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Índice de Scripta Nova

Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. XVI, núm. 418 (66), 1 de noviembre de 2012
[Nueva serie de Geo Crítica. Cuadernos Críticos de Geografía Humana]

 

TECNIFICAÇÃO DOS TERRITÓRIOS RURAIS NO BRASIL: POLÍTICAS PÚBLICAS E POBREZA

Celso Locatel
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
celso.locatel@gmail.com

Tecnificação dos territórios rurais no Brasil: políticas públicas e pobreza (Resumo)

O aumento da densidade técnica dos territórios, usados para a prática da agropecuária no Brasil, foi viabilizado, a partir da década de 1960, tendo em vista uma série de elementos incorporados ao território na fase anterior, como as políticas setoriais, que favoreceram segmentos agrícolas, possibilitando maior acumulação de capitais neste setor; além do mais, um mercado de máquinas com grande demanda; mudanças nas práticas agronômicas e incorporação de novas tecnologias até então importadas; aumento da demanda de produtos agrícolas no mercado externo e de matérias-primas no mercado interno; e uma reestruturação política e econômica a partir do pós-guerra, consolidada com o golpe militar no Brasil. Este trabalho tem como objetivo analisar a densidade técnica das atividades agrícolas e a manutenção da pobreza nos territórios rurais, em especial na região Nordeste brasileiro. As transformações observadas na agricultura brasileira, que teve o Estado como principal agente dinamizador, beneficiaram principalmente os grandes e médios produtores, que exploravam produtos de exportação e matérias-primas para as agroindústrias e se concentraram principalmente na região centro-sul, enquanto que a pobreza se agrava e se concentra nas regiões Nordeste e Norte do país. Para se atingir os objetivos desse trabalho realizou-se a análise da densidade técnica da agricultura brasileira, seguida de discussão sobre a permanência da pobreza nas áreas rurais.

Palavras chave: território, técnica, pobreza rural, Brasil.

Technification of rural territories at Brazil: policies and poverty (Abstract)

The increase of technical density in the territories which are used in brazilian agriculture was available in the 1960's due to the incorporation of a number of elements to the territory in the previous period such as: sectorial policies which benefited agriculture segments, a machinery market on large demand, changes on agriculture practices, an incorporation of new technologies imported so far and a increase in the demand of agricultural products on internal and foreign market . This paper aims the discussion and analysis of agricultural practices` technical density and the remaining poverty in the rural territories, mainly in brazilian northeast. Those changes on brazilian agriculture, which had the Estate as the protagonist, benefited mainly the small and medium-scale producers who exploited export goods and commodities and was concentrated on central-south region, while poverty was concentrated in both Northeast and North region. This paper`s scientific accuracy was made possible by the analysis of brazilian agriculture technical density and poverty on the rural areas.

Key words: territory, technic, rural poverty, Brazil.


O que se convencionou chamar de “modernização da agricultura” no Brasil está associado à incorporação crescente de tecnologias ao processo produtivo agrícola, e começou a ser estruturado a partir da década de 1950, como resultado da consolidação de macro-estruturas que começaram a ser edificadas na fase anterior, como parte da reestruturação da dinâmica de reprodução e acumulação ampliada do capital que, a partir da crise de 1929, desloca o centro dinâmico de acumulação do setor agrícola para o urbano-industrial, com especificidades no caso brasileiro.

A partir da década de 1960 o aumento da densidade técnica do território, através da execução do projeto “modernizador” para a agricultura só foi viabilizado porque havia uma série de elementos incorporados ao território na fase anterior, tais como as políticas setoriais que favoreceram segmentos agrícolas, possibilitando assim maior acumulação de capitais; um mercado de máquinas com grande demanda; mudanças nas práticas agronômicas e incorporação de componentes do pacote tecnológico da “Revolução Verde”[1] até então importados; aumento da demanda de produtos agrícolas no mercado externo e de matérias-primas no mercado interno, com a “substituição de importações”; e uma reestruturação política e econômica a partir do pós-guerra, consolidada com o golpe militar e o estabelecimento do governo ditatorial no Brasil. Essa conjuntura estava em consonância com o cenário internacional de mudanças nas relações entre países e capitais, que implicaram na reestruturação da divisão internacional do trabalho e na configuração interna do país.

A partir de então a agricultura nacional passa a receber influências externas, seguindo um contexto global, no qual o imperialismo norte-americano, segundo Linhares e Silva (1981), passa a ditar as contingências para o mundo latino-americano, impondo transformações e seguindo uma lógica “modernizante”, ou seja, de incorporação crescente de técnicas ao processo produtivo.

Sendo assim, entender o contexto econômico, a organização da produção e a incorporação de novas técnicas contribui decisivamente para a compreensão do direcionamento dado às políticas para o meio rural brasileiro e para a própria dinâmica do setor agrícola, além de possibilitar um entendimento acerca do papel atribuído à agricultura no modelo de desenvolvimento adotado no país, assim como sua relação com a manutenção da pobreza rural.

Levando-se em consideração a realidade social do Brasil, que é marcada pela acentuada concentração de renda e desigualdade social extrema, este trabalho tem como objetivo analisar o nível de tecnificação das atividades agrícolas e a manutenção da pobreza nos territórios rurais, em especial na região Nordeste do país.

Falar da pobreza num país como o Brasil é algo muito pertinente, sobretudo porque ela está presente no cotidiano das pessoas, independente da região do país, área da cidade, localização do domicílio (rural ou urbano), do contexto cultural ou religioso.  A pobreza está quase sempre atrelada à falta de alguma coisa, e por outro lado é dotada de significados multivariados, pois pode ser identificada através da renda, educação, saúde, consumo alimentar, etc. É a partir dessa premissa, que através deste trabalho pretendemos contribuir para a discussão sobre o nível de pobreza rural existente no Brasil.

Para a consecução dos objetivos, num primeiro momento, realizou-se uma discussão referente ao nível de tecnificação do território nacional, destacando o uso de máquinas, equipamentos e insumos industriais no processo produtivo agrícola. Da mesma forma, buscou-se fundamentos teóricos no que tange à pobreza, principalmente, nas obras de Salama e Destremau (1999) e Amartya Sen (2000). A partir de uma revisão bibliográfica acerca da temática em questão, pôde-se compreender melhor o quão multidimensional é a pobreza e ressaltar que o processo crescente de incorporação de técnicas na produção rural, não é suficiente para reduzir as desigualdades rurais e acabar com a pobreza, mas muitas vezes acentuá-las e agravá-las.

A análise de dados estatísticos oriundos da FIBGE (Censos Demográficos – 2000 e 2010) foi de profundo significado para a realização deste trabalho, pois a partir deles foi possível analisar o grau de pobreza existente entre a população em questão. Para analisar o nível de tecnificação dos territórios rurais foi necessário fazer um levantamento de dados junto aos Censos Agropecuários (1996 e 2006) e à Produção Agrícola Municipal (2000 e 2010), considerando as variáveis: utilização de máquinas, tratores, irrigação, insumos químicos, melhoramento genético de plantas e animais, assim como acesso ao crédito agrícola.


Território e técnica: do complexo rural ao agroindustrial

Para melhor compreender a dinâmica dos territórios rurais no Brasil e o aumento da densidade técnica, recorreu-se a uma periodização simples, entendendo que o período técnico da história corresponde ao predomínio da dinâmica do complexo rural e o período técnico-científico-informacional (o atual) reflete o domínio da dinâmica do complexo agroindustrial.

Segundo Santos & Silveira (2001, p. 24) “períodos são pedaços de tempo definidos por características que interagem e asseguram o movimento do todo”. Esse movimento geral é assegurado segundo uma organização comum dos fatores que caracterizam esse período. Porém, é a falência dessa organização, “açoitada por uma evolução mais brutal de um ou de diversos fatores, que desmantela a harmonia do conjunto, determina a ruptura e permite dizer que se entrou em um novo período”[2]..

