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Scripta Nova |
GESTÃO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: AVANÇOS E DESAFIOS DOS PROCESSOS DE DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA NO BRASIL
Valdir Roque Dallabrida
Universidade do Contestado
(UnC)
valdirroqued897@gmail.com
Walter Marcos Knaesel Birkner
Universidade do Contestado
(UnC)
walter.marcos@pq.cnpq.br
Edson Luiz Cogo
Universidade do Contestado
(UnC)
cogo_adv2005@yahoo.com.br
Gestão territorial e desenvolvimento: avanços e desafios dos processos de descentralização político-administrativa no Brasil (Resumo)
Para contribuir adequadamente com a gestão territorial e o desenvolvimento, não basta prover as regiões de estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento. Implica, primeiro, em construir a região, pela institucionalização de um consenso racional sobre qual regionalização é mais adequada. Como se trata de um processo histórico, não é possível fazer via decreto governamental. Segundo, trata-se da necessidade de um diálogo mais aberto entre governo e sociedade regional. Este é o desafio, pois é recorrente ainda uma prática política clientelista e fisiológica, comprometendo o exercício da cidadania democrática. Paralelamente, de parte da sociedade regional, existem o corporativismo setorial e os bairrismos regionais, sem uma visão integrada de região. Propomo-nos a investigar a inter-relação entre a descentralização, as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, as capacidades estatais e as escalas espaciais da ação pública, analisando sua interferência no processo de desenvolvimento, tendo como referência a experiência de descentralização do estado de Santa Catarina - BR.
Territorial Management and Development: advances and challenges of the processes of political decentralization in Brazil (Abstract)
To an adequately contribution about territorial management and development, it is not enough to supply the regions with sub national structures of development management. Firstly, it is necessary to construct the region, trough the institutionalization of a rational agreement about what a regionalization is more adequately. Because it is an historical process, it is not possible to do it trough governmental decree. Secondly, is necessary a more extensive dialog between govern and regional society. That is the challenge, being also recurring a physiologist and clientelist practice, undermining democratic exercise of citizenship. At the same time, sectors of society also has corporatism and regional, regional parochialism, without an integrated vision of region. Therefore, the porpoise is to investigate the relation between decentralization, under national structures of development management, state capacities and spatial scales of public action, analyzing their interferences within development process. The reference to do this research is the decentralization experience of Santa Catarina state-BR.
Gestión Territorial y Desarrollo: avances y desafíos de los procesos de descentralización político-administrativa en Brasil (Resumen)
Para contribuir de manera apropiada a la gestión territorial y el desarrollo, no sólo es suficiente organizar en las regiones estructuras sub-nacionales de gestión del desarrollo. Implica, en primer lugar, la construcción de la región, por la institucionalización de un consenso racional sobre cual la regionalización es más adecuada. Como se trata de un proceso histórico, no es posible hacerlo a través de decreto del gobierno. En segundo lugar, esta la necesidad de un diálogo más abierto entre el gobierno y la sociedad regional. Este es el desafío, por el hecho de que prevalece una práctica política de clientelismo y fisiologismo, que afectan negativamente el ejercicio de la ciudadanía democrática. Al mismo tiempo, de parte de la sociedad regional, permanece el corporativismo sectorial, el parroquialismo, sin una visión integral de la región. Se propuso investigar la interacción entre la descentralización, las estructuras sub-nacionales de gestión del desarrollo, la capacidad del Estado y las escalas espaciales de la acción pública, el análisis de su injerencia en el proceso de desarrollo, teniendo como referencia a la experiencia de descentralización del Estado de Santa Catarina-BR.
Este texto apresenta o resultado final de um projeto de pesquisa que
se propôs investigar a inter-relação entre a descentralização, as estruturas
subnacionais de gestão do desenvolvimento, as capacidades estatais e as escalas
espaciais da ação pública, analisando sua interferência no processo de
desenvolvimento regional do estado de Santa Catarina (SC)[1]. A investigação se
deteve às experiências recentes de descentralização, na sua dimensão
político-administrativa.
Metodologicamente, priorizamos o uso de entrevistas com questões abertas, atingindo informantes qualificados, envolvidos nos processos de descentralização ocorridos entre 1990 e 2010, sejam eles lideranças políticas, autoridades, lideranças empresariais, sociais e institucionais. Privilegiamos municípios das quatro regiões do Estado: o oeste, a serra, o norte e a região litorânea. Com isso, procuramos atingir uma amostra significativa de municípios de todo o Estado. Para tal, entrevistamos lideranças de 20 cidades de diferentes regiões do Estado. A análise documental também mereceu destaque na investigação, principalmente para a análise dos processos pretéritos. Além disso, algumas informações foram resgatadas de documentos oficiais, publicações disponíveis em artigos, sejam produções com a participação pessoal, ou de outros pesquisadores.
Aqui, sintetizamos as principais conclusões resultantes da referida investigação. Inicialmente, situamos o tema de investigação no estado da arte. Na seqüência, vem uma explicitação do(s) problema(s) de investigação, para, em seguida, sintetizar os resultados da pesquisa, considerando as entrevistas e a análise documental. Finalizamos com algumas considerações reflexivas e novos indicativos de investigação.
Estado da arte e explicitação de debates
teóricos sobre o tema em questão
Utilizamos alguns conceitos que consideramos necessária sua definição a fim de facilitar a compreensão do leitor: (a) Gestão Territorial - refere-se aos processos de tomada de decisão dos atores sociais, econômicos e institucionais de um determinado âmbito espacial, sobre a apropriação e uso dos territórios, com vistas à definição de estratégias de desenvolvimento; (b) Desenvolvimento (local, regional, territorial) - um processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada territorialmente, sustentado na potencialização dos ativos e recursos (genéricos e específicos, materiais e imateriais) existentes no local, com vistas à dinamização econômica e à melhoria da qualidade de vida de sua população; (c) Descentralização (na sua dimensão político-administrativa) – refere-se às iniciativas de transferência de poder decisório, ou atribuições, ou delegação de funções, do Estado nacional aos governos subnacionais, ou do governo estadual às suas regiões, uma regionalização com autonomia política, financeira e institucional; difere-se de desconcentração, podendo esta ser uma parte do processo de descentralização, caracterizando-se, no entanto, esta última como transferência de atribuições das instâncias centrais de poder para órgãos regionais, os quais não dispõem de poder para decisão; (d) Estruturas Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento – referem-se às diferentes estruturas institucionais envolvidas no processo de desenvolvimento, tais como fóruns, conselhos, secretarias, agências e consórcios de desenvolvimento[2].
Há décadas, a descentralização na gestão pública é vista como a forma mais adequada de exercício da democracia. Uma das ideias subjacentes a esta argumentação é a de que, se a soberania reside no povo de um país, cada indivíduo constitui parte igual desta soberania e, por consequência, tem igual direito de participar no governo do Estado, mesmo admitindo a necessidade deste como poder regulador.
O tema descentralização político-administrativa é abordado por diferentes vários autores. Em geral, o foco é centrado na defesa do exercício da cidadania, pelo direito à participação em estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento. No quadro 1, é feita uma síntese argumental, a partir de autores[3].
Quadro 1.
