2008.

[40] Figueiredo, 1999; Lamarão, 2008; Lamarão e Maciel, 2006; Salles, 1988; Wagley, 1977 [1956].

[41] Cecília, 2003; Hatoum, 2006; Jurandir, 1960; Medeiros, 1990; Monteiro, 1991; Rosenblatt, 1963.

[42] Quando escrevi este texto há três meses e no bojo da chamada “CPI da Pedofilia”, instalada pela Assembléia Legislativa do estado do Pará, foi feita a prisão preventiva de ex-deputado da mesma Assembléia (ele acabou por renunciar ao mandato), pertencente a prestigiada e conhecida família, acusado de abusar sexualmente, durante quatro anos, de uma menina que, na situação secular que descrevi para as “crias”, vivia em sua casa. Além dele, foi acusado e chamado a depor, um engenheiro, como o primeiro, de idade entre quarenta e cinqüenta anos, de família também muito conhecida, cuja irmã é, no momento, a governadora do estado do Pará. Agora, que retorno para enviá-lo à publicação, surge a notícia do relatório final da CPI, com a estatística de cem mil casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes em cinco anos em todo o estado do Pará – 940 em média, por ano, só em Belém (jornal “O Liberal”, 30/08/2009, Atualidades, pp. 1 e 5). Penso que isso mostra a dimensão do fenômeno entre nós.

[43] Motta-Maués, 2009.

[44] Pergunto-me se não será esta, agora, minha última ou mais uma participação nesse regime, velho e vigoroso, de exploração de crianças, em que tantas envelheceram (envelhecem ainda?) como as mesmas “crias” em que um dia se tornaram.

[45] Cecília, 2003; Hatoum, 2006; Jurandir, 1960; Medeiros, 1990.

[46] Dantas, 2008; Lamarão, 2008; Lamarão e Maciel, 2006; Motta-Maués, 2004 a; 2004 b; 2006; 2007; Motta-Maués, Igreja e Dantas, 2008.

[47] Meus registros apresentam casos exemplares dessa variedade. Nos anos 50 do XX, um profissional liberal, bem situado economicamente, casado e com três filhos, recebeu a mulher do irmão, recém-viúva, com seus cinco filhos – todos criados como “sobrinhos-filhos”, educados, encaminhados (da mesma forma que os filhos do casal) e ligados, até hoje, ao lar receptor e seus “tios-pais” e “primos-irmãos”. Do mesmo modo, uma mulher solteira, comerciária, com os pais já velhos (ele aposentado), de renda modesta (uma gente “remediada”, se dizia) que também, nesse mesmo momento, acolheu a viúva do irmão e seus sete filhos, fazendo por eles, conforme seu alcance, como fez o advogado, em melhores condições que ela. O tom da desigualdade, nos dois casos, em que pese a diferença visível de origem social das duas, as cunhadas passaram a ter um estatuto “inferior” ao dos próprios filhos, destinadas - e o foram – a eternas viúvas, funcionando, no primeiro, com espécie de “governanta” e no outro como uma “parenta & doméstica”, mas com a ambigüidade do duplo papel que, na verdade tinham.

[48] Gonçalves, 1999; Julião, 1999; Malcher, 2002; Motta-Maués, 2006; Vaz Silva, 2004.

[49] Lago, 2002. Aliás, conforme registro de um estudo recente, uma das razões apontadas pelas adolescentes que engravidam é de que desejavam ter seus próprios filhos, pois já haviam “tomado conta”, ajudando a “criar” seus irmãos, sobrinhos, até vizinhos, e, agora, queriam cuidar dos seus próprios (Pantoja, 2007).

[50] Em várias situações registradas na pesquisa, essas avós são profissionais da academia assim como os pais dos netos de quem elas tomam conta, esporadicamente, ao sabor de suas intensas e múltiplas atividades – são avós “quebra-galho” como refere Lins de Barros (1987).

[51] Motta-Maués, 2004 b.

[52] Estumano, 2004.

[53] Motta-Maués, 2004 b.

[54] Hustvedt, 2004.

[55] Motta-Maués, Igreja e Dantas, 2008.

[56] Temos aqui, imbricadas, duas modalidades de “circulação”, pois, junto com esse fluxo mais “próprio” de certas frações das camadas médias urbanas vai a prática, mais encontradiça nos grupos populares, de “reparar”, “ficar” (termo mais empregado nas camadas médias) esporadicamente ou mais assiduamente com as crianças.

