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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (132), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

POLÍTICA DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: UMA QUESTÃO PARA O DEBATE

Aljacyra Mello Petit
Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte - Brasil

Angela L. A. Ferreira
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Brasil


Política de qualificação profissional: uma questão para o debate (Resumo)

A política de formação profissional no Brasil, implementada pelo Governo Federal, na década de 1990, busca uma nova institucionalidade para a qualificação profissional. Essa vem se materializando por meio do Plano Nacional de Educação Profissional - PLANFOR. Dois pontos merecem destaque na sua concepção: a própria estrutura institucional e o novo modelo de gestão participativa que cria comissões de emprego tripartirdes e paritárias em todas as instâncias municipais buscando "atender as expectativas dos trabalhadores". Este discurso (nova gestão) é na prática questionável; por outro, a criação de uma "nova institucionalidade" é contraditória e pode trazer graves danos a qualidade da formação integral do trabalhador, tendo em vista que o desmonte da estrutura existente vem acarretando o abandono do acumulado em termos de patrimônio material e intelectual nas últimas décadas.

Palavras chave: Educação e trabalho, Transformações das relações de trabalho, Educação profissional


The professional qualification policy: a question for discussion(Abstract)

The professional qualification policy in Brazil that was implemented by the Federal Government in the 1990's has a new approach for professional qualification. It has been done through the National Plan for Professional Education - PLANFOR. Two aspects are important: the institutional structure and the new model of implementation that creates a three way comission in the country's level to "fulfill the worker's expectations". On one side the participataive democratic approach raises some questions; on the other side, the reation of a "new institutionalization" is contradictory and can have harmful results to the quality of the worker's qualification since the destroying of the existing structure brings abaute the abandonment of the material and intellectual patrimony in the last decades.

Key words: Education and work force, changes in the work relations, Professional Education.


O presente ensaio de cunho exploratório pretende levantar alguns questionamentos e observações sobre a Política de Formação Profissional instituída no Brasil pelo Governo Federal que faz parte do Plano Plurianual "Brasil em Ação". O Plano Nacional de Educação Profissional - PLANFOR, criado em 1996 pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional - SEFOR do, então, Ministério do Trabalho (hoje Ministério do Trabalho e Emprego), teve seu envolvimento social em torno do Sistema Nacional de Emprego - SINE, já instalado em todos os estados da federação.

Os pressupostos do PLANFOR partem do princípio de que o sistema de ensino técnico existente - o Sistema S (1) e as escolas técnicas - não comporta as exigências atuais da formação profissional, voltadas para as mudanças das relações de trabalho, e encontra-se funcionando a revelia de uma coordenação geral. O novo modelo de gestão proposto busca, de forma contraditória, atender a antiga reivindicação dos trabalhadores no que diz respeito a sua participação na gestão dos programas e recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, que não vinha cumprindo essa sua finalidade. A resposta dessa "nova institucionalidade" foi a criação das comissões de emprego implantado pelos SINEs.

Interroga-se com base nos pressupostos do PLANFOR a forma colocada de democratização dessa gestão. Essa nova estratégia de gestão pode ser mais uma forma de subordinação dos trabalhadores na razão de um novo invólucro para o controle dos gestores sobre o processo de trabalho. A gestão participativa é considerada também uma estratégia de poder. Questiona-se este novo modelo de gestão por apresenta-se como uma nova forma de dominação por parte do capital ao inserir numa mesma mesa de negociação, os trabalhadores, para decidir sobre o destino dos recursos do FAT. Essas indagações fazem parte dos comentários constantes dos itens a seguir.

Primeiramente será introduzido um paralelo entre o modelo de acumulação de capital anterior a década de 1990, com as mudanças no perfil das relações de trabalho no processo produtivo e gestão do sistema tradicional de qualificação profissional no Brasil. Destaca-se neste item o rompimento do paradigma do mundo do trabalho, durante nos anos de 1990, que provocou as transformações no processo de formação profissional e foi consolidado com a implantação do novo modelo de educação profissional denominado PLANFOR. Em seguida se discute a concepção desse novo modelo de qualificação profissional, considerado como "uma nova institucionalidade para a formação profissional". E, finalmente, como considerações finais são apresentados alguns questionamentos sobre o funcionamento e as contradições desse novo modelo de qualificação profissional.
 