Síntese de enfoques sobre descentralização e estruturas subnacionais de gestão
do desenvolvimento
Autores defendem a constituição de arenas em que os processos de definição das políticas e/ou estratégias de desenvolvimento sejam definidas, argumentando que: |
|
Síntese argumental |
Autor(es) |
Constituam-se em uma esfera pública plural e inclusiva, que seja tanto induzida pelo Estado, no entanto, controlada pela sociedade. |
Fleury, 2006 |
Os processos de descentralização, apesar de desejáveis, não representem um risco à fragilização de decisões do tipo macro, pela maior possibilidade de controle dos atores locais, geralmente, mais despreparados e mais susceptíveis às pressões dos atores com maior poder político e econômico. |
Peck, 2005 |
A gestão social do desenvolvimento privilegie formas de exercício da cidadania que vá além do tradicional modelo liberal de democracia representativa, o que implica na defesa de um modelo participativo/deliberativo de democracia. |
Dagnino, 2002 |
No processo conflituoso, não consensual, de construção dos lugares, das regiões e territórios, além de escalas de decisão interescalares, existem projetos de sociedade divergentes, onde diferentes agentes em diferentes escalas se dispõem e agem. |
Acselrad, 2002; Vainer, 2003 |
Atores e poderes na nova ordem mundial ignoram e tiram do jogo os espaços nacionais dos territórios, quando se trata de controle e decisão. Esta avalanche devastadora, precisa ser enfrentada pela cidadania e prática democrática da sociedade, pois a possibilidade do surgimento efetivo de um contrapoder dependerá de fatores mais complexos que podem eventualmente brotar da sociedade civil. |
Dupas, 2002 |
Na criação de inovações institucionais como fóruns e conselhos em que ocorre a participação comunitária, precisa se ter o cuidado para que os atores das comunidades e dos movimentos sociais não sejam submetidos às relações de poder político ou ao domínio do discurso de especialistas, na construção de coalizões locais para a disputa de recursos públicos. |
Acselrad, 2002 |
Fonte: Elaboração própria, a partir da bibliografia referenciada. |
O reingresso do Estado nas agendas políticas e acadêmicas – já não mais como problema senão como solução[4] -, junto às apelações por seu fortalecimento, se sustenta no reconhecimento da presença do Estado como condição necessária para o desenvolvimento equitativo das sociedades. Esta postura recente representa um avanço frente às propostas que sustentavam que o mercado geraria por si mesmo condições de crescimento e integração social, tanto pelas evidências apresentadas por alguns países, como pelos resultados em termos do crescimento das desigualdades sociais e da pobreza na maioria dos países. Essas demandas para o aumento da capacidade estatal no manejo das questões públicas e na promoção de estratégias de desenvolvimento regional, equitativo e endógeno, requerem investigações que analisem as transformações do Estado ocorridas nas últimas décadas e identifiquem as capacidades existentes junto com os novos requerimentos e condições.
A questão do papel do Estado no processo de desenvolvimento (local, regional, territorial), já tem pautado muitos debates, com diferentes posicionamentos. Constatam-se, ainda, visões liberais e neoliberais que defendem a retirada do Estado do âmbito econômico, deixando o comando da economia às leis do livre mercado, a ponto de alguns autores chegaram a decretar o fim do Estado-Nação. No entanto, vários autores propõem a revitalização do papel do Estado nos processos de desenvolvimento. Veja-se uma síntese argumental sobre a temática, no quadro 2.
Quadro 2.
Síntese de abordagens sobre o papel do Estado no desenvolvimento
Autores defendem um papel de destaque do Estado no processo de desenvolvimento, propondo: |
|
Síntese argumental |
Autor(es) |
Que o Estado assuma a função de ator principal na regulação e controle dos processos econômicos e sociais ocorridos territorialmente, apoiando a estruturação de redes público-privadas de atuação e negociação, propiciando acordos de poder compartilhados. Que, junto com as instituições locais, o Estado assuma o papel de mediador dos impactos da globalização econômica, dando forma a interesses e identidades, impedindo certos resultados ou favorecendo e potencializando outros. |
Weiss, 2003a/b |
A defesa do caráter estratégico do Estado para explicar as diferentes fortalezas/debilidades e os graus de êxito com que os espaços nacionais enfrentam os desafios da globalização. |
Weis, 1998 |
Estabelecer uma comunicação estratégica com os atores territoriais, com o fim de definir a inserção dos territórios no processo de globalização, propondo uma estratégia de desenvolvimento do tipo bottom-up nacionalmente articulada, situando-se no plano da meta-governança, coordenando, orientando e agindo coerentemente, no nível regional e nacional, no fortalecimento e reprodução das redes econômicas e institucionais locais e regionais, estimulando a formação de uma nova base de coalizão. |
Fernández, 2003 |
Fonte: Elaboração própria, a partir da bibliografia referenciada. |
Por outro lado, diferentes autores têm abordado a questão da multiescalaridade dos processos socioeconômicos e culturais, fazendo diferentes indicativos, os quais são sintetizados no quadro 3.
Quadro 3.
Síntese de abordagens sobre multiescalaridade
Autores propõem políticas e/ou estratégias de desenvolvimento que: |
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Síntese argumental |
Autor(es) |
Explorem conexões e fluxos virtuosos e externos; contemplem uma política governamental de caráter distributivo integrando as instituições nacionais nas regiões; contemplem uma política descentralizada em que o Estado selecione oportunidades para as regiões, reforce estratégias de baixo para cima e regule a competitividade internacional. |
Amin, 2008 |
Concebam as regiões na sua dimensão relacional, como um nexo de múltiplas e assimétricas interdependências, com foco na conectividade interrescalar. |
Amin, 2008; Brenner, 2001 |
Considerem a realidade como um cenário espacial conformado por distintas escalaridades cujas dinâmicas se superpõem e interpenetram, a partir do que a abordagem e o enfrentamento dos problemas devem ter, então, a natureza transescalar, ou seja, implica em agir e trabalhar em todas as escalas, não ficar apenas na escala localizada. Em síntese, é imprescindível buscar construir estratégias multiescalares para a análise dos fenômenos sobre os quais se deseja intervir. |
Fernández e Dallabrida, 2010a; |
Resultem do enfrentamento de interesses diferenciados, transescalares, o que implica em construir o desenvolvimento em múltiplas escalas espaciais e instâncias de poder. |
Brandão, 2004 |
Exijam táticas transescalares, no entanto, concebendo o local como espaço de controle e de dominação e também como a arena onde cooperação e competição encontram espaço de articulação, pois os processos de organização territorial escalar são campos de ação política e estratégica tanto para os grupos, social, econômica e politicamente marginalizados, como para os poderosos, as elites. |
Vainer, 2002; Jonas, 2006 |
Considerem que as relações entre atores interorganizacionais e interinstitucionais, bem como as estratégias de gestão, são transescalares. |
Fischer, 2002 |
Considerem a escala como definidora dos diferentes níveis de análise, pois não se trata de analisar o mesmo fenômeno em escalas diferentes, sim de compreender que são fenômenos diferentes porque são apreendidos em diferentes níveis de abstração. |
Egler (1991) |
Mais do que a distinção entre o global e o local, deva-se observar a vinculação entre estes circuitos, considerando fluxos e conexões inter e transescalares, sendo necessária a análise de fenômenos que ocorrem em escalas intermediárias (regiões) ou meso-escalares (mesorregiões), incluindo a nacional. |
Haesbaert (1999) |
Fonte: Elaboração própria, a partir da bibliografia referenciada. |
Percebe-se nas argumentações dos autores citados a preocupação de que os processos de desenvolvimento localizados (local, regional, territorial) considerem a situação de multiescalaridade dos processos socioeconômicos e culturais, além da existência de distintas escalaridades cujas dinâmicas se superpõem, com muito mais ênfase na atualidade.
Explicitação de possíveis questões para a
investigação
A temática aqui apresentada remete a uma grande variedade de questões de investigação. São listadas algumas delas, que serviram de parâmetro para a investigação e podem se tornar referências para novos estudos.
Considerando os processos de descentralização ocorridos no Brasil de 1990 até 2010, algumas questões são pertinentes. Quais foram seus objetivos? Quais foram os resultados de ditos processos em termos de (a) fortalecimento e criação de capacidades estatais nas instâncias regionais e (b) promoção e criação de um desenvolvimento territorial mais integrado? Qual a situação de tais experiências quanto à sua continuidade? Qual o vínculo (ou as relações) que se estabelecem no nível regional entre o Estado e os diversos atores com recursos de poder para incidir no desenvolvimento territorial? Que atores se fortaleceram e quais foram prejudicados com a implementação das políticas orientadas ao fomento do desenvolvimento regional no contexto dos processos de descentralização?