Sendo assim, o primeiro período, ou seja, o pedaço de tempo que possui uma coerência interna tem seu início marcado pelo evento da estruturação dos circuitos de produção agrícola do período colonial, em especial o do açúcar, que doravante será denominado de período do complexo rural, e que sua ruptura ocorrerá com o surgimento do circuito espacial de produção do café, em meados do século XIX. No entanto, vale salientar que entre a crise do complexo rural e a consolidação do complexo agroindustrial, em meados do século XX, observou-se no contexto agrário brasileiro a coexistência de vários processos, técnicas e objetos, logo de muitas temporalidades.

Pode-se citar como características desse primeiro período uma economia apoiada na produção e exportação de um pequeno número de produtos (algodão, couro, fumo, açúcar, cacau e outros) que já apresentavam, só na primeira metade do século XIX, uma queda do índice de intercâmbio próxima a 40%, ou seja, a renda real gerada pelas exportações cresceu quarenta por cento menos que o volume físico destas, conforme aponta Furtado (1968). Assim, na primeira metade do século XIX a economia agrícola, e consequentemente a economia nacional, apresentava-se estagnada e decadente. Buscava-se encontrar produtos de exportação que tivessem a terra como fator básico de produção, pois a terra era o único meio de produção abundante no país, o que indica um estágio de baixa densidade técnica na produção agrícola. Sendo a terra o principal meio de produção existente na época, quem a dominasse monopolizaria a totalidade dos meios de produção agrícolas[3].

Neste período, havia uma tendência de se desenvolver uma economia independente, possibilitada pelo rompimento dos laços opressivos do monopólio exercido pela Metrópole, desde o descobrimento, o que viabilizou a expansão das forças produtivas no país. Porém, configurou-se um quadro de estagnação devido a um conjunto de elementos frenadores, que surgiram e sufocaram a tendência de se desenvolver uma economia independente, como por exemplo, o monopólio do comércio interno representado pelos comerciantes portugueses aqui estabelecidos e, externamente, o monopólio do comércio mundial exercido pelos ingleses, conforme ressalta Guimarães (1981).

Além dos aspectos mencionados, juntam-se a eles outros elementos que vieram corroborar com a estagnação da economia brasileira, como o declínio das exportações de algodão para a Inglaterra, que perderam terreno para as exportações norte-americanas. Situação parecida se repete no caso do açúcar - que também era, no início do século XIX, um produto importante na pauta de exportações brasileiras - voltou a enfrentar a concorrência do açúcar de beterraba e o das Antilhas.

Segundo Guimarães (1981, p. 122) “sobressaem, em todos êsses elementos frenadores de nosso efêmero surto de progresso econômico, as causas estruturais que não foram removidas nem profundamente alteradas com as importantes, mas ainda superficiais, medidas descolonizadoras iniciadas com a vinda da Côrte portuguesa para o Brasil”. Ainda, segundo Guimarães (1981), o período imediatamente posterior à volta da Corte à Portugal e a proclamação da Independência, foi marcado por dificuldades econômicas e financeiras crescentes, por uma intensa agitação política e um descontentamento popular intenso.

Todos esses fatores contribuíram para um acontecimento de grande significado histórico, que foi a passagem da hegemonia econômica e política das mãos dos senhores de engenho para as dos fazendeiros de café. Contudo, conservou-se a estrutura anterior básica da economia colonial, ou seja, uma organização econômica primária, visando produzir gêneros tropicais para a exportação. Outro elemento estrutural preservado foi a escravidão que representava a base de sustentação de toda a economia nacional, que se reforçou como regime com a ascensão ao poder da classe dos proprietários rurais que se tornaram social e politicamente dominantes durante o Império, como é apontado por Prado Júnior (1970).

Mesmo com todas as transformações ocorridas na primeira metade do século XIX, a partir do segundo quartel deste, o café despontou com predominância entre os produtos exportados. Isso deveu-se ao fato de se tratar de um produto de grande facilidade de produção nas condições do país e por apresentar grande importância no mercado mundial. Assim, o café tornou-se o elemento de sustentação da estrutura herdada do período colonial, muito abalada pelas mudanças ocorridas nos quatro decênios a partir da chegada da Corte portuguesa ao Brasil, conforme destaca Prado Júnior (1970).

A lavoura cafeeira destaca-se no processo evolutivo da economia brasileira por abranger quase toda a riqueza do país durante a segunda metade do século XIX, colocando o Brasil na posição de grande produtor mundial, exercendo quase o monopólio no comércio internacional. “Tanto dentro do país como no conceito internacional o Brasil era efetivamente, e só, o café. Vivendo exclusivamente da exportação, somente o café contava seriamente na economia brasileira”[4].

O produto - café - tornou-se o cerne da economia nacional, chegando a contribuir com 70% do valor das exportações e, segundo Prado Júnior (1970, p. 167),

“Quase todos os maiores fatos econômicos, sociais e políticos do Brasil, desde meados do século passado [XIX] até o terceiro decênio do atual [XX], se desenrolam em função da lavoura cafeeira: foi com o deslocamento de população de todas as partes do país [...] para o Sul, e São Paulo especialmente; o mesmo com a maciça imigração europeia e a abolição da escravidão; a própria Federação e a República mergulharam suas raízes profundas neste solo fecundo onde vicejou o último soberano, até data muito recente, do Brasil econômico: o rei café [...]”.

O desenvolvimento da cafeicultura, no século XIX, e a própria evolução da economia brasileira, ocorreu dentro de uma estrutura de produção denominada de complexo rural. Esta estrutura imprimiu o ritmo da produção, com sua dinâmica muito simples, caraterizada por uma incipiente divisão do trabalho.

Sob o ponto de vista técnico a fazenda era uma forma modular de organização da produção e da gerência da terra, onde

“para produzir um determinado produto, tinha que produzir todos os bens intermediários e os meios de produção necessários, e ainda assegurar a reprodução da própria força de trabalho ocupada nessas atividades. O complexo rural internalizava na fazenda um ‘departamento’ de produção de meios de produção (insumos, máquinas e equipamentos), mas ‘um D1 assentado em bases artesanais’ com o ferreiro, o carpinteiro, o pedreiro, o mecânico, o domador de animais, o seleiro etc.”[5]

Assim, as atividades que poderiam resultar na constituição do mercado interno de bens intermediários e de capitais eram desenvolvidas no interior das fazendas, reduzindo significativamente o consumo gerado na etapa da produção, reduzindo também o mecanismo de realização do lucro. E ainda, normalmente, produzia-se apenas um produto de valor comercial que era destinado ao mercado externo e o emprego do maior ou menor volume de recursos da unidade de produção (mão de obra, animais de tração, equipamentos, terras), variavam de acordo com o valor do produto no mercado internacional.

No entanto, a expansão do latifúndio cafeeiro, de 1830 a 1890, período marcado pela dinâmica do complexo rural – e predomínio do meio técnico –, é um fato, pois o empresário estava interessado em investir seu novo capital na expansão das plantações e não em melhorias dos métodos de cultivo para aumentar a produtividade. Segundo Furtado (1968), esse novo capital era acumulado com qualquer aumento de produção, que se transformava em lucro, já que não era necessário aumentar a quantidade de capital por unidade de mão de obra, que não exercia nenhuma pressão no sentido de elevação de salário, pois a mão de obra era escrava. Outro elemento que corrobora com as facilidades encontradas pelos fazendeiros de café em aumentar seus lucros é a abundância do fator terra. Se essa fosse escassa, forçaria o fazendeiro a imobilizar mais capital para melhorar as técnicas de cultivo e aumentar a produtividade das lavouras.

