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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (85), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

TECNOLOGIA E NOVAS RELAÇÕES DE TRABALHO NAS AGROINDÚSTRIAS DE CARNE DO SUL DO BRASIL

Carlos José Espíndola
Professor no Departamento de Geociências da UFSC e doutorando no Programa de pós-graduação da FFLCH/USP


Tecnologia e novas relações de trabalho nas agroindústrias de carne do sul do Brasil (Resumo)

O conjunto das Agroindústrias de carne do Sul do Brasil vem, desde o final dos anos 80, promovendo um intenso esforço de reorganização produtiva. O processo de reestruturação, perseguido pelas empresas, foi condicionado pela introdução de novas tecnologias (equipamentos automatizados, biotecnologia, entre outras) que, por sua vez, resultaram no rebaixamento dos custos produtivos, nos movimentos de fusões, nas aquisições e parcerias, na relocalização da capacidade produtiva, no lançamento de novos produtos e nas novas relações de trabalho. Merecem destaque, nas novas relações de trabalho, o redimensionamento de quadros via dispensa de mão-de-obra, terceirização e novos métodos de gestão da força de trabalho.

Palavras chaves: relações de trabalho, estratégias empresariais, geografia econômica, tecnologia, reestruturação


Tecnology and new relations of work in the agricultural industries of meat of the south of Brazil (Abstract)

The set of the agricultural industries of meat of the South of Brazil are, since the end of the 1980’s, promoting an intense effort of productive reorganization. The process of reorganization, pursued by the companies, was conditioned by the introduction of new technologies (automated equipment, biotechnology, among others) that, in turn, had resulted in the degradation of the productive costs, in the movements of fusing, the acquisitions and partnerships, the relocation of the productive capacity, in the launching of new products and the new relations of work. Importance has to be given, in the new relations of work, the resizing of staff via dismissal of man power, the services done by other companies, and new methods of management of the work force.

Key words: enterprise strategies, relations of work, economic geography, technology, reorganization


A porção Sul do território brasileiro, composta pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, vem, desde o final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, constituindo-se como um dos maiores pólos de frigorificação de carne suinícola e avícola do Brasil. Nascidas a partir de pequenos empreendimentos, empresas como Sadia, Perdigão, Chapecó, Avipal, Frangosul, Aurora, entre outras, partiram agressivamente para um intenso processo de modernização tecnológica que propiciou a inserção competitiva do Brasil no mercado mundial de proteínas animal, deslocando, por vezes, países como Holanda, EUA e França, que necessitam regularmente de fortes subsídios para poder competir no mercado internacional (1).

Por outro lado, essa modernização introduziu na região em apreço novas relações de trabalho, as quais passaram a sofrer alterações a partir de meados dos anos 80 em virtude das novas estratégias empresariais. Este artigo visa, portanto, delinear as principais alterações ocorridas nas relações de trabalho nas agroindustrias de carne do Sul do Brasil, a partir dos processos de reestruturação nos anos pós 70.
 

Mudanças tecnológicas e relações de trabalho

A economia brasileira, após um intenso processo de crescimento econômico (1967-1973), passou lentamente a sofrer os efeitos da crise econômica mundial (fase b do 4º ciclo de Kondratieff). Contudo o período 1973-80 correspondeu à fase ascendente dos Ciclos Juglarianos Brasileiros pois "entre 1975 e 1980, a produção industrial brasileira esteve crescendo à razão de 7,6 por cento ao ano, contra 10,4 por cento no período 1965-70. Esse desempenho foi extremamente satisfatório se comparado com a economia do mundo capitalista que cresceu, no período de 1968-73, 6,2 por cento ao ano e 2,0 por cento ao ano no período de 1973-80" (Rangel, 1985: 49).

Ciente dessa crise mundial, o governo militar procurou acelerar o crescimento da economia nacional implementando, rapidamente, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974). As metas colocadas pelo II PND tinham características de "crescimento-a-qualquer-custo" (Castro & Souza, 1985: 35) e visavam, de forma mais concreta, o desenvolvimento dos setores de insumos e de bens de capital, o esforço de modernização e de reorganização de certas agroindústrias (carne, cana-de-açúcar, soja e carne), a abertura de novos campos de exportações de manufaturados e o desenvolvimento tecnológico e industrial.