Vejamos algumas interrogações sobre o Estado. Quais suas principais modificações nos anos recentes? Como estas incidiram nas políticas públicas? Quais foram os resultados dessas transformações? Resultante desses processos, o Estado se fortaleceu ou se debilitou, em termos de capacidades estatais? Como se estabeleceram as relações e articulações entre os diversos níveis da estatalidade (verticais - Nação/Estado[Província]/Município; horizontais - entre as estruturas estatais) nas regiões? Com que capacidades contam as estruturas estatais para planejar e implementar políticas públicas orientadas à promoção do desenvolvimento regional.
Por fim, sobre as escalas espaciais da ação pública, considerando uma realidade contemporânea de multiescalaridade dos processos socioeconômicos e culturais e a existência de distintas escalaridades cujas dinâmicas se superpõem e interpenetram, outras questões são exigem investigação. Qual escala espacial é utilizada para nortear o planejamento e a gestão territorial nas experiências em análise? Como esta questão tem sido considerada nos diferentes processos de planejamento e gestão territorial? Nas diferentes formas de ação pública e/ou nos processos de planejamento e gestão territorial, existem indícios de pensar uma política multiescalar? Quais? Quais são os atores, agentes e sujeitos? Quais são seus interesses concretos, seus instrumentos táticos e estratégicos? Atuam em que escala espacial? As determinações dos fenômenos estudados se dão em que escala espacial? Em que escala esses fenômenos se manifestam (local, metropolitana, nacional)? Onde estão os centros de decisão e comando determinantes dos fatos territoriais sob análise?
Consideramos impossível responder a essa listagem de questões em uma única investigação. Em parte, a pesquisa que resultou em nossa análise tangencia tais interrogações, em níveis diferentes de profundidade. No entanto, é possível sistematizar as questões acima explicitadas, numa pergunta síntese: qual a inter-relação entre a descentralização, as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, as capacidades estatais e as escalas espaciais da ação pública, e qual sua interferência no processo de desenvolvimento regional em Santa Catarina? Reconhecemos que as demais questões explicitadas demanda estudos que precisarão ter continuidade em outras investigações.
Contextualização histórica e fases do processo
de descentralização no Estado de Santa Catarina
Inicialmente ressaltamos que, embora boa parte da literatura sobre o tema considere que a descentralização político-administrativa do estado de Santa Catarina tenha sido instituída no ano de 2003, inúmeras ações com características de descentralização foram implantadas em períodos anteriores.
Para caracterizar o processo de descentralização político-administrativa do estado catarinense, optamos por fazer um recorte temporal, centrando a descrição a partir da década de 1990. É possível fazer dois recortes metodológicos considerando os diferentes processos que, direta ou indiretamente, intencionavam descentralizar: o primeiro recorte, o que foi previsto nos Planos de Governo da época; o segundo, considerando apenas os dois principais processos, a instituição dos Fóruns de Desenvolvimento Regional Integrado (FDRIs) - década de 1990 - e das Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs), com seus respectivos Conselhos de Desenvolvimento Regional (CDRs) – a partir de 2003[5].
Verificando os Planos de Governo, percebem-se diferentes iniciativas. A retrospectiva descrita no quadro 4 sintetiza as propostas apresentadas pelos governos, com destaque para as políticas públicas com intenção de descentralizar[6].
Quadro 4.
Planos de Governo do Estado de SC
Período |
Plano |
Governador |
Característica de Descentralização |
1987-1991 |
Rumo à Nova Sociedade Catarinense |
Pedro Ivo Campos |
Delegação aos municípios e a segmentos da sociedade, a gestão dos serviços públicos, execução de obras de interesse local, por meio de transferência de recursos e responsabilidades. |
1991-1994 |
Plano Sim |
Vilson Kleinubing |
Transferência para a iniciativa privada de atividades executadas pelo Estado. |
1995-1999 |
Viva Santa Catarina |
Paulo Afonso Evangelista Vieira |
Mobilização da sociedade no processo decisório e busca de parcerias. Neste período, foram criados os Fóruns de Desenvolvimento Regional Integrado nas regiões do Estado. |
1999-2002 |
Mais Santa Catarina |
Esperidião Amim |
Fortalecimento da administração municipal, por meio do estabelecimento de prioridades regionais e viabilidade de execução; municipalização de programas voltados à pessoa humana; instituição em todas as regiões do Estado de Colegiados da Administração Pública Estadual. |
2003-2006
2007-2010 |
Plano 15 |
Luiz Henrique da Silveira |
Descentralização da Administração Pública Estadual com a criação das Secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional. |
Fonte: Adaptado de Binotto, Ribeiro, Dallabrida e Siqueira (2010, p.198). |
Em 1996, iniciou-se a constituição dos Fóruns de Desenvolvimento, por iniciativa das Associações de Municípios das diferentes regiões[7]. A partir de então, os Fóruns se reproduziram nas microrregiões catarinenses, expandindo sua atuação até 2002. A partir de 2003, passaram por um processo de esvaziamento de seu papel, com a criação das Secretarias Regionais de Desenvolvimento, pelo Governo do Estado[8]. No entanto, as Associações de Municípios, que articularam a criação dos fóruns de cada região, ainda continuam existindo, com níveis diferentes de dinamismo e protagonismo. Em alguns casos, sua ação se confunde, concorre ou até se sobrepõe às atividades das Secretarias.
No ano de 2003, por meio da Lei Complementar nº 243, o Governo do Estado de Santa Catarina criou 29 Secretarias de Desenvolvimento Regional, dividindo o estado em microrregiões. Tais estruturas estatais previram a organização de conselhos, como órgãos de consulta e deliberação das prioridades regionais. O Art. 9º desta lei previu que a execução das atividades da administração estadual passasse a ser descentralizada e desconcentrada, operacionalizada preponderantemente pelas secretarias e por outros órgãos de atuação regional. A referida Lei normatizou o funcionamento e atuação das secretarias e teve como finalidade propor uma nova organização regional, descentralizar as funções administrativas, desconcentrar a máquina pública, bem como, proporcionar o desenvolvimento das regiões. As secretarias também passaram a ser responsáveis pela regionalização do planejamento e a execução orçamentária, pela articulação que resultasse no engajamento, integração e participação das comunidades, com vistas ao atendimento das demandas nas suas áreas de atuação, pelo acompanhamento das audiências do orçamento estadual regionalizado, com ênfase para o planejamento, fomento e indução à geração de emprego e renda na região.
Caberia ainda às Secretarias: a execução de atividades, ações, programas e projetos das Secretarias de Estado Centrais[9]; apoio aos municípios na execução de atividades, ações, programas e projetos; apoio à comunidade organizada, por intermédio de convênio ou de acordo; gerenciar, avaliar e controlar as ações governamentais na região; e articular a integração com os demais organismos governamentais. Da mesma forma as Secretarias, por intermédio do Secretário de Desenvolvimento Regional, cargo nomeado pelo Governador do Estado, passariam a representar o Governo Estadual na respectiva região. Passou a ter como órgão consultivo e deliberativo o Conselho de Desenvolvimento Regional e o suporte de oito gerências para planejar e executar atividades que promovam o desenvolvimento territorial.
Aos Conselhos coube a função de definir e deliberar as prioridades, bem como, servir de instrumento de consulta do governo sobre as ações públicas estaduais a serem executadas na região. Os Conselhos Regionais são subordinados ao Conselho Estadual de Desenvolvimento, presidido pelo Governador e, integrado pelo Vice-Governador, pelos Secretários de Estado do Planejamento, da Fazenda, do Desenvolvimento Sustentável, de Coordenação e Articulação, bem como, pelo Secretário Executivo de Articulação Internacional, além de um representante de cada um dos Conselhos.