[57] Sá, 1992; Moreno, 2006.

 

Bibliografia

AGASSIZ, Luiz e E. Cary. Viagem ao Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional (Coleção Brasiliana, 95), 1938 [1865].

ALMADA, Paulo Daniel Souza. A infância desvalida: menores do Pará entre a Lei do Ventre Livre e a abolição. TCC em História. Belém: UFPA, 1990.

ALMEIDA, Ângela Mendes de. “Notas sobre a família no Brasil”. In ALMEIDA, A. M. D.; CARNEIRO, M. J. e GONÇALVES, S. D. (orgs.): Pensando a Família no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.

ÁLVARO, Maria Angela Gemaque. Memória emblemática: o que os tradicionais nos contam sobre seu passado? Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais - Antropologia). Belém: UFPA, 2005.

ARANTES, Antonio Augusto. Pais, Padrinhos e o Espírito Santo: Um reestudo do Compadrio. In ARANTES A. A. et al. Colcha de Retalhos: Estudos sobre família no Brasil. Campinas: Ed da UNICAMP, 1994, p. 195-206.

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª. Edição, 1994.

CORRÊA, Mariza. Repensando a família no Brasil (notas para o estudo das formas de organização familiar no Brasil). In ARANTES A. A. et al. Colcha de retalhos: Estudos sobre a família no Brasil. Campinas: Ed da UNICAMP, 1994, p. 15-42.

DANTAS, Luisa Maria. “Pais” ou “Patrões”? Um estudo sobre “crias de família” na Amazônia. TCC em Ciências Sociais. Belém: UFPA, 2008.

ESTUMANO, Evanildo Moraes. Uma Vida, Duas Vidas, Muitas Vidas: Diferenciações de gênero no cotidiano familiar e profissional de camadas médias urbanas. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Belém: UFPA, 2004.

FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Memórias da infância na Amazônia. In DEL PRIORE, Mary (org.) História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.

FONSECA, Claudia. Crime, corps, drame et humour: famille et quotidien dans les couches populaires brésiliennes. Tese de doutorado de Estado, Université de Nanterre, 1993.

FONSECA, Claudia. Caminhos da Adoção. São Paulo: Cortez, 1995.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985 [1933].

GOLDENBERG, Miriam. Ser homem, Ser mulher – dentro e fora do casamento. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

GOLDENBERG, Miriam. A Outra. Um estudo antropológico sobre a identidade da amante do homem casado. Rio de Janeiro: Revan, 1992.

GONÇALVES, Telma Amaral. E o casamento como vai? Um estudo sobre conjugalidade em camadas médias urbanas. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Belém: UFPA, 1999.

HALBWACHS, Maurice. La Mémoire Collective. Paris: PUF, 1956.

HATOUM, Milton. Dois Irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

HEILBORN, M. L. Dois é par: conjugalidade, gênero e identidade sexual em contexto igualitário. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

HUSTVEDT, Siri. O que eu amava. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

JURANDIR, Dalcídio. Belém do Grão Pará. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1960.

JULIÃO, Maria Romélia S. Donas da história: relações raciais, gênero e mobilidade social em Belém. Dissertação de mestrado em antropologia. Belém: UFPA, 1999

LAGES, Nara Isa da Silva. Encontrando famílias: formas, configurações e circulação de crianças em Belém. TCC em Ciências Sociais. Belém: Universidade Federal do Pará, 2008.

LAGO, Syane de Paula C. Namoro pra casar, namoro pra escolher (com quem casar). Dissertação (Mestrado em Antropologia). Belém, UFPA, 2002.

LAMARÃO, Maria Luiza Nobre. A constituição das relações sociais de poder no trabalho infanto-juvenil doméstico: estudo sobre estigma e subalternidade. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Belém: Universidade Federal do Pará, 2008.

LAMARÃO, Maria Luiza N. & MACIEL, Carlos Alberto B. (orgs.). Mulheres do Benguí. Contando histórias do trabalho infantil doméstico. Belém: Gráfica Alves, 2006.

LEACH, Edmund. Nascimento Virgem. In: Edmund Leach – Antropologia. São Paulo: Ática, 1983.