Simultaneamente à dinâmica da economia baseada na exploração extensiva, ocorreram alguns fatores como a proibição do tráfico negreiro, a consequente e gradativa passagem para o trabalho livre e a Lei de Terras de 1850, que são apontados por Kageyama (1987) e Graziano da Silva (1996) como desencadeadores da crise do complexo rural, ou seja, esses fatores desestruturam a harmonia do período técnico da produção agropecuária brasileira e se inicia a transição para o período técnico-científico.

O início da desestruturação do período regido pelo complexo rural, de acordo com Graziano da Silva (1996, p.11-12) foi marcado pela separação de algumas atividades do complexo cafeeiro,

“quebrando aquela rígida estrutura autárquica do complexo rural: cria-se um setor independente de formadores de fazendas de café; separam-se também alguns pequenos produtores de alimentos e de pequenas indústrias rurais para abastecimento das cidades e vilas que se formavam, desenvolve-se a produção de algodão com base nas relações de parceria e articulada na indústria têxtil, que já nasce como grande indústria em 1880; e criam-se atividades manufatureiras nas cidades (oficinas de reparos, manufaturas de louça, chapéus e outros bens de consumo não-duráveis)”.

A fase final do período do complexo rural foi marcada pelo auge da cafeicultura, que alguns autores denominam de complexo cafeeiro, fase compreendida entre 1890 e 1930, na qual

“amplia-se as atividades tipicamente urbanas e outros setores começam a emergir do complexo cafeeiro (rural): cria-se um setor artesanal de máquinas e equipamentos agrícolas fora das fazendas de café para a produção de secadores, despoupadoras, peneiras, enxadas, arados etc., aumentam as oficinas de reparo e manutenção; estabelecem-se as primeiras agroindústrias (distintas das indústrias rurais, que eram um mero prolongamento das atividades agrícolas propriamente ditas) de óleos vegetais, açúcar e álcool; consolida-se a indústria têxtil como a primeira grande indústria nacional; e se inicia a substituição de importações de uma ampla gama de bens de consumo ‘leves’”.[6]

Assim, verifica-se a emersão de um novo período, porém ainda mantendo muitos elementos típicos do período anterior, o que evidencia as coexistências e simultaneidades. O desenvolvimento da agricultura, ocorrido no subperíodo de 1930 a 1960, é marcado por um padrão de crescimento agrícola, apoiado na expansão horizontal, ou seja, através da incorporação de novas áreas à produção, com baixo nível tecnológico e pela ação estatal de forma decisiva para a reestruturação do setor agrícola após a crise mundial do capital, buscando priorizar a produção para o mercado interno. Neste sentido, Kageyama (1987, p. 7) observa que,

“embora do lado da produção os determinantes da dinâmica da agricultura estivessem sendo deslocados para o mercado interno, do ponto de vista das transformações de sua base técnica ela ainda permanecia atrelada ao setor externo, pois sua modernização dependia da capacidade para importar máquinas e insumos. [...] As decisões de produzir se internalizavam gradativamente em função das exigências do mercado nacional, mas os instrumentos necessários para produzir dependiam cada vez mais da abertura para o exterior”.

Resumidamente, pode-se dizer que o crescimento da produção agrícola brasileira, até meados da década de 1960, apoiou-se em um modelo de agricultura extensiva que se caracterizou pelo crescimento da área plantada dentro dos latifúndios mercantis, pela expansão da fronteira agrícola e pelo baixo nível tecnológico, apresentando, apenas, uma pequena elevação dos índices de tratorização (uso de tratores) e de uso de adubos químicos, à base de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), que foram estimulados e facilitados pelo governo através da isenção de tarifas alfandegárias sobre a importação desses produtos, e de financiamento favorecendo a incorporação destes à agricultura.

O modelo de crescimento agrícola, baseado na produção extensiva e na expansão da fronteira agrícola, já mostrava claros sinais de exaustão no final da década de 1950 e início dos anos 1960, quando o país sofreu crises periódicas de abastecimento interno de produtos básicos como carne, feijão e frutas, provocando uma alta geral dos preços dos produtos alimentícios, ocasionada pelo aumento dos custos de comercialização e pelo crescimento das redes urbanas, conforme destaca Sorj (1980).

Em meados da década de 1960, há um redirecionamento das políticas agrícolas para tentar resolver a crise de abastecimento no mercado interno. Essa crise, somada à inflação constituíam elementos que poderiam agravar as tensões sociais da época e, logo, o abastecimento de alimentos torna-se um importante objetivo econômico e político para o governo, segundo Pastore & Alves (1975).

Outro elemento que contribuiu para as transformações, ocorridas na década de 1960, foi a condição favorável do mercado internacional que, somada ao crescimento da demanda do mercado interno, passou a exigir um crescimento superior ao que vinha ocorrendo, até então, através da incorporação de novas terras nas áreas de fronteira.

Já no início da década de 1950, no segundo Governo Vargas, surge a preocupação com o aumento da produtividade agrícola e se aponta a importância de se desenvolver, internamente, uma indústria de fertilizantes e máquinas agrícolas. Essa iniciativa de se produzir, internamente, tratores e fertilizantes possibilitou a substituição parcial desses bens, mas ainda manteve-se elevada a dependência em relação às importações.

Portanto, pode-se considerar que o início do processo que foi denominado de “modernização da agricultura” dá-se nos anos 1950, quando a agricultura brasileira já apresentava elevações nos índices, de forma ainda modesta, de tratorização e consumo de NPK, mesmo que não tenha sido de forma plena, em função das dificuldades de se produzir internamente os bens de produção e os insumos básicos para a agricultura, dificultando o desenvolvimento das ligações intersetoriais. No entanto, apesar do deslocamento do centro dinâmico da economia do complexo rural/cafeeiro para o setor industrial, a produção agrícola não perdeu de imediato sua importância econômica e política.

Segundo Graziano da Silva (1996, p. 20),

“O processo de modernização, ao mesmo tempo que implica a mercantilização intra-setorial  da agricultura, promove a substituição de elementos internos do complexo rural por compras extra-setoriais (máquinas e insumos), abrindo espaço para a criação de indústrias de bens de capital e insumos para a agricultura”.

Isso proporciona o estabelecimento de relações intersetoriais à montante, mas o desenvolvimento da integração intersetorial à jusante, ou seja, a agricultura como fornecedora de matéria-prima para a agroindústria, só se consolida a partir da internalização do Departamento I (D1)[7].

A partir da expansão crescente do uso de insumos e máquinas na agricultura, cria-se um novo campo de valorização do capital industrial que, com as leis protecionistas implementadas pela política de substituição de importações, permitiu que houvesse a formação de um mercado cativo, representado pela agricultura, possibilitando o desenvolvimento de um setor da indústria para a produção de tratores, máquinas agrícolas, implementos, adubos e defensivos para a agricultura, compondo o D1 para a agricultura, ou seja, o setor industrial fornecedor de instrumentos de produção para o setor agrícola (SORJ, 1980).

O início da formação do D1, segundo Sorj (1980), deu-se com a internalização da produção de tratores, no começo da década de 1960, com um controle quase total do capital internacional. Já a indústria de máquinas e implementos se desenvolveu com capital nacional e, após a adoção de medidas restritivas ao crédito agrícola, no final da década de 1970, ocorre um processo de desnacionalização, através de vendas ou fusões dessas empresas junto a grupos estrangeiros.

Sobre a indústria de fertilizantes, Sorj (1980) aponta que esta só se desenvolveu a partir de 1973 com a incorporação de uma empresa do setor por uma subsidiária da Petrobrás, a Petrofertil. O desenvolvimento dessa indústria foi dificultado, na década de 1960, pelo dumping formado pelas grandes empresas internacionais. A partir da atuação direta do Estado neste setor, criaram-se, também, o Programa Nacional de Fertilizantes e Calcário Agrícola e uma política de preços e juros subsidiados para aumentar o uso desses produtos na agricultura.