O estado catarinense passou por mais duas reformas administrativas. A primeira, através da Lei Complementar nº 284, de 28 de fevereiro de 2005. Dentre as modificações propostas, previu-se que a nova estrutura do Governo Estadual seria organizada em dois níveis, o setorial e o regional. O primeiro, responsável pela definição das políticas do setor, pela normatização e controle dos programas e ações de Governo nas suas áreas de atuação. O segundo, com o papel de coordenar e executar os programas, obras e ações de governo nas suas respectivas regiões. A segunda reforma ocorreu por meio da Lei Complementar nº 381, de 07 de maio de 2007, que dispôs sobre o modelo de gestão e a estrutura organizacional da Administração Pública Estadual. A lei manteve a estrutura organizacional da administração pública nos níveis setorial e regional. Como acréscimo, foi criada a figura da Agência de Desenvolvimento Regional, com um órgão descentralizado da estrutura do Estado, proposto para motivar o engajamento, a integração e a participação da sociedade organizada para, de forma planejada, implementar e executar políticas públicas e viabilizar instrumentos de desenvolvimento econômico sustentável para a geração de novas oportunidades de trabalho e renda. Nestas reformas administrativas foram criadas mais Secretarias, chegando, atualmente, a 36 regiões de descentralização[10].
Tanto os Fóruns de Desenvolvimento, como as Secretarias constituíram-se em estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento.
Uma inferência comparativa entre as
experiências de SC e do RS
É possível fazer uma relação entre a experiência de descentralização de Santa Catarina com as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento do Rio Grande do Sul (RS). No RS, desde o início da década de 1990, se iniciou a implantação de Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes) nas diferentes regiões. Atualmente, são 28 regiões com seus conselhos.
Os Coredes resistiram às mudanças de governo que ocorreram no RS ao longo de mais de 20 anos de sua existência. Alguns conselhos foram instalados a partir de 1991, apesar de que sua regulamentação legal foi feita apenas em 1994. Os Coredes têm desempenhado o papel de fóruns de concertação social[11], envolvendo na sua constituição e prática, representações dos governos municipais e estadual, do meio empresarial, das instituições (ensino, igrejas, associações diversas) e dos setores sociais e populares. Poderíamos dizer que a dimensão de fóruns de discussão e definição de estratégias de desenvolvimento regional, na experiência dos Coredes, tem sido devidamente contemplada. No entanto, não têm sido muitos os avanços na dimensão operacional do processo de gestão do desenvolvimento. Há experiências de agências e consórcios de desenvolvimento, porém, estudos realizados têm demonstrado que carecem de uma integração destes com a dinâmica dos Coredes[12].
Exploratoriamente, poderia se levantar algumas interrogações. Uma delas: até que ponto a experiência das Secretarias de SC poderiam servir de referência na realidade do RS, para tornarem-se uma estrutura operacional do processo de desenvolvimento? Claro, que não se trata apenas de reproduzir a experiência. Precisariam ser consideradas as críticas que são feitas à experiência catarinense, tais como, o excessivo controle do Estado, a burocratização e o clientelismo político que se observa no processo de gestão[13]. No entanto, em algumas publicações é defendido o papel dos Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento como estruturas tático-operacionais do processo de gestão do desenvolvimento[14]. Estas e outras questões permanecem como tema para aprofundamento em futuras investigações.
Análise do processo de descentralização no
Estado de Santa Catarina
A seguir, sintetizamos os resultados da pesquisa, considerando as entrevistas e a análise documental. Para fins didáticos, subdividimos o texto, considerando algumas especificidades temáticas[15]. Metodologicamente, preferimos não hierarquizar e quantificar as falas, ou reproduzi-las em tabelas. Com isso, tratam-se muito mais de impressões manifestadas pelos entrevistados, sem dar-lhes uma ordem de importância pela quantidade de vezes em que foram expressas. No entanto, serão destacadas as falas repetidas mais vezes nas entrevistas. Serão agrupadas em subitens, atendendo a ordem das questões feitas aos entrevistados, no atendimento aos objetivos da investigação em referência.
Vínculos entre o Estado e os diversos atores com recursos de poder
nas diferentes fases do processo de descentralização
Sobre a implantação das Secretarias Regionais, a partir de 2003, em substituição aos Fóruns de Desenvolvimento, as respostas dos entrevistados apontam que houve perdas profundas no aspecto político e no aspecto da aprendizagem social, porque na medida em que se criou uma estrutura governamental na região, com a responsabilidade de articular o processo de gestão do desenvolvimento, houve uma tendência à acomodação social, repassando-se ao governo e aos políticos o papel de definidores das estratégias de desenvolvimento. Assim, entendem os entrevistados, que permanece reduzida a participação da sociedade na gestão do desenvolvimento regional.
Os Conselhos de Desenvolvimento, segundo alguns posicionamentos, cumprem uma função formal. Assim, as Secretarias têm dificuldade de fazer um planejamento regional. Como há pouca participação da sociedade, não há uma apropriação pelos atores sociais dos projetos e ações definidos nas regiões. Em geral, poder-se-ia afirmar, com base nos depoimentos da pesquisa, que os atores mais prejudicados no processo de descentralização atual são os representantes da sociedade civil e desta os setores mais fragilizados, tais como as representações da agricultura familiar, as organizações não-governamentais e os setores populares.
Ainda sobre a questão de quem se fortaleceu, ou perdeu poder com a desarticulação dos Fóruns de Desenvolvimento que existiram até 2002, é quase unânime a resposta dos entrevistados de que com a criação das Secretarias de Estado nas regiões se fortaleceram os atores políticos institucionalizados, com a consequente redução das possibilidades da sociedade civil interferir na gestão pública. Justificam, dentre outros motivos, pelo fato de que “até mesmo os representantes da sociedade, sua indicação é feita por critérios de preferência política, pelos prefeitos dos municípios” (conforme previsto na Lei de criação das Secretarias). Alguns entrevistados chegam a afirmar que “os conselhos se partidarizaram e a sociedade ficou de fora”.
Um dos entrevistados faz um depoimento importante que tem relação com a participação social antes e depois da instituição das Secretarias. “As entidades de classe, associações empresariais, universidades, estavam mais presentes nos Fóruns, do que nas Secretarias; nestas, participam as representações que vêem alguma possibilidade de se beneficiar financeiramente; nos fóruns a participação era mais voltada ao debate das questões regionais, que poderiam se transformar em projetos com recursos financeiros, ou não; nas Secretarias, pouco se discute questões sobre desenvolvimento regional; se discute distribuição de recursos disponíveis no orçamento do Estado, e o desenvolvimento não se faz só com ações do Estado”.
Outro entrevistado fez a seguinte manifestação: “os fóruns pensavam o futuro; os CDRs não foram formados para isso; estão lá para decidir sobre aplicação de recursos do orçamento do Estado; logo não pensam o futuro, não pensam o desenvolvimento como projeto de uma região”. Essa ideia é reforçada em outra entrevista: “os Conselhos não substituem a dimensão de fórum, pois as pessoas que estão lá orientam suas decisões de acordo com a visão do partido do governo, dos políticos que têm mais poder de influência; é uma extensão das Secretarias e há interferência da dimensão partidária; criaram-se estruturas de governo para substituir os fóruns, no entanto, deixaram-se os fóruns de lado e o debate sobre o desenvolvimento virou uma questão de governo, não mais da sociedade”.
Complementando, segundo alguns dos entrevistados, as Secretarias foram criadas pelo Governo do Estado para se tornarem “uma extensão do governo na região, não como órgão de articulação regional”. Para outros, a descentralização, representa divisão de poder. No entanto, “com a falta de atendimento dos reclames regionais, ocorre o descrédito; as pessoas não se sentem valorizadas”. Para um dos entrevistados, “as SDRs representaram um processo de desconcentração e não uma descentralização, pois só descentralizou estruturas, pessoal, no entanto, as decisões ficaram com o governo central, ou secretarias centrais”. Assim sendo, "a descentralização não aconteceu na prática e as Secretarias representaram mais custos para o Estado, sem grandes resultados”.