LINS DE BARROS, Myriam M. Autoridade & Afeto. Avós, filhos e netos na família brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

MALCHER, Leonardo Fabiano de Souza. Mulheres querem amor, homens querem sexo? Amor e masculinidades entre jovens de camadas médias urbanas de Belém. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Belém: UFPA, 2002.

MATOS, Marlise. Reinvenções do Vínculo Amoroso. Cultura e Identidade de Gênero na Modernidade Tardia. Belo Horizonte e Rio de Janeiro: EdUFMG e IUPERJ, 2000.

MORENO, Alessandra Zorzetto. Criando como filho”: as cartas de perfilhação e a adoção no império luso-brasileiro (1765-1822). Cadernos Pagu, 2006, n. 26, p. 1-7.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Da “bela Joaninha”, que virou “mulata paraense” e desapareceu nos becos da “cidade morena”: jornalistas, literatos e artistas construindo imagens negras (Belém/PA). Trabalho apresentado na 21ª Reunião Brasileira de Antropologia, Vitória, 1998.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Celebrando Joana (?), ou de como se fabrica a mulata: imagens da mulher negra na poesia popular paraense do final do XIX. Trabalho apresentado no 10º Ciso - Encontro de Ciências Sociais do Norte e Nordeste, Salvador, 2001.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Pensando na raça/inventando a cor: Intelectuais paraenses do final do XIX e a criação da mulata no Brasil. In SIMÕES, Maria do Socorro (org.): Entre Rios e Florestas: O Marajó, Um arquipélago sob a ótica da cultura e da biodiversidade. Belém: Editora da UFPA, 2002a, p. 85-112.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Lugares da cor (e do gênero): imbricações entre raça e gênero na imprensa belemense. Trabalho apresentado na 23ª Reunião Brasileira de Antropologia, Gramado/RS, 2002b.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Na casa da mãe/na casa do pai: anotações (de uma antropóloga & avó) em torno da circulação de crianças. Trabalho apresentado na 24ª Reunião Brasileira de Antropologia, Olinda/PE, 2004a.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Na casa da mãe/ na casa do pai: anotações (de uma antropóloga & avó) em torno da circulação de crianças. Revista de Antropologia (São Paulo), 2004b, vol. 47 (2), p. 427-452.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. O que a mulata tem a ver com a Senhora Aparecida? Discursos sobre cor, raça e gênero no Brasil (na virada do século XIX e do XX). Humanitas (Belém), 2005, vol. 20 (1/2), p. 7-27.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Crias, Criadas, Filhos de Criação: Filhos todos são? Adoção, afetividade e família na Amazônia. In 25a Reunião Brasileira de Antropologia (2). [CD-Rom]. Goiânia/GO, 2006.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Uma vez cria sempre cria (?): adoção, gênero e geração na Amazônia. In 13º Ciso - Encontro de Ciências Sociais do Norte e Nordeste. [CD-Rom]. Maceió/AL, 2007.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Uma vez “Cria” sempre “Cria” (?); adoção, gênero e geração na Amazônia. In LEITÃO, Wilma Marques e MAUÉS, R. H. Nortes Antropológicos: Trajetos, trajetórias. Belém: EDUFPA, 2009, p. 157-170.

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica; IGREJA, D. G. L. e DANTAS, L. M. S. De casa em casa, de rua em rua... Na cidade: Circulação de crianças. In 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. [CD-Rom virtual]. Porto Seguro-BA, 2008.

PANTOJA, Ana Lídia Nauar. Sendo mãe, sendo pai: sexualidade, reprodução e afetividade entre adolescentes de grupos populares de Belém. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Belém: Universidade Federal do Pará, 2007.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 1989, vol. 2 (3), p. 3-15.

RODRIGUES, R. Nina. As Raças Humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Salvador: Progresso, 1957 [1894].

ROSENBLATT, Sultana Levy. Barracão. Rio de Janeiro: Leitura, 1963.

SÁ, Isabel dos Guimarães. A circulação de crianças na Europa meridional do século XVIII: o exemplo da “Casa da Roda” do Porto. Boletín de La Associación de Demografia Histórica, 1992, vol. X (3), p. 115-123.

SALLES, Vicente. O Negro no Pará. Belém: Cejup, 1988.

SAMARA, Eni de Mesquita. Tendências atuais da História da Família no Brasil. In ALMEIDA, A. M. D.; CARNEIRO, M. J. e GONÇALVES, S. D. (orgs.): Pensando a Família no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.