A produção de sementes foi desenvolvida, até 1964, quase que exclusivamente pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), um órgão da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. A partir dessa data, através de decretos do governo federal, é passada para a iniciativa privada.

O desenvolvimento da indústria de ração só ocorreu na década de 1970, com a expansão da produção de soja, utilizando o farelo para a produção, com forte presença do capital multinacional. A produção de defensivos animais desenvolveu-se paralelamente à indústria de ração, tendo seu controle sob o domínio, também, do capital estrangeiro. A indústria de bens de capital para a agroindústria processadora de alimentos, vai se consolidar com o capital nacional, o que não ocorre com o setor de equipamentos para laticínios, setor de extração, refino e embalagem de oleaginosas, no qual se observa a presença de capital internacional, segundo Sorj (1980).

Paralelamente ao desenvolvimento do setor à montante da agricultura, desenvolve-se, também, o setor à jusante, ou seja, a indústria processadora de alimentos e matérias-primas. Devido às suas exigências, como o tipo de produto, controle sanitário, qualidade, homogeneidade e regularidade na entrega, impõe-se ao produtor certo nível tecnológico de produção, conforme aponta Delgado (1985). 

Entretanto, o processo de “modernização da agricultura” como sendo a incorporação de bens de produção e insumos industriais por este setor, tende a refletir-se no aumento do consumo intermediário na agricultura, ou seja, a produção agropecuária inclui, no processo de produção, insumos como sementes selecionadas, defensivos, fertilizantes, ração e medicamentos animais, embalagens e outros produtos industrializados, tornando o processo produtivo cada vez mais complexo, e aumentando a dependência da produção agropecuária em relação à indústria.

Além dos fatores já citados, outro que merece ser mencionado, o qual ajudou no incremento da produção agrícola no Brasil neste período, foi a disponibilidade de terras agricultáveis que contribuíram para a manutenção do padrão de crescimento horizontal. A incorporação de novas áreas foi importante para o aumento da produção de alimentos e para manter baixos os preços destes no mercado interno, o que possibilitou manter em baixos níveis os custos da economia urbano-industrial e o aumento das taxas de lucro dos monopólios que atuam nesses setores[8].

Essas mudanças no nível técnico da agricultura, com a ampliação de sua integração e dependência em relação à indústria, contribuíram para consolidar a industrialização do país, e para dar início, ainda nos anos de 1960, ao que foi denominado de “industrialização da agricultura”, ou seja, a estruturação dos segmentos industriais fornecedores de bens de capital e intermediário para a agricultura. Assim, “o novo centro dinâmico da economia – a indústria e a vida urbana – impõe suas demandas ao setor rural e passa a condicionar suas transformações, que vão culminar nos anos de 1970 na constituição dos CAIs”[9].

A formação do Complexo Agroindustrial (CAI), que de certa maneira é determinante e determinada pelo processo de tecnificação da agricultura, passa a provocar transformações regionais e setoriais, que não são homogêneas no território brasileiro, mas impõem de forma geral uma nova dinâmica aos circuitos de produção agrícola, principalmente na forma de organizar, produzir e comercializar. Esse processo, ao mesmo tempo em que induz a incorporação crescente de bens de produção e bens intermediários pela agricultura, torna-se mais intenso e complexo com esse consumo, exigindo cada vez mais a adoção de inovações para que o produtor consiga aumentar a produtividade dos fatores de produção e manter sua rentabilidade através da obtenção da renda diferencial II[10].

Com a nova dinâmica ditada pelo CAI, verifica-se a incorporação dos novos insumos e tecnologias mais avançadas, com uma grande inversão de capital na agropecuária. Assim, a análise da evolução desses fatores permitirá verificar o nível de integração do setor agropecuário ao setor industrial à montante, já que as inovações que apresentam maior grau de abrangência no setor são geradas na indústria e serviços à montante da agricultura.

Assim, se verifica um processo de aumento da densidade técnica do território nacional, ainda que esse processo venha ocorrendo de forma parcial e desigual e sob forte intervenção do Estado através de políticas públicas específicas.


A densidade técnica na agricultura brasileira

Antes de discorrer sobre a densidade técnica da agricultura faz-se necessário uma breve discussão sobre a técnica e sua importância para a compreensão dos circuitos espaciais de produção agrícola.

A técnica é o procedimento ou o conjunto de procedimentos que têm como objetivo obter um determinado resultado, que pode ser no campo da ciência, da tecnologia, das artes, da política etc. Santos (2008a) destaca que para Sorre (1948, p. 5) a noção de técnica “estende-se a tudo o que pertence à indústria e à arte, em todos os domínios da atividade humana”, entendendo assim a técnica como sistema.

A base técnica da sociedade atual, constituída pela ciência, a tecnologia e a informação, vem sendo incorporada com intensidade crescente e é posta a serviço da valorização do capital. Para Linhares (2006), “a tecnologia e sua evolução desvelam um importante elemento explicativo da história das sociedades, principalmente no que tange à sua reprodução material”.  Nesse sentido, Linhares (2006, p. 16) afirma que

“[...] os processos de modernização e os progressos tecnológicos levados a efeito pela industrialização e pela revolução informacional conferem aos agentes produtores do espaço uma maior fluidez, propiciando maior integração dos mercados e flexibilização dos espaços econômicos. Erige-se assim o meio técnico-científico, entendido enquanto o resultado geográfico da tecnologia, de seu espraiamento e do aprofundamento do modo de produção capitalista. Dessa forma, no capitalismo, o espaço adquire a materialidade que esse modo de produção lhe imprime por meio de sua base técnica”.

Assim, a tecnologia está presente e submete o campo e a cidade aos ditames de um modo de produção, assentando-se na técnica, e exigindo o progresso técnico cumulativo para continuar existindo. Diante disso, a realidade espacial também é fortemente condicionada e definida pela base técnica. O território cada vez mais se configura conforme as engenharias técnicas que lhes são superpostas[11].

Na concepção de Santos (2008b), ocorre assim a substituição do meio natural por um meio cada vez mais artificializado, processo que se dará de maneira particular em cada fração da superfície da Terra. A partir dessa concepção o autor admite que a história do meio geográfico pode ser dividida em três etapas: o meio natural, o meio técnico, o meio-técnico-científico-informacional. Assim, compreende-se o meio-técnico-científico-informacional como o meio geográfico no período atual, “onde os objetos mais proeminentes são elaborados a partir dos mandamentos da ciência e se servem de uma técnica informacional da qual lhes vem o alto coeficiente de intencionalidade com que servem às diversas modalidades e às diversas etapas da produção”[12].

Para Castells (1999), a sociedade informacional enfatiza uma forma específica de organização social em que a geração, o processamento e a transmissão da informação tornam-se as fontes fundamentais de produtividade e poder devido às novas condições tecnológicas surgidas com a Revolução da Tecnologia da Informação.

Assim, compreender o domínio da técnica pelo homem em diferentes contextos históricos, sociais, políticos e culturais é fundamental para se compreender o processo de produção material do espaço e de configuração territorial.

Nesse sentido, Santos (2008a, p. 171) afirma que

“As características da sociedade e do espaço geográfico, em um dado momento de sua evolução, estão em relação com um determinado estado das técnicas. Desse modo, o conhecimento dos sistemas técnicos sucessivos é essencial para o entendimento das diversas formas históricas de estruturação, funcionamento e articulação dos territórios, desde os albores da história até a época atual. Cada período é portador de um sentido, partilhado pelo espaço e pela sociedade, representativo da forma como a história realiza as promessas da técnica”.

