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Scripta Nova
REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES
Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98
Vol. VI, núm. 119 (88), 1 de agosto de 2002

EL TRABAJO

Número extraordinario dedicado al IV Coloquio Internacional de Geocrítica (Actas del Coloquio)
 

DESCONCENTRAÇÃO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA E SEUS EFEITOS SOBRE OS TRABALHADORES
A INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO PARANÁ

Benilde Maria Lenzi Motim
Socióloga, Profª. Dra. Depto. Ciências Sociais, Universidade Federal do Paraná.

Olga L. C. Freitas Firkowski
Geógrafa, Profª. Dra. Depto. Geografia, Universidade Federal do Paraná.

Silvia Maria P. de Araújo
Socióloga, Profª. Dra. Depto. Ciências Sociais, Universidade Federal do Paraná.


Desconcentração da indústria brasileira e seus efeitos sobre os trabalhadores – A indústria automobilística no Paraná ( Resumo)

A conjunção dos deslocamentos do capital mundial e de uma série de medidas políticas internas de estabilização econômica favoreceu, no Brasil dos anos 90, a atração de grandes investimentos, parte dos quais apresentaram uma lógica de localização, que pode ser apreendida pelo processo de desconcentração. No âmbito da indústria automobilística, o estado do Paraná destacou-se a partir da implantação de empresas como a Renault e a Audi-Volkswagen, desencadeando uma fase industrial pautada por novos padrões de produção e de produtividade. Com a emergência deste sistema produtivo integrado, cujas características produzem um novo ordenamento espacial das indústrias e dos serviços, abordaremos as alterações significativas no trabalho, no mercado de trabalho e nas organizações dos trabalhadores, relacionadas ao setor automobilístico.

Palavras-chave: desconcentração,sindicato, indústria automobilística


Brazilian Industry decentralization and their effects in the workers. The automotive industry in Paraná State (Abstract)

The conjuncture of world capital circulation and a succession of domestic political measures aiming at the economy stabilization that occured in Brazil, in the 90`s, promoted the attraction of great investiments, what contributed to the desconcentration process. Concearning the automobilistic industry, Paraná state is in evidence since the implantation of international companies like Renault and Audi-Volkswagen, breaking out an industrial phase characterized by new production and productivity models. This article focus on the analysis of the relations stablished with this new automobilistic productive system, which changes produce a new spatial ordenament of industries and services, due to significative alterations in work, work market and workers organizations.

Key  words: desconcentration, syndicate, automobilistic industry


A última década do século XX marcou consideráveis mutações no desenvolvimento capitalista. A sua mundialização corresponde a grandes investimentos, sobretudo industriais, que migram e constituem novos espaços de inserção na economia cada vez mais integrada. Esse movimento do capital internacional, na figura das corporações transnacionais, concretiza a nova concepção mais flexível da produção, da qual a indústria automobilística é paradigmática.

O atual sistema produtivo responde a essa fase de industrialização, com empresas que se deslocam espacialmente em rede.

Esses grandes investimentos provocam sensíveis alterações nos locais onde se instalam. No Brasil, a sua distribuição espacial associa-se a um movimento de deslocamento de indústrias para além do espaço tradicional, São Paulo, revelando um processo de desconcentração industrial. Tal processo apresenta-se mais nítido na indústria automobilística, cuja desconcentração inseriu novos lugares nessa dinâmica, dentre eles o Paraná.

Caracterizado como um estado agrícola, o Paraná passou a ter destaque industrial quando uma série de capitais internacionais aportaram em seu território, principalmente, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). As condições internas favoráveis à atração de novas indústrias começaram a se estabelecer desde meados da década de 1970, quando ocorreram mudanças no processo de industrialização com a emergência do complexo metal-mecânico centrado espacialmente em Curitiba, capital do estado.

Contudo, foi a implantação de novas indústrias em razão do movimento de localização das empresas automobilísticas na RMC, sustentadas por incentivos governamentais, a partir de meados dos anos 90, que trouxe dinamismo ao discreto crescimento industrial vivido na década de 1980, devido aos graves problemas econômicos pelos quais passou o país e que afugentaram os capitais internacionais.