SARTI, Cynthia Andersen. A família como espelho. Um estudo sobre a moral dos pobres. São Paulo: Autores Associados, 1996.

VAITSMAN, Jeni. Flexíveis e Plurais: identidade, casamento e família em circunstâncias pós-modernas. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

VAZ SILVA, Tiago Luís Coelho. Lembranças da Cor: memória e identidade de velhos em Belém (final do século XIX/início do século XX). Relatório PIBIC/CNPq. Belém: UFPA, 2004.

VELHO, Gilberto. Família e subjetividade. In ALMEIDA, A. M. D; CARNEIRO, M. J. e GONÇALVES, S. D. (orgs.): Pensando a Família no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1987.

VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias abandonadas. Assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador – Séculos XVIII e XIX. Campinas: Papirus, 1999.

VERÍSSIMO, José. A Educação Nacional. 1890.

WAGLEY, Charles. Uma Comunidade Amazônica: estudo do homem nos trópicos. São Paulo: Nacional (Brasiliana, 290), 1977 [1956].

WOORTMANN, Klaas. A família das mulheres. Rio de Janeiro: Tempo Universitário/ Brasília: CNPq. 1987.


Lista de romances e outros textos literários

ALLENDE, Isabel. A soma dos dias. Memórias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

AZEVEDO, Francisco. O arroz de Palma. Rio de Janeiro: Record, 2008.

BISHOP, Elizabeth. Escorços do Afeto e outras histórias. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

BRONTË, Emily. O Morro dos Ventos Uivantes. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

CECÍLIA, Maria. Uma casa chamada 14. Belém: IAP, 2003.

CELINA, Lindanor. Estradas do tempo foi. Rio de Janeiro: Ed. JCM, 1971.

CELINA, Lindanor. Menina que vem de Itaiara. Rio de Janeiro: Conquista, 1963.

DARD, Michel. Les sentiers de l’infance. Paris: Éditions du Seuil, 1977.

DOWD, Siobhan. A carne dos anjos. Rio de Janeiro: Agir, 2009.

FULLER, Alexandra. Feras no jardim – Uma infância na África. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

GUIMÉNEZ BARTLETT, Alicia. A casa de Virginia W. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

HÄRTLING, Peter. Uma Vovó Especial. Ilustrações de Peter Knorr. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

HATOUM, Milton. Dois Irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

HUSTON, Nancy. Marcas de Nascença. Porto Alegre: L & PM, 2008.

HUSTVEDT, Siri. O que eu amava. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

JURANDIR, Dalcídio. Belém do Grão Pará. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1960.

KIDD, Sue Monk. A vida secreta das abelhas. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

LESSING, Doris. As avós. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

MAH, Adeline Yen. Cinderela Chinesa: a história secreta de uma filha indesejada/Adeline Yen Mah. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

MARANHÃO, Haroldo. Querido Ivan. Belém: Grafisa, 1998.

MEDEIROS, Maria Lúcia. Velas, por quem? Belém: Cultural Cejup, 1990.

MONTEIRO, Benedito. Verde Vagomundo. Belém: Cejup, 1991.

MORRISON, Toni. O olho mais azul. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

PROUST, Marcel. No caminho de Swan. Porto Alegre: Globo, 1957 a.

PROUST, Marcel. À sombra das raparigas em flor. Porto Alegre: Globo, 1957 b.

QUEIROZ, Raquel de. Tantos Anos. (Em parceria com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek). São Paulo: Siciliano, 1998.

ROSENBLATT, Sultana Levy. Barracão. Rio de Janeiro: Leitura, 1963.

SARAMAGO, José. As pequenas memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

TYLER, Anne. Em busca da América. Rio de Janeiro: Record, 2007.

UMRIGAR, Thrity. A distância entre nós. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

 

© Copyright Maria Angelica Motta-Maués, 2012.
© Copyright Scripta Nova, 2012.

 

Edición electrónica del texto realizada por Beatriz San Román Sobrino.

 

Ficha bibliográfica:

MOTTA-MAUÉS, Maria Angelica. Uma mãe leva a outra(?): práticas informais (mas nem tanto) de “circulação de crianças” na Amazônia. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 15 de marzo de 2012, vol. XVI, nº 395 (8). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-395/sn-395-8.htm>. [ISSN: 1138-9788].

Índice del nº 395
Índice de Scripta Nova