Gestão da Força de trabalho no Processo Produtivo x Sistema Tradicional de Formação Profissional

As mudanças nas relações de trabalho, a partir dos anos 1990, ocorre num processo em que as formas anteriores - fordismo e o taylorismo - mesclam-se aos novos processos produtivos. José Henrique Faria (1992, p. 114) comenta que o taylorismo-fordismo "constitui-se, principalmente, em um modelo de acumulação que, agora, em decorrência do emprego de uma nova tecnologia física, tende a ser, na forma (e não na substancia), superado por outro, que, genericamente, pode ser apelidado de 'modelo participativo'".

É sabido que o Capital sempre necessita desenvolver novas técnicas de dominação do trabalhador para manter a perpetuação do sistema. Formas de gestão são criadas para ampliar o controle sobre o processo de trabalho, esta nova técnica foi justamente a de integrar o trabalhador no processo capitalista, com isto, diminui os conflitos e reduz também a alienação decorrente do sistema até então vigente: taylorismo-fordista. O novo processo de gestão leva o trabalhador a valorizar seu trabalho, sua contribuição ao produto final, encontrando soluções técnicas para operações e participando de decisões sobre a execução do trabalho.

Este processo de dominação do capital ocorre também em outras esferas, não se esgotam somente no processo produtivo, no caso, o saber do trabalhador. São necessários novos tipos de conhecimento ao mesmo tempo em que transfere novas responsabilidades ao trabalhador, numa tentativa de modernizar as relações capitalistas.

Frente a esse contexto, de desconcentração industrial, de flexibilização das relações de trabalho, mudança de estratégia que vem possibilitando ao capital uma maior exploração e controle dos trabalhadores, surge ao capital a necessidade de ter um controle também direto sobre o saber dos trabalhadores e os direcionar para um aumento de produtividade. Evidencia-se um novo paradigma de educação profissional pautado também na proposta de gestão democrática - participativa que se pretende materializar no Plano Nacional de Formação Profissional - PLANFOR.

Dessa forma as mudanças, que ocorreram no sistema produtivo nas últimas décadas (com inovações tecnológicas e alterações nos processos produtivos), passam a exigir dos trabalhadores um conjunto de saber antes dispensável. Entende-se que, esta competência para o trabalhador só poderá ser obtida via uma formação na educação tipo formal adequada que exige pelo menos o término do 2º grau, que eqüivale ao ensino fundamental, constituído de 8 anos e o ensino médio com 3 anos de estudos, denominados 1o e 2o graus respectivamente. Os novos empregos no segmento industrial que estão sendo criados exigem maiores requisitos educacionais, assim como no novo terciário que passa a se especializar para dar suporte a esse segmento.

Emerge, assim, a necessidade de mudar o perfil da qualificação profissional, diminui a importância das habilidades específicas e aumenta as exigências de uma combinação de atributos que Antunes (1995) e Faria (1992), entre outros, denominam "trabalhador polivalente".

Vale salientar que desde 1950, o Brasil já possuía um sistema de formação técnico profissional de 2º grau, materializado por meio das escolas técnicas federais, existentes em várias cidades, de reconhecida qualidade educacional, sendo que, seus cursos estavam diretamente voltados para o setor das indústrias de ponta e de grande porte, ficando aquém das necessidades de qualificação da maioria da população. Com a criação do Serviço Social da Industria - SENAI, parcela de trabalhadores foram qualificados e contribuíram para a criação de um parque industrial.

De maneira geral o Sistema "S" - criado com fontes de financiamento compulsórias e forte amparo estatal atuam livremente, carreando recursos públicos para as federações empresariais de seus respectivos estados - vem formando trabalhadores a mais de quatro décadas para setores específicos, justamente na perspectiva do antigo regime de acumulação taylorista-fordista, que exigia tão somente a escolaridade básica. Ao ser pouco exigente, requer apenas a escolaridade específica. A readaptação dos trabalhadores às mudanças atuais nas técnicas de automação e de organização, principalmente no caso, do Brasil, em que existe grande deficiência na educação básica, parece uma tarefa muito difícil.

Neste contexto, Beatriz Azeredo (1998) ao se referir às análises de Salm e Fogaça comenta que as mudanças no processo produtivo e a discussão em torno da educação da força de trabalho ganham novas dimensões. Esses autores colocam que a idéia de uma educação tecnológica surge da preocupação em conceber uma formação que dê conta das profundas transformações advindas das inovações que configuram a sociedade industrial/tecnológica. E acrescentam:

de acordo com as reflexões já feitas sobre o tema, a educação tecnológica corresponde a uma boa educação básica, que associa ciência, tecnologia e criatividade. (...) A única saída é salvar a rede pública de ensino, pois que não existe agência mais indicada para atingir 30 milhões de alunos. Este fato implica que não há atalhos, tão ao gosto daqueles que propõem substituir a educação básica pela aprendizagem de um ofício. (Salm e Fogaça apud Azeredo, 1994, p. 139).