Esse raciocínio permite fazer referência a várias técnicas, como as agrícolas, industriais, comerciais, culturais, políticas, da difusão da informação, dos transportes, das comunicações, da distribuição, entre outras, que são um dos dados que pode servir para compreender o espaço (tanto material, como enquanto totalidade). Porém, Santos (2008b, p. 57) argumenta que

“Tais técnicas não têm a mesma idade e, desse modo, pode-se falar do anacronismo de algumas e do modernismo de outras [...]. Essas técnicas se efetivam em relações concretas, relações materiais ou não, que presidem a elas, o que nos conduz sem dificuldade à noção de modo de produção e de relações de produção”.

Linhares (2006) ressalta que os sistemas técnicos recentes assumem um caráter mundializado, ainda que nos países periféricos tais sistemas apresentem uma distribuição geográfica irregular e, em muitos casos, incompleta, além de um uso social excludente. Contudo, de acordo com Santos (2008b), trata-se de um sistema técnico único (atrelado a um modo de produção mundial ou globalizado), hegemônico que é apropriado, monopolizado e utilizado pelos agentes hegemônicos da constituição social e, portanto, da produção do espaço. Nesse sentido, para Santos (2008a), as técnicas funcionam como sistemas que marcam as diversas épocas, e são examinadas através de sua própria história, além de serem vistas não apenas no seu aspecto material, mas também nos seus aspectos imateriais. A unicidade das técnicas levou à unificação do espaço em termos globais.

A técnica perpassa todos os aspectos dos circuitos espaciais de produção, desde os mais sofisticados, como o da cana de açúcar que utiliza equipamentos de alta precisão, ou como o da mandioca, que utiliza força de tração animal e humana em quase todas as etapas da produção.

O aperfeiçoamento da técnica é desencadeado e obedece às necessidades de um determinado grupo social, ou mesmo de um determinado setor produtivo. Sendo assim, Ortega y Gasset (1963) afirma que “homem, técnica e bem-estar são, em última instância, sinônimos”. De acordo com Santos (2009) os objetos técnicos são criados contendo intencionalidade. Essa intencionalidade dos objetos pode ser mercantil, como também simbólica. Ainda o referido autor afirma que para ser mercantil “frequentemente ela precisa ser simbólica”. Sobre o aspecto simbólico da intencionalidade o autor afirma que

“Quando nos dizem que hidrelétricas vêm trazer para um país ou para uma região, a esperança de salvação da economia, da integração no mundo, a segurança do progresso, tudo isso são símbolos que nos permitem aceitar a racionalidade do objeto que, na realidade, ao contrário, pode exatamente vir destroçar a nossa relação com a natureza e impor relações desiguais”[13].

O desenvolvimento de técnicas voltadas para a produção agropecuária, por exemplo, traz consigo um discurso, em nível mundial, que busca justificar a aplicação crescente de produtos químicos, de modificações genéticas de plantas e animais. Essas justificativas estão sempre pautadas na necessidade de ampliação de alimento, de energia e de matérias primas, para resolver o problema da fome no mundo, da escassez, de fontes energéticas “limpas”, geração de emprego e renda. No entanto, esses discursos que justificam os investimentos em pesquisa para o desenvolvimento de técnicas voltadas para a produção, de grandes inversões de recursos públicos para financiar as pesquisas e a produção em si, historicamente vem gerando grandes lucros para empresários rurais, industriais, centros de pesquisa, bancos etc., sem alterar os fatores que serviram de justificativa para a atuação do Estado enquanto normatizador e financiador desses projetos.

Nesse sentido, Santos (2009 p. 26) afirma que “as técnicas apenas se realizam, tornando-se história, com a intermediação da política, isto é, da política das empresas e da política dos Estados, conjunta ou separadamente”.

A partir da análise da realidade brasileira, mais especificamente dos usos do território pelas atividades agropecuárias, podemos verificar nitidamente as transformações técnicas sendo operadas pela intermediação da política do Estado e pela política das empresas funcionando de forma conjunta. O resultado espacial dessa prática é a desigualdade territorial da densidade técnica, onde se observa nas diferentes frações do território nacional a aplicação diferenciada de máquinas, equipamentos, de técnicas agronômicas e pecuárias, de insumos, de financiamentos da produção (Figuras 01, 02 e 03).

 

Figura 01. Brasil: distribuição do uso de máquinas, insumos e equipamentos na agricultura, 2006. (Em porcentagem).
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 2006.

 

Figura 02. Brasil: Distribuição de tratores por Unidades da Federação, 2006. (Em porcentagem).
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 2006.

 

Figura 03. Brasil: Distribuição do Financiamento Agrícola (número de contratos) por Unidades da Federação, 2006. (Em porcentagem).
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 2006.

 

Na Figura 01 podemos observar a disponibilidade de máquinas, equipamentos e insumos por estabelecimentos, nas diferentes unidades da federação. Existe uma tendência à concentração de equipamentos como arados, grades, roçadeiras, pulverizadores e adubadeiras nos estados do Sul e do Sudeste do Brasil. Nos estados do Paraná e Santa Catariana mais de 10% dos estabelecimentos possuem arados, enquanto que no Rio Grande do Sul mais de 27% dos estabelecimentos rurais possuem esse tipo de equipamento. Já entre os estados do Norte todos possuem menos de 1% de estabelecimentos que dispõem desse equipamento. Essa concentração se constitui em uma tendência geral para todos os outros equipamentos que são mais amplamente utilizados nos tratos culturais agrícolas.

Quando observamos o uso de colheitadeira, que é um fator importante para definir a densidade técnica da atividade agropecuária, verificamos que se destacam os estados do Rio Grande do Sul (31,01%), Paraná (18, 92%), seguidos por São Paulo (9,88%), Santa Catarina (9,35%), Minas Gerais com (8,21%), e os estados do Centro-Oeste (entre 3% e 4% em cada estado). Já nos estados do Norte e Nordeste o uso desse tipo de máquina é incipiente.

Ao analisar a figura 02, na qual está representada a distribuição de tratores pelos estados brasileiros, verifica-se que temos o seguinte ranking: Rio Grande do Sul (20%); São Paulo (18%); Paraná (14%); Minas Gerais (11%); Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul (5% cada); Bahia (3%); Rondônia, Pará, Tocantins, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Espírito Santo e Rio de Janeiro (aproximadamente 1% cada estado), e nos demais estados da federação o número de tratores existentes não atinge 1% do número total existente no país. Assim, constata-se mais uma vez a concentração nos estados do centro-sul do Brasil. Observando a figura 03, que representa a distribuição dos contratos de financiamentos por unidades da federação, verifica-se que dois estados do Sul, Rio Grande do Sul e Paraná, lideram o ranking nacional, sendo que os três estados sulistas totalizam quase 40% dos contratos agrícolas do país e possuem, aproximadamente, 19,4% dos estabelecimentos agropecuários recenseados em 2006.

Esses dados demonstram a diferença na densidade técnica empregada na prática da agricultura no Brasil, assim como a iniquidade na distribuição dos recursos destinados ao financiamento agropecuário. Quando se analisa a distribuição da pobreza rural pelo território nacional, verifica-se que sua distribuição ocorre de forma inversamente proporcional à distribuição do número de financiamentos e dos equipamentos, máquinas e insumos utilizados no processo produtivo agrícola. Sendo assim, diante dessa realidade, torna-se importante verificar a espacialidade apresentada pelo fenômeno da pobreza no território nacional, para buscar identificar correlações entre a tecnificação da agropecuária e a reprodução da pobreza, em especial em áreas rurais.


A espacialização da pobreza rural no Brasil

Falar de pobreza num país como o Brasil é algo instigante e ao mesmo tempo pertinente, sobretudo porque esta se faz presente em toda parte do território nacional, independente da região, área da cidade, localização do domicílio (rural ou urbano), contexto cultural ou religioso. No caso brasileiro, “a participação dos indigentes e pobres é superior no meio rural que nas áreas urbanas e metropolitanas, o que implica maior participação do meio rural na indigência e pobreza ante a sua contribuição populacional” (SILVEIRA, 2007).