A ação do governo estadual foi decisiva para atrair os novos investimentos, demonstrando o interesse do Estado na implementação de seu projeto de industrialização, através da concessão de incentivos de toda ordem às indústrias, em particular às montadoras de automóveis, para que se instalassem no Paraná. Em razão da implantação da Renault e da Audi-Volkswagen e do seu funcionamento em rede que desencadeou uma série de investimentos de seus fornecedores diretos, o Paraná inseriu-se no contexto da indústria automobilística nacional.

Expressivas modificações sócio-espaciais passaram a ocorrer na RMC, e são de difícil mensuração, no momento, primeiro por muitos investimentos não terem sido concluídos e alguns, como a Chrysler e seus fornecedores, terem passado rapidamente pela região. O presente texto pretende lançar luz sobre algumas questões ao mesmo tempo em que reconhece a necessidade de aprofundar outras, quiçá propondo uma agenda para pesquisas futuras. Para tanto, o texto divide-se em três partes, nas quais se desenvolvem reflexões acerca do processo recente de industrialização e sua relação com o trabalho e as organizações sindicais.

O eixo analítico dessa reflexão é a desconcentração espacial da indústria, cuja dinâmica alcança o processo de reestruturação produtiva da indústria automobilística com caráter inovador e definido, e dilata o poder sindical, que se desloca do eixo Rio de Janeiro/São Paulo para outras regiões nessa fase.
 

A desconcentração industrial brasileira e a emergência da indústria automobilística no Paraná

A problemática da desconcentração da indústria brasileira tem sido analisada por diferentes autores (Azzoni, 1985; Diniz, 1993; Lencioni, 1991; Pacheco, 1999) e será aqui ressaltada na perspectiva da indústria automobilística, pois, como afirma PACHECO (1999), o processo de desconcentração não pode ser tomado de modo uniforme para o conjunto da atividade industrial, mas sim para setores específicos. E é exatamente o setor automobilístico que tem dado visibilidade ao Paraná no movimento recente de instalação industrial.

Na perspectiva da desconcentração diferenciada por setores da indústria e analisando dados relativos ao Valor da Transformação Industrial (VTI), à distribuição do emprego industrial (Relatório Anual de Informações Sociais - RAIS e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED) e às intenções de localização de novos investimentos obtidas através do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Pacheco (1999) distingue grupos de gêneros de atividade industrial e seus respectivos graus de participação no processo de desconcentração. Assim, os gêneros que tiveram uma ampla desconcentração, no período compreendido entre meados da década de 1980 até 1997, foram: calçados, têxtil, produtos alimentares e bebidas; os que tiveram baixa desconcentração, até porque já haviam se desconcentrado, no período anterior 1970-1985, foram: química, papel e celulose e extração de minerais; enquanto os gêneros que tiveram desconcentração restrita aos estados do sul e sudeste foram: material de transportes, mecânica, minerais não metálicos, metalúrgica e material elétrico e de comunicações. Observando a distribuição desses últimos, na medida em que estão intimamente associados à indústria automobilística, o autor conclui pela ocorrência de uma desconcentração concentrada, pois predomina a localização nos estados do sul e sudeste brasileiros. Concomitante a essa desconcentração, ocorre uma forte concentração dos setores ligados às telecomunicações e informática em São Paulo.

Visando formular um esquema explicativo para o processo de desconcentração da indústria brasileira, capaz de realçar a concentração nos estados do sudeste e sul destacada anteriormente, Diniz (1993, p.35) propõe a definição de "aglomeração poligonal" para o fenômeno em que "um limitado número de novos pólos de crescimento ou regiões tem capturado a maior parte das novas atividades econômicas". A delimitação do polígono se faz pelas cidades de Belo Horizonte, Uberlândia, Londrina, Maringá, Porto Alegre, Florianópolis, São José dos Campos e Belo Horizonte. A região contida no interior do polígono é privilegiada do ponto de vista da localização das indústrias, em razão de certa similaridade de condições capazes de atraí-las, tais como tamanho urbano, serviços, infra-estrutura, alcance do mercado consumidor, dentre outras.

Igualmente, Santos (1993) chama a atenção para a existência, no Brasil, de um espaço privilegiado, ao qual denomina "região concentrada", no interior do qual, uma divisão do trabalho mais intensa que no resto do País garante a presença conjunta das variáveis mais modernas – uma modernização generalizada – ao passo que no resto do País a modernização é seletiva.... A região concentrada coincide com a área contínua de manifestação do meio técnico-científico, cuja lógica corresponde às necessidades do presente estágio de desenvolvimento do País ... o meio técnico-científico é o terreno de eleição para a manifestação do capitalismo maduro, e este também dispõe de força para criá-lo (Santos, 1993, p.39-40).