Ressaltam ainda que a prioridade dada à educação se manifesta também no maior envolvimento empresarial com os sistemas educacionais, bem como em maiores gastos das empresas, não só com treinamentos específicos, mas, com educação geral e tecnológica ampla. Tal mudança de mentalidade vem ocorrendo mais em alguns segmentos como o automobilístico e o de informática.

Com relação às Escolas Técnicas Federais, a proposta de uma "nova institucionalidade" para a formação profissional, remete as iniciativas do Governo através de Projetos de Leis encaminhando ao Congresso Nacional visando a sua reformulação.

É importante colocar que o Sistema "S" e as escolas técnicas foram responsáveis por um padrão de formação profissional vinculado ao sistema regular de ensino, ao 2º grau. Mesmo que este sistema tenha apresentado debilidade, na prática ele realizava, no sistema educacional, um princípio bastante caro aos educadores mais comprometidos com os trabalhadores, qual seja, o de uma educação cientifico/tecnológica associada a formação humanista e crítica, no lugar de mero treinamento proporcionado pelas agências que realizam via de regra, cursos avulsos de curta duração.

Neste sentido, tudo indica que a intenção é desarticular a integridade já obtida nesta formação profissional, transformando as escolas em núcleos de treinamentos de curta duração voltado diretamente para as necessidades imediatas do mercado de trabalho.
 

Uma nova institucionalidade para a formação profissional

As transformações no modelo de qualificação profissional passaram a ocorrer justamente em meados da década de 1990, principalmente quando os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT passaram a ser carreados para este sistema de qualificação profissional. Com a aprovação da Lei n.º 8.900/1994 qualquer trabalhador pode participar do Programa de Formação Profissional. Ocorre assim, um processo de desburocratização e a definição de um modelo institucional claro, em 1996, momento em que o Sistema "S" passou a ser inserido no Sistema Público de Emprego, abrindo, pode-se dizer uma nova perspectiva de integração de ações, sem comprometer autonomia a gerencial de cada instituição.

Azeredo (1998, p.  139) afirma que o fato do PLANFOR ter sido custeado pelo FAT e coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com estados e municípios, e apoiado nas comissões de emprego, além do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT (2), confere ainda a este Plano uma vinculação muito estreita com todo o processo recente de organização das políticas públicas de emprego. A autora considera ainda que o PLANFOR, como o mais novo instrumento a compor o painel do Ministério do Trabalho e Emprego, representa um salto na política de emprego no país.

De acordo com Castro e Macedo (1997), desde a criação do FAT, havia uma disponibilidade de recursos para qualificação profissional, em um primeiro momento restrita aos segurados do Programa de Seguro-Desemprego, mas, a partir de 1994, com a Lei que redefiniu as funções do Programa, aberta aos trabalhadores em geral. Enfatiza que do ano 1990 a 1995, alguns serviços de formação profissional foram prestados por meio do Sistema Nacional de Emprego - SINE, de forma bastante precária.

A proposta de uma nova institucionalidade para a formação profissional, surge justamente num momento de profundas modificações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva e nas formas de representação sindical e política. Para Antunes (1995, p. 15),

"foram tão intensas as transformações que a classe - que-vive-do-trabalho - sofreu a mais aguda crise, que atingiu não só a sua materialidade, mas trouxe profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser."

Esta nova institucionalidade parte de dois princípios: a inadequabilidade dos sistemas de formação profissional mais tradicionais, incluindo o SINE, e a existência de uma rede mais ampla de agências de formação profissional ainda desconhecida e não mobilizada de forma orgânica.

O sistema "S" ao atender clientelas específicas, somente a partir de determinado grau de escolaridade e pelo fato de sua gestão ocorrer de forma privada, tudo parece indicar que se parte de uma crítica a uma espécie de "corporativismo patronal" que coloca o sistema, anteriormente eficaz e de excelência, em dissonância com as novas exigências sociais. Essa mesma dissonância se verificaria também em relação ao seu "modelo pedagógico".