Para o conjunto das agroindústrias de carne do Sul do Brasil, verificou-se um intenso ciclo de investimentos no setor de aves, suínos e soja. No segmento de aves, os anos 70 caracterizam-se pela instalação de 80 firmas abatedouras de aves, sendo 32 em São Paulo, 04 em Minas Gerais, 8 no Paraná, 9 em Santa Catarina e 13 no Rio Grande do Sul. As 14 restantes foram instaladas em outros estados brasileiros (Rizzi, 1993). Essas novas plantas produtivas expandiram a produção de frango no Brasil, de um total de 217 mil toneladas em 1970 para 1.250 mil toneladas em 1980 (Espíndola, 1999).

Esse processo decorreu: a) das inversões realizadas pelos grupos catarinenses (Sadia, Perdigão, Chapecó e Hering-Ceval), pelos grupos rio-grandenses (Borella e Ideal) e pelos novos investimentos realizados (Macedo Koerich, Suely, Frangosul e Da Granja); b) da intensa modernização tecnológica implementada pelas empresas (túneis de congelamento, linha de desmonte, pesagem automática, evisceração mecânica, padronização e qualificação da matéria-prima); c) da ampliação do mix de produtos derivados de carne suína (embutidos em geral) e d) do aumento do consumo de produtos industrializados nos grandes centros urbanos, a exemplo dos países desenvolvidos.

O resultado geral foi a transformação estrutural da indústria de carne do Sul do Brasil, com o predomínio de empresas modernas com elevado mix de produtos especializados. Tratou-se de se estabelecer uma estrutura verticalmente integrada, capaz de gerar uma produção diversificada, que englobava a produção de insumos até o seu processo de industrialização, distribuição e comercialização. A produção de insumos (criação de empresas de genética animal, de rações e outros), contou com a constituição de joint ventures, o licenciamento entre firmas (Sadia, Agroceres, Hybrid Cargill) e instituições nacionais (Embrapa), visando a criação do Sistema Nacional de Inovação Agroindustrial (Espíndola, 2002)

No campo das relações de trabalho, as alterações fizeram-se sentir no chão da fábrica, na estrutura administrativa/gerencial e nas estruturas de fornecimento de matéria-prima.

No primeiro caso, ou seja na base do processo produtivo, foi comum entre as empresas a absorção de técnicos oriundos das instituições de ensino e o aperfeiçoamento de sua mão mão-de-obra, no interior das unidades, através dos processos de learning by using e learning by doing. Promoveu-se ainda a implantação de rotinas operacionais objetivando a qualificação da mão-de-obra braçal, oriunda, na maioria dos casos, das áreas rurais.

No segundo caso, a estrutura administrativa gerencial ampliava-se em função dos processos de diversificação produtiva e das aplicações patrimoniais. Isso significou a constituição de empresas com características multidivisionais do ponto de vista organizacional. Empresas essas que necessitavam absorver novos gerentes à estrutura hierárquica. Contudo, esses novos gerentes e administradores criaram-se dentro das empresas, por incorporação gradual, por relações de parentesco ou casamento com membros da família do proprietário. Isso possibilitou a constituição de uma estrutura estamental (espírito capitalista com cabeça feudal), a exemplo dos tipos de negócios asiáticos. Essa estrutura foi, ainda, responsável pela regulação das relações trabalhistas, pois os técnicos foram sendo incorporados ao ideário de uma grande família.

No terceiro caso, merece destaque a ampliação da rede de fornecedores de matéria-prima, através do sistema de integração vertical. Isto é, um elevado número de pequenos produtores cativos que se dedicam, quase que exclusivamente, à produção de animais para as unidades de agroindustriais de abate.

A combinação desses processos possibilitou às agroindústrias de carne do Sul do Brasil inserirem-se competitivamente no mercado mundial de proteínas animal. Entre 1970-1977, o Brasil tornou-se um grande exportador de carne suína, pulando de 2 mil ton. em 1970 para 12 mil ton. em 1977, o que representa um crescimento na ordem de 600 por cento. No segmento de aves as exportações brasileiras cresceram, em termos de participação, de 0,49 por cento em 1975 para 17,9 por cento em 1984 (Espíndola, 1999).