A região concentrada abrange os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, além de parcelas de Mato Grosso do Sul, Goiás e Espírito Santo. É nesse contexto de novas possibilidades de localização industrial que se insere o Paraná. Cabe ressaltar que as novas unidades implantadas apresentam maior liberdade de localização em relação às localizações tradicionais, ou seja, a desconcentração não se faz pela supremacia da transferência de unidades produtivas, mas pela implantação de novos estabelecimentos, muitos dos quais pertencentes a uma mesma empresa e que possui múltiplas localizações. No Paraná, a maior parcela dos novos investimentos industriais refere-se a empresas que não atuavam no país, como a Renault, a Audi-Volkswagen e a Chrysler, além de seus inúmeros fornecedores. Esta última funcionou por cerca de três anos e encerrou, em 2001, a sua efêmera passagem pelo estado.

O Gráfico 1 permite verificar a distribuição das fábricas de automóveis pelo país e a diferença estabelecida entre o período anterior a 1995 e o posterior, denotando alteração na supremacia de São Paulo e importante elevação na participação do Paraná.

O processo recente de instalação de novas unidades do setor automobilístico no Brasil revela-se não somente através da alteração espacial na localização das indústrias (desconcentração), mas também, no incremento da produção de veículos e na tecnologia empregada. Como resultado tem-se aumento da produtividade e redução dos níveis de emprego, além do aumento da participação do capital estrangeiro no controle da maior parte das indústrias de autopeças.

Assim, quando se analisa o papel da economia paranaense no cenário nacional, com a participação das indústrias automobilísticas centradas na RMC, faz-se mister considerar que tal só ocorreu a partir de uma nova lógica de distribuição da atividade industrial e da emergência de novas possibilidades para a sua implantação, antes restrita à cidade de São Paulo e seu entorno. Tais transformações fizeram-se acompanhar por importantes modificações no âmbito das relações e processos de trabalho e da organização dos trabalhadores, pois a desconcentração não se deu apenas em relação às unidades produtivas, mas também quanto a organização sindical, na medida que se ampliam as bases sindicais.
 

O trabalhador da indústria automobilística sob padrões flexíveis de produção

A adoção de inovações tecnológicas e organizacionais depende tanto do contexto histórico, econômico e social em que se inserem as empresas, quanto das relações internacionais que se estabelecem. As indústrias automobilísticas no Paraná respondem por novos padrões de organização da produção. São unidades sofisticadas quanto à tecnologia de projetos, processos e produtos que, instalando-se em locais desprovidos de tradição industrial e sindical, facilitam a implementação das inovações e potencializam seus resultados.

Essas empresas inovaram porque buscaram novos espaços, mas também devido ao alto índice de investimento tecnológico que incorporam à produção e à adoção de padrões de organização "enxuta" e flexível. Alguns setores do complexo automotivo e boa parte dos fornecedores, no entanto, estão sob a égide da organização taylorista-fordista. Se, por um lado, persiste esse sistema, por outro, sistemas flexíveis indicam uma organização segundo o princípio de "quase-integração vertical", que implica "relações estáveis entre fornecedores e clientes; uma importante participação do cliente no volume de negócios do fornecedor; um campo de subcontratação extenso, indo da concepção à comercialização; formas não mercantis de relações inter-firmas, indo da subordinação à parceria", tal como proposto por Lipietz e Leborgne (1988, p.23).

Esses padrões de organização e as especificidades da recente implantação de unidades fabris automobilísticas e seus fornecedores inserem-se no processo de mundialização com ênfase financeira, novas estratégias empresariais, re-espacialização com desconcentração industrial e estruturação em rede. Em decorrência, acontecem mudanças na organização do trabalho, com a redução de níveis hierárquicos, a flexibilização dos contratos, a remuneração e jornadas variáveis. Modificam-se, também, as atividades e funções exercidas pelos trabalhadores, exigindo-se polivalência, multifuncionalidade, qualificação e atualização permanente. À medida que a informatização de inúmeros postos de trabalho promove a integração em rede, exclui trabalhadores que não estão preparados para essa atuação diferenciada.