A pobreza está presente em todos os lugares e é, ao mesmo tempo, um fato e um sentimento. É um fato porque ela já não mais está concentrada em países subdesenvolvidos ou áreas rurais com ocorrência de catástrofes naturais, mas está nas cidades, nos campos, nos países centrais e nos países periféricos. E, se atribui sentimento à pobreza, pelo fato de que em qualquer sociedade, aquelas pessoas desprovidas de renda para consumir, de acordo com os ditames da sociedade, se sentem inferiores àquelas mais abastadas. Com isso, o sentimento de baixa estima e inferioridade está presente, pois essas pessoas não se reconhecem como parte integrante ativa da sociedade.

De acordo com Salama e Destremau (1999), o conceito de pobreza é, na sua essência, multidimensional. A pobreza está intimamente relacionada à falta de alguma coisa. Dessa forma, a falta de infraestrutura e serviços básicos, às vezes, tornam-se relativos, a depender da cultura de cada lugar. A falta de moradia, precariedade na assistência à saúde e à educação, falta de emprego, ausência de capital, e até a impossibilidade de consumir, o que “virou” necessidade básica na sociedade capitalista atual, são elementos de importância equivalente, na maioria das sociedades, para a definição da pobreza (o que pode ser em maior ou menor grau a depender do país). Como exemplo, podemos pensar que se um indivíduo tem um rendimento baixo, ele pode sofrer ao perceber que outros adquirem produtos (mesmo que supérfluos) que com seu rendimento mensal, não dá para adquirir. Esse indivíduo se considera pobre dentro da sociedade a qual pertence.

A pobreza analisada erroneamente a partir somente de fluxos monetários é classificada como pobreza absoluta e pobreza relativa. A pobreza absoluta é aquela na qual qualquer indivíduo vive convertendo seu valor monetário no mínimo de calorias suficientes para realizar sua reprodução fisiológica. E a pobreza relativa seria aquela onde a renda obtida seja de 40% até 60% da renda média obtida pela população em geral[14]. Observa-se que estes dois conceitos, levam em consideração somente o fator monetário sem considerar que a pobreza é multidimensional e pode ser explicada através de múltiplos fatores sociais. A pobreza pode ser medida para além do fator renda, ademais através de más condições de saúde e educação, impossibilidade de exercer direitos públicos, ausência de dignidade e respeito, falta de acesso ao lazer e a comunicação, degradação do meio ambiente, discriminação de qualquer natureza, etc.

Pois, como bem assinala Amartya Sen (2000), a pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda, que é o critério tradicional de identificação da pobreza. Pobreza não é sinônimo apenas de baixo nível de renda, ela está além; tem relação intrínseca com a capacidade de “gerar pobreza” ou não, pois a idade, o grau de instrução, o sexo ou a raça, são fatores cruciais na disseminação da pobreza. Então, a depender da cultura de cada lugar, a propensão de uma pessoa se tornar (ou ser) pobre pode ser maior ou menor, de acordo com Sen (2000, p.109). As mulheres se constituem num bom exemplo. Na Europa, as mulheres igualam ou até mesmo superam os homens em termos de direitos; com isso, a tendência de privação das capacidades a ser pobre é baixíssima. Enquanto que em certos países da Ásia, como a Índia, as mulheres são privadas muitas vezes até de nascer. O que se deve considerar é que as capacidades de um indivíduo devem gerar renda, mas o que se vê é que a renda gera capacidades, pois “um aumento de capacidades ajuda direta e indiretamente a enriquecer a vida humana e a tornar as privações humanas mais raras e menos pungentes”[15]. Assim, chega-se a conclusão de que sem renda não há capacidade, logo há privação de liberdade.

Entende-se que a renda não é constante na realização de capacidades e liberdade em nenhum indivíduo. Em vários momentos, a renda pode convergir para mais ou para menos. Assim, as políticas públicas devem ir além da renda para tentar solucionar os problemas da sociedade, pois os papéis de heterogeneidades pessoais e sociais em todos os aspectos são fundamentais na compreensão do nível/grau de capacidade e liberdade que determinada pessoa possui.

Na realidade vivida no Brasil, percebe-se que “ser pobre” envolve ambiguidades, que muitas vezes está atrelado ao ter ou não ter, e não ao ser pobre propriamente dito. Independentemente de ambiguidades ou conotações, sabe-se que aqueles indivíduos despossuídos de renda considerável (para determinada sociedade) ou bens materiais estão “condenados” à exclusão. Exclusão esta que toma dimensões sociais, econômicas e políticas que se referem desde ao mercado de trabalho, previdência social, assistência educacional, saúde e até família e lazer.

Estando o pobre marginalizado na sociedade, ele se encontra privado de garantir seus direitos ligados à cidadania. É como se os pobres fossem tão desprovidos de recursos, que são impossibilitados de adquirirem aquilo que por lei lhes é de direito. São excluídos de receber o mínimo que um modo de vida peculiar a sua nação/Estado deveria lhe conceder. Assim, pode-se entender que “lutar contra a pobreza não consiste tanto em dar”[16], “mas em oferecer possibilidades de emancipação da pobreza”[17].

Para analisar a pobreza no Brasil atualmente, faz-se necessário observarmos as condições de vida das populações das periferias das grandes cidades, assim como das áreas rurais, por serem estas as que mais sofrem com a desigualdade social existente no país.

Ao se falar em pobreza rural no Brasil, faz-se necessário levar em consideração a desigualdade social existente no território nacional. Desse modo, observa-se a forte discrepância que existe no acesso aos recursos para a reprodução social. Em se tratando de uma sociedade capitalista, é visível a escassez de recursos monetários que permitem o pagamento pelo direito de uso ou consumo de qualquer mercadoria. No meio rural o indivíduo sofre restrições, ainda mais nítidas que no meio urbano, para satisfazer as suas necessidades, sendo que estas se tornaram ainda mais acentuadas com a mecanização do campo. Os equipamentos e tecnologias utilizados na produção agrícola são altamente seletivos e poupadores de força de trabalho, sobretudo em se tratando de trabalhadores com baixa qualificação profissional.

Na década de 1970, a alternativa encontrada por uma grande parcela da população rural foi a migração para as cidades. A migração campo-cidade foi estimulada, por um lado, pelo aumento da quantidade de empregos disponíveis no meio urbano, criado principalmente pelo setor industrial e, por outro, pela tentativa de fuga da marginalização social do homem do campo.

Todavia, devido à baixa escolaridade e a falta de qualificação profissional, o mercado de trabalho urbano deixou de ser alternativa de inserção social para os pobres do campo, tendo em vista também a crise dos setores da indústria de transformação e da construção civil. Segundo alguns estudiosos, a forma como a renda é distribuída na sociedade brasileira contribuiu para que o Brasil fosse reconhecido como uma das nações com grande incidência de pobreza absoluta e de significativas desigualdades sociais[18].

A questão da pobreza no Brasil afeta de maneira mais direta a região Nordeste, especialmente o meio rural. O trabalho de Carneiro (2003) revela que há uma forte concentração de pobres no Nordeste e essa concentração é especialmente mais contundente nas suas áreas rurais. No período de 1993 a 1998, a pobreza caiu menos nas áreas rurais do Nordeste e nas áreas urbanas de pequeno e médio porte em relação às metrópoles. Consequentemente a pobreza ficou muito mais concentrada nessas áreas. Esse perfil representa um contraste radical à percepção comum da pobreza das favelas das megacidades, onde a pobreza é mais visível.