Veja-se que vários dos depoimentos, mesmo que possam ser considerados demasiadamente críticos, pela sua repetição, revelam, no mínimo, que as regiões se sentiram usurpadas de poder e a sociedade civil reclama mais participação nas decisões. Ou seja, a sociedade não se sente devidamente representada na composição dos Conselhos, constituídos, pelos prefeitos, presidentes da Câmara de Vereadores e duas pessoas indicadas pelo Prefeito, em cada município. É uma questão que merece consideração!
Principais modificações do Estado e suas capacidades no período
analisado
Relacionadas às modificações do Estado e suas capacidades no período analisado e incidência nas políticas de desenvolvimento regional, várias questões merecem referência, considerando a descrição do teor das entrevistas.
Sobre a importância das Secretarias e seus Conselhos Regionais, há uma unanimidade no posicionamento dos entrevistados: trata-se de um processo irreversível. Para a maioria dos entrevistados, o processo de descentralização não é discutível, não tem volta; o que precisa é um redesenho do processo. Os principais depoimentos indicam que as Secretarias contribuíram para o Estado estar mais perto do povo. No entanto, afirmam alguns, isso “não significa mais eficiência; pelo contrário, alguns projetos aprovados nos Conselhos Regionais levam mais tempo para serem executados, pois as Secretarias atuam como um gargalo, um filtro técnico-operacional; antes se dirigia as demandas diretamente às secretarias centrais; hoje as demandas da região precisam passar pelo fórum das Secretarias Regionais”. Um dos entrevistados afirma veementemente: “a existência das Secretarias é inquestionável, não há volta; a forma como foi feito é que deve ser revista; se não ocorrerem mudanças, recairá no descrédito, não só as Secretarias, também todo o tipo de estruturas de gestão existentes nas regiões”.
Considerando que em 2010 houve um novo processo eleitoral, nem mesmo os partidos de oposição ao governo que criou as Secretarias, rejeitaram a experiência. Todos os candidatos defenderam a descentralização. O principal motivo parece ser o fato de que o Estado, estando mais perto, gera maior expectativa na população sobre a possibilidade de acesso a mais recursos públicos às regiões.
No entanto, são propostas modificações e avanços. Por exemplo, quando se referem aos recursos humanos que atuam nas Secretarias, o questionamento é sua falta de qualificação. Mantém-se ainda o critério político para a indicação dos funcionários, com exceção de uma pequena parte deles que são funcionários de carreira. Com isso, a ideia de que acaba sendo “um cabide de empregos”, é reforçada. Outra questão que ficou evidente na fala de diversos entrevistados é a questão da autonomia financeira das Secretarias. Segundo entrevistados, para melhorar a ação das Secretarias precisaria existir autonomia financeira regionalmente: assim, se debateria e priorizaria os projetos regionais. “Como não tem autonomia financeira, nem existem critérios de definição de prioridades, o poder de decisão sobre os recursos é do governo e das secretarias centrais”; predomina a ideia do “aprova tudo”. Além disso, “políticos regionais têm influência nas decisões das Secretarias”, defendendo interesses de seus “curais eleitorais”.
Sobre o papel exercido nas Secretarias pelos Comitês Temáticos, em algumas entrevistas é ressaltada a sua importância. No entanto, são apontados indicativos sobre em que precisam avançar. Um deles é que precisam ter “maior participação das pessoas que não são do setor público, além de se sentir a falta de pessoas de algumas especialidades profissionais, na sua composição”. Além disso, funcionários entrevistados ressaltam que há pressão política no direcionamento de suas decisões, apesar de terem a função de fornecer subsídios técnicos para fundamentar as decisões dos conselheiros.
A influência do poder político nas atividades dos comitês e do conselho subverte o processo. “Conselheiros acabam votando pela pressão política, pois têm medo de assumir posições individuais que contrariem interesses dos que tem mais poder político, por medo de poder receber represálias”. Assim, afirma um dos entrevistados, “há um verdadeiro conluio, todos votando em tudo para não se comprometer e se envolver em conflitos”. Uma das justificativas apontadas é que o voto dos conselheiros sendo público favorece tais práticas, sugerindo que o voto deveria ser secreto para que a decisão dos conselheiros fosse mais livre.
Sobre o debate recorrente em relação à representatividade dos membros que compõem os Conselhos de Desenvolvimento nas regiões, e se a prática é mais, ou menos, democrática, é importante considerar o posicionamento de um dos entrevistados, que tem uma experiência como ex-secretário e liderança política, no entanto, atua no meio acadêmico. Para este entrevistado, “o modelo de descentralização foi discutido pelo governo na campanha política de 2002, recebendo aprovação da sociedade”. Segundo o entrevistado, o objetivo das Secretarias Regionais foi reequilibrar o desenvolvimento nas regiões, objetivando a retenção da evasão populacional do interior para o litoral, ou seja, as regiões menos desenvolvidas receberiam mais investimentos. Afirma ele, que as secretarias centrais da capital resistiram inicialmente e continuam resistindo em dividir o poder. Os titulares de tais secretarias, muitos deles deputados eleitos, foram os que resistiram mais, pois isso não interessava ao seu eleitorado mais litorâneo, geralmente. Segundo ele, ainda ocorre isso atualmente.
No entanto, o entrevistado afirma que, considerando que o padrão de descentralização de SC está sustentado no modelo de democracia representativa, logo, “a prática tem que ser assim, pois não se pode subverter o processo”. Refere-se ao fato da concentração do poder nas mãos dos políticos (Prefeito, Presidente da Câmara de Vereadores, representantes das estruturas estatais e da sociedade, indicados pelo prefeito). “Se pensarmos em partir para um processo de representação mais deliberativa da sociedade, estamos negando a legitimação do processo democrático que ocorre na democracia representativa, na qual a sociedade outorga pelo voto popular poder ao prefeito e aos vereadores para representá-los”. Logo, segundo o entrevistado, é legítimo que nos Conselhos, os representantes políticos tenham maior poder. A possibilidade de conciliação entre a democracia representativa e a participativa ou deliberativa, segundo o entrevistado, estaria contemplada na medida em que nos Conselhos estão dois representantes da sociedade por município, ficando uma representação paritária.
Defende ainda o entrevistado que o cargo nas secretarias centrais não deveria ser para político, sim para um técnico. Nas regionais, sim, o cargo de secretário deveria ser ocupado por um político. Sua defesa em colocar um técnico nas secretarias centrais e os políticos nas secretarias regionais é justificada no seguinte argumento: “A política é o poder, não o regramento”. Ou seja, “a gestão das coisas públicas implica em disputa de poder. Gerir as Secretarias é um ato político”. Na medida em que o poder fica pulverizado nas regiões – por exemplo, pelo fato de que tem um número muito grande de secretarias regionais -, de tal forma que não seja interessante o seu exercício -, a tendência é as decisões refluírem para o centro, para a capital. Assim sendo, afirma o ex-secretário, “o cargo de secretário regional fica cada vez mais relegado a pessoas que não tem um grande respaldo político, logo, passam a ter reduzida força de reivindicar pela região. A estrutura atual, não estimula lideranças representativas assumir o cargo de secretário regional, o que é negativo para a representatividade regional frente ao poder centralizador do governo”.
Como encaminhamento, o referido entrevistado defende a redução do número de secretarias, o que é referendado por muitos outros entrevistados. Afirma que considera o aumento das secretarias, ocorrido depois da regionalização inicial – que eram 22 -, um processo de banalização; “virou um grande cabide de emprego”. Com isso, as Secretarias têm seu poder de decisão reduzido.
Sobre as críticas que a academia faz ao processo de descentralização, o mesmo entrevistado reafirmou que, ao criticar o processo, a mesma se equivoca no seguinte: “descentralização, numa democracia representativa, não significa em instaurar um grande processo de democracia participativa. A descentralização representa uma mudança no fórum da decisão política – no caso, das instâncias centralizadas para os fóruns das Secretarias nas regiões -, no entanto, a decisão política é legitimada democraticamente pelas regras da democracia representativa, onde o povo elege seus representantes e lhes outorga poder de decisão em seu nome”. Ainda segundo o entrevistado, precisamos criar uma “teoria da democracia participativa ou deliberativa”. O que existe, afirma, são “estudos intuitivos a partir de experiências idealizadas por alguém e realizadas sob as mais diferentes práticas”.