A reestruturação industrial implica, pois, novas concepções de trabalho e mudanças nas relações entre os diversos atores no "mundo do trabalho". O novo modelo de organização da produção e do trabalho – inspirado no toyotismo – valoriza e busca criatividade, qualidade e produtividade, mediante programas empresariais de qualidade total e flexibilização das empresas, com parcerias e terceirizações. Há uma tendência de deslocar a produção para empresas juridicamente independentes. Tais externalizações, típicas das grandes companhias transnacionais, não questionam as hierarquias, mas "representam meios que permitem às companhias estabelecer relações assimétricas perante outras empresas e reforçar o seu próprio poder econômico" Chesnais (1996, p.105). Tais interesses explicam o grande número de fusões, incorporações, aquisições e parcerias, principalmente durante os anos 90, em âmbito mundial.

Do ponto de vista do trabalho, essas mudanças significam o desenvolvimento de processos de despadronização e flexibilização de contratos de trabalho e de "enxugamento" dos quadros. Outros fatores, além da flexibilização, influíram na contração e transformações recentes do mercado de trabalho, entre esses, o nível de atividade econômica, o modo como o país se inseriu na economia e política externas, a reestruturação das empresas privadas e o ajuste do setor público (1).

O que acontece no Paraná confirma essa tendência à precarização, pois as novas indústrias são portadoras de um padrão produtivo que associa baixa demanda por mão-de-obra, ao mesmo tempo que exige níveis mais elevados de qualificação, não acessíveis à maioria dos trabalhadores. Acrescente-se a isso, o crescimento das migrações para a RMC em busca de trabalho, dadas as expectativas geradas.

Considerando o desempenho da indústria brasileira, com destaque à indústria de transformação e automobilística, analisamos o desempenho acumulado a cada ano, referente a 1996, 1999 e 2000. Em 1996, o resultado foi negativo quanto ao emprego industrial, tendo o gênero material de transporte apresentado o maior desemprego, com menos 6,28 por cento. A tendência negativa manteve-se em 1999, com pequena recuperação (-2,58%). Somente no ano 2000 houve um crescimento positivo na indústria, no gênero de material de transporte (6,71%). Embora pareça significativa, essa recuperação não repôs postos de trabalho extintos no período considerado (CAGED, 1996-2000).

Percebe-se que a reestruturação da indústria automobilística e a vinda de novas unidades não garantiu manutenção dos níveis de emprego na indústria no contexto nacional. A explicação pode estar relacionada ao fato de as antigas unidades se reestruturarem, demitirem e/ou deixarem de criar vagas e as novas serem instaladas sob sistemas flexíveis e "enxutos" de produção, envolverem tecnologia sofisticada e gerarem poucos empregos diretos, fatores que se combinam com a alta rotatividade de trabalhadores, dependendo da especificidade das atividades.

A problemática na instalação das indústrias automobilísticas na RMC não se refere apenas à baixa oferta de empregos diretos mas, principalmente, à defasagem entre empregos previstos e aqueles efetivamente criados. Embora algumas indústrias tenham chegado perto do número previsto, poucas o superaram, o que se observa na Tabela 1. Segundo a fonte analisada para o ano 2000 (SEID), haviam sido gerados apenas 41 por cento do total de empregos previstos nos protocolos relativos aos fornecedores das três montadoras.
 

Tabela 1 
RMC: Número de empregos nas montadoras e por fornecedores selecionados, 2000
Estabelecimentos
Empregos Previstos*
Empregos Criados até 2000**
Montadora
Audi/Volkswagen
3.000
3.343
 
Renault
2.000
2.177
 
Chrysler***
400
250
 
Total Montadoras
5.400
5.770
 
Tritec
1.000
202
Chrysler
Copo
400
46
Renault
Sommer Allibert
350
300
Renault e Audi
Bertrand Faure
300
95
Renault
Brose
270
40
Audi
Detroit Diesel
200
71
Chrysler
Brandl do Brasil
200
40
Audi
Koyo Steering
150
27
Renault
Johnson Controls
130
35
Audi
Edscha
120
115
Audi
Thera
110
45
Renault
Trèves
100
196
Renault
Grammer
100
80
Audi
SNR Roulements
75
75
Renault
Lear Corp
40
41
Chrysler
Dana
40
52
Chrysler
Total Fornecedoras Selecionadas
3.585
1.460
 
Fonte: * Protocolos firmados entre governo e empresas, SEID, 2000
** Cadastro Industrial do Estado do Paraná, 2001, Federação das Indústrias do
Estado do Paraná e para Renault, Audi, Chrysler, DIEESE, 2001.