Os estudos de Rocha (1997), em particular, utilizando dados da PNAD, mostram que em 1990 a proporção de pobres que residiam no meio urbano do Brasil chegava a 26,8% e era, significativamente, inferior à proporção da população pobre domiciliada no meio rural, que era de 39,2% da população economicamente ativa, o que representava 12,2 milhões de pessoas. Na região Nordeste, em 1990 havia um contingente maior de pobres na zona rural em relação às zonas urbanas, todavia merece destaque o número de pobres das metrópoles por ser inferior ao número das áreas rurais, pois as regiões metropolitanas trazem uma miséria mais aparente através das grandes aglomerações desordenadas. Contudo o Quadro 01 explicita a participação significativa da pobreza rural sobre a proporção total de pobres.

 

Quadro 01.
Brasil e Regiões: Proporção de pobres em áreas metropolitanas, urbanas e rurais – 1990

Brasil e regiões

Metropolitana

Urbana

Rural

Sul

17,6

16,9

28,6

Sudeste

26,9

17,7

27,1

Nordeste

43,4

43,7

49,2

Centro-Oeste

22,4

23,3

31,9

Norte

43,4

43,2

-

Brasil

28,8

26,8

39,2

Fonte: Rocha (1997, p. 23).

 

Diante desse quadro evidencia-se a pobreza acentuada diagnosticada no Brasil, na década de1990. A partir dessa mesma década, muitos programas sociais foram propostos e passaram a ser executados pelos governos. Entre essas ações governamentais merecem destaque o Programa Bolsa Família[19], que consiste na transferência de renda, para garantir renda mínima para as famílias em situação de risco social; o Programa Nacional de fortalecimento da agricultura familiar (PRONAF)[20], que tem como objetivo financiar a produção agropecuária das famílias rurais, entre outros.

No entanto, mesmo sendo destinados grandes volumes de recursos públicos aos programas sociais, os mesmos não têm sido suficientes para a eliminação da pobreza no país. Diante disso, o Governo Federal lançou no ano de 2011 o Programa Brasil sem Miséria[21]. Nesse contexto, a política nacional de combate à pobreza do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS (2012, p. 06) admite que “entre os mais desfavorecidos faltam instrução, acesso a terra e insumos para produção, saúde, moradia, justiça, apoio familiar e comunitário, crédito e acesso a oportunidades”.

Desse modo, consiste em objetivo central do MDS, através desse programa, promover a inclusão social e produtiva da população considerada pobre, de modo a reduzir o número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e em condição de vulnerabilidade social. Assim, o conceito de vulnerabilidade social nos permite compreender os riscos e suscetibilidades da população, de modo a transcender a renda, visto que a situação de pobreza da mesma decorre de uma multiplicidade de fatores.

Cabe destacar que, estrategicamente, o Governo Federal, a partir de 2011, passa a adotar medidas de combate à miséria e não mais a pobreza. Isso pode está relacionado a necessidade de mascarar a realidade, pois até 2010 admitia-se a existência de aproximadamente 20 milhões de pobres no país e, a partir desse novo programa, agora o foco está em 9 milhões em condição de pobreza extrema (miseráveis – pessoas que vivem com renda inferior a US$ 1,00 por dia), causando a impressão que houve uma significativa redução da pobreza no país.

Segundo Silveira, (2006) 8,5% da população brasileira encontra-se em condição de miséria, dos quais 4,5% residindo em áreas urbanas e 4% em áreas rurais. No entanto, faz-se necessário lembrar que mais de 80% da população é considerada urbana e menos de 20% rural. Sendo assim, a densidade da pobreza rural no Brasil é muito maior que a pobreza da população urbana. Além desse aspecto, há uma tendência à concentração da população em condição de miséria nas regiões Norte e Nordeste (Figura 04), as quais apresentam menor densidade técnica dos territórios rurais, como foi explicitado no tópico anterior.

 

Figura 04. Brasil: distribuição da população abaixo da linha da pobreza, por região, 2010. (Em porcentagem).
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010.

 

Ao analisar o mapa depreende-se que há uma concentração da população em condição de maior vulnerabilidade social. A região Nordeste é a que apresenta a maior concentração de população em condição de indigência, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), situação que atinge mais de 18% da população regional, representando aproximadamente 5% da população total do país e cerca de 60% do total dos indigentes do país. Cabe ainda ressaltar que mais 52% da população em condição de extrema pobreza encontra-se em áreas rurais no Nordeste.

A região Norte possui cerca de 16% de sua população (aproximadamente 1,5% da população total do país) em condições de indigência, sendo que a maior parte encontra-se em áreas rurais. Quando se analisa as outras três regiões do país percebe-se que a população em condições de extrema pobreza é bem menor. A região Sudeste possui menos de 3,5% de sua população em situação de indigência, o que representa menos de 1,5% da população brasileira. As regiões Sul e Centro-Oeste possuem, respectivamente, 2,6% e 3,9% de população indigente, em relação às populações regionais, o que não chega a 0,6% do total da população do país.

Diante dessa análise percebe-se que a região Nordeste, de ocupação mais antiga e a região Norte, de ocupação mais recente, concentram a grande maioria da população indigente do país, o que significa que tal situação vivida pela população dessas regiões não está relacionada com processos exclusivamente endógenos ou com o modelo de ocupação. Essa realidade está associada à divisão territorial do trabalho, ou seja, ao papel desempenhado por cada fração do território nacional, e a forma como se distribuí as riquezas, as técnicas, o financiamento público da produção, os objetos técnicos como estradas, portos aeroportos, armazéns etc.


Considerações Finais

Nesta análise, fica evidente que o maior contingente populacional que vive (sobrevive) em condições de miséria está concentrado nas áreas rurais e, às vezes, com elevada densidade técnica do território agrícola, como pode ser observado em alguns estados do Nordeste. Isso permite constatar o quanto essa população está à margem da sociedade e a mercê das intencionalidades sobre as quais são elaboradas as políticas do Estado, que quase sempre refletem a política das empresas. Assim, o Estado torna-se uma instituição ausente para a maioria da população. Assim, percebe-se que para que ocorra a redução da pobreza absoluta e o grau de vulnerabilidade social da população rural é necessário que, através de políticas públicas bem definidas, a distribuição de recursos para financiamento da produção agropecuária, o acesso às técnicas produtivas mais avançadas, atendam às demandas dos pequenos agricultores, historicamente marginalizados no Brasil. Ampliando o acesso ao crédito, à técnica e a terra em quantidades adequadas para a reprodução social das famílias rurais, a tendência é a redução da pobreza rural. Isso pode ser afirmado, quando se constata que nos estados do Sul é onde os agricultores camponeses têm acesso mais amplo a esses fatores de produção o índice de pobreza é menor. 

O meio rural brasileiro, desde a década de 1950, vem apresentando grandes transformações na estrutura produtiva e econômica. E, dentre estas transformações, está a elevação da pobreza com alto grau de incidência dentre os estabelecimentos rurais familiares. Diante disso, as famílias rurais vêm buscando mecanismos para amenizar (quando possível) ou ao menos lidar com a pobreza. Foi a partir dessa realidade que se buscou neste trabalho compreender a manifestação e o grau de incidência da pobreza no Brasil.

Ainda, pode-se considerar que a incorporação crescente da técnica na produção agrícola, a territorialização da “modernização da agricultura” brasileira, não foi um elemento homogeneizador das condições técnicas, econômicas e sociais. Em relação às condições sociais, pelo contrário, esse processo serviu para agravar ainda mais as desigualdades já existentes e as condições de vida de uma parcela significativa das famílias rurais. Já em relação à tecnificação do território, trata-se de um processo seletivo e desigual espaço-temporalmente.

Diante do exposto, consta-se que durante as últimas cinco décadas a atuação do Estado brasileiro contribuiu para a tecnificação dos territórios rurais, incorporando novas áreas à produção de gêneros agrícolas e matérias-primas, ampliou a produção e a produtividade, gerando mais renda no setor agropecuário. Porém, esse processo se deu de forma concentrada regionalmente e socialmente. Assim, pode-se afirmar que a ações (programas e projetos), parte das políticas do Estado, potencializaram o território enquanto recurso em detrimento do território enquanto abrigo, ou seja, beneficiou mais as empresas do que os trabalhadores e camponeses. Sendo assim, nota-se então que por um lado há o uso privilegiado do território como recurso por agentes hegemônicos, na medida em que este assegura a realização de interesses particulares, de modo que a seletividade do capital desencadeia um uso corporativo do território. Por outro, contraditoriamente, o território se apresenta como abrigo, ao permitir que o conjunto da sociedade constantemente crie estratégias de reprodução social. Trata-se, portanto, da lógica de mercado que considera os usos do território enquanto recurso, ao passo que para os demais segmentos sociais o território desempenha a função de abrigo[22].

Para alterar essa realizada do meio rural brasileiro, faz-se necessário que o Estado intensifique ações que vise garantir os direitos civis a essa parcela da população, historicamente, marginalizada. A implantação de políticas focadas no desenvolvimento social (valorização do humano) são urgentes no contexto brasileiro.

 

Notas

[1] O elemento central da Revolução Verde foi a introdução de variedades de cereais híbridos de alta produtividade e resistência. Inicialmente esse processo consistiu na transferência de tecnologia no setor agrícola, seguido pelos setores de bens de produção e de capital para a agricultura. Pode-se afirmar isso, apoiando-se no fato de que o desenvolvimento das pesquisas, mesmo tendo sido realizadas em países subdesenvolvidos, foram financiadas e controladas por grandes corporações multinacionais, como o Grupo Rockefeller.

Como exemplo dos resultados de pesquisas voltas para a consolidação desse projeto, podem ser citadas as pesquisas de novas variedades de trigo híbrido que se desenvolveram no Centro Internacional para la Mejora del Maíz y del Trigo (CIMMYT), na cidade do México, com financiamento da Fundação Rockefeller, nas anos de 1950, onde também se produziu as novas variedades de milho, nos anos 1960 (García Ramon, 1995, p. 102).

Juntamente com esse Centro, a organização de maior peso foi a International Rice Reserch Institute (IRRI), instalada em Los Baños, nas Filipinas, financiado pela Fundação Ford, que desenvolveu diversas variedades de arroz, a partir de 1962. Além do CIMMYT, no México e do IRRI, nas Filipinas, foram criadas outras organizações para a pesquisa agronômica, como o International Institute of Tropical Agriculture (ITTA), na Nigéria, o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), na Colômbia, dedicados a progrmas de melhoramento de cultivos tropicais (Molinero, 1990, p. 96).

A essas instituições tem que se acrescentar o Centro Internacional de Recursos Fitogenéticos (CIRF), em Roma; o Centro Internacional de Investigación Agrícola en las Zonas Secas (ICARDA), em Aleppo, Síria; o Laboratório Internacional de Investigación sobre Enfermidades Animales (LIIEA), em Nairobi, Kenia; O Servicio Internacional para la Investigación Agrícola Nacional, na Belgica; e a Associación para el Desarrollo del Cultivo del Arroz en el África Occidental (ADRAO), em Bovaké, Costa do Marfím. Todas essas instituições e algumas outras foram patrocinadas pelo Grupo Consultivo sobre Investigación Agrícola Internacional (GCIAI), criado na conferência de Bellagio, na Itália, em abril de 1971 (Haque, 1988, p. 12-15).

[2] Santos & Silveira, 2001, p. 24.

[3] Guimarães, 1981.

[4] Prado Júnior, 1970, p. 167.

[5] Graziano da Silva, 1996, p. 7.

[6] Graziano da Silva, 1996, p. 12.

[7] Para Smith (1988, p. 161), “Os departamentos da economia são diferenciados uns dos outros na escala da divisão geral do trabalho, identificado por Marx. [...]. Os departamentos diferenciam-se uns dos outros de acordo com seu valor de uso de seus produtos, especificamente com seu valor de uso no processo de reprodução do capital.  Assim, Marx faz distinção entre Departamento I, no qual os meios de produção (capital fixo e capital circulante) são produzidos”. No caso específico da agricultura, o D1 representa o segmento produtor de máquinas, implementos, fertilizantes, e outros insumos necessários para a produção agrícola.

[8] “O fato de, geralmente, a pequena produção familiar ter-se orientado para a produção de mercadorias para o mercado interno explica a possibilidade dos preços baixos, mas não os determina [...]. A possibilidade de produzir alimentos baratos em termos do preço do mercado está determinada não somente pela existência de uma massa de produtores com baixos níveis de subsistência, mas também pelas possibilidades de expandir a produção através da ocupação de novas terras, sejam internas aos minifúndios e latifúndios já existentes, seja nas regiões de fronteiras” (Sorj, 1980, p. 25).

[9] Graziano da Silva, 1996, p. 86

[10] “A renda diferencial II refere-se aos benefícios remanescentes que o investimento [...] deixa incorporar ao solo, tais como desmatamento para plantio, terraceamentos, drenagem, açudes, etc [...]. Estes benefícios valorizam a terra e, também, garante um direto de elevação do preço de arrendamento [...]” (Moreira, 1994, p. 6). Para uma discussão mais ampla sobre renda da terra ver Oliveira, 1984; Oliveira, 1985; Oliveira, 1986; Martins, 1985; Amin, 1977; Kautsky, 1980; Santos, 1984.

[11] Linhares, 2006.

[12] Santos, 2008a, p. 235.

[13] Santos, 2008a, p. 217.

[14] Salama & Destremau, 1999.

[15] Sen, 2000, p.114.

[16] Castells, 1995 apud Salama e Destremau, 1999.

[17] Sen, 1988, 1992 apud Salama e Destremau, 1999.

[18] Rocha, 2000.

[19]A lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004, institui o Programa Bolsa Família com a finalidade de executar as ações de transferências de renda do Governo Federal para os grupos familiares que se encontram em situação de extrema pobreza. Atualmente atende um total de 13. 770.339 famílias.

[20] Após reconhecer a importância da agricultura familiar, através do relatório FAO/INCRA, de 1994, que resultou do convenio para elaborar uma “nova estratégia de desenvolvimento rural para o Brasil”, é que este programa foi lançado pelo governo brasileiro, em agosto de 1995, como uma linha especial de crédito de custeio, cuja denominação era Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PLANAF). Porém, somente em julho de 1996, o programa foi institucionalizado e regulamentado como programa governamental, passando a integrar o Orçamento Geral da União, sob a denominação de Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). “A base legal do PRONAF é o Decreto Presidencial nº 1.946 de 28 de junho de 1996. Com relação ao crédito rural, orienta-se por resolução do Banco Central e por normas específicas dos Fundos Constitucionais do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO)” (Hespanhol, 2000, p. 97). Consiste em objetivo do Programa a busca da valorização e a divulgação do conceito de agricultura familiar, como atividade econômica fundamental, para o desenvolvimento socioeconômico sustentado do meio rural; satisfazer a necessidade da criação e/ou fortalecimento de mecanismos que permitam à agricultura familiar uma maior capacidade de compatibilizar a produção para o seu próprio consumo e para o mercado; a manutenção e/ou geração de ocupações produtivas; a diversificação das atividades rurais, por meio da pluriatividade; e a construção de mecanismos que permitam a agregação de valor à sua produção.

[21] O decreto nº 7.492, de 02 de junho de 2011, institui o programa social ‘Plano Brasil Sem Miséria’, conforme o disposto em seu artigo 1º “Fica instituído o Plano Brasil Sem Miséria, com a finalidade de superar a situação de extrema pobreza da população em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações”.

[22] Santos, 2000.

 

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Ficha bibliográfica:

LOCATEL, Celso. Tecnificação dos territórios rurais no Brasil: políticas públicas e pobreza. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de noviembre de 2012, vol. XVI, nº 418 (66). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-418/sn-418-66.htm>. [ISSN: 1138-9788].

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