Sobre as modificações do Estado e de suas capacidades, de maneira geral, os entrevistados reconhecem que, com a criação das Secretarias, o Estado passou a fazer-se mais presente nas regiões. No entanto, vários problemas ainda são apontados, exigindo avanços no processo de descentralização, o que exigiria mais tempo. Sobre a questão da participação da sociedade na gestão pública em uma democracia representativa, esta questão é polêmica, mas precisa ser enfrentada pela academia, principalmente, no que se refere à necessidade de avançar da dimensão da participação, mesmo que com representatividade, para práticas de participação com poder deliberativo.
A questão da escala espacial nos diferentes processos de
planejamento e gestão do desenvolvimento
Várias manifestações dos entrevistados reforçam a ideia que os recortes territoriais minúsculos das Secretarias reduzem a possibilidade de programas regionais, resumindo-se a uma somatória de demandas municipais. Segundo estes, antes as Associações de Municípios e os Fóruns de Desenvolvimento, em geral, atendiam melhor a questão da escala de ação pública. Além disso, o recorte territorial das Secretarias, feito por decreto, não atende à questão de identidade regional, o que ocorria mais na divisão regional anterior, com recortes territoriais construídos historicamente. A questão da escala justifica-se pelo fato de que algumas ações e projetos, necessariamente, precisam ter dimensão que vai além do recorte das Secretarias Regionais.
Um entrevistado defendeu que “as Secretarias deveriam ter obedecido ao mesmo recorte das Associações de Municípios, pois, não ocorrendo, representa um desrespeito à identidade das regiões; há uma disputa por cargos políticos, por isso, quanto mais secretarias houver, aumenta a possibilidade de atender às demandas por cargos; no entanto, retroceder no número de Secretarias agora, é problemático”. Outros entrevistados reforçam este argumento, afirmando que nas Secretarias há uma valorização das demandas municipais. O problema é que “os municípios ainda pensam muito em si, tendo dificuldade de planejar ações intermunicipais, sendo que os municípios maiores concentram as decisões e os recursos”. Além disso, afirmam alguns, “as decisões estão focalizadas na obtenção de recursos” que vem de diferentes fontes. Prioriza-se o sistema de “projetos de balcão”, ou “balcão de troca de favores”, ao invés de programas integrados de desenvolvimento. Com isso a questão da escala de ação pública fica prejudicada.
Para superar ações desarticuladas entre municípios, Associações de Municípios, Secretarias de Desenvolvimento Regional e demais órgãos do Estado, um dos entrevistados defendeu a institucionalização de “um grupo gestor”, com o fim de oportunizar “uma articulação da gestão das ações de desenvolvimento regional”. Em geral, “municípios e estados têm fóruns diferentes para discutir seus problemas, prejudicando ações integradas regionalmente”. Há bons exemplos, no entanto. Um exemplo de atuação regional articulada é a atuação do Fórum da Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul[16].
De maneira geral, pode-se observar que uma das questões que menos tem sido destacada pelos entrevistados foi a questão da escala da ação pública e sua interferência no planejamento e gestão do desenvolvimento regional. Mostra ser uma questão que exige aprofundamento futuro.
Considerações finais
Além de retomar às principais questões reafirmadas no processo de investigação, tem-se como propósito apontar possíveis parâmetros organizacionais de estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento que poderiam ser contempladas nos processos de descentralização político-administrativa[17].
Em entrevistas realizadas, algumas delas apontam justificativas sobre a dificuldade na qualificação das estruturas de gestão: a máquina pública precisaria diminuir a burocracia; as estruturas de governo trabalham ainda muito setorialmente e os setores não se comunicam entre si; as regionalizações são criadas por interesses políticos; falta uma visão sistêmica de governança. Sintetizando, pelas entrevistas, é possível concluir que ao prover as regiões de estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, o problema não se resolve com a montagem de estruturas físicas de governo.
Os problemas parecem de ser de duas ordens. O primeiro trata-se da necessidade de “construir a região”. Para o geógrafo Anssi Paasi (1986), o estágio superior da construção histórica de uma nova unidade territorial, que é a sua institucionalização, envolve quatro aspectos, os quais não necessariamente constituem etapas consecutivas. São eles: (a) a definição da forma ou abrangência territorial; (b) a formação de uma imagem conceitual e simbólica; (c) o desenvolvimento de instituições regionais e a incorporação da existência da região às práticas e formas de organização da sociedade; (d) o estabelecimento da região como parte de um sistema de regiões, com papel administrativo definido, associada à consciência regional da comunidade. A prática, neste sentido, é muito equivocada, como se percebe na realidade analisada. Como se trata de um processo histórico, não é possível fazer regionalizações via decreto governamental. Os setores dos governos criam suas regionalizações, muitas vezes não coincidindo com o recorte territorial, outras vezes se sobrepondo.
O segundo desafio: trata-se da necessidade de um diálogo mais aberto entre governo e sociedade regional. Pelas falas de alguns entrevistados, percebe-se que na percepção deles os políticos têm “medo de perder poder”. Isso resulta da prática política de clientelismo, caudilhismo, coronelismo, ou ainda de fisiologismo político. E essas práticas viciadas de fazer política partidária comprometem o exercício da democracia cidadã, que apesar de ser aceita por praticamente todos, a observação da prática dá indícios de que poucos a exercitam de verdade, principalmente, os que dispõem de mais poder de decisão, no caso das Secretarias, os atores políticos[18]. Paralelamente, de parte da sociedade regional, existe o corporativismo setorial, os bairrismos regionais, seus interesses individualizados localmente, sem uma visão integrada de região, macrorregião, país.
Parte das falas dos entrevistados direcionam-se à avaliação da atuação das Secretarias, apontando possíveis mudanças no processo. Segundo estes, o processo de descentralização não é discutível, não tem volta; o que precisa é um redesenho do processo. Com base nas entrevistas e na observação direta dos pesquisadores, algumas questões precisam ser retomadas. Uma delas é o papel das Secretarias. Na percepção de muitos entrevistados, com a desarticulação dos Fóruns e instalação das Secretarias nas regiões, o debate sobre desenvolvimento virou uma questão de governo e a sociedade não se sente envolvida no processo. O formato atual dos Conselhos Regionais não se apresenta adequado para discutir o projeto de desenvolvimento de uma região. Mesmo que pela prescrição legal não seja este o único objetivo, no entendimento de grande parte dos entrevistados, sua função se resume em decidir sobre aplicação de recursos do orçamento do Estado. Isso ocorre pelo fato de que as Secretarias de Desenvolvimento Regional e seus respectivos Conselhos são considerados uma estrutura de governo. Assim sendo, não substituem a dimensão de fórum. Parte dos entrevistados considera que as pessoas que estão lá, orientam suas decisões de acordo com a visão do partido do governo, dos políticos que têm mais poder de influência. Em síntese: a desarticulação dos Fóruns, com a criação das Secretarias, na visão de parte dos entrevistados, representou a retirada do poder de decisão da sociedade regional sobre a definição de estratégias de desenvolvimento.
Sobre o questionamento de manter ou não a estrutura atual das Secretarias, interpretando as falas, é possível concluir que o principal motivo que justifica a defesa das mesmas é o fato de que o Estado estando mais perto, gera para a população uma maior expectativa de conseguir acessar mais recursos públicos para a região[19]. Veja-se: esta argumentação pode levar a um entendimento problemático. A população aceita e apóia a existência das Secretarias não por considerar uma instância na qual possam participar, exercitar a democracia cidadã, sim pelo fato de vislumbrar a possibilidade de conseguir mais recursos do orçamento do Estado para sua região. Assim, a visão de desenvolvimento regional resume-se à possibilidade de se conseguir alguns poucos investimentos que o orçamento estadual possa oportunizar. Eis um desafio a superar!