Nas montadoras, em 2000, os números se aproximavam e até superavam as metas. Em 2001, no entanto, houve grande flutuação no número de empregos, ora para mais, ora para menos, foram dadas férias coletivas para evitar mais demissões e ocorreu o fechamento da Chrysler (DIEESE, 2001). A variação mensal do emprego relaciona-se ao modelo flexível, que permite contratação por tempo determinado em momentos de maior demanda.

O argumento de que os incentivos concedidos atrairiam indústrias e estas seriam grandes geradoras de empregos, pode ser contestado tanto para o Brasil, quanto para o Paraná. Do panorama exposto, percebe-se o grau de incertezas quanto ao desenvolvimento possível, em termos de estratégias para a ação sindical, nesta fase.
 

Desconcentração do poder sindical e descentralização das negociações

As dificuldades para a ação sindical referem-se ao fato de a mesma encontrar-se na confluência de paradigmas distintos e em transição, tanto o relacionado ao processo produtivo, quanto aquele que norteia a mobilização e defesa dos trabalhadores. Diferentemente das empresas que passam por reestruturação produtiva, as montadoras instaladas na RMC já chegaram estruturadas segundo alto padrão tecnológico e inauguraram um momento de adaptações ao seu ritmo, inclusive da parte dos sindicatos.

Pela dinâmica do sistema produtivo automobilístico recentemente instalado, as articulações entre a institucionalidade jurídica e as regras da economia mundial tornam-se mais rápidas e freqüentes, fazendo com que os vínculos local, regional, nacional e internacional obedeçam à lógica da racionalidade da economia flexível de escala e tendam a mascarar os processos de conflitos institucionais, dificultando a sua percepção pelos trabalhadores.

Ao criar situações sociais novas e complexas, o desenvolvimento capitalista tem levado a questionamentos acerca de sua racionalidade tecnológica, do determinismo econômico em sua hegemonia política, bem como da insensibilidade que tem demonstrado para com o fator humano. O fenômeno do desemprego e a instabilidade do trabalhador configuram-se como efeitos da flexibilidade no âmbito do trabalho, advinda com a adoção de tecnologia e de inovações organizacionais pelas empresas e a conseqüente redução de pessoal.

A economia que segmenta e desmobiliza os trabalhadores também bloqueia a sua interlocução com outros atores sociais e remete a práticas que põem em risco a organização e as reivindicações históricas do sindicalismo, instado a absorver a flexibilização do trabalho e a "flexibilidade do empregado", na expressão de Ducatenzeyler (apud. Palomino, 2000). Por não ser homogêneo, ele reage de modo diferente às mudanças em cada setor produtivo; assim, setores dinâmicos e de ponta, como o automobilístico, experimentam um movimento sindical mais decidido, embora haja discrepâncias em relação à pouca tradição industrial e sindical no Paraná.

As atuais transformações produtivas alteram as formas contratuais, organizativas e sociais do trabalho, revelando estratégias não só das empresas mas, também, dos trabalhadores para o enfrentamento dessas situações. Os desafios à inserção econômica internacional, às formas controladoras de gestão do trabalho, à regulação estatal das relações de trabalho, à precarização da remuneração dos trabalhadores, à segmentação do mercado de trabalho traduzem-se no enfraquecimento dos sindicatos e mudanças em seu eixo de ação. Essa experimenta a convergência histórica e contingencial dos padrões flexíveis de produzir, assumindo um tom defensivo e empresarial.

A dinâmica de rede, própria da produção de veículos leves em escala associada mundial, condiciona as relações inter e intra-empresas e, também, as negociações sindicais, pois como se refere (Wormald, 1999, p.62), se "las redes organizan empresas, desorganizan trabajadores". Como ator social, o sindicato tem diminuída sua interlocução com o Estado, dispõe de uma minoria afiliada e move-se para articular a representação de outras categorias. Como sujeito coletivo da ação, perde poder na negociação coletiva e cede à pressão das empresas, adotando na maioria das vezes, estratégias descentralizadas de negociação (Carvalho Neto, 2001).