Após essa fase de expansão das agroindústrias de carne do Sul do Brasil, a situação, em meados dos anos 80, apresentava sinais de crise. A crise do ciclo médio brasileiro coincidiria com a crise depressiva do ciclo longo (fase b do 4º Ciclo Longo). As medidas ditadas pelo FMI, visando o saneamento das contas externas, a redução da inflação e a diminuição do déficit público, resultaram no decréscimo do PIB e no aumento da capacidade ociosa e retração da demanda interna. Todavia, os esforços para produção dos saldos na balança comercial não deprimiram a economia. O ano de 1984 mostra a capacidade da economia em voltar a crescer em função da utilização da capacidade produtiva preexistente e ociosa, como demonstrou Rangel (1985). Soma-se a essa recuperação, a maturação de projetos substituidores de importações, contemplados no II PND (Castro & Souza, 1985).

Em termos gerais, pode-se afirmar que nos anos 80 as estratégias empresariais mantiveram-se as mesmas, com destaque para os processos de centralização do capital, deslocamento territorial (2) e reestruturação no layout das unidades produtivas, visando uma maior agregação de valor a seus produtos finais. Essas alterações foram impulsionadas pela forte concorrência internacional a partir de meados dos anos 80, o que forçou as firmas a buscar novos mercados de corte especial de frango. Assim, de um total de 32 mil ton. exportadas em 1984, o número subiu para 118 mil ton. em 1991, ou seja, houve um crescimento de 267 por cento (ABEF,1992).

Entretanto, a política de liberalização da economia, com diretriz neoliberal, promoveu inúmeros choques à indústria brasileira. O contexto macro-econômico, de grande instabilidade, induziu reações e comportamentos empresariais diversos, dependendo dos recursos competitivos acumulados, das condições de mercado e das visões estratégicas. É nesse sentido, que se discutirá os processo de reestruturação produtiva e do trabalho no interior das agroindustrias de carne do Sul do Brasil.
 

Reestruturação produtiva e trabalho

Em termos gerais, pode-se afirmar que o processo de reestruturação da indústria brasileira apresenta dois momentos. O primeiro iniciou-se com a implantação do Plano Collor e caracterizou-se pela racionalização dos custos, apoiada em estratégias de reorganização da produção, em que predominavam objetivos de downsizing, principalmente a terceirização de atividades e o aumento do conteúdo importado. O segundo, pós-94, que teve início na era FHC (Fernando H. Cardoso), com o Plano Real, manteve como linha mestra a racionalização de custos, baseada em outsourcing, terceirização etc. (Kupfer, 1996).

Para o conjunto das agroindustrias de carne do Sul do Brasil, a década de 90 teve como característica a continuidade dos vetores modernizantes anteriores, mas com um acentuado direcionamento para as aquisições de novos equipamentos, inovações dos produtos, redução dos custos, mudanças nas estratégias de relacionamento fornecedor/cliente, melhoramento qualitativo da matéria-prima etc. A Perdigão, por exemplo, vem, desde o início dos anos 90, implantando um intenso processo de introdução de novas tecnologias, como os testes de atordoamento com atmosfera modificada (3).

A introdução de novas tecnologias se fez presente também nas áreas produtoras de matéria-prima, transporte de animais, novos bebedouros, gaiolas etc. No caso da matéria-prima, merece destaque a introdução de aviários climatizados. A Cooperativa do Vale do Piqueri – Coopervale, localizada em Palotina/PR, por exemplo, introduziu aviários climatizados. Os barracões com 1.200 metros, com custo unitário de R$ 100 mil, podem alojar até 26 mil aves. Essa tecnologia permite controlar a temperatura ambiente e apresenta como vantagem o desenvolvimento de lotes homogêneos de aves, o que eleva a produção para 40 kg por m2, ante 20 kg no sistema atual. A automatização que controla a luminosidade e o fornecimento de ração permite que apenas um único trabalhador mantenha o controle de até 100 mil frangos.

Na área de transporte estão sendo desenvolvidas pela empresa Triel HT, de Erechim/RS, carrocerias especiais para o transporte de aves e suínos. No caso das aves, a carroceria tem teto com isolamento térmico, nebulizadores e ventiladores para controle da temperatura interna através do painel do caminhão. Para o transporte de suínos o piso móvel funciona como um elevador para o embarque dos animais. Esses equipamentos diminuem o stress dos animais, evitando sensivelmente a mortadilade durante a sua locomoção (4).

O elevado número de empresas implantadas no território brasileiro e incorporadas criou sérios problemas gerenciais e administrativos em virtude da separação entre a alta gerência (Holding) e a média gerência (unidades produtivas). Neste sentido, tornou-se procedimento comum entre as empresas uma nova reestruturação organizacional. A Sadia, por exemplo, vendeu suas unidades de soja (Archer Daniel’s Midland) e bovinos (Friboi), e as empresas Sadia Mato Grosso, Sadia Oeste, Sadia Agroavícola, Hybrid Agropastoril, Sadia Concórdia e Sadia Trading foram todas incorporadas pela Frigobrás, que passou a denominar-se Sadia S.A. A incorporação dos negócios do grupo numa única empresa reduziu despesas e concede maior transparência ao mercado.

Essa reestruturação administrativa – resultado da simplificação societária e do novo modelo gerencial – permitiu otimizar processos de controles administrativos e financeiros, com redução de custos na ordem de U$ 18 milhões em 1998. Essas alterações promovidas na estrutura administrativa e organizacional resultaram, por sua vez, na redução de dois mil funcionários e na eliminação de oito cargos de diretoria, além da extinção de dois outros postos, também de diretoria (Espíndola, 2002).

Esse processo foi perseguido por outras empresas. O grupo Ceval, por exemplo, através do International Institute for Management da Suiça, reduziu, em 1992, o número de diretorias de 28 para apenas oito. Já, o grupo Perdigão que, após a sua venda, em 1994, para um grupo de fundos de pensão (Previ, Real Grandeza, Sistel, Fapes, Previ-Banerj, Petros; Valia e Telos), reduziu o número total de empresas de doze para apenas duas. Na maioria dos casos, essas mudanças têm promovido demissões significativas, as quais atingem tanto o chão da fábrica (diretos e indiretos) como as médias e altas gerências. Um exemplo é o grupo Batavo, que demitiu no primeiro semestre de 1999 cerca de 430 empregados (Espíndola, 2002).

Os processos de reestruturação estenderam-se aos sistemas de gerência da produção e da distribuição, nos quais verificou-se a implantação dos sistemas de gestão da cadeia de suprimentos (ECR- Resposta Eficiente ao Consumidor e EDI- Troca Eletrônica de Dados) e dos sistemas de gestão da produção (JIT - just in time, sistema Kanban, TQC- Controle de Qualidade Total, HACCP- Análise de Riscos e Pontos Críticos de Controle, entre outros). O grupo Ceval (Bunge Born) é uma empresa que está adotando o sistema EDI (Eletronic Data Interchange – Troca Eletrônica de Documentos) com o objetivo de realizar, através de computador, todas as suas transações comerciais com as grandes redes de supermercados.

Da mesma forma, o grupo Sadia implantou, em 1997, um sistema de computadores que integra as áreas de vendas, distribuição e produção. O manugistics permite um melhor planejamento dos fluxos de fabricação e de colocação dos produtos em todo o país. Trata-se de informações on-line através de radiofreqüência entre as áreas de produção e distribuição, que disponibilizam informações tanto ao fornecedor como ao varejo, permitindo a toda a cadeia o acesso automático de reposição nas gôndolas (Espíndola, 2002).

Quanto às novas técnicas de gestão da produção, principalmente o TQC, verificou-se que a totalidade das grandes agroindústrias de carne do Sul do Brasil adotam alguma técnica de controle de qualidade. O grupo Sadia, por exemplo, iniciou em 1990-91 a implantação do Total Qualidade Sadia (TQS), o que proporcionou melhorias consistentes de produtividade e competitividade. Esse programa contou com recursos da ordem de 0,5 por cento do faturamento do grupo, cerca de 8,5 milhões de dólares, considerando os 1,7 bilhão de dólares faturados em 1993. Já em 1995, esse programa absorveu recursos da ordem de U$ 7 milhões para o treinamento de 22 mil funcionários, contra 18 mil em 1994.

Além desse programa, foi instalado e intensificado o Programa de Círculos de Qualidade, "que estimula a participação voluntária dos membros da equipe Sadia para a consecução de objetivos de qualidade e melhoria nas condições de trabalho. Com nítida evolução do envolvimento da força de trabalho na aplicação de soluções criativas e inovadoras, a companhia encerrou 1999 com 971 grupos, reunindo 6.311 empregados, tornado-se assim a empresa com maior número de grupos dessa natureza no país" (Sadia, Relatório Anual, 1999).

Quanto à introdução de técnicas de melhor aproveitamento possível do tempo de produção (Just in Time), cabe destacar que há uma certa tendência histórica em se planejar o tempo produtivo. A introdução do "sistema de integração" pelo grupo Sadia, nos anos 50 e expandido nos anos 60, possibilitou o planejamento dos estoques de aves e suínos para o abate. Os lotes de animais são entregues de acordo com as necessidades e especificações das empresas. No nível do chão da fábrica, introduziram-se placas informativas (contendo gráficos e planilhas), as quais indicam o tempo de produção por unidade e a quantidade que deve ser produzida e encaminhada às seções subseqüentes. Outras empresas, por sua vez, fazem circular um "fiscal da gerência", que tem sob sua responsabilidade a atualização, indicação e repasse às diferentes unidades os dados produtivos (5).

No fornecimento de matéria-prima, as novas tecnologias, associadas à constituição de megaabatedouros no Centro-Oeste Brasileiro (6), possibilitaram o surgimento de novas formas de integração, baseadas em grandes produtores, uma vez que os aviários aclimatizados e automatizados – que custam em média de 50 mil a 100 mil reais, conforme a dimensão – só ofertam retorno se sua capacidade de alojamento for superior aos 15 mil frangos abrigados no Sul (7). É nessa lógica que o Projeto Buritis da Perdigão visa à seleção de agricultores com capacidade para alojar 106 mil frangos de corte em quatro aviários, com capacidade de 24 mil cada.

Na suinocultura, os novos modelos implementados pelas empresas estão assentados no Sistema Vertical Terminador. Totalmente automatizado e com custo total em torno de R$ 450 mil, o novo sistema tem capacidade para alojar 3 mil suínos promovendo o abandono do sistema de criação, que dessa forma, poderá ser terceirizado para outras empresas e/ou produtores.Esse é o caso, por exemplo, da Coopermutum, Coagri e Suinocop que estão promovendo, em Mato Grosso, a produção em parceria de aproximadamente 13.600 matrizes, nos municípios de Lucas de Rio Verde, Nova Mutum, Sorriso e Rondonópolis. Somam-se a esses investimentos os dos grupos multinacionais Hofing Jr, com o chamado Projeto 10 Mil, em Brasilândia, e a Carrol's Foods, a qual pretende implantar em Diamantino, uma granja com capacidade para dez mil matrizes comerciais e 800 animais avós. Nesses casos, verifica-se uma nova divisão do trabalho, assentada em empresas especializadas no abate e empresas especializadas, inicialmente, na produção de matrizes. Portanto, verifica-se que as novas relações de trabalho não se manifestam apenas em empresas específicas, mas na estrutura produtiva de carne avícola e suinícola do Brasil.
 

Considerações finais

Diante do exposto, pode-se prever, para um futuro próximo, uma nova estrutura produtiva de proteínas animais na porção Sul do território brasileiro. Trata-se do surgimento de empresas especializadas na produção de um elevado mix de produtos, com alto grau de capital investido e com novas relações de produção na estrutura administrativa, gerencial, no chão da fábrica e nos processos de fornecimento de matéria-prima. Além disso verifica-se nesses movimentos, pós abertura comercial, um enxame de empresas forâneas, que desnacionalizaram os setores produtores de insumos e equipamentos, bem como empresas abatedouras de aves e suínos, como, por exemplo, a francesa Doux que adquiriu a Frangosul.
 

Notas

(1) Entre 1975-84 as exportações brasileiras de carne de frango passaram de 0,49 por cento de participação no comércio mundial para 17,9 por cento de participação. O crescimento foi avassalador, pois em 1975, a Holanda detinha 28,46 por cento de participação contra 12,8 por cento dos EUA e 11,6 por cento de participação da França. Já em 1984, os EUA mantinha-se na casa dos 13,7 por cento contra 20,8 por cento da França e 12,8 por cento da Holanda. A forte competição subsidiada imposta pelos EUA e França reduziram a participação brasileira para 14,3 por cento em 1992, contra 25,5 por cento dos EUA e 16,2 por cento da França. Em 1991 os EUA estavam vendendo o frango no mercado mundial a US$ 1.000, enquanto o Brasil vendia entre US$ 1.250 a 1.280. Os EUA concedem subsídio diferenciado por países de destino. Por exemplo, entre 1986 a 1990, o Export Enhacemente Program (EEP) destinou para o Egito cerca de US$ 985/ton. (cerca de US$ 27,1 milhões de subsídios), contra US$ 669/ton. para a Arábia Saudita (US$ 1,9 milhões) e US$ 520/ton para os países do Golfo. Já, a França concedia subsídios de US$ 380 por tonelada, contra US$ 750/ton. a US$ 850/ton. concedido pela Política Agrícola Européia (Espíndola, 2002)
(2) O grupo Sadia, visando ampliar e diversificar ainda mais sua área de atuação, instalou em 1984, com apoio da SUDAM, uma unidade de esmagamento e envasamento de soja em Rondonópolis/MT e outra em Paranaguá/PR. Em 1991, investiu U$ 32 milhões na implantação de um complexo avícola em Várzea Grande/MT. Tais rotas de investimentos e diversificação no segmento de soja foram seguidas pelo grupo Perdigão, que investiu U$ 59 milhões na construção de uma unidade de esmagamento de soja em Cuiabá/MS, além de construir no início da década de 90 uma fábrica de rações em Videira/SC e uma processadora de rações em Joaçaba/SC. (Espíndola, 1999)
(3) O atordoamento com atmosfera controlada de CO2 é feito em túnel de passo simples sem incidência de hemorragia, sanguinolência e fraturas causadas às partes das carcaças, em especial às mais nobres. Antes da implantação do atordoamento com CO2, as perdas financeiras reais chegavam a afetar a produtividade e a competitividade. Os benefícios atingiram diretamente a qualidade das carcaças e o rendimento do processo, mantendo o bem-estar das aves abatidas.
(4) É mister salientar que muitos desses novos equipamentos e máquinas que estão sendo introduzidos no sistema produtivo agroindustrial de carne do Sul do Brasil são de origem nacional (Semil, High Tech, RM Indústria e Comércio, etc.). Entretanto, em alguns segmentos, o processo de desnacionalização, em decorrência da abertura comercial, foi brutal. As empresas nacionais de equipamentos avícolas e suinícolas que detinham o mercado brasileiro até 1996 encolheram ou foram incorporadas. Os exemplos são os mais variados, mas pode-se destacar a Avimec, de Caxias do Sul/RS, que foi adquirida pela Big Dutchman, e a Agromarau, de Marau/RS, que se uniu à empresa americana Cumberland. Quando não desnacionaliza, as representantes européias e americanas provocam dumping (Espíndola, 2002)
(5) Na Europa, os frigoríficos e os sistemas on-line vêm oferecendo ao supervisor de cada linha de produção uma base de dados sobre o desempenho de cada empregado. O sistema Baader possibilita localizar o funcionário que não está cumprindo as metas de qualidade e aproveitamento e solucionar rapidamente esta situação (Revista Nacional da carne, 1999, p. 15).
(6) O grupo Perdigão, por exemplo, está criando em Goiás o maior complexo de carne da América Latina. No complexo de Rio Verde, que terá capacidade para abater 281 mil aves/dia, será investido um total de R$ 360 milhões. O complexo denominado Projeto Buriti contará com dois frigoríficos, um para aves e outro para suínos, e terá também fábrica de rações, incubatórios, granja de matrizes, central de inseminação artificial e uma unidade de industrialização.
(7) O modelo de integração com pequenos produtores, a exemplo do Sul, já vem há alguns anos dando mostras de um esgotamento em virtude dos custos logísticos e o gerenciamento de um grande número de integrados. Em razão disto, está emergindo desde o início dos 90, um novo modelo assentado na constituição de empresas rurais que utilizam mão-de-obra assalariada (Espíndola, 1999).
 

Bibliografia

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© Copyright Carlos José Espíndola, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

ESPÍNDOLA, C.J. Tecnologia e novas relações de trabalho nas agroindústrias de carne do Sul do Brasil, Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. VI, nº 119 (85), 2002.  [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-85.htm


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