Em relação à propostas de modificações e avanços nas Secretarias, são apontadas, nas entrevistas, as seguintes: necessidade de qualificação dos recursos humanos que atuam nas Secretarias, além de indicação por critérios não políticos; necessidade de autonomia financeira das Secretarias; revalorização do papel exercido nas Secretarias pelos Comitês Temáticos,[20] como grupos de trabalho integrados paritariamente por membros do setor público e privado que se encarreguem de avaliar as demandas ou projetos, subsidiando tecnicamente os gestores (esta questão é relevante, pois relatos demonstraram que em algumas regiões não funcionam regularmente); reduzir o número de Secretarias, preferencialmente, atendendo aos recortes originais das Associações de Municípios; aumentar a representatividade da sociedade civil nos Conselhos de Desenvolvimento das regiões.
Em relação à argumentação da necessidade de redução do número de secretarias, várias são as justificativas apresentadas nas entrevistas. Uma delas é que o recorte territorial precisa ser significativo para estimular lideranças políticas de expressão assumir o cargo, o que, como consequência, aumentaria o poder de reivindicação regional. Outra, é que os recortes territoriais minúsculos das Secretarias restringem a possibilidade de programas regionais, com o que as ações propostas resumem-se a uma somatória de demandas dos municípios, sem uma visão de região.
Quanto à defesa da necessidade de aumentar a representatividade da sociedade civil nos Conselhos de Desenvolvimento, dentre as justificativas, aparece a ideia de que na aprovação dos projetos, ainda prepondera muito a força política, seja do Secretário Regional, das lideranças políticas regionais (senador, deputados, prefeitos e vereadores). Em geral, muitos entrevistados não reconhecem a propalada paridade de representação entre o Estado e a sociedade civil.
Algumas análises referem-se ao fato de que é necessário ter-se claro que o padrão de descentralização do Estado catarinense está sustentado no modelo de democracia representativa. Logo, a questão da representatividade da sociedade civil versus o poder dos que ocupam cargos de governo e seus apoiadores (políticos da base partidária), merece uma maior reflexão, passando pela rediscussão do que seja democracia representativa e democracia participativa ou deliberativa. Mais: como afirmou um dos entrevistados, participar é diferente de deliberar. Isso implica que a reivindicação não deve se restringir ao direito de participar no processo de gestão e desenvolvimento territorial. Exige que se avance, reivindicando o direito de decidir, deliberar. Ou seja, o debate sobre democracia e suas variantes – representativa, participativa, deliberativa – precisa ser retomado, tanto academicamente, quanto na sociedade.
Quando aparecem falas que relacionam o papel das Secretarias e das Associações de Municípios nas regiões, a principal defesa é que deveria haver coincidência entre o recorte territorial de ambas as estruturas, facilitando a gestão integrada do desenvolvimento. Não havendo coincidência no recorte territorial, torna-se mais complexo definir projetos regionais, além do fato de que a região perde com a fragmentação, pois reduz sua força de pressão política, logo de decisão. Isso tem relação com a questão da escala da ação pública.
Eis mais um desafio: apontar possíveis parâmetros organizacionais de estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento que poderiam ser contempladas nos processos de descentralização político-administrativa. As falas das entrevistas pouco contribuíram para o atendimento deste último objetivo da investigação. No entanto, com base em estudos bibliográficos, debates acompanhados pessoalmente, seja junto às lideranças, ou mesmo no campo acadêmico, são feitos na sequência alguns comentários indicativos, mesmo reconhecendo que o tema mereça maior aprofundamento. Para facilitar o entendimento, são feitas observações comparativas das Secretarias de Desenvolvimento Regional de SC com os Conselhos Regionais de Desenvolvimento do RS. Antes de tudo, uma observação. Considera-se que o processo de gestão do desenvolvimento tem duas dimensões: uma, a de fórum de concertação público-privada; outra, a de institucionalidade voltada para o planejamento tático e operacional das ações de desenvolvimento local e regional.
Considerando o que está previsto regimentalmente, o padrão de estrutura organizacional dos Coredes do RS, parece atender minimamente a primeira das dimensões do processo de gestão do desenvolvimento, a de fórum de concertação público-privada. Seu Conselho de Representantes prevê a participação de representações do setor público (membros dos poderes Executivo e Legislativo, técnicos ou gestores dos órgãos públicos presentes na região), representações do setor econômico (lideranças empresariais e de trabalhadores), representações da sociedade civil organizada (associações de bairros e de interesse em geral), além de representantes institucionais regionais (setores educacionais, culturais e religiosos). Entende-se que esta dimensão não é contemplada pelos Conselhos de Desenvolvimento Regional no Estado de SC. Não é apenas uma percepção pessoal, as falas dos entrevistados reafirmaram em várias argumentações esta questão. Tal defesa é sustentada no entendimento de que o fórum de concertação público-privada, independente de sua forma de constituição, precisa instituir-se como uma instância de articulação política, discussão e formação de consensos relacionados ao desenvolvimento regional, contemplando a participação dos diversos atores que atuam regionalmente. Eis o desafio!
A segunda dimensão do processo de gestão e desenvolvimento territorial, a de institucionalidade voltada para o planejamento tático e operacional, no caso dos Coredes, é uma questão que ainda está em aberto. Os Coredes decidem sobre um percentual de recursos do orçamento estadual a ser aplicado em projetos regionais e municipais. A execução é feita diretamente pelos órgãos estaduais, ou via repasse de recursos aos municípios. O que ocorre é que, até o momento, o percentual do orçamento disponibilizado para decisão nas regiões, é muito pequeno. No caso das Secretarias, no Estado de SC, o planejamento e operacionalização das ações ou projetos, propostas nos Conselhos e contempladas com recursos das Secretarias Centrais, são executadas, ou diretamente pelo Estado, ou pelos municípios, via repasse de recursos oriundos do orçamento estadual. A diferença em relação ao RS é que existem estruturas do Estado localizadas nas regiões. No RS, governos passados planejaram a implantação de Centros Regionais de Desenvolvimento, ou de Casas de Governo. Ambas as iniciativas, não chegaram a ter um funcionamento efetivo. De qualquer forma, nem no RS, nem em SC, a dimensão de institucionalidades voltadas ao planejamento tático e operacional no processo de gestão e desenvolvimento está devidamente resolvida. Existem algumas iniciativas de Agências Regionais de Desenvolvimento, alguns casos de Consórcios Públicos, no entanto, com problemas, tanto de concepção, como operacionais.
Em estudos já realizados, projeções indicativas são feitas. Uma delas é a possibilidade dos Consórcios Públicos, sob a forma de Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento, assumirem o papel de institucionalidades voltadas ao planejamento tático e operacional das ações de desenvolvimento local e regional[21]. Trata-se de consórcios organizados de acordo com a legislação vigente no Brasil[22]. Justifica-se a estruturação dos Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento, por se entender que os mesmos, consideradas as possibilidades de estruturação prevista na legislação vigente, sejam capazes de contribuir para o planejamento tático, a operacionalização e a execução das ações de desenvolvimento local e regional, definidas em espaços de concertação público-privada, por meio de estruturas de governança territorial, como, por exemplo, os Coredes do RS[23].
Os consórcios públicos poderão assumir a responsabilidade de gerenciar os recursos que serão alocados aos projetos e ações demandados nas instâncias de concertação público-privada. Adicionalmente, estas estruturas de gestão, poderão assumir a responsabilidade de elaborar os projetos executivos, licitar, contratar com terceiros, efetuar os pagamentos, fiscalizar a execução, ter contabilidade própria, movimentar os recursos em contas bancárias próprias, enfim, atuar como uma autarquia, conforme previsto na lei que os institui. O instituto do consórcio público foi criado por pressão dos municípios exatamente para viabilizar a associação de entes públicos para a execução de projetos e atividades. É a forma de viabilizar técnica e financeiramente projetos e ações que os pequenos e médios municípios, de forma isolada, não têm condições de executar[24].