A economia internacionalizada, com a interdependência entre os países e as empresas, mudou as relações de trabalho, dando ensejo a novas institucionalidades. Velhas instituições – representadas no Brasil pela legislação trabalhista dos anos 1940, pela intervenção do Estado na vida sindical e esta dependente daquele, pelos contratos coletivos por categoria, pelas negociações centralizadas – adeqüam-se a processos generalizados de flexibilização e criam situações atípicas. As relações de trabalho vão se redefinindo ao substituir seu caráter jurídico político por requisitos mais econômicos e técnicos, como os exigidos para contratação nas indústrias automobilísticas, enquanto sua natureza mais descentralizada e menos estatal elege as empresas como esfera principal das negociações, pulverizando a ação sindical.

Inúmeras insuficiências convergem para esse quadro, na atual fase industrial, com o Estado em seus estertores de extensão de benefícios e proteção sociais, com o aparato institucional-jurídico do trabalho alterado e o sindicalismo vivendo uma crise em tripla dimensão: de legitimidade, de representatividade e de organização. A primeira insuficiência expressa-se pelo aumento da desigualdade em nível de remuneração do trabalhador e de discrepâncias no interior das empresas e entre as regiões no país. Os pisos salariais de ingresso na Renault e na Audi-Volkswagen, que se situam em torno de R$700,00 (setecentos reais), equivalente a U$ 300 (trezentos dólares) são inferiores se comparados com os acordados em São Paulo. O segundo impedimento se faz sentir pela necessidade de o sindicato representar não só os trabalhadores formais, mas também aqueles que estão fora do mercado, seja pela redução de postos de trabalho, seja pela rotatividade imposta aos trabalhadores. E a última, mas não menos importante insuficiência, está no encaminhamento de reivindicações a reboque da reestruturação produtiva e de políticas de enxugamento dos quadros de mão-de-obra.

O sindicalismo no Brasil expõe marcas de um processo corporativista. As relações de dependência e tutela, resistência e contraposição em relação ao poder político organizado encontram-se em feições híbridas do sindicalismo, onde convivem ações mais complacentes para com o desenvolvimento capitalista e outras de posições mais acirradas, conforme as tendências ideológico-políticas das centrais sindicais e de diferenciações em seu interior.

No Paraná, os metalúrgicos da RMC filiam-se à central Força Sindical e em seus Acordos Coletivos com as montadoras Renault e Audi-Volkswagen, bem como com as empresas fornecedoras, têm enfrentado basicamente dois itens complexos e interdependentes: a flexibilização da jornada de trabalho e o sistema de remuneração variável. Subordinados à política organizacional de produção de cada empresa e aos arranjos possíveis entre elas e os empregados, ambos têm dificultado a forma múltipla de negociar, uma vez que os acordos anuais ajustam as cláusulas a alterações na economia.

À negociação descentralizada soma-se a situação de uma prática sindical que se obriga a atender novos focos da produção automobilística, como o Paraná, num forte processo de desconcentração de um sindicalismo antes restrito, hegemonicamente, ao eixo Rio de Janeiro - São Paulo, onde os metalúrgicos sempre responderam pela vanguarda e iniciativas críticas. Em meados da década de 1990, a inserção de outras regiões em redes corporativas abriu um tempo de aprendizado às negociações sindicais fora do foco geográfico da fase industrial anterior, correspondendo, no entanto, às exigências concomitantes da desconcentração espacial das indústrias e de sua integração à economia mundializada.
 

Considerações Finais

As mudanças em curso não têm cor apenas local ou regional, pois tomam o tom de marcos estruturais da sociedade capitalista moderna, com múltiplas repercussões no uso político do território para atrair e locar os grandes empreendimentos transnacionais. Ao racionalizarem as relações de produção no curso da modernização, fazem com que as relações de poder imediatas e pessoais sejam substituídas pela imposição silenciosa das relações econômicas, parafraseando Marx (1975). Nessa concentração de poder, diferenciam-se as instituições no âmbito político e emerge o mercado econômico, qual onipresente, nefasto e poderoso senhor. As regras de sua dinâmica têm força de lei determinada pelo desenvolvimento de rentabilidade do capital e contam com o papel ativo do Estado na mundialização do capital (2).

Esse movimento do grande capital faz surgir "novas fronteiras econômicas entre espaços de reprodução", como afirma Altvater (1995, p.203), justamente pela interdependência que se instala entre o político e o econômico. Ao atrair grandes investimentos industriais para o seu território, mais especificamente para a RMC, o Paraná coloca-se como uma dessas fronteiras. A implantação das empresas montadoras em território paranaense, ao investir sobre as instituições políticas do estado e inovar em sua estrutura de produção e de trabalho, afetou as bases do contrato social, próprias de uma sociedade e de um sindicalismo, até então, relativamente à margem do sistema econômico hegemônico. Trabalhadores e sindicatos vêem-se, desse modo, compelidos a desenvolver ações que configuram um processo de adequação à flexibilização e à regulação do trabalho.

Ao processo de flexibilização das relações de trabalho correspondem formas de sua desregulamentação, propícias ao gerenciamento das empresas e ao tolhimento de prerrogativas próprias dos sindicatos. Afloram no moderno setor automobilístico as debilidades locais e estruturais do movimento sindical brasileiro, que se familiariza com a dinâmica das estratégias de integração sócio-econômica ao mercado internacional.

Novos níveis de articulação entre a sociedade e o Estado, a empresa e a rede, o mercado restrito e o internacional, as organizações sindicais e os trabalhadores são resultantes de processos concomitantes de desconcentração da indústria, de descentralização nas negociações coletivas, de horizontalização da produção em cadeias produtivas, de expansão da representação sindical diferenciada dos trabalhadores segmentados e de complexo ajuste e reconversão das indústrias e do movimento sindical à realidade flexível da produção e do trabalho. Fenômeno cultural do nosso tempo, essa economia política não ocorre de maneira uniforme, mas imbrica diferentes planos de ação num misto de modelos de produção e de gestão do trabalho, que o complexo da indústria automobilística expressa tão bem.
 

Notas

(1) Pesquisas demonstram que a supressão de postos de trabalho formal, mesmo acompanhada de expansão das atividades informais, autônomas e de pequenos negócios, não garante a adequada reinserção aos desempregados. Essa situação de crescente desemprego implica em precarização das condições sociais, pois não só influi na dinâmica do mercado de trabalho mas, também na organização sindical, na situação previdenciária e nas condições de vida dos trabalhadores. Sobre as transformações recentes no mercado de trabalho e o desemprego ver: POCHMANN, M.; QUADROS, W. Transformações recentes no padrão de emprego regular urbano: uma síntese do panorama nacional e regional. Rev. Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n. 90, jan/abr., p. 15-29, 1997 e POCHMANN, M. O fenômeno do esemprego no Brasil: diagnóstico e perspectivas.Documento elaborado para o CRUB para subsidiar a 1ª Semana Nacional Universitária – 26-29/out/99 e a 1ª Conferência Nacional Universitária – 23-24/nov/1999.
(2) Na última década do século XX, o investimento externo tornou-se mais dinâmico que a formação de capital nacional e a movimentação financeira internacional superou em grande escala os sistemas financeiros nacionais. Esses fenômenos são reconhecidos como "paradoxos da globalização", pois requerem políticas nacionais para adaptar os sistemas produtivos a um grau maior de interdependência com outras economias; engendram simultaneidade no processo de globalização e crescente regionalização; processam negociações das condições para as transações econômicas pautadas pelas empresas transnacionais; fazem emergir um mercado de trabalho internacional, em que a regulamentação da mão-de-obra qualificada torne-se tema das agendas negociadoras. V. BAUMANN, R. Uma visão Econômica da globalização. In: BAUMANN, R. (Org.). O Brasil e a economia global. Rio de Janeiro: Campus, 1996, p.40-47.
 

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© Copyright Benilde Maria Lenzi Motim, Olga L. C. Freitas Firkowski y Silvia Maria P. de Araújo, 2002
© Copyright Scripta Nova, 2002
 

Ficha bibliográfica

MOTIM, B.M.L.; FIRKOWSKI, O.L.C.F.; ARAÚJO, S.M.P. de.  Desconcentração da indústria brasileira e seus efeitos sobre os trabalhadores - a indústria automobilística no Paraná. Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Universidad de Barcelona, Vol. VI, nº 119 (88), 2002.[ISSN: 1138-9788]  http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-88.htm


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