Em termos quantitativos vale salientar que, entre os anos de 1995 a 2000, cerca de 3,1 milhões de trabalhadores foram treinados pelo PLANFOR/FAT, enquanto os demais agentes de qualificação profissional denominados Rede Nacional de Educação Profissional - RNEP se responsabilizaram por 8,4 milhões de treinandos neste mesmo período. (Ministerio, 2000, p. 5)

Observa-se portanto, que o sistema "S" qualificou mais que o dobro do PLANFOR/FAT.

Dessa forma, a participação do PLANFOR no período supracitado, foi menos significativa que as agências tradicionais que se pretende constituintes de uma institucionalidade obsoleta.

Por outro lado, a meta global do PLANFOR é, a médio e longo prazo, constituir oferta de qualificação profissional suficiente para atender pelo menos 20 por cento da População Economicamente Ativa - PEA ao ano, que eqüivale no ano de 2000 cerca de 18 milhões de pessoas (Ministerio, 2000, p. 25).

No ano de 1995, dados quantitativos demonstram que 5 por cento da PEA foram absorvidos pelo Programa. A meta do PLANFOR só poderá ser viabilizada se continuar a utilizar desta estrutura tradicional já existente, sendo necessário "articular a competência e capacidade instalada de Educação Profissional - EP no país, pública e privada" (Brasil, 2001, p. 5-6), que no ano de 2000 chegou a 15 por cento da PEA. A meta para o ano 2002 é atingir os 20 por cento da PEA (Ministerio, 2000, p.  25).

Vale salientar que a proposta de uma "nova institucionalidade" para a formação profissional não estabelece medidas relativa ao Sistema "S" e dá a entender que a inclusão desse sistema passaria por uma maior ingerência externa na sua gestão que possibilitasse a tomada de decisões exigidas pela sua efetiva articulação num Sistema Público de Emprego.

O modelo dessa nova gestão seria provavelmente, o que está sendo implantado nos SINEs através das Comissões de Emprego, tripartites e paritárias. O envolvimento dos interessados no processo de gestão proporciona mais vitalidade e credibilidade ao sistema, levando-o ao reconhecimento nacional. Seu reconhecimento e o treinamento desta forma pode adquirir valor no mercado de trabalho.

A concepção do PLANFOR está voltado para um mercado de trabalho instável, no qual se assiste uma reestruturação de toda a base material da produção de bens e serviços, tendencialmente, de acordo com as exigências do mercado internacional. Dessa forma o próprio plano tem o aval de entidades de classe dos trabalhadores que participam da gestão de seu financiamento através do CODEFAT (3), que já havia sido criado em 1990.

É interessante observar que, neste ponto, governo e trabalhadores pensam de forma semelhante já que a democratização da gestão dos "S" é reivindicação do movimento sindical de longa data. Questiona-se: terá o Governo a firmeza e o mesmo empenho em levar adiante este novo modelo de educação profissional sem o acarretar prejuízos aos trabalhadores?

Pode-se considerar que neste sentido, o PLANFOR tem o mérito de ter permitido o acesso e o gerenciamento de recursos públicos pelas organizações dos trabalhadores. Realmente dentre os programas em curso, "este representa um avanço na educação para a emancipação do trabalhador" (Franco apud Ciavatta, 2000, p. 80). No entanto, do ponto de vista político, parece contribuir para o enfraquecimento da classe trabalhadora na sua capacidade de autonomia e resistência frente ao projeto econômico em curso. No plano político pedagógico, a concepção do PLANFOR orienta-se pela funcionalidade da formação profissional para um mercado de trabalho seletivo, restrito, privilegiando os aspectos práticos/técnicos da preparação para o trabalho. Seu sentido maior é funcional ao modelo econômico vigente, atenuando as tensões sociais e diminuindo as contradições intrínsecas à formação profissional para o trabalho incerto.
 

Considerações finais: algumas questões sobre a atuação do novo programa de qualificação profissional

De fato, o PLANFOR não busca uma educação continuada, prepara o trabalhador para o trabalho incerto, ou seja, para se adequar ao mercado de trabalho em constante mutação. Neste sentido, o "conceito humanista de educação como formação de valores e comportamento cede lugar a necessidade do domínio da informação e à sua operacionalização para as necessidades do mercado. Analisando, o nível de educação do povo brasileiro, 75 por cento estariam abaixo do ensino médio, 15 por cento completaram o ensino médio e 10 por cento o ensino universitário" (Sguardo apud Ciavatta, 2000, p. 81).

Os dados supracitados indicam que os investimentos na área educacional são insuficientes. O acesso a educação básica fundamental no Brasil é restrito. Dessa forma, a proposta do PLANFOR é contraditória e a oferta de uma educação continuada encontra-se comprometida. "O sentido próprio, mais adequado de educação continuada implica num processo educativo completo, cursos especializados ou técnicos e de atualização permanente, são parte de um contexto de preparação para o trabalho e de promoção da cidadania" (Ciavatta, op.cit., p. 81-82).

Assim, o PLANFOR deveria assumir sua posição complementar do ensino e nunca substitutiva da educação formal. Sua atuação possui seu foco no mercado e na clientela. Na concepção do PLANFOR não basta um único e longo curso para entrar no mercado, todo trabalhador precisa ter chances de múltiplas entradas e saídas nos sistemas de educação profissional para se qualificar e se requalificar, durante toda a vida produtiva. Nessa direção verifica-se que a proposta da educação profissional vai de encontro a política maior de reestruturação produtiva.

A educação básica no Brasil apresenta fraco desempenho. O número de jovens que entram na universidade é pequeno em decorrência deste perfil de escolaridade. Essa se encontra aquém do que se considera como necessária ao bom desempenho das economias modernas. De acordo com os princípios do PLANFOR, a educação profissional é componente primordial da empregabilidade.

Vale salientar que as limitações do PLANFOR passam a ser reconhecidas no momento em que busca se promover a integração dos sistemas tradicionais/formais de ensino profissional, alegando que o modelo atual se mostra desarticulado, atuando desordenadamente. Pode-se, então, ressaltar como grande êxito do PLANFOR, em termos de repercussão das suas atividades, por um lado, a centralidade da sua coordenação em todo o país e a sua abrangência nacional e, por outro, ao envolvimento de um grande número de atores nunca antes convocados a participar de programas de formação profissional. Isso se concretiza, principalmente, com verbas públicas rapidamente disponibilizadas, dentre os quais deve-se destacar as entidades de trabalhadores seja no papel de co-gestores do plano, através das comissões estaduais e municipais de emprego, seja como suas executoras diretas.

Então, pode-se admitir que esta ação demonstrativa, conteria de fato alguns elementos constituintes de uma "nova institucionalidade". Estes elementos seriam primeiramente, a gestão tripartite e paritária efetiva propiciada pelas comissões estaduais de emprego. E, em segundo lugar, a busca da descentralização das ações, possível de obter através de uma flexibilização das formas tradicionais de gestão dos recursos financeiros no âmbito da administração pública. É, nesse sentido, que a ação demonstrativa tem sido eficaz.

Contudo, a ação demonstrativa corre o risco de fracassar se perdurarem algumas limitações. Em termos da eficiência dos processos e mecanismos de coordenação e controle nas instâncias estaduais, também vem se constatando dificuldades na sua implantação justamente nas áreas sociais mais críticas em termos de emprego, e, também no domínio dos resultados descentralizados e entregue às universidades na forma de um controle externo e independente.

Azeredo (1998: 138), sobre a avaliação do PLANFOR, ressalta que muitos estados da federação não possuem secretarias próprias e que, na ausência de secretarias específicas, as atividades do PLANFOR foram inseridas nas secretarias de Assistência Social. Mesmo nos Estados que possuem secretaria própria para o desenvolvimento do programa, há dificuldades de se implantar a proposta do PLANFOR. Em sua avaliação, a autora aponta alguns estados em que este programa funcionou como: Santa Catarina, Distrito Federal, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Bahia, Goiás, Ceará Paraíba, Paraná e Mato Grosso. Estados nos quais, com poucas exceções, as comissões municipais de trabalho tiveram um papel preponderante na definição de prioridades e no acompanhamento do programa. Muitos estados não foram capazes portanto de se organizarem para executar o programa segundo esta nova "filosofia". É necessário, então, aumentar a eficiência na execução do plano.

Vale salientar que há uma resolução do CODEFAT que autoriza o repasse dos recursos aos municípios em situações especiais. Talvez essa seja uma medida adequada de efetivar o programa. O acompanhamento, a fiscalização e a execução dos planos estaduais, assim como, uma cuidadosa avaliação com relação aos tipos de cursos, a clientela atendida e seus impactos em termos de melhoria da empregabilidade do trabalhador deveriam estar na pauta dos gestores.

Os avaliadores do programa demonstraram a necessidade de uma capacitação profissional para os agentes públicos e privados de prestação de serviços na área social. Para eles, a oferta de cursos para a população mais pobre e ligada ao setor informal não deve ser avaliada segundo os parâmetros dos trabalhadores ligados ao emprego formal. Com relação aos trabalhadores ligados ao setor informal, os avaliadores alegam que o problema passa justamente pelo nível de instrução. Deve ser observado o problema nacional do analfabetismo, o que se caracteriza como uma das principais carências da efetivação do PLANFOR. Uma outra questão levantada é a escolha dos conteúdos dos cursos. Nesse sentido, é importante repensar a oferta dos cursos direcionando-os para determinados processos produtivos em que os treinandos já encontram-se envolvidos.

Outro obstáculo, mencionado anteriormente, é o fato do programa não se inserir numa educação continuada/formal, assim como a limitação da clientela, que vem predeterminada pelo PLANFOR. Mais um ponto que se mostra como problema é a falta de pesquisas, que possam apontar para as necessidades do mercado e contribuir na formulação das ofertas de cursos que atendam tanto aos trabalhadores quanto ao empresariado. Tal fato influencia no baixo índice de empregabilidade dos treinandos.

Ao analisar apenas uma política do Governo, a de Qualificação Profissional inserida no Projeto denominado PLANFOR, no conjunto das políticas do Governo Federal, percebe-se que a efetivação desta política depende da estruturação do sistema público de emprego, e da sobrevivência do FAT e do CODEFAT. Atualmente o PLANFOR possui uma maior atuação no Sistema "S", na incorporação de ONGs, nas universidades e demais executoras, e principalmente, no sistema de gestão por parte dos estados.

A educação profissional por si só não cria empregos, este é um componente da empregabilidade de jovens e adultos. Assim essa política iniciada em 1995, com resultados mais quantitativos em 1996, não tem contribuído, de forma satisfatória, para a elevação da escolaridade dos trabalhadores, estando distante de atingir essa meta. Isso se dá, principalmente, por não constar em seus pressuposto a educação continuada. As dificuldades educacionais dos trabalhadores no país somente poderão ser vencidas a longo prazo, uma vez que o Brasil possui grande parte da PEA adulta com menos de oito anos de estudo, abaixo da escolaridade fundamental.

É indiscutível que o programa possui um caráter inovador, tanto ao inserir a participação dos trabalhadores no processo de gestão por meio das comissões estaduais e municipais de emprego, ou seja, como executores diretos, quanto pela própria proposta integradora de todas as agências de qualificação profissional no Brasil na busca de uma política única. Observa-se que a desarticulação das ações do programa dificulta a formação cidadão produtivo.

Cabe ressaltar, que ao mesmo tempo em que se visualiza uma tendência para a qualificação profissional, desenvolve-se também intensamente um nítido processo de desqualificação dos trabalhadores, que acaba sendo um processo contraditório que superqualifica em vários ramos produtivos e desqualifica em outros.
 

Notas

(1) O Sistema "S" é um sistema de formação profissional constituído por entidades não governamentais de caráter público formado, tradicionalmente, pelo Serviço Nacional da Indústria - SENAI, pelo Serviço Social da Indústria - SESI, pelo Serviço Nacional do Comércio - SENAC e pelo Serviço Social do Comércio - SESC.

(2) O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador - CODEFAT - determinou que cada estado, a partir das respectivas secretarias de trabalho, deveriam criar comissões tripartites e paritárias para gerenciar fiscalizar e acompanhar todos os programas articulados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Compete as comissões determinar as prioridades da ação pública, avaliar projetos de interesse local e realizar articulações necessárias entre trabalhadores, empresários e governo.

(3) O CODEFAT, que foi criado para gerir os programas e os recursos do FAT, é um órgão composto de forma tripartite e paritária, com nove membros, sendo três de centrais sindicais de trabalhadores (CUT, Força Sindical e CGT- Confederação), três de confederações patronais (CNI, CNC e CNF) e três representantes do Governo Federal (Ministério do Trabalho, Ministério da Previdência e BNDES). Este organismo, criado segundo as prescrições da Convenção 88 da OIT, introduz no âmbito das políticas públicas voltadas para o mundo do trabalho um aspecto novo e democratizante.
 

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Agradecimento:

As autoras agradecem a Alenuska Kelly Guimarães Andrade, bolsista de Apoio Técnico do CNPq, pela fundamental colaboração na revisão do texto e normalização das referências bibliográficas.
 

© Copyright Aljacyra M. Petit y Angela L. A. Ferreira, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

PETIT, A.M.; FERREIRA, A. Política de qualificação profissional: uma questão para o debate.  Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, nº 119 (132), 2002. [ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119132.htm


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