Entende-se, no entanto, que a viabilidade dos consórcios públicos depende, em grande parte, de um exercício de desprendimento por parte dos gestores públicos para transferir o poder de gerir os recursos. Por outro lado, outras formas organizacionais de gestão do desenvolvimento existentes nas regiões, como os arranjos produtivos locais, incubadoras regionais, agências de desenvolvimento, entre outros, não devem ser renegadas neste contexto. Ao contrário, devem ser estimuladas a participar de todas as discussões dentro das instâncias de concertação público-privada e a inserir suas demandas nas alternativas de desenvolvimento propostas regionalmente. Entende-se, ainda, que a cooperação interfederativa através de consórcios públicos potencializa a capacidade de ação e investimento, em especial dos pequenos e médios municípios, constituindo-se em instrumento de gestão tática e operacional para viabilizar políticas públicas de desenvolvimento regional articuladas regionalmente, compatibilizando as ações dos entes públicos e privados de determinado espaço geográfico, repercutindo em maior eficiência no uso dos recursos públicos[25].
O contexto e estruturas aqui referidas constituem as bases da proposta de um novo paradigma a ser construído para a gestão e desenvolvimento territorial. Este novo paradigma pressupõe três fundamentos: a valorização e potencialização das forças econômicas e sociais locais e regionais, a participação da sociedade civil, do Estado e do mercado e a cooperação interfederativa, resultando em maior eficiência no uso dos recursos públicos[26].
A Figura 1 sintetiza o que poderia ser considerada uma estrutura de gestão do desenvolvimento regional. É uma primeira reflexão que no futuro pretende-se seja repensada. Assim, antes de ser uma proposta definitiva, universal, espera cumprir um papel de instigação para a reflexão de mais investigadores, colegas da academia, gestores e lideranças.
Figura 1. Estrutura de Gestão do Desenvolvimento
Regional. |
Por fim, referindo-se ao propósito de investigar a inter-relação entre a descentralização, as estruturas subnacionais de gestão do desenvolvimento, as capacidades estatais e as escalas espaciais da ação pública, analisando sua interferência no processo de desenvolvimento regional, espera-se que esta investigação tenha dado uma contribuição inicial, conforme aqui descrito. Mais: as referências críticas feitas aqui à experiência do Estado de Santa Catarina, na sua maioria, podem ser estendidas às experiências de outros estados brasileiros. Por outro lado, pela leitura de relatos referentes às experiências de descentralização de outros países, é possível afirmar que algumas questões poderiam ser generalizadas. Futuros trabalhos deverão avançar no debate, quem sabe, analisando comparativamente experiências brasileiras e mundiais.
Notas
[2] Conceitos aprofundados em Dallabrida, 2007, 2009, 2010b; Ribeiro, 2009; Dallabrida e Fernández, 2008; Agostini, Bandeira e Dallabrida, 2009.
[3] Retoma-se abordagem feita em Dallabrida, Büttenbender, Rover e Birkner, 2009.
[4] Conf. Evans, 1996.
[5] Algumas obras que aprofundam o tema: Rover, 2007; Birkner, 2006.
[6] Nesta parte do texto utilizam-se algumas referências ao tema, feitas em: Binotto, Ribeiro, Dallabrida e Siqueira, 2010 e Dallabrida, Büttenbender, Rover e Birkner, 2009. Além disso, para síntese da estrutura e organização funcional das SDRs, foram consultadas informações disponíveis em folhetos e sites oficiais do Governo do Estado de SC.
[7] As Associações de Municípios de Santa Catarina surgiram no final da década de sessenta, motivadas por uma política federal. A primeira associação surgiu em Rio do Sul em 1968, seguida de outras, num processo de mimese, nos anos seguintes. Sobre o tema, ver: Birkner, 2006.
[8] Alguns autores chegam a argumentar que a criação das SDRs teve uma clara intenção de esvaziamento do papel assumido pelos FDRIs. Ver: Filippim e Abrucio, 2010.
[9] Quando se menciona as secretarias centrais, faz-se referência às Secretarias de Estado da estrutura central de Governo, com sede em Florianópolis, a capital do Estado de SC, também chamadas de Secretarias Setoriais.
[10] As informações oficiais, a estrutura organizacional e a localização das 36 Secretarias de Desenvolvimento Regional-SC, ver no endereço: http://www.sc.gov.br/conteudo/governo/paginas/index_secretariasregionais.htm.
[11] Concertação social, entendida como o processo em que representantes das diferentes redes de poder socioterritorial, através de procedimentos voluntários de conciliação e mediação, assumem a prática da gestão territorial de forma descentralizada. É fundamental que seja através de processos de concertação social que a sociedade de uma determinada região organizada em suas redes de poder socioterritorial, democraticamente, se proponha construir consensos mínimos que representem as decisões acordadas naquele momento histórico, no que se refere à superação dos seus desafios (estratégias de desenvolvimento). Isso implica na participação cidadã dos diferentes atores sociais, econômicos e institucionais, como protagonistas do processo (Dallabrida, 2003; 2007).
[12] Ver Dallabrida e Zimmermann, 2009.
[13] Algumas obras que fazem análises críticas à experiência: Binotto, Ribeiro, Dallabrida e Siqueira, 2010; Dallabrida, Büttenbender, Rover e Birkner, 2009; Filippin e Abrucio, 2010; Birkner, 2008; Theis, 2009. Recentemente foi publicada uma obra que, em vários capítulos, analisa as experiências de descentralização do RS e SC, além da Argentina e Chile: Dallabrida, 2011.
[14] Abordagem feita em: Dallabrida e Zimmermann, 2009 e Dallabrida, 2010b.
[15] As frases transcritas entre aspas (“...”), nesta parte do texto, correspondem à síntese das falas dos entrevistados.
[16] Trata-se de uma regionalização implantada durantes as últimas décadas pelo Ministério da Integração Nacional, definindo políticas de desenvolvimento específicas para regiões do país que estão em processo de estagnação econômica.
[17] Além do Brasil, um dos países da América Latina que tem uma experiência histórica de descentralização é o Chile. No entanto, da mesma forma que nas experiências brasileiras, análises apontam várias limitações. Boisier (2010), é uma obra referência sobre o tema.
[18] Ator político, aqui, refere-se aos que ocupam cargos no Poder Executivo e Legislativo, além das lideranças partidárias.
[19] Alguns estudos, ainda não publicados, demonstram que há uma certa tendência de, percentualmente, haver uma maior distribuição de recursos para as regiões mais interioranas.
[20] As propostas de modificações, até esse ponto, são coincidentes com aspectos apontados por Birkner e Tomio, 2011 e Birkner, Tomio e Bazzanella, 2010.
[21] Este tema já foi tratado, preliminarmente, em Dallabrida e Zimmermann, 2009. No entanto, em Zimmermann e Dallabrida, 2012, o tema é aprofundado, descrevendo questões conceituais, legais e organizativas sobre os Consórcios Intermunicipais de Desenvolvimento. As projeções indicativas feitas neste texto acompanham a linha de raciocínio defendido nas obras referidas.
[22] Ver: Brasil, 2005 e Brasil, 2007.
[23] Mesmo assim, considera-se necessário que sejam superados alguns de seus vícios na prática dos Coredes. Indicativos dos avanços necessários são apontados em obras recentes: Dallabrida e Büttenbender, 2008; Dallabrida, 2009; Dallabrida, Büttenbender, Rover e Birkner, 2009.
[24] Conf. Zimmermann e Dallabrida, 2012.
[25] Conf. Zimmermann e Dallabrida, 2012.
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Roque Dallabrida, Walter Marcos Knaesel Birkner y Edson Luiz Cogo, 2013.
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Nova, 2013.
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Ficha bibliográfica: